Conheceu Pedro Nuno Santos cedo, foi convidada por Pedro Nuno Santos para trabalhar no Governo, tem um estilo parecido com o de Pedro Nuno Santos. As referências ao ministro demissionário das Infraestruturas são uma constante quando se tenta traçar o perfil da sua delfina, a nova ministra da Habitação, Marina Gonçalves — reconhecida por “trabalhar desalmadamente” para chegar a resultados concretos mas olhada com desconfiança pela “marca ideológica”, de esquerda, muito forte para alguns no topo do PS.
“Ela tem ‘pica’ a trabalhar”, resume um dirigente do PS. Um pouco por todo o lado, de colegas do Governo a amigos do tempo da JS, a descrição é a mesma, as expressões variam pouco: “Adora trabalhar”, “se for preciso não dorme”, “é a primeira a chegar e a última a sair”, ” é uma máquina de trabalho”, e por aí fora. Mas além de estudar muito os dossiês tem um perfil muito “político”, asseguram fontes socialistas — o que veio “emprestar um perfil mais político” à pasta também, vertente que a direita tem notado, sobretudo para criticar as posições mais à esquerda assumidas pela até agora secretária de Estado.
É também consensual a descrição que desenha a nova ministra como alguém da total “confiança pessoal e política” para Pedro Nuno, assim como “extremamente leal” ao ministro demissionário e até “patrocinada” por ele no partido. O que já leva à leitura, dentro do PS, de que é promovida no Governo (tal como João Galamba) também com o objetivo de manter a ala pedronunista controlada e não dar espaço a que o setor mais à esquerda do PS se torne mais vocal em críticas à maioria absoluta de Costa. “Mantê-los debaixo da asa”, resume um dirigente.
Um pedronunista reconhece os efeitos possíveis desses cálculos: “Limita um bocado, se o Pedro estivesse a pensar em fazer algum tipo de levantamento de voo… Tenta extinguir esse fogo. Mas ele também vai estar calmo e discreto, na bancada parlamentar”, antecipa.
Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a remodelação governamental.
Quanto às convicções políticas de Marina Gonçalves ninguém tem dúvidas: no topo do Governo, chegaram a existir críticas à resistência em incluir os privados nas soluções que tardam em chegar, numa área que continua a ser marcada pelas promessas e metas ainda não cumpridas. “É óbvio que há uma marca ideológica. Para a questão ideológica e essas opções na habitação não é indiferente ser ela ou outra pessoa no cargo”, reconhece uma fonte próxima.
Por isso mesmo, “não haverá muita surpresa” no caminho que tentará impor, e que agora parece validado por António Costa, na pasta da Habitação, nota outro dirigente socialista. Mas com dificuldades evidentes numa pasta difícil: “Ela é muito obcecada por mostrar resultados, mas o delay na Habitação é enorme — decidem-se agora construções que só estão prontas daqui a dez anos…”, lembra a mesma fonte. “São resultados muito a longo prazo”.
A vantagem de ser escolhida, apontou António Costa e corroboram outras fontes no PS, é a garantia de “estabilidade” — neste caso, a estabilidade das visões que defende, e que representam as opções da ala mais à esquerda do PS — e de “garantias de trabalho” e conhecimento de questões “de filigrana”.
De resto, da nova ministra ainda pouco se sabe, dado que chega muito jovem ao cargo (34 anos, a mais nova deste elenco governativo) e o facto de ter até agora ocupado posições sobretudo de bastidores. Já no Governo, como secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves destacava-se pelas respostas assertivas e por vezes duras que dirigia à oposição, quando debatia no Parlamento mas os holofotes continuavam focados no ministro, Pedro Nuno Santos. Mesmo assim, há quem aponte que agora, como ministra, até se notará mais as semelhanças que partilha com o ex-ministro: “Tem uma proximidade interessante com Pedro Nuno e um estilo muito participativo e assertivo, semelhante ao dele”, nota fonte próxima de ambos.
E é pela mão de Pedro Nuno que fez grande parte da sua ascensão política. Em Caminha, de onde é natural, fontes próximas da nova ministra notam que contava com militantes do PS, incluindo o pai, na família. Mas na Juventude Socialista, onde ingressou já “tarde” para os padrões de muitos militantes que entram na jota logo durante a adolescência, foi subindo sem nunca ter liderado uma federação ou ter passado pelas estruturas do aparelho e tendo sido primeiro convidada para o secretariado nacional durante o mandato do então líder João Torres e mantida no mesmo órgão pelo sucessor, Ivan Gonçalves.
