Intervenção do Presidente
É um retrato de Portugal que queremos porque aquilo que os une, aos 19 concelhos do Douro, é o vinho, vindo do Douro, que lembra a nossa aliança com os britânicos, que daqui a cinco dias, reunirá o rei acabado de coroar e o representante de todos os portugueses, para evocarem 650 anos de história, sem paralelo na Europa e, porventura, no mundo. Não que o vinho do Douro tivesse só esse passado, mas porque, a caminho de três séculos, selou um passo decisivo na vida dessa aliança.”
O Presidente da República aproveitou o discurso, como tantas vezes faz, para promover um evento futuro. Neste caso, Marcelo Rebelo de Sousa estava a fazer referência à visita oficial a Londres, que vai decorrer entre 14 e 16 de junho e onde irá celebrar a aliança política, económica e militar de 650 anos entre Portugal e o Reino Unido. Dos eventos faz parte um encontro entre Marcelo e Carlos III e por isso o Presidente aproveitou o facto de estar no Douro — região cujos vinhos foram parte importante das relações económicas entre os dois países — para lançar esse encontro que terá dentro de cinco dias com o recém-coroado Rei de Inglaterra.
É o retrato que queremos. Porque só somos verdadeiramente portugueses, na medida em que sempre fomos e somos universais (…) [Precisamos] de entender ao mesmo que temos de receber outros, tal como exigimos que eles nos recebam a nós.”
À semelhança do que fez nos discursos do 10 de junho dos últimos dois anos, Marcelo volta a defender os imigrantes e a lembrar que Portugal é um país de emigrantes (imigrantes lá fora) e que deve tratar os estrangeiros que residem no País da mesma forma que exige que os portugueses sejam tratados quando decidem procurar uma vida melhor no estrangeiro.
Muitas vezes [os portugueses estiveram] sozinhos, mas mais fortes unindo energias e ultrapassando egoísmos, sem cedermos na nossa independência.”
Marcelo Rebelo de Sousa fez por duas vezes no discurso do 10 de junho referências a como os portugueses “unidos” são mais fortes (mais uma escada estendida a Costa para o regresso à solidariedade institucional). E foi ao ponto de pedir que se ultrapassem “egoísmos” em prol do País. A sugestão surge um dia depois de dizer que o Governo de António Costa ainda vai a tempo de “mudar de pessoas”, pensando naquilo que é “melhor” para o País. Foi um pequeno, muito leve, recado.
Este Douro que tornámos de novo navegável, e tantos velhos do Restelo não acreditavam. Hoje, aqui está. No seu potencial, contribuindo para o desenvolvimento da região e o bem-estar dos seus habitantes. Obras fundamentais que fizemos entre as que não fizemos e continuamos a adiar.”
O Presidente da República recorda sempre que visita o Alto Douro Vinhateiro a influência que teve no avanço do projeto de navegabilidade do Douro. Quando fez um “Portugal Próximo” (as Presidências abertas de Marcelo no primeiro mandato) em Trás-os-Montos em julho de 2016, Marcelo lembrou que a navegabilidade do Douro era “um sonho” que tinha, mas que “não era pacífico na classe política portuguesa”. Na altura lembrou “um ou outro colega do Governo” (liderado por Francisco Pinto Balsemão) que se opuseram à obra — colegas que agora apelidou carinhosamente de “velhos do Restelo”. Marcelo tinha aqui dois objetivos: enaltecer o papel como governante na navegabilidade do Douro e insistir (na sua veia mental-nacional-coach) que o que parece “megalómano” pode ser concretizável.
E portugueses, aquilo que vos digo não será apenas um discurso para acalmar os espíritos em tempos de incerteza e de carência? Seremos mesmo assim, como vos garanto, influentes no mundo? É parar no momento. É recordar a quinta Língua mais falada no mundo, a segunda mais falada no hemisfério sul e, também no hemisfério sul, a segunda mais usada no digital. Recordar o secretário-geral das Nações Unidas, eleito e reeleito por aclamação por quase 200 Estados do universo. [É lembrar] as nossas forças nacionais destacadas a construirem a paz, no nosso continente de origem e em muitos outros. (…) Temos um peso muito maior do que o nosso território terrestre. Do que nos serve termos essa influência mundial se, dentro de portas, sempre tivemos e temos problemas por resolver? Mais pobreza do que riqueza, mais desigualdade do que igualdade, mais razões, às vezes, para partir do que para ficar. Sejamos honestos para connosco mesmos, assim tem sido e continua a ser século após século.”
Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu o peso que os portugueses têm no mundo, voltando a falar do seu amigo e o que considera “o melhor de todos” de uma geração, António Guterres. O facto de ser um português a estar à frente das Nações Unidas, de a Língua Portuguesa ser das mais faladas do mundo, bem como o prestígio das forças militares destacadas no estrangeiro são para Marcelo a prova da influência de Portugal no mundo. Mas este elogio servia também de antecâmara para uma reflexão com a mira apontada para dentro: de nada vale ter força diplomática lá fora, se os problemas do País não forem resolvidos. O Presidente continua a ver mais pobreza que riqueza e desigualdades social, mas apressa-se a justificar que não considera que este estado do País seja uma responsabilidade exclusiva do Governo de António Costa: “Sejamos honestos (…), assim tem sido século após século”. O recado mais forte para o primeiro-ministro teria de esperar mais uns minutos.
Não podemos desistir nunca de criar mais riqueza, mais igualdade, mais coesão, distribuindo essa riqueza com mais justiça. Porque só isso nos permite e permitirá continuar a ter projeção no mundo. Que é o nossa vocação de sempre: sermos pontes, sermos plataforma entre oceanos, continentes, culturas e povos. Outras há que são e serão mais ricos e mais coesos que nós, mas com Línguas que poucos conhecem, incapazes de compreenderem o mundo, de o tocarem e de o influenciarem, mesmo que mundo esteja à sua porta. Uma pátria improvável, feita a pulso, contra o vento. Não queremos nunca cometer o erro de trocarmos a nossa vocação pela ilusão de que sermos felizes é deixarmos de ser o que nos marcou há séculos. Mas atenção: que isso não seja álibi ou justificação para não sermos mais fortes e mais justos cá dentro. Até para sermos mais fortes e mais justos lá fora. É esse apelo deste Douro, que nos desafia todos os dias. Deste e de todos os Douros das nossas vidas.”
Num discurso com muitas generalidades, Marcelo Rebelo de Sousa faria um apelo mais direto que tinha como destinatário o Governo. O Presidente da República exige assim que o País (leia-se, o Executivo) não desista de criar riqueza e de esbater as desigualdades sociais. O chefe de Estado avisa que o sucesso de Portugal fora de portas não será “álibi” ou “justificação” para resultados menos conseguidos dentro de portas.
Tentamos uma vez, cem vezes, mil vezes, falhamos mais do que acertamos, temos tantas, mas tantas, tentações de desistirmos. Mas [é preciso] não desistirmos. Começarmos de novo. Darmos novo viço ao que disso precisar, plantarmos, semearmos, podarmos, cortarmos ramos mortos que atingem a árvore toda. Recriarmos juntos deste Douro o que faça do nosso futuro muito diferente e muito melhor do que o nosso presente. Só se não quisermos é que o nosso Portugal não será eterno. E nós queremos que seja interno.”
O Presidente da República tinha prometido, no dia anterior, não comentar a atualidade política nem o que “está nos jornais todos os dias” no discurso, mas não resistiu a enviar um recado a António Costa de forma velada. Utilizando uma metáfora arborista, sugeriu, a partir da Régua, que se “começasse de novo”, que se desse “novo viço ao que disso precisar”. Foi a forma do Presidente da República sugerir e insistir numa remodelação governamental. Marcelo continuou depois a dizer que era preciso cortar os “ramos mortos que atingem a árvore toda”, numa indireta exigência a que João Galamba saia do Governo. A insistência ganhou mais relevância depois de os populares terem dado uma monumental vaia ao ministro das Infraestruturas quando este se juntou à cerimónia ainda antes do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa.