A economia portuguesa cresceu 4,9% em 2019, segundo os dados preliminares divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas. Ainda assim continua abaixo dos níveis pré-pandémicos. O quarto trimestre foi de abrandamento, atribuído, ainda, à pandemia que viu uma nova variante a Ómicron fazer estragos na abertura das economias. Um impacto que se está a arrastar no arranque deste ano. Os isolamentos estão a preocupar as empresas. Para já, e apesar do maior crescimento em 2021 do que o esperado e do abrandamento no quarto trimestre, os economistas não admitem mexer nas estimativas para 2022. Só o Governo que já fala em superar os níveis pré-pandemia no primeiro semestre do ano e até avança que em 2022 a economia até pode superar as estimativas de 5,5% que estavam fixadas no Orçamento para 2022, que foi chumbado na Assembleia da República.
“Esta evolução do PIB [de 2021] reforça a confiança na continuação da rápida recuperação da economia portuguesa durante o ano de 2022, antecipando-se que se possa ultrapassar o nível pré-pandemia já no primeiro semestre e inclusivamente superar as estimativas do Governo para este ano, de 5,5%”, considerou o Ministério das Finanças, em comunicado de reação aos números do INE. Mas, para já, é a única entidade a admitir um valor superior em 2022 face às previsões. “As incertezas são significativas”, assume ao Observador Paula Carvalho, economista-chefe da Unidade de Estudos Económicos e Financeiros do BPI.
Uma das incertezas continua a ser a evolução pandémica. Os isolamentos por infeção (ou contacto de risco) com o novo coronavírus, que afetam quase 1,2 milhões de portugueses, estão a criar uma “situação preocupante” nas empresas. António Saraiva, presidente da CIP, avisa que não será possível “compensar” por muito mais tempo as “interrupções e paralisações” que afetam sobretudo a indústria. No comércio e serviços há empresas com porta fechada e no setor da distribuição, que tem até 12% do pessoal em casa, pede-se períodos de isolamento mais curtos.
“Para já”, diz António Saraiva, ao Observador, está a ser possível compensar as ausências dos trabalhadores: “os gestores estão a pagar horas extraordinárias e a fazer o possível para evitar que as perturbações que impactem seriamente na produção… para já…”.
Ainda não existem números concretos que ilustrem esta realidade, “mas o acompanhamento que estamos a fazer no terreno revela uma situação preocupante e, de certa forma, nova”, diz António Saraiva – “nova” porque “durante as fases anteriores da pandemia, havia menos pessoas infetadas e o confinamento excluía certas categorias profissionais. Hoje não é assim: há um efeito sistémico que deixará marcas”, avisa.
Segundo a Direção-Geral de Saúde (DGS), havia na sexta-feira 579 mil casos ativos de Covid-19, aos que acrescem mais de 594 mil contactos sob vigilância. Estarão confinados, portanto, quase 1,2 milhões de cidadãos – uma parte em teletrabalho, com ou sem crianças em casa, outra parte sem poder trabalhar de todo.
Lojas, cabeleireiros e restaurantes tiveram de fechar a porta por falta de pessoal
Os que não podem trabalhar, como muitos no setor do comércio e serviços, estão a levar várias empresas a fechar portas por algumas semanas, até voltarem a ter pessoal suficiente para o serviço. “Temos restaurantes, por exemplo, que não podem funcionar porque têm todo o pessoal de cozinha em isolamento”, diz João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). Outro exemplo é o dos salões de cabeleireiros.
Além dos negócios que tiveram de fechar, diz João Vieira Lopes, há “empresas que têm 10% a 20% do pessoal em casa, o que está a começar a criar problemas” em áreas como no setor alimentar e nas lojas como vestuário e calçado.
“A situação é complicada”, diz João Vieira Lopes, e já foi contactado o Governo, “há alguns dias”, para pedir que sejam adiados certos prazos de pagamentos fiscais, por exemplo, para aliviar a tesouraria das empresas neste momento difícil. E tiveram recetividade? “Tivemos recetividade verbal mas não concretizada, porque sabemos que estamos num contexto eleitoral…”, aponta João Vieira Lopes.
Para já, diz o presidente da CCP, não se prevê que seja necessário mais medidas de apoio às empresas, “mas a continuar esta situação mais algum tempo fará sentido abordar a questão como se abordaram os confinamentos anteriores”, isto é, com medidas incluindo financiamentos diretos e outros apoios aos setores mais afetados.