Apesar de ter estudado Direito na Universidade do Porto e de se ter especializado em Direito Administrativo (é jurista de profissão), a carreira é mesmo política. Foi assessora no grupo parlamentar do PS, fase em que conheceu os ‘jovens turcos’ do PS — o grupo que incluía Pedro Nuno Santos e João Galamba — antes de ser convidada por Pedro Nuno para chefiar o seu gabinete, quando era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e pivô da geringonça.
Nesse papel, recordam fontes do PS, “fez um trabalho que se destacou nas negociações”, acompanhando a par e passo o trabalho orçamental e conversas com os parceiros de esquerda — trabalho que aplicou depois, como vice-presidente do grupo parlamentar do PS. Voltou a ser escolhida por Pedro Nuno, em 2020, depois da saída da então secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, para a substituir.
A importância renovada da Habitação (e as metas que continuam por cumprir)
Ora quis o destino que a última conferência de imprensa após um Conselho de Ministros tivesse ao lado de Mariana Vieira da Silva o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. Além de anunciar um travão à subida das portagens, foi anunciada a aprovação do decreto-lei que “introduz alterações ao programa Porta 65 – Arrendamento por Jovens e ao Programa de Arrendamento Acessível, tendo em vista aperfeiçoar estes instrumentos, desburocratizar e simplificar os seus procedimentos e, em consequência, aumentar o leque de candidatos”. Os diplomas acabaram publicados em Diário da República a 30 de dezembro, já Pedro Nuno Santos se tinha demitido de ministro.
A queda do sucessor. Um email de fevereiro ditou uma saída que o Governo considerou “vital”
Sabe-se agora que essas alterações já serão executadas em pleno com Marina Gonçalves na cadeira de ministra — uma ministra para, nas palavras de António Costa, continuar as políticas que estavam assumidas.
A habitação tem estado, nos últimos anos, debaixo das Infraestruturas. Agora ganha novamente autonomia com um ministério próprio. António Costa quer demonstrar a importância que dá ao tema, que foi, também, um dos seus motivos de escrita no artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias no primeiro dia de 2023.
“A habitação constitui, porventura, a maior preocupação dos jovens no momento de se autonomizarem. Depois de décadas em que o Estado se demitiu de promover políticas públicas de habitação, estamos agora a atuar, também em conjunto com os municípios. Aprovámos a primeira Lei de Bases da Habitação, a Estratégia Nacional e estão já contratualizadas as primeiras 223 Estratégias Locais de Habitação. O PRR tem previstos 2,7 mil milhões de euros para investir em habitação, o que será uma verdadeira mudança estrutural a concretizar até final de 2026″, escreveu, para continuar o tema lembrando o reforço do Porta 65 e a possibilidade de se usarem verbas do Fundo de Compensação do Trabalho para apoiar os encargos dos jovens trabalhadores com a habitação. E deixou a promessa: “Em 2023, vamos lançar um programa especial de arrendamento jovem, arrendando no mercado para subarrendar com renda acessível”.
Tudo isto acabou por repetir na conferência de imprensa que deu esta segunda-feira, depois de conhecidos os nomes dos novos ministros.
O caderno de encargos de Marina Gonçalves é o mesmo que já tinha: avançar na estratégia nacional da habitação, contratualizar as estratégias com as câmaras, executar o Plano de Recuperação e Resiliência na área da habitação — segundo António Costa é das que tem mais dinheiro — e promover o arrendamento jovem, nomeadamente através do Porta 65 que agora foi atualizado para que mais casas possam entrar neste programa.
E os problemas também continuam a ser os mesmos, como a oposição tem apontado uma e outra vez: o Governo continua a repetir metas e promessas fixadas há anos mesmo que pareçam longínquas, seja garantir habitação às 26 mil famílias que se estima que vivam em condições indignas até ao 50º aniversário do 25 de Abril, ou seja o aumento do parque habitacional público.
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Com a estratégia da habitação, que é garantida em conjunto com as autarquias, Marina Gonçalves já teve de percorrer o país. E quase sempre lado a lado com Pedro Nuno Santos, o poder local acabou por entrar na vida da nova governante.
