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Este texto, sobre todo o conteúdo da acusação, baseia-se em peças publicadas originalmente a 7 e a 11 de janeiro de 2016.
Noite, discotecas, seguranças e violência são os ingredientes principais do caso das Máfias da Noite. Alguns dos episódios retratados pelo Ministério Público (MP) ao deduzir acusação parecem tirados da série Sopranos, mas em vez dos subúrbios de Nova Jérsia, (Nova Jérsia, Estados Unidos) terão acontecido essencialmente na vida real do Grande Porto (Portugal, União Europeia).
A Operação Fénix (outro dos nomes pelo qual é conhecido este caso) leva automaticamente a esse paralelismo com o dia-a-dia de Tony Soprano: a imposição de serviço de segurança a empresas de diversão noturna através do uso da violência, a criação de insegurança para forçar as mesmas empresas a contratarem os serviços da ‘família’ (neste caso, e segundo o MP, a empresa SPDE, de Eduardo Silva), a cobrança de um ‘imposto’ sem qualquer serviço prestado, a cobrança de dívidas difíceis ou até o papel de justiceiro em causa alheia (a troco, claro, do pagamento do serviço). Tudo isto parece ser matéria de ficção televisiva para ver tranquilamente em casa acompanhado de um balde de pipocas. Mas apenas, até lermos a acusação do MP. Quem se lembrar da Operação Noite Branca vai ter uma sensação de deja vu.
O que foi a Operação Noite Branca?
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A Operação Noite Branca surgiu no final de 2007 na sequência de uma espiral de violência que colocou a noite do Porto a ferro e fogo. Os negócios em volta da segurança de estabelecimentos noturnos é precisamente o ponto em comum com a Operação Fénix mas a escalada de violência é significativamente maior devido aos quatro homicídios verificados em 2007: Aurélio Palha, dono de uma discoteca, e os seguranças Alberto Ferreira (‘Berto Maluco’), Nuno Gaiato e Ilídio Correia foram assassinados a tiro. Bruno ‘Pidá’, o alegado líder do Gangue da Ribeira, foi condenado em 2010 a 23 anos de prisão pelo homicídio de Ilídio Correia e outros crimes, sendo que mais três membros do Gangue da Ribeira conheceram penas superiores a 20 anos. A morte de Nuno Gaiato, abatido com um tiro na cabeça, levou igualmente a uma condenação de 12 anos e meio de Hugo Rocha. Já o julgamento do homicídio de Aurélio Palha, que também era imputado ao grupo de Bruno ‘Pidá’, terminou com absolvições, enquanto o caso da morte de ‘Berto Maluco’, assassinado em dezembro de 2007 como três rajadas de metralhadora Uzi, foi arquivado na fase de inquérito por falta de provas pela equipa especial liderada pela procuradora Helena Fazenda que tinha sido nomeada para investigar estes casos.
Porque é essa ficção tornada realidade que leva a uma acusação pouco comum, que reúne crimes como associação criminosa, extorsão agravada, ofensa à integridade física qualificada, coação, detenção de arma proibida, tráfico e mediação de armas — eis alguns exemplos dos crimes imputados aos 54 arguidos que serão julgados num tribunal improvisado nos Bombeiros Voluntários de Guimarães. Assim como já tinha levado a buscas durante o verão de 2015, que culminaram na apreensão de diversas armas ilegais (por não estarem registadas) como pistolas de uso militar Sig Sauer, Beretta ou Walther e respetivas munições armazenadas nas casas dos principais arguidos, de mais de 100 mil euros em dinheiro e de viaturas automóveis valiosas como o Porsche Panamera, Audi Q7, Audi A8 ou Audi TT, entre outras. Não são os Sopranos mas, segundo a acusação do MP, tentavam parecer.
A defesa, contudo, tem uma visão oposta do processo. Por exemplo, Nuno Cerejeira Namora, advogado de Hélio Varela (um dos arguidos do chamado setor de Vila Real), não tem dúvidas em afirmar que “a acusação nada mais é que uma efabulação e uma panóplia de inverdades” – uma visão que é seguida por outros advogados que não quiseram prestar declarações. Namora acrescentou ainda que o seu cliente “jamais exerceu qualquer atividade de segurança sem para tal estar habilitado, nem colocou seguranças em estabelecimentos de diversão noturna sem estarem estes habilitados a tal exercício. Isto tal como jamais coagiu qualquer proprietário de estabelecimento a aceitar os serviços de segurança da SPDE no seu estabelecimento, ou a pagar eventuais montantes em dívida pela prestação daqueles. Vamos, assim, certamente, requerer abertura de instrução quanto a tal factualidade”. O Observador tentou contactar outros advogados dos arguidos da Operação Fénix mas não obteve resposta.
