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Houve algumas lágrimas à chegada, amenizadas por pequenos truques como as bolachas Maria que o pequeno Pedro trouxe consigo ou a viseira em formato unicórnio da educadora Catarina. A meio da manhã, contudo, já era evidente que a maioria das crianças vinha com saudades de correr, brincar, apanhar sol e ver os colegas — caso do Duarte, de dois anos, que fez questão de dizer “Olá” individualmente a cada um dos amiguinhos.
O recomeço fez-se a meio-gás neste primeiro dia nas creches do Novo Colégio Chupetão (Porto) e no Jardim-Escola João de Deus de Belas (Sintra), onde o Observador acompanhou a chegada de pais e crianças e os novos rituais impostos pela Covid-19. Calçado trocado, medições de temperatura e educadoras e auxiliares de máscara e viseira. Os pais que decidiram deixar os filhos nas creches esta segunda-feira de reabertura chegaram receosos, mas com confiança nas instituições e em quem nelas trabalha. “É bom recomeçar”, diz ao Observador Mara Carvalho, mãe de Beatriz, de um ano. “Temos de confiar”, acrescenta outro pai, João Ferreira.
As novas rotinas vão-se fazendo. O álcool-gel, por exemplo, não incomoda nada as crianças, que até estendem as mãos para o desinfetante. Mais difícil é o tal distanciamento social, como comprovou a educadora Ana Sofia Gomes, que no recreio já tinha várias crianças a abraçarem-lhe as pernas. Ou a educadora Susana, que teve de passar parte da manhã a dar colo ao pequeno Manel, que se estreou na creche precisamente no dia de regresso pós-Covid, e logo rodeado de estranhos com máscaras.
“O distanciamento social neste contexto é um bocadinho ilusório”, assume António Vaz Teixeira, diretor do Colégio Chupetão. O que fazer, então? “Limpar, limpar, limpar”, sugere a auxiliar Manuela Valinhas, com 29 anos de experiência em creches da João de Deus.
No Novo Colégio Chupetão houve choro, bolachas Maria e muitas saudades
Passavam poucos minutos das 8h30 e já a pequena Helena saía despachada do carro do pai para tocar à campainha do Novo Colégio Chupetão, no Porto. Foi uma das 11 crianças que esta segunda-feira regressou à creche. De bata vestida e sem a habitual mochila às costas, que teve que ficar em casa, entrou em direção à sala dos dois anos animada e com muitas saudades da educadora. Antes disso, teve de trocar de calçado, medir a febre e desinfetar a roupa com um spray, um novo ritual partilhado por todos os seus colegas.
O portão ainda não tinha fechado completamente, quando Mafalda Silva chegava com a sua filha Carolina de 10 meses ao colo. Deixou-a ainda a chorar, mas o horário de entrada no centro de saúde onde trabalha, em Santa Maria da Feira, não lhe permite grandes atrasos. “Não é a melhor sensação do mundo”, conta ao Observador, ainda “com o coração apertado”.
A profissional de saúde admite que não foi fácil conciliar os horários e ter uma bebé a tempo inteiro em casa. Com o marido de regresso ao trabalho, a opção mais acertada foi mesmo deixar a filha na creche, inscrita no Chupetão desde no início do ano.
O primeiro dia foi marcado por algumas mudanças, principalmente no que toca ao recheio do saco da bebé. “Ela ainda não caminha, por isso não foi preciso trazer calçado, trouxe apenas as mudas de roupa habituais e as chupetas. Brinquedos e outros objetos também já não são permitidos”, explica. Mafalda Silva tenta recompor-se a entrar no carro, pois ainda tem “uma longa viagem pela frente” até chegar ao seu local de trabalho. Certo é que hoje vai buscar a pequena Carolina um pouco mais cedo que o habitual.
Com pouco mais de um ano de idade, a Beatriz já anda pelo seu próprio pé e é de mão dada com a mãe, Mara Carvalho, que entra no colégio ainda tímida e algo desconfiada. “Ainda te lembras disto?”, pergunta sorridente uma auxiliar. “Já estava na altura dela conviver novamente com outras pessoas que não os pais ou os avós. É muito importante para o desenvolvimento deles”, defende a mãe ao Observador, sublinhando ter plena confiança na equipa do Chupetão. “Acho que todas as medidas de segurança vão ser postas em prática, tenho plena confiança na equipa do colégio. Já não havia razão para ela continuar em casa.”