António Costa reforçou que já foram assinados acordos com 223 autarquias para as estratégias locais de habitação que após o tal diagnóstico de carência habitacional permite acesso ao programa de apoio ao acesso à habitação designado 1.º Direito. Num balanço recente, o Governo apontava para “cerca de 300 pedidos de financiamento, respeitantes a 5.600 habitações e a 65 municípios, das quais cerca de 1.200 casas já entregues”.
No programa do Governo, no que caiu em 2021 e no eleito em 2022, é referido o objetivo de “erradicar as principais carências habitacionais identificadas no Levantamento Nacional de Necessidades de Realojamento Habitacional de 2018 até ao 50.º aniversário do 25 de abril, em 2024”. Esta é agora uma meta pela qual Marina Gonçalves tem de se comprometer, tal como o objetivo de aumentar de 2% para 5% o parque habitacional público. Num balanço recente, o Governo indicou que na habitação pública a preços acessíveis existem 4755 habitações em diversos pontos do país.
A própria ministra chegou a definir a fasquia para medir o seu próprio sucesso quando, depois de passar a secretária de Estado, disse em entrevista à revista Sollicitare (da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução) que “o trabalho de identificação de necessidade e de instrumentos para resposta aos principais problemas de habitação está já praticamente concluído” e portanto seria preciso concentrar-se “na concretização desses instrumentos para reforçar e melhorar as respostas habitacionais e para garantir o acesso de todos a uma habitação adequada”. “E, por isso, o meu principal objetivo nos próximos anos é o de aumentar a oferta pública e de dar uma resposta efetiva ao maior número de famílias possível. Enquanto perdurarem carências habitacionais, nas suas várias dimensões, não podemos considerar que a nossa missão, enquanto promotores do interesse público, está cumprida”.
Muitos dos objetivos na habitação estão, pois, por concluir. Mas António Costa explicou a permanência e até a promoção de Marina Gonçalves pela necessidade de continuar a executar o programa nesta área que terá 2,7 mil milhões de euros de dinheiro para investir até 2026.
É também ligada à habitação a política das rendas. Este Governo fica ligado ao travão de 2% no aumento das rendas em 2023. O que motivou a contestação dos senhorios que têm visto os contratos anteriores a 1990 serem congelados ano após ano.
Uma política de habitação ideológica?
Uma das críticas feitas à política de habitação do atual Governo, em particular pela direita, é a de ter subjacente uma crescente intervenção pública. Aliás, à declaração de Marina Gonçalves no Parlamento de que todas as pessoas têm direito a viver nas zonas mais caras de Lisboa, e “cabe ao Estado” permitir isso, a Iniciativa Liberal respondeu com uma publicação no Twitter, na qual escrevia o seu email para quem quisesse reclamar uma casa em Lisboa.
A Secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, anunciou que “toda a gente tem o direito a viver nas zonas mais caras de Lisboa” e que “cabe ao Estado dar essa resposta”.
Reclame o seu direito, e peça a casa dos seus sonhos para o endereço gabinete.seh@mih.gov.pt! pic.twitter.com/v8Kgr5L4rC
— Iniciativa Liberal Lisboa (@LiberalLisboa) September 18, 2022
Habitação volta a ser ministério
Ainda não é conhecida a equipa de Marina Gonçalves, que entrou para o Governo primeiro como chefe de gabinete e adjunta para depois se tornar secretária de Estado até chegar a ministra. E como uma pasta que não tinha ministério autónomo desde o governo de Santana Lopes. Nesse executivo, foi José Luís Arnaut que assumiu a pasta de ministro das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional.
Aliás, nunca a habitação esteve sozinha. Nos Governos de Pinto Balsemão estava associada às obras públicas e transportes, primeiro com Luís Barbosa, depois com José Carlos Viana Baptista. Também com Maria de Lourdes Pintasilgo, o Ministério assumia-se como da Habitação e Obras Públicas, com Mário de Azevedo como titular. O mesmo nome teve nos governos de Mota Pinto e Nobre da Costa, nos quais o ministro foi o mesmo — João Almeida Pina. Nos primeiros governos democráticos, com Mário Soares, o Ministério da Habitação e Obras pública foi liderado, em 1978, por António Sousa Gomes, e de 76 a 78 por Eduardo Pereira, que, no entanto, tinha a pasta da Habitação, Urbanismo e Construção.
Agora volta a designar-se de Ministério da Habitação. António Costa quer dar o sinal da importância da pasta, voltando a ter 18 ministérios, depois de ter prometido que este Executivo seria “seguramente mais enxuto, mais curto”.
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