É líder da Fenprof há 12 anos e acabou de ser eleito por mais três. Se cumprir o mandato até ao final, será o secretário-geral da maior estrutura sindical dos professores com maior longevidade, mas garante que o seu tempo de sindicalista acaba aí. “Uma coisa que acho fundamental para o futuro do sindicalismo é o rejuvenescimento”, assegurou no programa Sob Escuta, a grande entrevista da Rádio Observador.
Quando disser adeus à Fenprof, voltará para a escola onde está colocado, em Coimbra — e não se assusta com essa ideia. Garante que nunca deixou de ser professor, apesar de não dar aulas há 30 anos. Está, ainda assim, no topo da carreira porque não deixou de progredir e diz que é uma questão democrática. Lembra que também acontece com os professores que são eleitos deputados e que, ao contrário, dos sindicalistas, não têm de ser avaliados para progredirem: “Além de não termos o salário que eles têm, os dirigentes sindicais são obrigatoriamente avaliados. Se for para mudar, tem de ser para todos”.
[Veja aqui o melhor da entrevista ao líder da Fenprof:]
Confessa que sabia que o acordo assinado com o governo, em novembro de 2017, não garantia a recuperação do tempo integral do serviço dos professores — “todos sabíamos o que estávamos a assinar” —, mas diz que, pelo menos, “30% já cá moram”. No dia em que a reivindicação foi chumbada no parlamento “estava capaz de os comer a todos”, mas a luta pelos 6 anos, 6 meses e 23 dias que faltam já tem novo crachá e continua já com uma série de perguntas que vão ser enviadas aos partidos políticos, até à próxima segunda-feira, sobre o que pretendem colocar nos seus programas eleitorais. Com as respostas, a Fenprof vai fazer um resumo, que há-de chegar a todos os professores em setembro — mesmo a tempo de decidirem em quem votar nas próximas eleições legislativas, a 6 de outubro. Há, para já, uma certeza: o novo ano letivo não vai arrancar com uma greve dos professores.
No próximo governo, também não espera ver Tiago Brandão Rodrigues. Mário Nogueira diz que o ministro não tem condições para continuar — e que foi o próprio governo a admiti-lo, no momento em que António Costa ameaçou demitir-se — e que já não o é há algum tempo. Irónico, reconhece que Brandão Rodrigues tem estado bem no apoio aos atletas portugueses no futebol de praia e nos jogos olímpicos. Se tivermos em conta que, nos últimos 13 ou 14 anos, não houve ano letivo sem protestos do professores, isso significa que não houve um titular da pasta da Educação competente? Mário Nogueira diz que falta diálogo e escolhe como ministro preferido Guilherme d’Oliveira Martins: “Não é como esta gente agora, para quem a fundamentação é dizer que é assim e acabou-se”.
Recuperação do tempo integral de serviço. “30% já cá moram”
No dia em que o Parlamento chumbou a recuperação do tempo integral em que as carreiras dos professores estiveram congeladas, já do lado de fora, à chuva, a Joana Mortágua estava à sua espera para lhe dar um abraço. E, naquele momento, disse-lhe qualquer coisa do género: “Ainda não é hoje, mas um dia digo-lhe tudo.” O que é que ficou por dizer ao Bloco de Esquerda e a PCP sobre a carreira dos professores?
Nada de particular. Penso que o que terá ficado por dizer é que vem aí uma nova legislatura e nem nos passa pela cabeça que os 6 anos, 6 meses e 23 dias que estão por recuperar, e que o governo continua a roubar aos professores, não venha a ser recuperado. E aquilo que nós esperamos é que os partidos à esquerda do Partido Socialista, admitindo que os resultados eleitorais de outubro não irão ser muito diferentes dos que aconteceram nesta legislatura, e penso que a maioria será mais ou menos a mesma, é importante que esses partidos que suportarão o próximo governo — se tiver estas características e esta natureza — que tenham capacidade para, nas eventuais posições conjuntas que vão tomar no início, como fizeram, que fique claro que esta não é uma questão que deva continuar adiada. A partir daquele momento, tivemos a plena consciência de que estávamos no final da legislatura e que era o último momento possível para deixar em lei a possibilidade de recuperar o tempo de serviço.
Mas o que era aquele “tudo”? Era um “tudo” de desilusão?