Para Mara Carvalho, esta é a altura ideal para os mais pequenos retomarem algumas das suas rotinas. “Os números têm melhorado, se continuássemos todos em casa não íamos perceber se, efetivamente, estava ou não na altura certa de as coisas reabrirem. Acho que é bom recomeçar.”
O problema das sestas e da distância nos escorregas
Nesta nova fase, a mãe de Beatriz foi obrigada a comprar calçado adicional para ficar na creche, garante que vai ficar “completamente descansada” durante o dia, mas confessa que a sua principal preocupação prende-se com a hora da sesta. “Só algum receio que não consiga dormir a sesta. Ela costuma dormir bem, mas em casa com tudo escuro e com o mínimo barulho.” Mesmo que o sono não seja tranquilo, logo que acorde, Beatriz já terá a mãe de volta para a levar para casa.
Quem não entrou muito feliz foi o Pedro, de dois anos. Com uma bolacha Maria na mão, a vontade de ir para o colégio não era muita. “Ele não queria vir, estava há dois meses em casa, e depois tem um irmão mais velho que só vai regressar ao pré-escolar no dia 1 de junho e não percebeu porque não pode ficar em casa com ele”, explica a mãe Joana Neves, acrescentando que o filho gosta muito de bolachas e normalmente entra sempre na escola a comer. “Hoje é que foi mais complicado, mas ele agora fica bem”, diz otimista.
Na mesma sala de Pedro está também a colega Sofia, que, ao contrário dele, ficou muito contente com a notícia de que a creche iria voltar a abrir as portas. “Deixei-a muito feliz, estava com saudades dos amigos e de brincar. Ela adora a escola”, conta a mãe Fabiana Basílio ao lado do pai Leandro. O casal brasileiro tem a filha no Chupetão há um ano e ainda estranha as máscaras na cara, mas acredita que tudo vai correr pelo melhor. “Hoje vamos ficar na expectativa. Esperamos vir buscá-la pelas 16h, vamos ver se ela não chora até lá.”
Quem conhece os cantos à casa é o Miguel, também de dois anos. Está desde os cinco meses no Chupetão e foi com muito sono nos olhos que encarou este regresso à nova normalidade. “Estava ansioso por vir, não chorou, entrou lindamente. Estava era com muito sono porque tem ido para a cama tarde, há rotinas que se perdem em casa”, justifica a mãe Isabel Teixeira. A trabalhar a partir de casa, confessa ser difícil cuidar do seu único filho ao mesmo tempo e, apesar dos receios, decidiu deixá-lo naquela que considera ser a sua “segunda família”. “Não vou descansada, vou ansiosa, mas confio plenamente nesta equipa.”
Um dos elementos da equipa do Novo Colégio Chupetão é a educadora Ana Sofia Gomes que no recreio das 10h tem várias crianças a abraçarem-lhe as pernas, visivelmente bem dispostas. “A reação deles esta manhã foi muito boa e tranquila. Não houve sustos, as saudades já eram muitas, nota-se que já estavam com muita vontade de voltar.”
Na nova rotina de entrada, a responsável salienta que os mais pequenos até acharam piada a alguns detalhes. “Alguns acharam graça a medir a febre e com o borrifador de desinfetante também foi muito tranquilo. No geral, reagiram todos bem a estes novos hábitos.” No pátio, o chapéu, em dias de sol, é obrigatório e a brincadeira nos escorregas coloridos também. “É difícil manter a distância nesta altura, mas vamos tentando. Como o espaço é grande, enquanto uns estão no escorrega, outros ficam no tapete. Tentaremos gerir da melhor forma.”
Distanciamento neste contexto “é ilusório”, mas “a vida continua”
Menos cadeiras, menos brinquedos, mesas mais separadas, nova sinalética e máscaras obrigatórias para todos os funcionários foram algumas das medidas adotadas para o Chupetão conseguir reabrir. Para o diretor do colégio, António Vaz Teixeira, “estava na hora certa” do momento acontecer. “Estas duas semanas vão funcionar como uma experiência piloto para o dia 1 de junho, data em que reabre o pré-escolar e a instituição volta mais ao normal.”
No entanto, o responsável sabe que “nem todos os pais estão ainda convencidos” ou a lidar bem com esta nova realidade. “Temos uma grande proximidade com todos os encarregados de educação. Tentamos contactá-los individualmente e transmitir essa confiança, porque, no fundo, a vida continua. Temos mesmo de viver e conviver com este vírus.”
Sobre o tão polémico e controverso distanciamento entre os mais pequenos numa creche, António Vaz Teixeira, diz ser algo ilusório. “Claro que o vamos tentar cumprir, mas uma criança requer afeto e para a recebermos, depois de dois meses sem nos ver, temos que nos aproximar delas e elas, naturalmente, também terão essa necessidade. O distanciamento social neste contexto é um bocadinho ilusório, mas iremos fazer de tudo para que seja possível mantê-lo.”
Viseiras de unicórnio e mãos estendidas para o álcool-gel à chegada
Em Belas, no Jardim-Escola João de Deus, o João chegou meia-hora mais cedo do que a Helena ao Novo Chupetão. Foi o primeiro, às 8 horas. É o que acontece quando se anda na escola onde a mãe trabalha como educadora e diretora pedagógica. “Olá, Joãozinho!”, diz a auxiliar Ju Loureiro assim que o vê chegar à porta. “Vamos tirar os sapatinhos?” As lágrimas começam a chegar aos olhos de João, de apenas três anos, que se abraça à mãe, apertando-lhe o pescoço. Com algumas palavras calmas ditas ao ouvido, João lá acede a tirar os sapatos vindos da rua e a calçar os outros que a mãe, Rita Cristo, trouxe consigo. “Ele é sempre assim à chegada, não tem nada a ver com a Covid”, assegura a diretora pedagógica ao Observador, sorrindo.
Rita Cristo aproveita para explicar novamente como a creche se está a preparar para acolher as 10 crianças que irá receber ao longo desta manhã, com a troca dos sapatos, desinfeção das mãos, proibição de entrada dos pais e acolhimento por uma equipa que está toda de máscara: “Começa a ser rotina habitual do dia-a-dia, eles começam a estar habituados a ver isto na televisão e vamos dar continuidade a essa rotina que os mantém mais seguros neste acolhimento”, explica. “Cremos que vão lidar com isto com tranquilidade”, assegura, garantindo que a equipa está pronta “para os receber com o maior carinho”.
Enquanto João veste o bibe verde — indicativo da sala dos 3 anos —, chega Francisco, de ano e meio, correndo ao sol em direção à porta do Jardim-Escola. Atrás vêm os dois pais, João e Andreia, de máscaras colocadas e olhares ansiosos. À porta, a alegria esfuma-se por instantes, à medida que lhe é trocado o calçado e ele compreende que a mãe e o pai não entrarão consigo. À sua volta tem duas auxiliares e duas educadoras, todas de máscara e viseira — algumas, como Catarina, com enfeites na viseira para parecer um unicórnio. “Olá, Francisco! Tiveste saudades nossas?”, perguntam, enquanto ele olha em redor, meio abananado.
Quando se acalma, Francisco estende as mãos a uma das educadoras para receber nas mãos o álcool-gel que lhe estendem, antes de entrar para a sala. O pai, João Ferreira, acena-lhe para se despedir, antes de confessar ao Observador que tinha algum “receio” em trazê-lo, mas que considera que o regresso é importante: “Queremos que comece aqui um elo de confiança para as coisas começarem a andar, senão tudo pára”, afirma. “A minha mulher é cabeleireira, eu sou massoterapeuta e também nós contamos que os nossos clientes confiem em nós.” Agora que regressaram ao trabalho — e com os avós longe — não tiveram outra hipótese senão voltar a colocar o filho na creche. E dizem-se tranquilos com a decisão: “Temos de confiar na instituição”.
Para além disso, João e Andreia acham que o filho já sentia muito a falta do ar livre e de brincar com outras crianças. “O Francisco era o tipo de criança que, das poucas vezes que saiu de casa durante a quarentena, chorava quando voltava a entrar dentro de casa. Ele tinha essa necessidade e parece quase uma bênção trazê-lo à escola”, acrescenta o pai, antes de partir para o seu trabalho. Às 17 horas virá apanhá-lo.