No centro deste caso está a empresa SPDE – Segurança Privada e Vigilância em Eventos, Lda, e o seu gerente Eduardo Silva, também conhecido por Edu. Escutados, vigiados e monitorizados durante largos meses pela Divisão de Investigação Criminal da Polícia de Segurança Pública, os principais funcionários da SPDE são retratados na acusação do MP como um grupo de Edu – o alegado líder, mentor e autor das ordens essenciais ao funcionamento daquilo que os procuradores João Centeno e Filomena Rosado, autores da acusação, chamam de associação criminosa.
Divididos entre o Porto, Póvoa de Varzim, Espinho, Vale do Sousa (Paços de Ferreira, Paredes, Castelo de Paiva, Felgueiras, Lousada e Penafiel), Vale do Cávado (Braga, Barcelos, Esposende, Amares), Viana do Castelo, Vila Real e Lisboa – a última área em que a SPDE entrou e que, segundo fontes próximas de Eduardo Silva, está na origem do processo, a empresa chegou a ter cerca de 484 funcionários em junho de 2014 e a prestar serviços a 329 estabelecimentos noturnos.
Além da ‘noite’, a SPDE também trabalha na chamada segurança estática (vigilância a diversas empresas privadas com a E. Lecrec e Barros e Cunha), segurança privada em eventos (WRC Lousada, Circuito da Boavista, concertos musicais, etc.) e segurança privada em recintos desportivos (jogos do FC Porto no Estádio do Dragão).
A SPDE teve origem numa cisão da empresa Segureza, onde Edu trabalhava. Edu, que também é conhecido por “Maestro”, saiu em outubro de 2008 e levou com ele um grupo de funcionários e algumas casas de diversão noturna como clientes para a nova SPDE.
Como operava o Maestro?
Segundo o MP, Edu, o ‘Maestro’, acompanhava à distância as movimentações no terreno. Alegadamente, e segundo as escutas telefónicas citadas ao longo do despacho de acusação, ter-se-ia afastado da “noite, das pancadas”, incumbindo, de acordo com o MP, “os coordenadores” e os “operacionais do terreno” de alegadamente “executarem atos violentos com vista a cobrarem quantias monetárias junto dos responsáveis pelos estabelecimentos, quer as que decorriam dos serviços de vigilância aí prestados pela SPDE e cujos pagamentos estavam atrasados, quer as que nem sequer lhe eram licitamente devidas”, lê-se na acusação.
Automaticamente, o chamado piquete de segurança da SPDE era acionado para que o segurança agressor fosse substituído por outro funcionário da empresa de forma que a polícia não o identificasse com a ajuda do cliente agredido.
Com base essencialmente em excertos das escutas telefónicas de que foi alvo, Edu é descrito ao longo da acusação como um homem que gosta de impor a sua autoridade e os seus pontos de vista. Até com a polícia – como já se viu em imagens televisivas aquando de alguns desacatos no Estádio do Dragão na época de 2014/2015.
Insatisfeito com a fiscalização que os funcionários da SPDE estariam a ser alvo, Ed criticou duramente a polícia em conversa com o Chefe Cangalhas (PSP) fazendo as seguintes afirmações citadas no despacho de acusação: “Qualquer dia é de marreta à vossa frente (…) eu vou ter mesmo de ‘foder os cornos a um polícia’ (…) a minha vontade é de sair à noite com um gorro e foder o focinho a todos (…) a polícia é ridícula (…) esta palhaçada há de acabar (…) Isto vai rasgar para qualquer lado (…)”
Pinto da Costa, o seu guarda-costas e o futebol
Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto, e Antero Henrique, diretor-geral da SAD do Porto, eram os clientes mais mediáticos de Edu e foram acusados pelo MP e pronunciados pelo juiz Carlos Alexandre por um total 13 crimes de exercício ilícito relacionado com a atividade de segurança privada. Mas as ligações de Eduardo Silva e da sua empresa SPDE ultrapassam as fronteiras do clube das Antas no que ao futebol diz respeito.