Não era de desilusão, diria de alguma frustração. Porque tínhamos conseguido estar cada vez mais próximos desse objetivo, que é um objetivo justo: não é queremos um melhor salário, uma melhor carreira, não é nada disso. O que temos vindo a reivindicar é que o tempo que os professores trabalharam nas suas escolas com os seus alunos seja contado, ponto final. Como é para os colegas da Madeira e dos Açores. Que seja de uma forma faseada, de uma forma exequível, que tenha sustentabilidade orçamental porque tem a ver com os nossos próprios salários… Essencialmente, é essa contagem acontecer. Reconheço que, naquela altura, tão próximo que nós estávamos, tendo quase garantido que, pelo menos, na lei ficaria consagrada uma coisa que nunca esteve e que era a contagem integral — e, como costumo dizer, depois também cá estaríamos nós para fazer a pressão necessária —, naquele momento há uma frustração grande. Analisando um pouco mais a frio, podemos perceber que a contagem integral ter como custo uma revisão do estatuto da carreira docente, e que não era com certeza para rever aspetos como a formação ou concursos, era um risco.
Era um risco porquê?
Era um risco porque nós percebemos, quer à direita quer no próprio PS, gente a dizer que a carreira dos professores é uma carreira insustentável e que, portanto, tem de ser revista. E percebemos que se quer rever em baixa. Não percebo como é que alguém consegue dizer que uma carreira de um professor que trabalha há 15 anos, que tem 40 e tal anos de idade, que está colocado a 500 quilómetros de casa e que tem um salário líquido de mil euros é uma carreira insustentável. Se dizem isso, estão a dizer que Portugal não tem capacidade financeira para ter professores. Pelo menos, qualificados. Na altura de 2008, 2009, quando se faz aquela revisão de carreira, a intenção não era criar categorias. A intenção era que os professores fossem transferidos de uma carreira especial que têm, que tem a ver com as suas características, para a carreira geral da função pública, a chamada tabela remuneratória única, com tudo o que isso tem de grandes prejuízos. Nós temos uma carreira que é das mais desvalorizadas, principalmente quando chegamos à parte líquida, da União Europeia. Tirando os países de Leste onde os salários são extremamente baixos, aqui na Europa Ocidental basta olhar para os colegas espanhóis para perceber que, mesmo com salários ilíquidos inferiores aos nossos, os líquidos são superiores. A nossa carreira não é valorizada e tentar desvalorizá-la através de uma revisão em baixa, que é o que querem os dois partidos maiores, é um risco que não queremos correr. Se tiver que ser, cá estaremos para a luta.
De facto têm uma carreira com um sem fim de escalões. Têm 10 escalões. Não estariam disponíveis para mexer neles e reduzir o número de escalões da carreira?
Podíamos fazer isso, mas penso que seria pior para a própria carreira. Repare: com uma carreira com escalões de 4 anos, os professores estão permanentemente a ser avaliados. Isso é importante. Um aspeto de que nunca se fala. Normalmente o que se diz é que as progressões dos professores são automáticas. Ora, as nossas são das carreiras menos automáticas de todas.
Em que escalão é que o Mário Nogueira está?
Eu tenho 41 anos de serviço e portanto cheguei ao topo de carreira aos 40 anos, embora perdendo tempo, porque devia ter chegado 7 anos antes.
Mas progrediu mesmo não sendo professor há 30 anos?
Não, não. Eu sou professor desde sempre.
Mas exerce numa sala de aula?
Eu não exerço numa sala de aula, mas é curioso… Essa pergunta nunca se faz a um deputado, se exerce numa sala de aula, ou a um autarca.
E acha que isso devia ser mudado para funções no sindicato, deputados ou autarcas?
Se for, tem de ser para todos.
Mas acha que faz sentido?
