Mais de 80 fact checkers de todo o mundo, parceiros do Observador na rede internacional de verificadores de factos (International Fact Checking Network), assinaram uma carta dirigida à diretora-executiva do YouTube, e que é tornada pública esta quarta-feira, em que defendem que sejam tomadas “medidas eficazes contra a desinformação e informações deturpadas” que circulam naquela plataforma.

“Todos os dias, vemos que o YouTube é um dos principais canais de desinformação e informação deturpada online a nível mundial”, com exemplos que vão da promoção de conteúdos anti-vacina aos vídeos em que se apresentam falsas curas para a infeção pelo novo coronavírus ou para o cancro, mas também vídeos que disseminaram a tese de “fraude” nas últimas eleições norte-americanas e que contribuíram para o movimento que culminou com a invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.

Enquanto isto acontece, refere a carta conjunta dos fact checkers internacionais, o YouTube “está a permitir que a sua plataforma seja transformada em arma por intervenientes sem escrúpulos para manipular e explorar outros, e para se organizarem e angariarem fundos”.

Por isso, os subscritores defendem que seja elaborado um “plano de políticas de produto para melhorar o ecossistema de informação” e que isso seja feito em conjunto “com as organizações mundiais independentes e não partidárias de verificação de factos”. E apresentam quatro medidas concretas que o YouTube deve pôr em prática para combater a propagação de conteúdos falsos através da sua plataforma.

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Leia aqui a carta aberta dos verificadores de factos do mundo dirigida à CEO do YouTube, Susan Wojcicki:

“12 de janeiro de 2022

Ex.ma Sra. Susan Wojcicki,

Já passaram quase dois anos desde o início da pandemia COVID-19. O mundo tem visto repetidas vezes o quão destrutivas podem ser a desinformação e a informação deturpada para a harmonia social, a democracia e a saúde pública; demasiadas vidas e meios de subsistência foram arruinados, e muitas pessoas perderam entes queridos devido à desinformação. Como uma rede internacional de organizações de verificação de factos, monitorizamos o modo como as mentiras se espalham online — e, todos os dias, vemos que o YouTube é um dos principais canais de desinformação e informação deturpada online a nível mundial. Esta é uma preocupação significativa entre a nossa comunidade global de verificação de factos.

O que não vemos é muito esforço do YouTube para implementar políticas que abordem o problema. Pelo contrário, o YouTube está a permitir que a sua plataforma seja transformada em arma por intervenientes sem escrúpulos para manipular e explorar outros, e para se organizarem e angariarem fundos. As medidas atuais estão a revelar-se insuficientes. É por isso que vos pedimos que tomem medidas eficazes contra a desinformação e informações deturpadas, e a elaborar um plano de políticas de produto para melhorar o ecossistema de informação – e a fazê-lo com as organizações mundiais independentes e não partidárias de verificação de factos.

No último ano, vimos grupos de conspiração a prosperar e a colaborar além-fronteiras, incluindo um movimento internacional que começou na Alemanha, saltou para Espanha e espalhou-se pela América Latina, tudo no YouTube. Entretanto, milhões de outros utilizadores estavam a ver vídeos em grego e árabe que os encorajavam a boicotar as vacinas ou a tratar as suas infeções por COVID-19 com falsas curas. Além da COVID-19, há anos que os vídeos do YouTube promovem falsas curas para o cancro.

No Brasil, a plataforma tem sido utilizada para amplificar o discurso de ódio contra grupos vulneráveis, atingindo dezenas de milhares de utilizadores. As eleições também não são seguras. Nas Filipinas, conteúdos falsos com mais de 2 milhões de visualizações que negam as violações dos direitos humanos e a corrupção durante os anos da lei marcial estão a ser utilizados para polir a reputação do filho do falecido ditador, um dos candidatos às eleições de 2022.  Em Taiwan, as últimas eleições foram manchadas por acusações infundadas de fraude. O mundo inteiro testemunhou as consequências da desinformação quando uma multidão violenta atacou o Capitólio dos EUA, no início do ano passado. Desde a véspera das eleições presidenciais dos EUA até ao dia seguinte, vídeos do YouTube que apoiavam a narrativa da “fraude” foram visualizados mais de 33 milhões de vezes.

Os exemplos são tantos que lhes perdemos a conta. Muitos desses vídeos e canais permanecem online hoje em dia, e todos eles passaram despercebidos às políticas do YouTube, especialmente em países de língua não inglesa e no Sul Global. Estamos satisfeitos por terem feito alguns movimentos para tentar resolver este problema ultimamente, mas com base no que vemos diariamente na plataforma, pensamos que estes esforços não estão a funcionar – nem o YouTube produziu dados de qualidade para provar a sua eficácia.

Até agora, a plataforma da sua empresa tem enquadrado discussões sobre desinformação como uma falsa dicotomia de eliminar ou não eliminar conteúdos. Ao fazê-lo, o YouTube está a evitar a possibilidade de fazer o que se provou funcionar: a nossa experiência como verificadores de factos, juntamente com evidências académicas, diz-nos que a divulgação de informações verificadas pelos factos é mais eficaz do que a eliminação de conteúdos. Preserva igualmente a liberdade de expressão, reconhecendo ao mesmo tempo a necessidade de informações adicionais para mitigar os riscos de danos à vida, à saúde, à segurança e aos processos democráticos. E dado que uma grande parte das visualizações no YouTube provêm do seu próprio algoritmo de recomendação, o YouTube também deve certificar-se de que não promove ativamente a desinformação aos seus utilizadores ou recomenda conteúdos provenientes de canais não fiáveis.

Com tudo isto em mente, propomos algumas soluções que fariam uma grande diferença na redução da disseminação de desinformação e de informação deturpada no YouTube.

  1. Um compromisso para uma transparência significativa sobre a desinformação na plataforma: O YouTube deverá apoiar a investigação independente sobre as origens das diferentes campanhas de informação deturpada, o seu alcance e impacto, e as formas mais eficazes de desmascarar informações falsas. Também deve publicar a sua política de moderação total em matéria de desinformação e informação deturpada, incluindo a utilização de inteligência artificial e quais os dados que a alimentam.
  2. Além de remover conteúdos para a conformidade legal, o foco do YouTube deve ser o de fornecer contexto e oferecer desmentidos, claramente sobrepostos em vídeos ou como conteúdo de vídeo adicional. Isso só pode resultar da entrada numa colaboração significativa e estruturada, assumindo a responsabilidade e investindo sistematicamente em esforços independentes de verificação de factos em todo o mundo, que estão a trabalhar para resolver estes problemas.
  3. Agir contra infratores reincidentes que produzem conteúdos que são constantemente assinalados como desinformação e informação deturpada, sobretudo aqueles que monetizam esses conteúdos dentro e fora da plataforma, nomeadamente impedindo que os seus algoritmos de recomendação promovam conteúdos dessas fontes de informação deturpada.
  4. Ampliar os esforços atuais e futuros contra a desinformação e a informação deturpada em idiomas diferentes do inglês, e fornecer dados específicos para cada país e idioma, bem como serviços de transcrição que funcionam em qualquer idioma.

Esperamos que considere implementar essas ideias para o bem público e fazer do YouTube uma plataforma que faça realmente o seu melhor para evitar que a desinformação e a informação deturpada sejam transformadas em armas contra os seus utilizadores e a sociedade em geral. Estamos prontos e somos capazes de ajudar o YouTube. Queremos encontrar-nos consigo para discutir estes assuntos e encontrar formas de avançar para uma colaboração, e aguardamos com expectativa a sua resposta a esta oferta.

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