Índice
Índice
“Ao longo das últimas semanas, alguns tripulantes de cabine recusaram realizar o seu dever, num pressuposto desinformado de que eles têm poder de decisão. Este comportamento é inaceitável e não pode ser tolerado. A tripulação não tem poder de decisão para determinar que voos vão ser realizados”. Esta é uma parte do memorando interno que foi enviado a todos os trabalhadores da companhia aérea irlandesa Ryanair, no passado dia 11 de julho. “Tivemos tripulações a decidir perturbar os nossos passageiros, ao cancelarem voos com base na avaliação que fizeram da quantidade de comida que tinham a bordo ou dos níveis de ar condicionado”, continua o memorando a que o Observador teve acesso.
O documento chegou aos trabalhadores três dias depois de a tripulação de Palma de Maiorca ter decidido não realizar o último trajeto de um voo de quatro setores (de Palma de Maiorca para Madrid; de Madrid para Palma de Maiorca; de Palma de Maiorca para Colónia; e de Colónia para Palma de Maiorca). À partida, seria possível cumpri-lo, mas todas as fases da viagem tiveram um atraso, o que fez com que, quando chegaram a Colónia para iniciar o último trajeto, os tripulantes já tivessem ultrapassado as horas legais de voo consecutivas. Estavam, assim, a trabalhar há mais de 12 horas e ainda faltava a última ligação. “A tripulação decidiu que não tinha condições físicas e psicológicas para continuar a trabalhar e, por isso, não estava 100% capaz de garantir a viagem de regresso”, recordou um funcionário da Ryanair ao Observador, explicando que, nestes casos, informam-se os responsáveis, que depois decidem se a tripulação é substituída por outra ou se o voo é realizado noutra hora. Até lá, os tripulantes ficam a descansar num hotel, garantido pela transportadora aérea.
Quantas horas podem os tripulantes trabalhar?
↓ Mostrar
↑ Esconder
O limite máximo de horas de voo legalmente previsto pela União Europeia é de 13 horas. Este número pode variar consoante o número de setores do voo e as horas a que é iniciado mas nunca ultrapassa as 13 horas. Existe uma possibilidade de extensão total até 14 horas. Além de só poder acontecer num número limitado de vezes por semana, a extensão só pode ser feita se for planeada. Isto é, os tripulantes só podem trabalhar 14 horas se tiverem conhecimento da realização da extensão à saída da base.
Comissão Europeia
A opção tomada não foi nenhuma destas duas: “Os tripulantes sofreram pressão e intimidação por parte da chefia. Ligaram-lhes e disseram que não tinham o direito de privar os passageiros do voo, só porque não queriam trabalhar”. E deram ordens. “Tiveram de embarcar num voo para Dublin, com escala em Manchester, para terem uma reunião disciplinar. Já estavam a trabalhar há mais de 14 horas, sempre de uniforme”, denunciou um funcionário da empresa com sede em Dublin, na Irlanda, ao Observador. “Quando chegaram a Dublin, já deviam ter ultrapassado as 20 horas de serviço”, acrescentou.
“Qualquer recusa [em realizar voos] resultará em processos disciplinares ou despedimentos”, lê-se no memorando interno. Não terá sido só uma ameaça. De acordo com denúncias de funcionários, nessa reunião na sede da Ryanair, os tripulantes de Palma de Maiorca foram “questionados, pressionados e mais: atiçados a acusarem-se uns aos outros” sobre quem tinha incitado o grupo a não fazer a última escala. Ninguém acusou ninguém porque a decisão de não fazer o último voo foi tomada em conjunto. “Todos foram despedidos”, revelou o funcionário ao Observador. Como viria a Ryanair a explicar aos funcionários três dias depois, “se a tripulação acha que perturbar voos e cancelar as férias das pessoas é um comportamento aceitável, então não são adequados a esta indústria”.