Não sei se deve, ou se não faz. Acho que tem a ver com as regras da democracia. Um professor que está no sindicato… Qualquer dirigente sindical, seja professor, jornalista, médico ou pedreiro, tem direito a 4 dias por mês para o exercício da atividade sindical. Como nós. Temos isso e nada mais do que isso. Como nós, professores, temos 10 meses de aulas, quer dizer que, no final do ano, os professores não podem ser tratados de forma discriminada em relação aos outros trabalhadores. Se nós faltamos, faltam 40 dias de aulas aos alunos. Ninguém pode dizer que ‘és sindicalista, mas, como és professor, não podes ter atividade sindical’. Isso só no tempo do fascismo e não estamos nesse tempo. Foi o próprio governo — e inicialmente até fomos contra — que um dia nos disse que tínhamos de resolver isto. Era muito complicado, e para nós também, faltar durante um ano 40 dias de aulas aos alunos. O que o governo na altura nos veio propor — e falo de José Augusto Seabra, ainda não era comigo — foi que alguns dirigentes pudessem ceder os seus 4 dias a outros. Assim, os que cediam não faltavam e os que acumulavam não faltavam também porque, ao acumular os dias dos outros, estavam a ser substituídos nas escolas. Esta foi a forma de deixar de faltar aos alunos. Na Fenprof, todos os dirigentes que estão em Lisboa, ou nas zonas próximas, e que conseguem ter serviço na sua escola e às 11h da manhã no sindicato, não estão a tempo inteiro. A tempo inteiro somos os que vivemos e trabalhamos em Coimbra, Porto, Faro. Não é possível ter uma reunião nas escolas às 8h e estar às 11h numa reunião no Ministério, em Lisboa. A não ser que este país fosse outro e não fosse centralizado. Ao acumularmos esses tempos estamos a permitir que os nossos alunos tenham aulas. O que nos distingue dos autarcas?
A maior parte das pessoas não sabe, os professores que são deputados continuam a progredir na carreira e não são avaliados.
Pois e não só…
Mas a questão era genérica.
É genérica, mas diferente. É que os dirigentes sindicais só têm como salário o seu salário. O deputados tem o salário de deputados, os autarcas o dos autarcas. O meu salário é rigorosamente o mesmo estando aqui ou estando na minha escola que para lá chegar é só atravessar a minha rua para o outro lado da estrada.
Nós já vamos falar sobre o dia em que vai voltar a dar aulas…
Mas é importante as pessoas perceberem isto. Além de não termos o salário que eles têm, os dirigentes sindicais são obrigatoriamente avaliados. Para progredir, tive de fazer formação contínua como os meus colegas que estão a dar aulas e de entregar uma avaliação por ponderação curricular com toda a atividade relevante para o exercício da profissão que desenvolvi, porque tenho de participar em muitas outras formações e iniciativas, coisa que aos deputados e autarcas não se exige. Há uma diferença. E até acho que essa avaliação devia ser obrigatória para toda a gente. Quando se alterar, é alterar para todos. É que eu sou professor, não sou daqueles sindicatos modernaços que para aí andam, que contratam gente que não é do setor para ser dirigente. Nós não temos disso.
Também já iremos falar desses sindicatos “modernaços”, para o citar. Deixe-me só recuar à questão dos 9 anos, 4 meses e 2 dias porque um dos momentos mais marcantes no — e sei que não gosta da expressão, mas vou usá-la — braço de ferro com o governo foi a assinatura de um compromisso a 18 de novembro de 2017. Na altura, a negociação foi muito à volta de um artigo definido: se dizia recuperar “tempo de serviço” ou “o tempo de serviço”, como acabou por ficar. Foi enganado ou deixou-se enganar?
Ninguém foi enganado nessa reunião, todos sabíamos o que estávamos a assinar.
E porque é que assinou?
Porque, naquele momento, foi o que nos permitiu continuar a lutar como até agora e, neste momento, já termos recuperado algum tempo.
Sabendo que era nada?
Se fosse nada, os professores não tinham mudado quase todos de escalão.
Mas não conseguiu a recuperação total do tempo de serviço.
Não fui eu que não consegui. Isso é outro equívoco. Os sindicatos de professores são coletivos, alguns de nós têm de dar a cara. E eu dou sem problema nenhum, sem nenhuma crise. Nós lutamos contra as maiores forças deste país. Quem é que nós tivemos do outro lado, no tal braço de ferro? De um lado tínhamos o braço de ferro dos professores, que é um ferro forte. Do outro lado tínhamos o braço de ferro da arrogância, da prepotência e do economicismo à escala maior. Tivemos o senhor primeiro-ministro, o senhor Presidente da República, tivemos aquele que manda no país, que é o Mário Centeno, tivemos a Comissão Europeia a pronunciar-se e até o FMI! Gente acima disto só Deus e aí a gente perdia tudo, de certeza. Já conseguimos ir buscar 30% desse tempo, ou seja 2 anos, 9 meses e 18 dias, e não podemos esquecer que já tivemos lutas muito fortes como estas. Nós tivemos no tempo da Maria de Lurdes Rodrigues um braço de ferro por causa da divisão da carreira. Foi de 2007 a 2010. Três anos. Tivemos no tempo do professor Cavaco Silva um braço de ferro — com o ministro Roberto Carneiro — por causa de uma divisão da carreira, por causa do 8.º escalão, que foi de 1990 a 1997. Foram sete anos. Tivemos uma grande luta de três anos, uma grande luta de sete anos e estamos nisto há ano e meio.
