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O pagamento de prémios a 183 quadros da TAP, entre os quais vários diretores e segundas linhas da administração, foi o primeiro grande choque entre a gestão privada de David Neeleman e o Governo socialista em 2019. Quase metade do valor total de bónus de desempenho de 1,17 milhões de euros estava concentrado nos primeiros 25 nomes de uma lista que andou a circular nas redes sociais e que tinha discriminado os montantes pagos por pessoa.
Neste universo, mais de metade — 15 em 25 — já abandonaram a TAP, segundo pesquisa do Observador, alguma em fontes aberta como o Linkedin. A maioria saiu em 2021 quando foram fechados grande parte dos acordos de saída realizados ao abrigo do plano de reestruturação da transportadora. Houve acordos de rescisão negociados com pagamentos de indemnizações, houve reformas antecipadas, pré-reformas e saídas por iniciativa própria que não corresponderam ao pagamento de qualquer indemnização, como esclareceu a TAP para o caso da diretora jurídica Stéphanie Silva que deixou a empresa em março quando o marido, Fernando Medina, foi nomeado ministro das Finanças.
As saídas negociadas no âmbito do plano de reestruturação tinham um teto de 250 mil euros, mas na empresa correm rumores de que, tal como no caso de Alexandra Reis — que era administradora e quadro da TAP —, terá havido outras indemnizações “milionárias”. O Observador questionou a TAP sobre o custo que estas saídas tiveram para a empresa, quantas atingiram o teto dos 250 mil euros e se houve alguma a ultrapassar esse limiar, não tendo obtido resposta até à publicação deste artigo.
De acordo com informação recolhida pelo Observador, o processo de rescisões foi aplicado de forma relativamente cega. Ou seja, quem quisesse rescindir dentro das condições estabelecidas poderia propô-lo, mesmo que a TAP quisesse manter aquele quadro. Outras pessoas foram abordadas por iniciativa da empresa. Nas saídas registadas ao nível da administração, a compensação paga a Alexandra Reis (que também tinha vínculo contratual à TAP) terá sido uma exceção, pela informação já publicada pelo Observador.
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O grosso das desvinculações aconteceu em 2021, ainda durante a vigência da presidência interina de Ramiro Sequeira, na qual Alexandra Reis teve grande margem de atuação, mas também com a entrada nova equipa executiva. Este processo deixou vagas em áreas chave da empresa, e a gestão dirigida por Christine Ourmières-Widener fez contratações, algumas das quais suscitaram reservas devido aos valores avultados e/ou à proximidade dos contratados com a presidente executiva. Estas contratações foram, segundo o Jornal Económico, um dos motivos de divergência entre Alexandra Reis e a CEO da TAP, que vai ser ouvida esta quarta-feira na comissão parlamentar de obras públicas sobre a compensação paga à administradora que foi demitida de secretária de Estado do Tesouro quando foram conhecidas as condições da sua saída da transportadora.
Serão as primeiras explicações públicas de Christine Ourmières-Widener desde que rebentou o caso Alexandra Reis, que originou a demissão de três membros do Governo (incluindo o ministro que comandou a gestão pública da TAP, Pedro Nuno Santos). O futuro da administração da empresa tem sido remetido para uma auditoria da Inspeção-Geral das Finanças e já foi aprovada uma comissão parlamentar de inquérito sobre as saídas da TAP.
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Saídas começam com Neeleman fora de cena e o Estado a mandar
As saídas começaram a ganhar expressão logo após a saída de cena da David Neeleman em julho de 2020, em plena pandemia, e após a demissão do então presidente da comissão executiva, Antonoaldo Neves, por iniciativa do ministro Pedro Nuno Santos. Estas saídas focaram-se em pessoas que tinham sido contratadas por essa gestão privada da TAP. Mais de 10 dos quadros que abandonaram a empresa tinham sido contratados depois de 2016 quando a gestão era controlada pelos acionistas privados. Mas há também vários quadros com dezenas de anos de casa.