Como em quase todas as histórias como esta, será uma palavra contra a outra. Ao Observador, fonte da Ryanair negou os despedimentos: “Nenhum tripulante de cabine perdeu ou poderia perder o seu emprego por prudência ou fatiga”. A Ryanair garante que o documento enviado aos trabalhadores não se referia à tripulação de Palma de Maiorca. “O memorando mencionava especificamente casos de recusa de trabalho em situações em que não se aplicam nem fatiga nem longas horas de trabalho”, disse a mesma fonte.
No mesmo memorando, a Ryanair pedia desculpa a todos aqueles “que não toleram estes comportamentos” mas que receberam o comunicado porque “há um pequeno número de tripulantes de cabine que acham que o conforto deles está à frente dos nossos passageiros”. Para um dos funcionários, o que a tripulação de Palma de Maiorca fez foi o contrário: “Se negamos fazer um voo, estamos a pensar é nos passageiros e não em nós”. E explica: “Na eventualidade de acontecer algum acidente, temos de estar em condições para reagir. Se estivermos cansados, não temos o mesmo tempo de reação.”
A situação com os tripulantes de Palma de Maiorca, para alguns dos funcionários, ouvidos pelo Observador, “ilustra bem o que se passa na companhia” e que serviu de motivo para várias paralisações. Para esta quarta e quinta-feira, dias 25 e 26 de julho, está agendada mais uma greve da Ryanair. É a primeira a nível europeu: junta trabalhadores da companhia aérea com base em Portugal, Espanha e Bélgica. No primeiro dia, aderem também os pilotos com base em Itália. Para estes dois dias de paralisação, a Ryanair prevê que sejam cancelados até 600 voos em toda a Europa — 12% do número total de voos operados — e que 50 mil passageiros sejam afetados.
Apesar de ser a primeira a nível europeu, é a quinta greve a acontecer na companhia aérea irlandesa e a quarta num só mês. A primeira paralisação de sempre na história da empresa foi a dos tripulantes de cabine com base em Portugal, realizada em três dias não consecutivos: 29 de março, 1 e 4 de abril deste ano. Em dezembro, tinham sido agendadas paralisações em vários países, mas não chegaram a acontecer. A segunda greve foi a dos pilotos irlandeses, no dia 12 de julho, que voltaram a fazer uma paralisação no dia 20 e outra no dia 24.
A Ryanair tem mais de 2 mil voos diários, a partir de 86 bases, fazendo a ligação entre mais de 220 destinos, em 37 países. Em 2017, tornou-se a primeira companhia aérea europeia a transportar mais de mil milhões de passageiros. Nesse ano, as polémicas em torno da empresa também atingiram números recordes, com greves cada vez mais frequentes. Afinal, o que é que se está a passar na transportadora aérea irlandesa?
Como é que tudo começou?
Com cancelamentos de voos. No dia 15 de setembro de 2017, a companhia aérea irlandesa Ryanair anunciou que ia cancelar entre 40 a 50 voos por dia, até ao final de outubro: um total de dois mil voos. Os cancelamentos foram apresentados como uma medida para melhorar a taxa de pontualidade da transportadora aérea, que tinha caído dos 90% para os 80% nas duas primeiras semanas de setembro.
Segundo o presidente-executivo da companhia aérea, Michael O’Leary, os problemas com a pontualidade estavam relacionados com uma “falha na distribuição das férias” dos trabalhadores, da qual assumiu “toda a responsabilidade”. “Não temos falta de pilotos. Houve uma falha na distribuição das férias e não temos uma reserva de pessoal suficiente para enfrentar os transtornos sofridos, como os provocados por controladores ou pela climatologia”, explicou O’Leary, numa conferência de imprensa realizada em Dublin na sede da Ryanair, três dias depois de anunciados os cancelamentos. A Ryanair voltou a confirmar ao Observador que “nunca sofreu de qualquer falta de pessoal” mas de uma “falha planeamento dos horários dos pilotos” — a qual responderam daquela forma “para assegurar que tal situação não voltará a repetir-se”, disse a mesma fonte, destacando que, no passado dia 19 de julho, juntaram-se à equipa mais 30 pilotos.