Godinho Lopes, ex-presidente do Sporting, Hulk, ex-jogador do FC Porto a jogar neste momento no Zenit de São Petersburgo, e Nuno Fréchaut, ex-jogador do Boavista e da Seleção Nacional, também estiveram origem de acusações contra o gestor e segurança conhecido como Edu. Até desavenças relacionadas com a divisão do produto de uma transferência de jogadores para o Sp. Braga e conflitos ocorridos entre jogadores das camadas jovens do Boavista tiveram intervenção da SPDE e levaram a outras acusações.
Todas as situações têm um ponto em comum: não só a a SPDE não tinha alvará para comercializar serviços de segurança privada, como a carteira profissional de Eduardo Silva como porteiro tinha caducado em maio de 2015. Daí a imputação do crime de exercício ilícito da atividade de segurança.
Comecemos por Pinto da Costa e por Antero Henrique que foram acusados por alegadamente terem conhecimento que a SPDE e os seus funcionários não estavam devidamente habilitados a prestar serviços de proteção pessoal.
Desde 2011 que o FC Porto e a SPDE tinham relações comerciais no campo da vigilância dos espetáculos desportivos das diversas modalidades e de diversas infra-estruturas, como o museu do clube. Foi nessa altura que Eduardo Silva começou a acompanhar o presidente do FC Porto nas suas deslocações profissionais e pessoais, prestando um serviço de proteção pessoal – vulgo guarda-costas. Segundo o MP, o mesmo era prestado a título pessoal já que Edu não podia desempenhar esta atividade por não estar devidamente credenciado.
Assim, a 30 de maio terão sido celebrados novos contratos de prestação de serviços entre a SPDE e a Futebol Clube do Porto, Sociedade Anónima Desportiva (SAD), e a Porto Estádio, ficando devidamente expresso em ambos contratos a “prestação de serviços a membros…” dos órgãos sociais das duas sociedades. É a partir desta cláusula contratual que o MP diz que Eduardo Silva passou a prestar de forma indevida serviços de segurança pessoal a Pinto da Costa, a Antero Henrique e às respetivas famílias.
O MP enfatiza na acusação da Operação Fénix que Edu, que gostava de apresentar-se como o “guarda-costas de Pinto da Costa”, era próximo de Antero Henrique, pois os serviços de proteção pessoal eram, de uma forma geral, combinados entre os dois. De forma presencial, pois Antero não gostava de falar ao telefone. Segundo o MP, o diretor-geral da SAD do Porto pagava os serviços de segurança pessoal de “forma encapotada”. Nas buscas à sua residência foram apreendidos cerca de 72 mil euros em numerário que estavam num cofre, afirmando os procuradores responsáveis pela acusação que esse montante destinava-se ao pagamento dos seguranças.
Os serviços de proteção pessoal a Pinto da Costa terão sido prestados nas suas deslocações a Lisboa para jogos com o Sporting e com o Benfica e para o Funchal para jogo com o Marítimo na época desportiva de 2014/2015, existindo também o acompanhamento de Fernanda Miranda, mulher do presidente do Porto, e a vigilância de casas de familiares de Jorge Nuno Pinto da Costa.
Outro serviço de proteção a Pinto da Costa ocorreu aquando de uma suspeita de assalto à casa da família do próprio presidente do Porto. Eduardo Silva foi chamado ao Estádio do Dragão, tendo saído para a habitação da família de Pinto da Costa acompanhado de outro funcionários da SPDE na esperança de apanhar o assaltante – o que veio a acontecer na presença da PSP. Pinto da Costa deslocou-se com Lourenço Pinto, advogado e ex-dirigente da arbitragem muito próximo do FC Porto e do seu presidente, para o local do assalto para perceber em pormenor o que teria acontecido.
Antero Henrique também foi alvo de proteção pessoal por parte de Eduardo Silva e dos seus funcionários. Um dos casos verificou-se no Estádio do Dragão a 18 de maio de 2015. Descontentes com a perda do campeonato para o Benfica pela segunda vez consecutiva, havia o receio que os adeptos do Porto fizessem ‘uma espera’ a Antero – responsável máximo pelo futebol da SAD do Porto e que cada vez mais desempenha o papel de presidente executivo do FC Porto. Devidamente protegido Eduardo Silva, Jorge Sousa, Nelson Matos e Hugo Cunha, Antero Henriques ficou salvaguardado face a possíveis desacatos.