Está só a começar?
Não está só a começar, já cá moram 30%. Falta o resto e vamos consegui-lo.
Faltam os 70% e vemos que traz um crachá novo ao peito e que agora diz 6 anos, 6 meses e 23 dias.
E se cá viermos para o ano espero já ter um só de 4 anos, 3 meses e 14 dias… Talvez.
O que é que vão fazer a seguir para conseguir recuperar o tempo que falta?
Agora vêm aí as eleições e uma das coisas que estamos a preparar é um conjunto de perguntas aos partidos para perceber até onde há compromisso. Procuramos que os partidos se comprometam. Nunca exigimos o pagamento de retroativos, nem que fossemos colocados de imediato e de uma só vez num escalão, porque isso era incomportável do ponto de vista financeiro. Estivemos disponíveis para que houvesse um faseamento, começamos por dizer até 2023, fomos até 2025.
Foram flexíveis então?
Fomos em várias modalidades, na carreira na aposentação, nas dispensa de vagas. Pusemos tudo em cima da mesa e encontrámos um não redondo do princípio ao fim. Não quiseram discutir, recusaram até pôr em cima da mesa a nossa proposta. Acho que é um jogo de paciência, é preciso uma resiliência grande e é preciso da parte das pessoas uma capacidade de luta grande. Já agora, vai muito para além do problema do tempo de serviço.
Não é o único problema dos professores?
O envelhecimento da profissão é um problema tremendo.
De qualquer forma, em setembro vamos arrancar com as aulas, começa o novo ano letivo, mas também vamos entrar em espírito de campanha eleitoral. A Fenprof vai entrar pela campanha adentro? Vai estar a pressionar os partidos?
Dentro da campanha… Não sei se se diz assim…
Vai ser a sombra de António Costa?
Não, não, não. António Costa não precisa de sombra, senão teria tantas sombras que ainda se constipava. Não, não. O que vamos fazer é obrigar, ou exigir, ou pedir, que os partidos assumam compromissos exequíveis e credíveis através de um conjunto de perguntas que iremos divulgar junto dos professores. Simultaneamente, recordar o que foi feito, porque às vezes é fácil dizer vamos fazer isto, isto e isto e não falam do que não fizeram ou fizeram anteriormente. Queremos que assumam compromissos, digam o que vão fazer. Sabemos que isso também vale o que vale.
Essas perguntas vão ser enviadas quando?
Vamos ter reunião da direção esta quinta e sexta-feira e presumo que no máximo na segunda-feira vamos enviar para todos. A nossa intenção é que até ao meio de agosto possam responder, para logo em setembro termos uma revista pronta para os colegas. É isso que vai ser a nossa participação, vai ser especialmente de esclarecimento dos professores.
Então tão cedo não vamos ouvir falar de greves no setor da Educação?
Sim, no mês de agosto não prevemos nada, no mês de setembro também não… No dia 2 de setembro, na minha escola, com os meus colegas, onde eu me vou apresentar com eles todos às 10 da manhã, nós vamos mostrar o que é um corpo docente envelhecido e a minha escola é apenas uma de Coimbra.
É uma vigília?
Não é vigília nenhuma, vamos apresentar-nos todos e vamos convidar os senhores jornalistas para estarem lá connosco para perceberem como é esta recomendação que a OCDE fez ao governo português.
Mas pode assegurar nesta altura que a primeira semana de aulas será uma primeira semana de tranquilidade ou pelo menos o arranque de aulas em setembro do ano letivo? Tranquilidade no sentido de não haver uma greve.