De uma maneira ou de outra, os cancelamentos marcaram o início de uma escalada de problemas. Para começar, com os 315 mil passageiros furiosos por verem os seus voos cancelados. Em Portugal, o aviso dos cancelamentos no site da companhia dava apenas duas soluções aos que foram afetados: pedir o reembolso ou alterar o voo gratuitamente. A Ryanair não fazia referência ao direito de indemnização pelo cancelamento. A Comissão Europeia tratou logo de pedir à companhia aérea para “respeitar plenamente” os direitos dos passageiros. A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) começou a acompanhar a situação e a prestar assistência aos passageiros, recomendando-os a apresentarem uma reclamação formal junto da Ryanair. O ministro do Fomento de Espanha, Íñigo de la Serna, ameaçou multar em 4,5 milhões de euros a companhia, que viria a perder cerca de 25 milhões com os cancelamentos.
97% dos clientes afetados por cancelamentos de voos viram a sua situação resolvida. Mas, no final de setembro, mais cancelamentos foram anunciados, entre novembro deste ano e março de 2018 — uma medida para eliminar qualquer risco de futuros cancelamentos. Por essa altura, a Ryanair já estava a ser investigada pela Autoridade de Aviação Civil do Reino Unido, para averiguar se a transportadora desrespeitou os direitos dos clientes. No início de outubro, as polémicas com os cancelamentos levaram à demissão do diretor de operações da Ryanair, Michael Hickey.
O erro de escalas não é, para vários funcionários que falaram com o Observador, a verdadeira justificação para o que aconteceu. “O que a Ryanair transmitiu foi que se tratava um erro de escalas. Não é a verdade. Muitos pilotos, fartos das condições precárias e do bullying constante, decidiram sair da companhia aérea”, disse um deles. De facto, quando, em setembro, a Ryanair anunciou os cancelamentos, o número de pilotos que desde o início do ano tinham deixado a companhia, para integrar a Norwegian Air, já ia nos 140, revelou a AFP, na altura.
Quando é que começaram as greves?
Além dos problemas causados aos passageiros, os cancelamentos viriam a motivar, também, os trabalhadores a revelarem os problemas dentro companhia aérea. E a polémica em torno da Ryanair ganhou novos contornos: em 30 anos de existência, a companhia enfrentava movimentos grevistas, pela primeira vez. Os pilotos e assistentes de voo com base em Itália foram os primeiros, ao anunciar uma paralisação de quatro horas no dia 15 de dezembro de 2017, contra a recusa da administração da Ryanair em negociar os contratos de trabalho — à qual os pilotos com base na Alemanha admitiram aderir. A companhia não tardou a reagir. Numa carta assinada pelo responsável pelo recursos humanos — e que, para o secretário-geral do sindicato, “confirmava a arrogância e a ausência de escrúpulos” da Ryanair –, Eddie Wilson ameaçava todos os trabalhadores que pensassem aderir à greve com “perda de futuros aumentos salariais, de transferências [de base, que tivessem sido pedidas] ou promoções”. Os pilotos com base na Irlanda também agendaram uma greve para o dia 20 de dezembro, à qual se juntaram os pilotos portugueses.
Os trabalhadores ameaçavam, assim, parar a companhia aérea por toda a Europa, durante a época natalícia. Tal cenário terá sido suficiente para assustar a empresa. No dia 15 de dezembro, mesmo a tempo da paralisação de quatro horas dos pilotos de Itália, a Ryanair propôs reconhecer os sindicatos dos pilotos, “para evitar ameaças de transtorno para os clientes durante a semana do Natal”, lia-se na carta de O’Leary, que pedia o cancelamento da greves — o que viria a acontecer. “Ainda em Dezembro de 2017, a Ryanair decidiu reconhecer sindicatos, tendo já assinado acordos com sindicatos de pilotos e tripulantes de cabine no Reino Unido e Itália e, recentemente, com o sindicato de tripulantes de cabine Ver.di, na Alemanha”, confirmou fonte da Ryanair ao Observador.