Godinho Lopes com segurança por depor contra Sporting
Seguimos agora para Godinho Lopes. De acordo com a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), liderado pelo procurador-geral adjunto Amadeu Guerra, Eduardo Silva terá determinado a 16 de junho de 2015 um serviço de proteção pessoal – vulgo guarda-costas – para o ex-presidente do Sporting Clube de Portugal. Tal serviço ter-lhe-á sido solicitado por Nuno Teixeira Cruz, alegando este amigo de Godinho Lopes que o ex-líder leonino estava a testemunhar contra o Sporting na Suíça, no âmbito do caso Doyen. Desde a derrota de Godinho Lopes nas eleições para a presidência da direção do Sporting que existia um clima de grande tensão entre a direção de Bruno Carvalho e o ex-presidente leonino.
Teixeira Cruz, segundo os procuradores João Centeno e Filomena Rosado (autores da acusação a que o Observador teve acesso), terá feito uma abordagem cautelosa, avisando desde logo que compreenderia caso Edu não quisesse ficar com o serviço devido à forte ligação ao FC Porto. O gestor da SPDE, contudo, desvalorizou essa questão, acrescentando que tinha 200 homens em Lisboa e, se fosse necessários, colocaria 150 à disposição daquele serviço em particular.
Certo é que, de acordo com a acusação, não foram os funcionários da SPDE que fizeram o serviço Godinho Lopes. Segundo a o MP, Edu terá contratado quatro seguranças através de um seu contacto em Lisboa que se apresentaram ao final do dia de 16 de junho no aeroporto da Portela, em Lisboa, para proteger Godinho Lopes de qualquer situação imprevista. Um desses seguranças ter-se-á abeirado do ex-líder leonino na porta de saída dos passageiros para informá-lo de que o tinham mandado ali para o proteger.
O facto de Godinho Lopes não ter participado na contração dos seguranças, e de não existir prova de que tenha tido conhecimento da mesma, foi essencial para não ser acusado.
Hulk de visita ao Porto e Fréchaut em Aveiro
O mesmo terá acontecido com Hulk, ex-estrela do FC Porto que foi transferido para a Rússia. De visita ao Porto em novembro de 2014, foi acompanhado por dois seguranças da SPDE por determinação de Eduardo Silva. Nelson Matos e Jorge Sousa, dois dos funcionários da SPDE que foram acusados na Operação Fénix, terão sido os guarda-costas contratados para acompanharem o agora jogador do Zenit durante a sua estadia no Porto.
O caso do Nuno Fréchaut é diferente. O ex-jogador do Braga e internacional A foi acusado de exercício ilícito da atividade de segurança privada por alegadamente ter solicitado serviços de segurança pessoal a Eduardo Silva no dia 19 de maio de 2015. Segundo a acusação, Fréchaut pretendia deslocar-se a Aveiro juntamente com Paulo Silva, irmão de Eduardo, para recolherem um cheque que teria sido emitido por Paulo. O ex-jogador pretendia a segurança de Nelson Matos, mas Eduardo disponibilizou também Hugo Cunha para realizar a proteção de Nuno Fréchaut e de de Paulo Silva no encontro que se verificou em Aveiro com indivíduos não identificados pelas autoridades.
Cobrança de dividas de transferências de futebol
Além dos serviços de segurança pessoal, os procuradores João Centeno e Filomena Rosado visaram na acusação serviços de cobrança de dividas através de violência física e de coação que são igualmente imputadas a Eduardo Silva e a outros funcionários da SPDE por parte do MP.
Uma dessas situações está ligada a uma transferência de um jogador não identificado para o Sporting Clube de Braga mas sobre a qual não recai qualquer suspeita de envolvimento direto de Eduardo Silva. Francisco Cruz e e Manuel Miguel, homens de confiança de Edu, são os visados pelo MP.
De acordo com a acusação, Cruz e Miguel terão sido contratados por José Carlos Reis (apresentado pelo MP como ‘olheiro’, isto é, caça-talentos do clube) para pressionarem Nelson Almeida, empresário de futebol, a pagar uma alegada dívida de 25 mil euros O pagamento dos serviços dos seguranças seria feito em dois tempos: mil euros para fazer o serviço e 25% da dívida depois de Almeida pagar.