Dizem-nos os anos para trás que a única intranquilidade que tem existido na abertura do ano letivo é a que é criada pelo governo. É a única. Porque se atrasa a colocar professores, porque não coloca os não docentes a tempo e horas, porque faz um diabo de uma confusão nas coisas mais pequenas como a distribuição de serviço. Porque não tem os professores que tem de ter para os alunos com necessidades educativas especiais, porque ainda não colocou os psicólogos, terapeutas, obrigando os alunos com necessidades educativas especiais a permanecer em casa mais tempo do que os outros. Diria que os únicos focos de intranquilidade que temos tido no início de cada ano letivo têm tido, nos últimos 4 anos, o rosto de Tiago Brandão Rodrigues, como já tiveram o de Nuno Crato, o de Lurdes Rodrigues. Não se percebe como, porque deviam aprender com os erros do passado. O governo não é capaz de ter, no início de cada ano letivo, as escolas em condições de abrir tranquilamente.
Não me lembro de, na primeira semana de aulas, ter havido greves alguma vez.
Então enquanto não houver um novo governo, os pais podem estar tranquilos que não vai haver greves. Vão esperar pelo novo primeiro-ministro para discutir?
E quando houver o novo governo os pais também podem estar tranquilos porque, de cada vez que os professores lutam por melhores condições de trabalho, ou pela valorização e atratividade da carreira, estão a lutar por uma escola e uma Educação com mais qualidade. Os professores quando lutam por uma profissão que atraia jovens estão também a lutar para que a Educação tenha mais qualidade. Os pais podem estar sempre tranquilos porque os professores, quando lutam, nunca é contra os pais, nem contra os filhos. É sempre contra políticas e medidas de governo que acha que a Educação é uma área que não é importante. Ainda agora estávamos a conversar e no debate da Nação não se falou nisso, na Educação.
Verdade. À hora que temos esta conversa ainda não terminou. Mas uma das críticas frequentes aos professores — não estou a dizer se justa ou injusta — é que, nos protestos mais mediáticos, os sindicatos estão a pensar em medidas que dizem apenas respeito aos professores e não aos alunos. É mais ou menos comum ver demissões de médicos por não terem capacidade para cuidarem dos seus doentes, mas a crítica feita aos professores é que só se manifestam por questões relacionados com o seu salário ou a sua carreira. Aceita e encaixa esta crítica?
É de gente que não lê os pré-avisos nem lê os cartazes, porque, se visse, conseguia perceber. Quem faz essa crítica é porque ouve alguns daqueles comentadores militantes anti-professores que vão passando pela comunicação social e que, para dizer mal e denegrir a imagem dos professores, têm sempre palavras na ponta da língua. Não é verdade. Os professores têm lutado por baixar o número de alunos por turma, ora isso é para melhorar as condições de trabalho com os seus alunos. Têm lutado por mais apoios para os alunos com necessidades educativas especiais, têm lutado pela colocação de pessoal auxiliar nas escolas, que é um problema gravíssimo que as escolas têm. Também por terem horários de trabalho que lhe permitam dar mais atenção aos seus alunos. Uma das palavras de ordem que temos tido é precisamente ‘retirem as tarefas e o trabalho burocrático dos professores para que possam prestar atenção ao que é mais essencial do seu trabalho que é o trabalho com os alunos’ e os pais sabem isso. Nós reunimos muito com as confederações de pais, com a CONFAP e a CNIPE, e os pais estão muito de acordo com isso, agora não podemos, para lá destes aspetos que têm a ver com a escola pública, a educação, com o funcionamento das escolas, deixar de ter também em consideração a nossa profissão.
Para tentar fechar o tema da recuperação do tempo integral, por causa de um episódio com o Presidente da República e o número 942. Depois de ouvir a explicação do Presidente, que fala de uma história mal amanhada, arrepende-se da crítica que fez?
Nenhuma. Eu não soube o que disse o senhor Presidente da República pelo que ele disse nessa resposta, eu soube porque ouvi o que ele disse, e ainda é fácil encontrar em vídeos feitos pela comunicação social local de Portalegre.
Então o Presidente está a mentir? Não foi aquilo que ele disse?
Não estou a dizer que é mentira ou verdade. Digo às pessoas para ouvirem o que o senhor Presidente disse. Quando saiu de uma inauguração de um museu e viu do outro lado da estrada — está documentado — e ele disse: “Eu não me esqueço porque os números de telefone até são mais complexos.” E depois até disse que tinham 6 algarismos, depois disse que agora já eram 9. Tem uma brincadeira que é de mau gosto. Deixa, como diz o povo, tudo na risota. Por isso a história não foi mal amanhada. Diria assim: foi um episódio infeliz. Claramente, todos temos.
Agravado por o Presidente dizer que é uma história mal amanhada?