O Natal passou, mas os problemas ficaram por resolver. E uma nova greve, que viria a ser a primeira a ser realizada na história da empresa, foi agendada pelos tripulantes de cabine portugueses. “Tomámos a iniciativa de parar com aquilo que consideramos serem abusos e começar a lutar por aquilo que consideramos condições de trabalho corretas”, explicou um dos funcionários ao Observador.
A greve aconteceu. A adesão foi superior a 90%. E uma nova polémica nascia. “Há uma substituição de grevistas, porque a Ryanair, novamente cometendo uma ilegalidade, traz tripulantes de outras bases para fazerem os voos a partir das bases em Portugal”, acusou, na altura, Luciana Passo, presidente do SNPVAC. A própria Ryanair admitiu ter recorrido a voluntários e a tripulação estrangeira durante a greve portuguesa, num memorando interno onde lhes agradecia. E acusou o sindicato de “intimidar a tripulação que deseja exercer o seu direito de trabalhar normalmente”. Esta situação levou a Autoridade para as Condições de Trabalho a investigar a transportadora, para averiguar irregularidades relacionadas com o direito à greve.
A 2 de abril, os sindicatos começaram a negociar uma greve europeia — agendada para quarta e quinta-feira — que a Ryanair considerou, desde logo, “desnecessária”, como a classificou. A companhia enviou, na passada terça-feira, um email aos tripulantes para perceber se vão aderir à greve, incentivando-os a apresentarem-se ao trabalho. Fonte da Ryanair confirmou que o email foi enviado, mas recusou qualquer ilegalidade: “Podemos perguntar aos nossos colaboradores se estes pretendem trabalhar nos turnos que lhe foram atribuídos, do mesmo modo que eles podem decidir se respondem ou não. Temos o direito de procurar respostas (a questões razoáveis) dos nossos colaboradores”. A mesma fonte garantiu que “ninguém pode ser, nem será, castigado ou vitimizado por aderir a uma greve, do mesmo modo que os sindicatos não podem ameaçar, intimidar e transmitir informação incorreta a todos os que não desejam aderir à greve”.
De que se queixam os trabalhadores?
“Os problemas não são portugueses. São transversais a todos os países em que a Ryanair opera”, deixou claro um dos trabalhadores. Os dados revelados pelo SNPVAC revelam que, “dos 80 trabalhadores que estavam na base de Lisboa, 15% despediu-se”. “Em 2012, a taxa de retenção de trabalhadores era altíssima: um trabalhador entrava e ficava entre três a quatro anos, na empresa. Agora ficam uma semana”, adiantou um dos funcionários ao Observador. Os números não enganam: há cada vez mais trabalhadores a deixar a companhia. Mas de que se queixam?
Pressões “silenciosas” e “bullying”. Uma “política de bullying e intimidação”. É assim que alguns funcionários descreveram ao Observador a “realidade” da companhia aérea. As vendas a bordo serão uma “pequena amostra”. “Percebemos que faça parte do modelo de negócio. Tentamos vender mais e cumprir os objetivos, como profissionais que somos, mas se não dá, não dá. Não podemos obrigar as pessoas a comprar”, disse um deles. Existem objetivos de venda por voo e por semana – que os funcionários tentam “cumprir como profissionais”. Quando os limites de venda não são cumpridos, as consequências são sentidas. “Se queremos trocar um dia de folga ou marcar férias, baseiam-se em tudo isso para poderem negar”, garante um dos tripulantes.