Francisco Cruz e Manuel Miguel, diz o MP, terão feito de manobras de vigilância, perseguição e pressão junto de Nelson Almeida durante dois a três dias, entre o final de julho e início de agosto de 2014 que surtiram efeito: o empresário de futebol acabou por entregar dois cheques de 10 mil euros e um de 5 mil euros para saldar a alegada dívida.
Desavenças nas camadas jovens do Boavista
O último caso de futebol relatado na acusação prende-se com a proteção de um menor que jogava nas camadas jovens do Boavista. Segundo Maria Helena Couto e Mário Jorge Couto, o seu filho teria sido roubado por colegas que lhe ficaram com o seu telemóvel. Assim, e com o alegado objetivo de intimidarem os colegas, terão recorrido a Eduardo Silva para contratar um segurança que acompanhasse o jovem jogador no trajeto entre a escola e o Estádio do Bessa e ficasse com ele até ao final do treino.
O objetivo, segundo o MP, era mostrar os seguranças para que os colegas do filho de Maria e de Mário passassem a temê-lo. Além do próprio Eduardo Silva, também Nelson Matos, Jorge Sousa, Hugo Cunha e Francisco Cruz deslocaram-se ao Estádio do Bessa. Não é claro na acusação a razão para a presença de todos estes funcionários da SPDE naquele local.
Eduardo Silva, Maria e Mário Couto foram acusados do exercício ilícito da atividade de segurança privada.
Os Ninjas do Vale do Sousa
Uma parte relevante do caso das Máfias da Noite relaciona-se com o chamado “Grupo dos Ninjas”. Conhecidos pelos métodos violentos com que controlavam a área do Vale do Sousa, terão sido recrutados por Edu para a SPDE, tendo mais tarde expandido a sua zona de influência para os estabelecimentos do Porto.
A violência e a intimidação eram, segundo o MP, práticas usuais utilizadas com quatro objetivos:
- A alegada criação de um ambiente de insegurança para obrigar o dono do estabelecimento a contratar a SPDE ou mostrar aos clientes que nos estabelecimentos da SPDE não havia abusos.
O caso mais dramático desta estratégia ocorreu no “Chic Bar”, em Vila Nova de Famalicão, e resultou, segundo o MP, na morte do jovem Luís Miranda em março de 2015 depois de ter sido agredido por um funcionário da SPDE. O caso foi badalado na altura mas o MP lança agora uma nova luz sobre o que terá acontecido naquela noite de 15 de março. Segundo a acusação, Luís Miranda estava embriagado e ter-se-á envolvido em desacatos dentro da discoteca – desacatos esses que o segurança Nelson Ferreira não terá conseguido controlar, tendo chamado Francisco Vasconcelos, do Grupo dos Ninjas, que se fez acompanhar por Jorge Ribeiro.
Quando Vasconcelos e Ribeiro chegaram ao Chic Bar já Luís Miranda tinha sido expulso do estabelecimento e dirigia-se para a pé para o centro de Famalicão. De acordo com o MP, Francisco Vasconcelos, também conhecido por ‘Chiquinho’ terá dito a Jorge Ribeiro para perseguirem Miranda. Antes, segundo a acusação, “colocaram nas mãos umas luvas de cor preta que continham na zona dos nós dos dedos algo que provocava uma saliência, o que fizeram com a intenção de vir a utilizar contra o corpo do ofendido”. E entraram num carro da SPDE para alcançar mais rapidamente Luís Miranda que se deslocava a pé, “embriagado”, a afastar-se da discoteca e “que naquele momento não oferecia qualquer risco para os demais utentes do estabelecimento”, lê-se na acusação.
“Jorge Ribeiro foi o primeiro a alcançar o ofendido Luís Miranda e desferiu-lhe um soco na boca, utilizando as luvas com saliência nos nós dos dedos. O ofendido [Luís Miranda] caiu desamparado no chão e embateu com a cabeça com força no solo empedrado”, diz o MP. Luís Miranda, que naquele momento se encontrava acompanhado de um amigo (João Cardoso), veio a falecer no Hospital de São Marcos, em Braga, cinco dias depois na sequência da fratura craniana que sofreu na sequência da agressão, segundo o MP, de Jorge Ribeiro.