Se calhar não devia ter dito isso. Não quero discussão, nem polémica nenhuma. Há personalidades deste país que, pelo respeito que nos merecem, e pela referência que são, têm de ter algum cuidado. Para nós é um episódio que passou. Não queremos nenhuma polémica. Até podia dizer mais: é verdade que nos recebeu, como disse, mas também é verdade que estivemos mais de um ano a pedir para sermos recebidos, recusou, e queria mandar-nos para as assessorias da Educação. E também é verdade que o compromisso que assumiu de nos receber foi quando no dia 5 de outubro na Praça do Município chegamos ao pé dele e ali com a comunicação social presente ele acabou por dizer: “Peçam lá a reunião, que vamos fazê-la.” E depois fizemo-la. Mas isso é tempo que lá vai e nós olhamos para o futuro. Esse vai ser o próximo governo. Se não for no primeiro dia, é num dos dias a seguir à tomada de posse do novo ministro, que estaremos a bater à porta a dizer: “Senhor ministro vamos começar por aqui e depois temos um mar de coisas para conversar sobre outros aspetos que têm a ver com os professores, as escolas e com os alunos.” E já agora com os pais. Não basta tomar medidas destas, muito simbólicas, damos três horas para os pais da função pública poderem ir acompanhar os filhos no primeiro dia de aulas. Há muitos pais que não são funcionários públicos e há outro problema: muitas vezes, o dia mais importante não é o primeiro — pode ser no 1.º ano de escolaridade. É o dia em que o diretor de turma precisa de falar com o pai por causa de um problema qualquer que houve ao longo do ano e os pais aí não têm hora nenhuma e deviam ter também. Como vê, estamos preocupados também com os pais e os alunos.
“Tiago Brandão Rodrigues já não é ministro há algum tempo”
Estava exatamente a falar em ir bater à porta do novo ministro da Educação. Gostava de, no caso de António Costa ser reeleito, que o interlocutor mudasse ou Tiago Brandão Rodrigues continuava a estar ali bem?
Tiago Brandão Rodrigues não tem condições nenhumas para continuar a ser ministro. Aliás, eu penso que ele já não é há algum tempo. Aliás, ainda agora o vi e acho que ele tem estado bem em Minsk, com a equipa de futebol de praia, e nos jogos olímpicos. Acho que ele tem estado bem aí. No resto, desapareceu. Nem fomos só nós a dizer isso, foi o governo que o fez. Naquela fase mais complicada do tempo de serviço, em que o senhor primeiro-ministro veio anunciar que, se fosse aprovada a contagem integral, se demitia, nós tivemos nas televisões, nesse dia, três ministros: Mário Centeno, Vieira da Silva, já não me lembro quem foi o outro. Tudo o que foi ministro e secretário de Estado esteve no telejornal a falar sobre um problema de um Ministério cujo ministro não apareceu em lado nenhum. Nada contra a pessoa. Até começámos por dizer que era bom, sendo uma pessoa mais jovem, sem pensamentos pré feitos, sobre estas questões. Teve alguma abertura no início e foi muito criticado por muita gente, porque apareceu a dizer que ia fazer reuniões regulares, talvez trimestrais, para podermos fazer uma avaliação. E depois acaba o mandato em confronto completo, numa falta de abertura absoluta, em ameaça e chantagem que leva para a mesa negocial. Nos momentos em que foi preciso aprofundar alguns temas da Educação, viu-se claramente que não era ele o ministro da Educação.
Quem era então o ministro da Educação?
Eram certamente outras pessoas do seu gabinete, nomeadamente os seus dois secretários de Estado que ora um tema era de um, ora de outro.
Mas acha que algum deles teria condições para ser ministro da Educação?
Não faço ideia. O problema nem é quem é que vai ser ministro, se vai ser o mesmo ou outro. A questão que aí vem é outra: o que é que um futuro governo de António Costa, se for o caso, está disposto a fazer para alterar algumas coisas que não fez agora.
Já disse uma vez que se fosse convidado para funções governativas, para ministro, por exemplo, não aceitaria.
E nem tem discussão.
Porquê? Não seria uma forma de mostrar que aquilo que defende pode ser posto em prática e resulta?
Não tenho de mostrar nada. As políticas para a Educação não são uma questão de se mostrar ou não. Chegámos a dizer isso ao ministro da Educação.
Não se fica um bocadinho na posição de poder propor o que se quiser porque nunca se vai ter de cumprir?