Os bónus de produtividade também serão uma ferramenta de “intimidação”, asseguram. Segundo os trabalhadores, o bónus foi introduzido depois da primeira greve. “Disseram eles, porque não está escrito em lado nenhum”, comentou um trabalhador numa conversa com o Observador. Há vários fatores que fazem com que os funcionários percam o bónus: “Se estivermos doentes, avisam-nos que vamos perder o bónus – o que faz com que as pessoas venham trabalhar doentes, pondo em risco os passageiros, para não perderem um suposto bónus”. Os dias de greve também são declarados com uma falta injustificada. Aliás, a companhia já terá avisado que quem aderir à greve “irá perder o bónus de produtividade de junho, no valor de 150 euros“. O Observador questionou a Ryanair sobre os critérios de atribuição do bónus, mas não obteve resposta.
“Para esta greve [de 25 e 26 de julho] atribuíram serviços de stand-by no aeroporto a pessoas que estavam de folga. Assim, como passaram a estar convocados para trabalhar, se fizerem greve, é atribuída uma falta injustificada”, revelou um dos funcionários. Existem dois tipos de stand-by: funcionários que estão sem voar, mas que ficam de reforço, no aeroporto e em casa. No primeiro caso, os trabalhadores ficam no aeroporto oito horas e recebem um valor fixo de 25 euros por dia. No segundo caso, de stand-by em casa, os funcionários ficam a aguardar (até 11 horas não pagas) que lhes liguem para irem trabalhar. “Se nos ligarem para operar, temos uma hora para estarmos preparadíssimos e prontos a embarcar”, explicou um tripulante ao Observador.
São pagos à hora, mas recebem menos do que as que trabalham. Os trabalhadores são subcontratados por duas empresas que pagam à hora. “No mês passado, fui pago por 70 horas, mas trabalhei 160 para a companhia”, garantiu um dos funcionários ao Observador. É que, para efeitos de pagamento, só são contabilizadas as horas a partir do momento que o avião descola até que aterra. “Ou seja, não contabilizam os 45 minutos que estamos antes, já com o uniforme, para fazer o briefing do voo: estudar o numero de passageiros, como vai funcionar tudo, etc. Também não são contabilizados os 25 minutos em que desembarcamos os passageiros e depois fazemos vistorias ao avião”, explicou um tripulante. O Observador questionou a Ryanair sobre os critérios de pagamento, mas não obteve resposta.
O problema agrava-se quando há um atraso com o avião. 45 minutos depois de os passageiros terem sido embarcados, mesmo que o avião ainda esteja em terra, os tripulantes têm de iniciar as vendas a bordo. “Por exemplo, temos uma restrição do controlo de tráfego aéreo, que pode demorar as horas que forem necessárias. Durante esse tempo, estamos a trabalhar gratuitamente, a fazer dinheiro para a companhia e não recebemos, porque o avião ainda não partiu”, contou um dos trabalhadores, adiantando que outra “forma de bullying frequente é, para não despedirem as pessoas e terem de pagar alguma indemnização, deixarem os trabalhadores em casa, à espera de chamada de reforço, sem receberem nada, para obrigar as pessoas a despedirem-se”.
Um dos primeiros pedidos dos trabalhadores, quando se iniciou este rol de greves, foi um ordenado base para que pudessem ter “algum tipo de segurança”. Um dos funcionários recordou o caso do vulcão na Islândia, que impediu a circulação de centenas de voos no espaço aéreo europeu. Sem aviões no ar, os trabalhadores não voaram e, por isso, não receberam. A Ryanair aceitou o pedido de garantir um ordenado base, mas a proposta foi considerada “ridícula” pelos funcionários com base em Portugal, porque “diminuiriam entre 200 e 500 euros o vencimento”.