De acordo com a acusação do MP, ‘Chiquinho’ e Ribeiro ter-se-ão apercebido do estado grave de Luís Miranda, tendo Francisco Vasconcelos entrado em contacto com a testemunha João Cardoso (que conhecia Jorge Ribeiro e a fama do Grupo dos Ninjas) para lhe dizer que “tu viste que aquilo não foi espancá-lo, nem nada” mas que “assim tinha procedido por causa do ‘nome da casa’, pois os desacatos eram prejudiciais para a reputação desta”. ‘Chiquinho’ terá pedido a João Cardoso para pedir aos pais de Luís Miranda para retirarem a queixa-crime que tinham interposto, assumindo ele próprio as despesas do hospital.
Edu foi informado do caso por Francisco Vasconcelos depois de Luís Miranda ter morrido e Jorge Ribeiro ter sido detido preventivamente. De acordo com a acusação, terão combinado que João Cardoso seria novamente contactado para que desse à Polícia Judiciária, que investigava o caso, a mesma versão que todos os suspeitos dariam: que foi Luís Miranda quem começou os desacatos, tendo agredido os funcionários da SPDE, e que Jorge Ribeiro tinha-se limitado a empurrá-lo. O que Cardoso aceitou fazer, com receio de represálias.
Este caso é um, entre vários semelhantes relatados na acusação, de alegada coação sobre testemunhas para não colaborarem com a Justiça
Ribeiro foi libertado da prisão preventiva logo a 25 de março, não estando entre os 13 arguidos que foram presos em julho mas é agora acusado, juntamente com Francisco Vasconcelos, do crime de ofensas à integridade física grave, agravada pelo resultado.
- Impedir queixas judiciais contra a SPDE
Edu, segundo a acusação, tentava impedir qualquer tipo de queixa judicial. Além dos clientes agredidos, existiam também ex-funcionários da SPDE insatisfeitos. Alcides Júnior era um deles. Reclamava cerca de 30 mil euros de serviços que não foram pagos e interpôs uma queixa judicial nesse sentido. Edu terá pedido a Paulo Ferreira para convencer Alcides a retirar a queixa. Apesar de recear pela sua segurança e da sua família, Alcides não acedeu a esse pedido, tendo sido contactado por Alberto Couto, ex-agente da Divisão Criminal da PSP que colaborava com Edu, que reiterou o conselho, num tom mais ameaçador, para deixasse cair a queixa.
No dia em que a ação de Alcides ia ser julgada no Tribunal da Maia, o ex-funcionário da SPDE informou Couto de que retirava a queixa se lhe pagassem 2.500 euros para pagar ao advogado – o que veio a acontecer. “Alcides Junior conhecia os arguidos e restantes elementos, bem sabendo que eram indivíduos sobejamente conhecidos pelos seus métodos violentos na resolução de questões, tendo temido pela sua integridade física”, lê-se na acusação.
Outros casos relacionam-se com clientes de bares e discotecas do Porto e de outras zonas que foram gravemente agredidos por um ou vários seguranças da SPDE ao mesmo tempo com socos na cabeça e/ou pontapés quando já estavam deitados no chão, tendo sido obrigados a ter assistência hospitalar. Todos eles foram aconselhados a não apresentarem queixa nas autoridades, sob pena de serem novamente agredidos ou estar em causa a segurança das respetivas famílias
- Angariação de clientes para a SPDE. Convencendo os donos dos estabelecimentos noturnos a contratarem a empresa de Edu.
O MP diz que, a partir do Grupo de Ninjas, Eduardo Silva terá constituído um grupo mais alagado “com vista a explorar a segurança, quer ativa, quer passiva, dos estabelecimentos de diversão noturna, mediante a imposição do pagamento da respetiva remuneração mensal, semanal ou diária”. Como? Através de “atos violentos” ou ameaças de “males futuros (destruição de estabelecimentos e/ou agressão aos respetivos clientes), assim exigindo a entrega de quantias monetárias aos proprietários de diversos estabelecimentos de diversão noturna”.
Os pagamentos aconteciam mesmo quando os serviços não eram prestados pela SPDE, o que leva o MP a apelidar essas quantias como um “imposto”. “O grupo não olhava a meios para permitir essa expansão, que fazia, designadamente, através do uso da força”, lê-se na acusação.