Não. O problema não é quem é o ministro e as boas ideias que ele tem. É qual é o governo e o que é que está disposto a fazer para alterar a situação que nós temos. Há bons exemplos. O ministro do Ambiente em França tinha uma ideia, tinha convicções sobre o futuro do ambiente, percebeu que quem mandava na sua área não era ele, era uma delegação, com certeza do Ministério das Finanças francês, e foi-se embora. Chegámos a dizer isso ao ministro. Ele chegou a dizer em público que iria lutar radicalmente pelos professores, é uma pessoa para quem a escola pública está acima de qualquer outro interesse, ao ver que a sua luta radical não passava de palavras — porque quem mandava não estava ali, estava na Praça do Comércio, no Ministério das Finanças, e que o seu ministério se tornou numa delegação das finanças, Se é ministro, tem essa convicção e aquilo que diz e defende não consegue pôr em prática, porque afinal os interesses são superiores, só tem de se ir embora. É o que uma pessoa séria devia fazer.
Valia mais estar a negociar com Mário Centeno, que é quem, já o disse várias vezes, manda na Educação?
Às vezes era mais direto.
Preferia isso?
Percebemos que estamos a negociar com a Educação, mas que não estamos a negociar com o Ministério da Educação. Estamos ali, mas depois chegamos a ter nas reuniões a secretária de Estado da Administração e do Emprego Público, o do Orçamento. Metade da mesa era das Finanças e quem olhava percebia que se aquilo fosse o prato de uma balança, o prato das Finanças estava mesmo a bater lá no fundinho no peso que tinha naquela mesa negocial.
Nos últimos 13 ou 14 anos temos assistido a um sem fim de greves de professores, sejam gerais ou parciais, às horas extraordinárias. Ficamos com a ideia de que há sempre mais qualquer coisa que os professores têm para exigir ou para reivindicar. Porque é que isto acontece? Os ministros não têm sido competentes, na óptica dos professores?
Costumo dizer que a melhor luta é aquela que não tem de se fazer e a melhor greve é aquela que não é preciso acontecer. É sinal de que as coisas se resolvem.
E sem luta existiam sindicatos?
Sem luta podiam existir sindicatos, desde que existisse da parte dos governos capacidade negocial. Como é que é a negociação? As partes são iguais — é isto que nos dizem —, mas nós não podemos convocar o governo. Há logo uma diferença. Depois, quem pode apresentar projetos lei são eles. Vamos negociar, se eles não estiverem de acordo com o que dizemos, não se faz. Se nós não estivermos de acordo, faz-se como eles dizem. Houvesse capacidade para dialogar, para negociar, no tempo de serviço… se tivesse havido uma capacidade de encontrar uma solução à la longue, que fosse muito faseada, com implicações que não fosse só na carreira, a resposta que nos deram quando dissemos que tínhamos ali uma proposta… não aceitam sequer discuti-la! A resposta foi clarinha. E nós não estamos ali sozinhos, estão os sindicatos da UGT, os independentes, toda a gente. Não são os malandros da Fenprof que não aceitam. Estamos unidíssimos, estamos dez organizações sindicais. O governo pode dizer que é o único que vai com o passo certo e nós vamos com o passo trocado. Mas o que acontece é mesmo isto, a luta acontece porque eles não têm capacidade nenhuma de negociar. Capacidade se calhar têm, mas não querem. Quando dissemos para discutir, a resposta que nos deram foi: “A única coisa que está em discussão é a nossa proposta.” Perante isto… ou metemos a viola no saco ou não metemos. E nós não temos saco para esta viola.
Isso quer dizer que os sindicatos nunca aceitam um não?
Aceitamos. Quantas vezes é que não aceitámos um não… A única coisa que não aceitamos é que desvalorizem o trabalho dos professores e desvalorizar não é só com uma carreira que é roubar tempo de serviço. Desvalorizam ao deixar envelhecer uma profissão a um ponto que é absolutamente inaceitável. Com professores que foram as referências das escolas e dos alunos a chegarem a situações, muitas vezes, em que o desgaste de um profissional com 65 anos numa turma com 30 miúdos é de tal ordem que acaba por vezes por ter reações que nunca teve na sua vida e que acabam a sua vida profissional até com problemas do foro disciplinar, que é uma situação que só acontece pela situação a que estão deixar chegar o corpo docente. Os professores são muito maltratados pelo governo.