Organizações empresariais pedem isolamentos mais curtos
Para evitar chegar a esse ponto, João Vieira Lopes acrescenta que, embora a CCP não goste de se “intrometer nas políticas de saúde pública”, poderia fazer sentido encurtar os períodos de isolamento para os contactos de risco e os doentes assintomáticos – como já foi feito em outros países europeus.
Isso é algo que é pedido, diretamente, pelo setor da distribuição. Gonçalo Lobo Xavier, da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), aponta para um “laxismo” e uma inconsistência nesses prazos de isolamento até dentro de um mesmo país: se no continente ainda são sete dias de isolamento, na Madeira e Açores esse período já foi encurtado para cinco dias.
“Não é que a questão se vá resolver nas operações baixando de 7 para 5 os dias de isolamento, mas vai ajudar a melhorar a gestão dos recursos humanos e vai ajudar a melhorar a saúde mental dos nossos colaboradores, porque ninguém quer ficar em casa sem trabalhar”, diz Gonçalo Lobo Xavier, ao Observador.
Um operador de uma máquina não pode fazer teletrabalho, o técnico especializado do talho não pode fazer teletrabalho, a vendedora da loja de roupa ou de eletrónica ou de livros não pode trabalhar a partir de casa. Muitas vezes, os trabalhadores ficam em casa, assintomáticos, sete dias, sem necessidade”, afirma o responsável.
O diretor-geral da APED refere-se, em particular, da distribuição mas “é toda a cadeia de valor que está a ser posta em causa. Já há fornecedores com atrasos substanciais porque não têm recursos humanos na distribuição e na indústria e isto tem consequências a curto e médio prazo”.
Ainda não faz sentido “alarmar” a população, porque “ainda” não faltou nada nas prateleiras dos supermercados, mas o setor vive, nesta fase, com entre 10% e 12% dos trabalhadores ausentes – “sobretudo nas grandes cidades, o absentismo é muito elevado tanto no retalho alimentar como no retalho especializado”.
Apesar desse absentismo, no Pingo Doce, por exemplo, “no contexto pandémico actual, as ausências dos colaboradores que se encontram em isolamento não estão a comprometer as operações do Pingo Doce, que se encontram a decorrer com normalidade”, afirma fonte oficial da Jerónimo Martins, um dos maiores empregadores nacionais, em que a maioria dos trabalhadores não pode trabalhar a partir de casa.
António Saraiva, da CIP, diz que esta é uma fase “nova” da pandemia, em que existe uma pressão menor sobre os serviços de saúde e sobre a mortalidade, mas o impacto na atividade económica poderá deixar “marcas” associadas ao facto de haver tanta gente em casa.
Para já, ainda não é possível estimar com exatidão o impacto que já está a existir na atividade económica, afirma João Borges de Assunção, economista e Professor da Universidade Católica. Mas enquadra-se bem no cenário de grande incerteza que o economista referiu na síntese de previsões económicas que divulgou a 19 de janeiro.
Ao Observador, o responsável pela Síntese da Folha Trimestral de Conjuntura do Católica-Lisbon Forecasting Lab (NECEP) nota que o indicador mais reativo e atualizado que existe é o indicador diário de atividade que o Banco de Portugal divulga semanalmente, à quinta-feira.
Na última quinta-feira, o Banco de Portugal indicou que na semana terminada a 23 de janeiro, o indicador diário de atividade económica (DEI) apontou para uma taxa de variação homóloga da atividade “substancialmente superior” à observada na semana anterior. Mas essa é uma leitura homóloga, ou seja, é comparável com o mesmo período de 2021, que ficou marcado por contagens diárias de casos menores mas mais internamentos e um confinamento geral apertado.
Os últimos indicadores confirmam, diz o economista, que “janeiro está a ser um mês relativamente fraco”, não só devido à pandemia mas, eventualmente, também por causa de outro fator de incerteza que foi referido no relatório do NECEP: o período eleitoral, capaz de adiar decisões de investimento que poderá notar-se nos dados mais à frente, quando houver informação estatística que permita analisar esse efeito.
Quanto às dificuldades criadas pela Covid-19 e pelas regras de isolamento definidas pelas autoridades de saúde, João Borges de Assunção salienta que “uma das surpresas que tivemos, nas diferentes fases destes dois anos de pandemia, é que, apesar das restrições, todas as economias aguentaram-se melhor do que se temia”. Daí que, embora o cenário traga incerteza, o NECEP não prevê vir a rever em baixa a estimativa que fez de um crescimento de 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022.