Duarte e Companhia e as saudades da creche: “Oláááááá!”
Menos de uma hora depois, Francisco já se passeia pelos escorregas, no recreio, juntamente com o João e a Sofia, que chegou entretanto e se despediu da mãe com toda a naturalidade, sem uma única lágrima. Os três partilham o escorrega, as motas e os aviões de brincar, rodeados pelo olhar das educadoras — e dos jornalistas. Todos andam nos mesmos brinquedos e a distância de segurança é quase nula.
Mas é essa mesmo a filosofia do João de Deus: “A regra do distanciamento é impossível de aplicar”, afirma ao Observador o diretor-geral do grupo, António Ponce de Carvalho, que passou por ali para ver como correm as coisas no primeiro dia em Belas. “Temos é os cuidados de ir desinfetar as mãos e de ter sempre as superfícies limpas e tratadas”. Os brinquedos são desinfetados nos entretantos — e também já foram nebulizados com um produto específico que elimina o vírus.
“Agora, veja por exemplo ali o caso do Manel: é o primeiro dia dele na creche, o primeiro dia de sempre. Ele precisa de colo, de mimo”, acrescenta Ponce de Carvalho. O Manel é a única criança neste recreio que continua a chorar, mais de uma hora depois de ter chegado. E não é para menos: este é o seu primeiro dia na creche, não pôde entrar com os pais e, de repente, viu-se rodeados de adultos desconhecidos e de máscara. A educadora Susana embala-o ao colo, enquanto ele chora pela mãe.
“Tem de haver transparência com os pais. Eles sabem que a nossa filosofia aqui é essa e por isso, como viu, não houve ninguém a recusar entregar o filho e pô-lo nos braços de alguém aqui”, acrescenta Sandra Ramalhinho, presidente do conselho diretivo. “A mãe do Manel foi de coração partido, o primeiro dia é sempre difícil. Normalmente deixamos os pais entrarem nesse dia, para os ajudar a ambientarem-se, mas agora não podemos. Não podemos abrir exceções”.
No escorrega, os restantes colegas olham com curiosidade para a criança que continua a precisar de ser embalada, mas rapidamente são interrompidos pela chegada de mais um amigo: Duarte, de dois anos (bibe azul), irrompe pelo recreio adentro gritando “Oláááááááá!”. De seguida, vai dizer um olá personalizado a cada amigo, trepando pelo escorrega e esticando a mão em direção aos outros meninos, enquanto repete: “Olá!” Quando vê Francisco, um pouco mais novo do que ele, cumprimenta-o com um “Olá, bebé!”
Ao todo, esta segunda-feira vieram 10 crianças, mais duas do que o inicialmente previsto, mas muito aquém das 50 habituais. “São tão pouquinhos… Normalmente há tanto barulho, hoje está silencioso”, comenta a diretora pedagógica Rita Cristo, que passou para cumprimentar as restantes crianças e deitar um olho no João, que já mostra a sua técnica apurada de subir e descer o escorrega verde-alface. Mas está um dia de céu azul e sol intenso em Belas, portanto há que parar para hidratar. “Vamos para a sala beber uma águinha e comer umas bolachinhas?”, pergunta a educadora Susana. De seguida, dá o mote, começando a cantar “O comboio dos meninos vai partir, vai vai / Quem se atrasa fica em casa e dali não sai”. A turma segue em fila atrás dela.
Ao almoço houve salada russa e a “marcha do soldadinho” — para não tocar nos ombros dos colegas
Ao meio-dia, os mais pequenos, como Francisco, estão no berçário. Mas os três mais velhos — o Duarte, a Sofia e o João — entram decididos pelo refeitório adentro, prontos para almoçar. Sentam-se nas respetivas cadeiras amarelas, com o nome e o animal que os identifica. Estão todos na diagonal uns dos outros, com cadeiras de intervalo, sem ninguém à frente nem ao lado. A educadora Susana conta então ao Observador como foi o resto da manhã: “Depois do recreio fomos lavar as mãos e comer bolachas. Depois fizemos uma pausa para o xixi — porque eles já são todos crescidos e já fazem na sanita, não é?”, pergunta ao trio de crianças, que acenam vigorosamente com a cabeça em concordância.