Ordenados baixos e não os valores que a Ryanair afirma. “É mentira”. Os trabalhadores não hesitam quando a pergunta é: “Recebem 40 mil euros por ano?”. Ao longo dos vários meses de polémica, a companhia aérea tem vindo a usar o argumento dos salários como uma forma de justificar por que é que consideram “desnecessárias” as greves. Ainda esta terça-feira, publicou no seu site alguns “factos” sobre a companhia: “A tripulação de cabine da Ryanair ganha até 40 mil”. Esse valor de referência é, para os trabalhadores, “enganador”. “Na Irlanda, poderá haver alguém com um contrato muito antigo, numa posição de chefia, que recebe esse valor. Mas, mesmo assim, a classe que recebe mais não chega a esses 40 mil”, garante um funcionário. No site, a Ryanair publicou esta terça-feira uma tabela onde revela “exemplos dos ordenados atuais da tripulação de cabine, em junho de 2018”, nos vários países onde opera. Os valores apresentados para os trabalhadores com base em Portugal são de 34,561,80 e 25,726,56 euros por ano. Ao Observador, fonte da Ryanair garantiu que “emprega milhares de tripulantes de cabine por toda a Europa que auferem boas remunerações entre 24 mil e 40 mil por ano“. Mas os recibos de vencimento, referentes ao ano 2017, a que o Observador teve acesso, mostram valores mais baixos. Apesar de ambos os valores serem referentes a anos diferentes, os funcionários da Ryanair garantem que não houve aumentos este ano que justifiquem os valores mais altos apresentados no site.
Contratos não passam a efetivos e não existem subsídios ou seguros. Apesar de trabalharem em bases de outros países além da Irlanda, as empresas que sub-contratam os trabalhadores são irlandesas e, por isso, a lei que prevalece é a da Irlanda – “extremamente precária”, dizem os funcionários. Daí que um dos pedidos seja o de que a Ryanair se adapte à lei da cada país onde opera. Os contratos são de três anos, renováveis, mas nunca passam a efetivos. “Num eventual despedimento, não terei direito a subsídio de desemprego. Não temos subsídio de férias ou de Natal, nem seguro de trabalho”, disse um funcionário, acrescentando que, depois da primeira greve, a Ryanair terá dito que “a partir de abril, os contratos passariam a efetivos”. Mas não passaram. “Dizem que se deve aos problemas de instabilidade com as tripulações portuguesas”, explicou um dos trabalhadores. O Observador questionou a Ryanair sobre os contratos, mas não obteve resposta.
Licença de maternidade implica ficar um mês sem ordenado. Há trabalhadores que descontam para segurança social em Portugal, outros para a Irlanda. “Sendo o contrato irlandês, a parentalidade ou maternidade tem de respeitar lei irlandesa, mas quem está a pagar é a segurança social portuguesa, para os casos de trabalhadores que descontam para Portugal”, explica um funcionário. Na Irlanda, a licença máxima é de seis meses. Em Portugal, é de cinco. “Uma grávida que trabalhe na Ryanair vai receber cinco meses. Ao fim do quinto mês, não tem autorização da empresa para voltar. A Ryanair não deixa e usa o facto de a licença na Irlanda ser de seis meses para o justificar. Ou seja, a mãe fica um mês em que nem pode receber nem pode trabalhar”, denuncia um funcionário. O Observador questionou a Ryanair sobre as licenças de maternidade e paternidade, mas não obteve resposta.
Têm sido feitas negociações?
Aparentemente, não. De acordo com funcionários da companhia, não faltam tentativas por parte do sindicato. Mas a Ryanair recusa-se a reunir com os representantes do SNPVAC porque estes trabalham em companhias aéreas da concorrência. “A direção do sindicato é eleita por todos. Há trabalhadores da TAP, SATA, Easyjet, etc. De todas as reuniões convocadas, nunca saiu nada produtivo, porque eles [representantes da Ryanair] sempre que chegam cá, dizem: ‘Não vamos reunir com este senhor porque ele trabalha para a TAP’. A flexibilidade é zero”, defendeu um funcionário da Ryanair.
Ao Observador, a Ryanair garantiu estar em “negociações continuas com sindicatos por toda a Europa”, mas confirmou que apenas negoceia com colaboradores da Ryanair, “não com representantes de outras companhias aéreas concorrentes”.