Poucos meses depois da notícia sobre os prémios aos quadros da TAP, um dos que recebeu o valor mais avultado — 100 mil euros — abandonou a empresa e o cargo de gestão da rede. Elton d’Sousa foi um dos primeiros “ases” que acompanhou Antonoaldo Neves na aventura portuguesa. Elton d’Sousa fez grande parte da sua carreira na Suíça, onde trabalhou para a Swissair e a sua participada Sabena — o grupo que esteve para comprar a TAP na viragem do século, mas que entrou em insolvência. Continuou na Swiss, a herdeira dos restos da Swissair, onde chegou a diretor executivo da área das receitas e tarifas. Foi vice-presidente da Austrian Airlines com a área e a gestão de receitas por seis anos, cargo onde estava quando foi contrato para a TAP em 2016. Quando saiu no verão de 2019 foi para a Netjets. A empresa americana, controlada pelo fundo de Warren Buffet, tem a sede operacional em Portugal e promove timesharing de jatos. O gestor assumiu o cargo de presidente no qual esteve até final de 2020. É atualmente presidente executivo e partner da ACC, uma consultora na sua área de atividade, em Lisboa.
Elton d’Sousa fazia parte de uma estrutura criada durante a gestão privada da TAP, conhecida como a “C Level” de quadros altamente qualificados que davam apoio direto à equipa executiva da empresa, então com apenas três elementos: Antonoaldo Neves, Raffael Quintas e David Pedrosa, filho do acionista português Humberto Pedrosa. Faziam igualmente parte desses quadros Alexandra Reis e Ramiro Sequeira — que iriam subir à administração executiva com a gestão pública da TAP —, Abílio Martins, Mário Faria e Miguel Paiva Gomes. Deste grupo apenas Miguel Faria — principal responsável pela manutenção e engenharia (chief technical officer) se mantém no cargo. Ramiro Sequeira, um quadro português contratado à Iberia para a área operacional, está na administração desde 2020, quando foi escolhido para CEO interino, mantendo-se na atual equipa.
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Elton d’Sousa e Abílio Martins foram os membros dessa estrutura informal de direção que receberam em 2019 o bónus mais avultado, acima dos 100 mil euros. Responsável pela comunicação com reporte direto à administração, Abílio Martins desempenhou outras funções na TAP na área do marketing, vendas e apoio ao cliente. Foi um quadro histórico da Portugal Telecom onde desempenhou vários cargos, incluindo de administração em empresas participadas pelo grupo, tendo passado pelo Brasil (no mesmo tempo em que Zeinal Bava também foi presidente executivo da Oi que se fundiu com a PT Portugal). Abílio Martins deixou a TAP em abril de 2021 e dedica-se a investimentos.
A caminho das Arábias à boleia do antigo CEO
Para substituir Elton d’Sousa como diretor de receitas e operações, a TAP foi buscar, ainda em 2019, Arik De que vinha da Aeroméxico, a companhia bandeira do México. Ficou na transportadora portuguesa durante o período mais duro da pandemia e só sairia em março de 2022, já depois da chegada da nova equipa executiva. Arik De foi desempenhar as mesmas funções como diretor de receitas e operações para Etihad, companhia aérea dos Emirados Árabes Unidos que contratou em outubro do ano passado como presidente executivo Antonoaldo Neves.
Não foi o único dos ex-quadros e antigos administradores da TAP a voar para a companhia das arábias. Um dos mais destacados é Raffael Quintas. O administrador financeiro (CFO) brasileiro fez equipa com Antonoaldo Neves na TAP depois de os dois terem estado na companhia brasileira fundada por David Neeleman, a Azul. Ao contrário de Antonoaldo que foi publicamente dispensado pelo ministro logo a seguir à compra da participação do empresário americano pelo Estado, Raffael Quintas ainda ficou alguns meses na sua função. Saiu em janeiro de 2021 após terminar o mandato e é desde dezembro de 2022 o CFO da Etihad.