Para já nenhum economista se atravessa com revisões das projeções para 2022. Paula Carvalho, do BPI, diz mesmo que é difícil, nesta fase, saber se haverá necessidade de ajustamentos. “Poderia refletir-se em revisão em ligeira baixa, dado que com a base mais alta será mais difícil atingir o mesmo resultado, em percentagem”, mas, por outro lado, “é positivo o facto de a economia registar boa dinâmica na viragem do ano”. Tudo conjugado, acrescenta, “parece haver condições para se alcançar um bom resultado, na ordem dos 5%, mas as incertezas são significativas”.
Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Forum para a Competitividade, realça essas incertezas, não vendo, para já, motivos para alterar a previsão para o conjunto de 2022, mesmo depois do FMI ter revisto em baixa a projeção de crescimento económico para a Zona Euro este ano para 3,9%.
FMI revê em baixa crescimento da zona euro para 3,9% este ano
PIB ainda está abaixo dos níveis pré-pandémicos
O INE revelou o crescimento, para Portugal, de 4,9% para o conjunto de 2021 — mais do que os 4,8% esperados pelo Governo e do Banco de Portugal ou os 4,5% da Comissão Europeia e os 4,4% do FMI — dizendo ser, em volume, o crescimento mais elevado desde 1990, mas segue-se a uma queda histórica de 8,4% em 2020.
Pedro Braz Teixeira espera pelos números das várias componentes do PIB — que devem ser conhecidas a 28 de fevereiro — para avaliar melhor os dados de 2021. O INE já foi dando pistas.
A procura interna apresentou um contributo positivo expressivo para a variação do PIB, após ter sido significativamente negativo em 2020, verificando-se uma recuperação do consumo privado e do Investimento. O contributo da procura externa líquida foi bastante menos negativo em 2021, tendo-se registado crescimentos significativos das importações e das exportações de bens e de serviços.”
Paula Carvalho salienta o “comportamento muito positivo das exportações de bens e serviços, segundo o INE”. As exportações de bens “têm mantido uma trajetória sustentada de crescimento e possivelmente as exportações de serviços, com elevado contributo da retoma do setor turismo, terão também estimulado a boa performance”. Espera-se, de igual modo, “um desempenho favorável da procura interna, consumo e investimento, pouco afetada pela nova vaga da pandemia”. Mas “nesta fase os indicadores de alta frequência têm comportamentos mais erráticos o que dificulta a antevisão. E o próprio INE refere que efetuou revisões significativas nas séries históricas de algumas componentes”, salienta a economista-chefe do BPI.
O quarto trimestre acabou por ser uma surpresa para alguns economistas. O BPI, numa nota de análise, escreve mesmo que “a taxa de crescimento divulgada superou em larga medida os 0,3% estimados pelo BPI Research, sinalizando que o consumo poderá ter continuado a beneficiar da acumulação de poupanças nos períodos de confinamento e, sobretudo, refletindo o movimento de recuperação do turismo, que nos últimos meses do ano teve um comportamento mais positivo do que o esperado”.
No quarto trimestre, e em comparação com o trimestre anterior (designado por evolução em cadeia), o PIB cresceu 1,6%, uma desaceleração face aos 2,9% do trimestre anterior. Para Pedro Braz Teixeira este abrandamento era aguardado por causa das restrições estabelecidas para tentar controlar a propagação da Covid-19. Nas perspetivas empresariais que assinou a 20 de janeiro, Pedro Braz Teixeira realçava que no quarto trimestre, “as restrições então decididas conduziram a um abrandamento da atividade em Portugal, não permitindo recuperar aquele atraso”.
Para este economista, “os obstáculos internacionais à recuperação têm sido mais persistentes do que o esperado. A escalada nos preços da energia continua muito forte, bem como as dificuldades no abastecimento de componentes à indústria, com um forte impacto sobre a inflação. Os bancos centrais estavam a encarar a subida de preços de forma despreocupada e esta atitude mudou, tendo havido revisões em alta de subidas de taxa de juro, que se poderão repetir ao longo do ano. No caso do BCE, ainda não se antecipam subidas da taxa de referência, mas isto pode mudar ao longo de 2022”. Ainda assim, ao Observador este economista alerta para o arranque do ano e para as incertezas que o caracterizam, nomedamente ao nível geopolítico.
O BPI vê nos indicadores mais recentes uma economia a prosseguir “com o movimento de recuperação dos níveis pré pandémicos, mas possivelmente a um ritmo mais moderado, sinalizando a gradual normalização do comportamento da atividade económica associado ao controlo da pandemia”. Ainda assim, as estimativas apontam para um PIB ainda abaixo dos níveis pré-pandémicos na casa dos 1,4%-1,5% no quarto trimestre de 2021 face ao de 2019. Para o conjunto do ano o diferencial face a 2019 ainda vai nos 4%.