“Lavámos novamente as mãos e fomos ouvir a história dos ‘Sete cabritinhos e do Lobo-mau’, cada um sentado na sua almofada, que tem o nome de cada um, afastados.” Seguiu-se um período de brincadeira, com carrinhos e helicópteros. “Cada um tem o seu, mas claro que queriam trocar. Então andámos naquela roda de ‘usar brinquedo, desinfetar, usar brinquedo, desinfetar’”, conta a educadora. Ao almoço, para além da máscara, coloca a viseira com orelhas de Minnie, mas rapidamente tudo se embacia. “Viram? Como tenho os meus sapatos mágicos daqui de dentro, transformo-me em Minnie. Tudo é possível com os sapatos mágicos”, diz à turma. De vez em quando, tem de se afastar da mesa para levantar um pouco a viseira e deixar entrar ar, para desembaciar.
Sopa terminada e Susana atira a questão: “Agora é saladinha russa. Quem gosta?” “Eeeeeeeeeeeeu!”, responde João, num largo sorriso. Ninguém diria que é a mesma criança que chegou chorosa pelas 8 horas da manhã. Come tudo o que tem no prato, com um pedaço de pão na mão direita, para ir empurrando a comida em direção ao garfo — um processo incentivado pelas educadoras aos três anos, para ajudarem as crianças a aprenderem a comer com talheres, substituindo o pão pela faca mais tarde. No final, pede para repetir. Duarte faz o mesmo. “Vou contar à mãe, o Duarte vai repetir o peixinho!”, diz a educadora, entusiasmada. “Normalmente ele só come bem carne”, acrescenta em voz baixa.
Sofia, por seu turno, já tem a cabeça a bambolear de sono, em cima do prato. “Tens soninho? Vamos dormir?”, pergunta Susana. A resposta é um acenar afirmativo. Refeições terminadas e é dada a ordem de marcha: “Nós não vamos sair em comboio, como fazíamos antes, com as mãos nos ombros uns dos outros”, avisa. “Vamos como soldadinhos, a marchar, uns atrás dos outros. Vamos lavar as mãos e mudar de bibe, antes da sesta”. A educadora segue à frente, cantando “O soldado marcha sozinho, marcha, marcha sem parar” e os três seguem-na sem contestar, em direção à sesta pela qual anseiam. Já não falta assim tanto para o dia acabar e, afinal, o dia da escola só foi mais diferente por ainda ali estarem poucos dos colegas.
Com as crianças já fora do refeitório, as auxiliares Ju Loureiro e Manuela Valinhas entram em ação, equipadas com máscaras, luvas e batas. “Ai, comeram tão bem os meninos”, comenta Ju, sorrindo por debaixo da máscara azul. “Tenho muito medo deste vírus, mas confesso que já tinha saudades de vir, uma pessoa em casa dá em maluca”, declara, enquanto esfrega a mesa. O processo está oleado, ou não trabalhasse nas creches da João de Deus há 15 anos. “Acha que é muito tempo? Então e aqui a Manuela?” diz, apontando para a colega, que trabalhou 29 anos como auxiliar na creche dos Olivais, antes de vir para Belas inaugurar este edifício em janeiro.
Limpar o refeitório está longe de ser tarefa difícil para duas auxiliares experientes, mas agora a rotina é outra: Manuela segue à frente, borrifando tudo com um produto de limpeza e passando o pano cor-de-rosa por todo o lado; Ju segue atrás, com uma grande embalagem de álcool-gel na mão, que é borrifado em cada mesa e cadeira e deixado a secar. “Eu já faço parte da mobília aqui da João de Deus”, confessa Manuela, enquanto vira ao contrário uma das cadeiras amarelas e a esfrega vigorosamente com um pano cor-de-rosa. “Mas nunca vi uma coisa assim como este vírus.”
A turma da educadora Susana já dorme e daqui a um par de horas os pais começarão a aparecer e o primeiro dia chegará ao fim. Hoje, para começar, foram poucos. E quando vierem os restantes? “Vamos lá ver”, responde Manuela, suspirando. “Para já, só há uma coisa a fazer: é continuar a limpar, a limpar, a limpar.”