Tiago Phillimore consta da lista dos premiados de 2019 quando era responsável pelo marketing e inovação digital. Quadro com mais de 17 anos da TAP, era diretor desta área quando saiu da empresa em junho de 2022 e, de acordo com o seu Linkedin, está atualmente a trabalhar como consultor para a Etihad, empresa que tem sede em Abu Dhabi.
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Há mais ex-diretores da TAP cujas rotas se cruzaram com a de Antonoaldo Neves após a saída da empresa. É o caso de Eduardo Correia de Matos que entrou na TAP no final de 2016 vindo da PT Contact (do grupo da antiga Portugal Telecom) para assumir a responsabilidade pelo serviço aos clientes onde ficou até abril de 2021. Do seu currículo profissional surge de seguida a P2D Travel, uma plataforma online para ajudar empreendedores a fundarem a sua agência de viagens criada pelo ex-presidente da TAP em 2021 da qual saiu em fevereiro de 2022. É acionista e administrador há anos da NetSonda, empresa especializada na recolha e análise de informação através de plataformas tecnológicas.
No topo de lista de premiados em 2019 estava também Miguel Paiva Gomes, diretor para a área da carga e do correio — o único negócio da aviação que cresceu durante a pandemia. Paiva Gomes foi contratado em 2018 para presidente executivo da TAP Cargo, vindo da presidência executiva da Transinsular (armador português). Abandonou o cargo na transportadora em maio de 2021 para a logística da Inditex. O grupo espanhol que é dono das marcas Zara e Massimo Dutti era um dos principais clientes da TAP Cargo.
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Outras chefias que entraram numa TAP gerida por privados saíram da TAP pública. Renato Salomone foi diretor de tesouraria e entrou em 2018 como número dois do administrador financeiro. Raffael Quintas renunciou à administração em janeiro de 2021, mas Salomone ficou como diretor de tesouraria, financiamento e relações com investidores até fevereiro de 2021, apanhando uma fase muito delicada para a liquidez da TAP que viveu do empréstimo de emergência concedido pelo Estado em junho de 2020 (mas que só seria aprovado no quadro do plano de reestruturação em dezembro desse ano). Renato Salomone é desde março de 2021 diretor financeiro sénior da Volaris, companhia low-cost mexicana.
Catarina Lopes também desempenhou funções de responsabilidade no departamento financeiro da TAP, para onde entrou em 2016 (gestão privada), tendo sido diretora de controlo de tesouraria. Saiu em junho de 2021 e atualmente é administradora financeira (CFO) do grupo Himo, do setor imobiliário. Bruno Saldanha que foi diretor financeiro da TAP, contratado em 2018 saiu em janeiro de 2021. Saldanha tinha também um passado, antes da TAP, ligado à PT.
Filipa Lopo Cajarabille que foi outra das diretoras da área de recursos humanos que deixou a TAP em abril de 2021, depois ter sido contratada em 2017. De acordo com o seu Linkedin está a trabalhar na mesma área na farmacêutica Boehringer Ingelheim.
Chefias com muitos anos de casa também disseram adeus
Entre os dirigentes da TAP que saíram nos últimos dois anos constam vários quadros com muitos anos de casa, que terão negociado a rescisão no quadro do plano de reestruturação. Entre estes estará Ana Paula Canadá que foi diretora de marketing em 2019 e saiu em 2021. Maria de Fátima Geada que foi diretora de auditoria da transportadora deixou de ser quadro em setembro de 2021 e atualmente surge como auditora em regime de freelancer. Fátima Geada ainda foi membro do conselho fiscal da TAP, cargo ao qual renunciou em dezembro de 2021, alegando motivos pessoais.
Os diretores da área dos recursos humanos também fazem parte da leva que saiu na reestruturação em 2021, tendo neste caso protagonizado um episódio que foi notícia devido a um vídeo polémico de contratação de um diretor para a área de carga em Espanha e que foi divulgado quando a TAP estava a negociar rescisões. O caso teve a censura do então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, o que levou à abertura de um inquérito disciplinar. Um dos diretores em causa, José Falcato, já tinha aderido ao programa de rescisões voluntárias. O diretor de recursos humanos, Luís Pedro Ramos, fechou um acordo de rescisão com a TAP em agosto de 2021.