- Dívidas de cobrança difícil. Alguns funcionários da SPDE, fora do horário de serviço e sem o conhecimento de Edu, também se dedicavam à área de cobranças difíceis, utilizando a ameaça ou até mesmo o uso da força para obrigado os alegados devedores a pagarem o que supostamente deviam. O próprio MP tem dúvidas sobre os montantes ou até mesmo a existência de dívidas nalguns casos.
Entre as várias situações reveladas na acusação, destacam-se três – sempre com os mesmos métodos.
Rómulo tinha acordado desenvolver um projeto de arquitetura com Armando Félix e Maria Lurdes Gavinho. Terminado o trabalho, Rómulo queixava-se de que tinha dinheiro a receber. Acompanhado por funcionário SPDE, ameaçou Maria Lurdes com a sua filha, dizendo que conhecia o carro em que ela se deslocava, bem com a escola que frequentava. Receosa pela segurança da sua filha, Maria Lurdes aceitou pagar 12.500 euros. Não satisfeito, Rómulo solicitou a Manuel Miguel, segurança da SPDE, para que cobrasse os 35 mil remanescentes. Manuel Miguel terá feito novas ameaças, mas não conseguiu ‘cobrar’ mais dinheiro, sendo que esse montante, segundo o MP, não era devido a Rómulo Correia.
Outra situação prende-se com a recuperação de Audi Q7 – uma das viaturas mais caras da marca premium alemã, no valor superior a 80 mil euros. Óscar Campelo queixava-se que a viatura ter-lhe-ia sido roubada e encontrava-se nas instalações da sociedade Rectigaia. Manuel Miguel, Francisco Cruz, Pedro Sousa e mais três indivíduos ter-se-ão deslocado para essas instalações. Encontraram Luzia Monteiro, mulher do proprietário da empresa, rodearam-na, “formando um círculo à sua volta e adotando uma postura e um semblante intimidatórios. Manuel Miguel terá dito a Luzia Monteiro: “Sei bem quem tu és, sei onde moras, sei que tens dois filhos e sei onde eles estudam!”
Acedendo ao pedido dos seguranças para chamar por telefone o seu marido à garagem da empresa, Luzia rompeu o cerco e, em vez de chamar Manuel Rodrigues (o dono da empresa), chamou a polícia. O que obrigou os vigilantes da SPDE a fugir.
Finalmente, uma situação que não diretamente a ver com dinheiro. ET tinha tido uma relação sexual com AS, tendo gravado no telefone um vídeo com a mesma. Assustada, esta contratou Nuno Gonçalves por 1.500 euros para recuperar o vídeo das mãos de AS. Por telefone, Nuno terá dito a AS: “Vais voltar para trás e vais entregar o telemóvel, vais apagar o vídeo em frente à senhora, senão vou a tua casa, àquela pocilga onde moras, vou-te matar e incendiar a casa”. AS fez queixa e entregou o vídeo à polícia e não terá sido incomodado novamente. Já ET terá pago os 1.500 euros acordados com Nuno Gonçalves. Ambos estão acusados de um crime de coação.
A entrada em Lisboa
A conquista do chamado “Setor de Lisboa”, que fontes próximas de Edu têm como causa do processo aberto, chegou em 2013 através de uma parceria com João Pereira (‘Pepe’), e Francisco Maximiano (‘Max’). ‘Pepe’ e ‘Max’ tinham trabalhado com a VGI – Segurança Privada, SA. Com a extinção desta sociedade, surgiu a SPDE para tomar o seu lugar. Em menos de um ano e pouco, a SPDE passou a ter contrato com 40 estabelecimentos noturnos, alguns dos quais muito conhecidos na noite lisboeta, como o “Plateau”, o “Tokyo”, “Jamaica”, “Docks” ou o “T-Clube” ou até restaurantes como o “Valentino”.
‘Pepe’ e ‘Max’ prestavam contas, segundo o MP, a Edu, deslocando-se regularmente ao norte para reuniões com o chefe da SPDE. O modus operandi, esse, assentava no mesmo em Lisboa ou no Porto, no Norte ou no Sul: a violência era a única língua falada e a resposta que deve ser data a quem não respeita as regras das ‘suas’ casas.