Falcato era um quadro da casa e saiu através da modalidade da pré-reforma. Luís Pedro Ramos foi diretor de recursos humanos desde 2017 da TAP. Tinha vindo da Groundforce, participada da transportadora e do grupo Urbanos para o serviço de handling. Atualmente é presidente executivo da Keeptalent, empresa de recrutamento e presidente da Associação Portuguesa de Gestão.
Também Jorge Leite da Manutenção e Engenharia foi outro quadro que saiu da transportadora em maio de 2021, tendo o estatuto profissional de consultor. Fernando Santos, que em 2019 tinha a seu cargo a gestão global de escalas, deixou a empresa no final de 2021 e atualmente trabalha na Schindler, uma das principais empresas mundiais de elevadores. No rol de quadros premiados em 2019 que deixaram a TAP podemos ainda encontrar Dionísio Barum da área de marketing e vendas que saiu na reestruturação em 2021.
Uma das saídas que mais deu nas vistas foi a de Nuno Leal, o diretor de planeamento e frota da TAP que recebeu reconhecimento externo — em 2019 foi considerado um dos 40 profissionais com menos de 40 anos mais destacados na aviação mundial pela revista Airline Economics. Nuno Leal cresceu profissionalmente na companhia onde entrou em 2007 e foi apontado como um dos mentores da reestruturação da frota. Em fevereiro de 2021, em plena execução do plano de reestruturação, rumou à World Star Aviation, empresa americana de gestão de aeronaves.
A Netjets, que tinha contratado em 2019 Elton d’Sousa à TAP, voltou a recrutar um alto quadro da companhia de bandeira. A empresa britânica de jatos privados que tem a base operacional em Paços de Arcos foi o destino da antiga diretora de planeamento e operações Mafalda Carvalho que saiu em setembro de 202o da TAP. De saída está ainda Ana Carneiro Novais, responsável pela área de procurement (compras) que também era um quadro antigo da TAP.
Quem entrou com a nova CEO
Entre as chefias que entraram na TAP com a nova administração de Christine Ourmières-Widener há remunerações brutas mensais acima dos 10.000 euros, incluindo despesas de residência de 2.000 euros para quem veio de fora de Portugal. Segundo uma ficha de salários que circula, e que já foi citada pelo Jornal Expresso, a nova diretora dos serviços aeroportuários ganha 14.500 euros, o diretor de estratégia, rede e parcerias e projetos especiais recebe 13.000 euros e o diretor de relação com os clientes leva para casa 11.000 euros brutos.
Alexandra Groudin veio da logística da Amazon França, mas esteve na companhia britânica regional Flybe onde Christine Ourmières-Widener foi presidente executiva. Também Henry Charles, diretor de estratégia e rede, passou pela Flybe antes de ser consultor em Londres. Já Frederic Babu, diretor de clientes, veio da Air France KLM. Pouco abaixo do patamar dos 10.000 brutos mensais surgem os nomes do diretor de Frota, Alberto Blanco, que foi vice-presidente da CDB Aviation, tendo estado antes na divisão asiática da Airbus, e Karulina Machura, a diretora de tripulação que veio da companhia polaca Lot. A CEO da TAP foi ainda notícia por uma contratação polémica para diretora de sustentabilidade de uma pessoa das suas relações pessoais.
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Debaixo do fogo dos sindicatos nos últimos meses — que depois do caso Alexandra Reis subiram o tom com o pedido de demissão da presidente executiva — a gestão de Christine Ourmières-Widener também foi atacada publicamente pela renegociação da frota automóvel para quadros e dirigentes com a marca BMW, uma opção que mereceu comentários de Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. A TAP teve de recuar devido à opinião pública, apesar de a gestora ter defendido publicamente que teria sido a decisão mais racional para a empresa.