E têm sido maltratados por todos os ministros? O Mário Nogueira tem uma estabilidade no seu cargo enquanto secretário-geral da Fenprof que os ministros não têm tido, desde que é secretário-geral já teve que conversar com vários ministros…
Três ministros.
Só três? Não foram cinco?
Se contar com a Margarida Mano, que lá esteve 11 dias, nunca conversei com ela, só agora na Assembleia da República e em Coimbra, porque somos da mesma terra.
Mas mesmo sem ser como secretário geral contactava com vários.
Ministros, enquanto secretário-geral da Fenprof, apanhei a Dra. Lurdes Rodrigues, o Dr. Nuno Crato e apanhei agora o atual ministro.
E a Isabel Alçada? Está a esquecer-se dela?
E não conversamos? Do que fomos acusados? Só se fala da parte em que os professores andam zangados e a mandar vir. Ainda bem. Eu até me estava a esquecer da Isabel Alçada.
É a sua preferida?
Não é a minha preferida. O meu preferido, se quer que lhe diga, de ministros — que não foi comigo — chama-se Guilherme d’Oliveira Martins, que era um homem de diálogo, de conversação, de negociação e com o qual chegámos a acordo várias vezes e com propostas que ele trouxe, muitas vezes estavam distantes das nossas. Mas sempre foi uma pessoa que soube explicar porque é que as propunha e fundamentá-las. Não é como esta gente agora, para quem a fundamentação é dizer que ‘é assim e acabou-se’. A Isabel Alçada — as pessoas esquecem… —, nós assinámos com ela o acordo das carreiras, com um diabo! Com Augusto Santos Silva — veja lá, Augusto Santos Silva, não é um qualquer — assinámos um acordo de concursos. Depois acabou por nem se concretizar, porque o Guterres demitiu-se e o governo caiu e ficou por cumprir. Temos tido acordos em vários domínios. Diria até que mais do que nos terem tido contra, estes três ministros — Lurdes Rodrigues, Nuno Crato e Tiago Brandão Rodrigues — tiveram o condão de não só unir os professores, como unir as suas organizações sindicais. Não foi o Mário Nogueira, foram os professores e as suas organizações sindicais.
Novos sindicatos. “Não democrático é tratar por igual o que é diferente”
Deixe-me só pegar na união das organizações sindicais. Já tinha referido que estão unidos na questão do tempo integral. No início desta entrevista, tinha referido também que a Fenprof não é como alguns sindicatos que não são constituídos por professores. Como é que vê o aparecimento de sindicatos mais pequenos, como o STOP, que têm aparecido com posições mais radicais, mas que têm conseguido atrair não só mediatismo, mas adesão de muitos professores?
Isso não sei o que é a adesão de muitos professores. Eles dizem que têm 300 sócios. Nós temos 50 mil.
O facto de serem pequenos torna-os irrelevantes? Vimos isso acontecer nos enfermeiros, nos estivadores…
Não, não torna nada irrelevantes, pelo contrário. Devem merecer todo o respeito desde que respeitem certo tipo de princípios.
E o STOP não tem?
Não estou a falar do STOP. Um deles é que os dirigentes devem ser do setor, estou a falar de alguns desses novos que, pelos vistos, não são. Outra coisa importante: tanto se ataca a Fenprof, mas quem marcou uma greve para as avaliações finais dos anos que eram anos de exame dos alunos, não foi a Fenprof. Mas a comunicação social achou isso muito engraçado, muito importante, muito inovador.
Mas acha que o nascimento deste tipo de estruturas, com adesão e impacto que conseguem ter, mostra que há uma menor identificação dos trabalhadores com os sindicatos profissionais?
Mas eu não percebo como é que alguém que tem 300 sócios e outra que tem 50 mil demonstra que os professores estão do lado dos que têm 300.
Não pode acontecer com professores o que aconteceu com enfermeiros?
Sim, se a Fenprof deixar de ser uma organização em que os professores se revejam. Os momentos mais fáceis das lutas são aqueles em que os professores estão muito mobilizados para elas, os momentos mais difíceis são aqueles entre os picos de luta em que nós temos de estar sempre presentes nas escolas com os professores. E a Fenprof está. Eu passo dias nas escolas com os meus colegas e eles não me dizem “ó meu malandro, anda lá para a escola”. Quando eu lhes disse: “Este ano vamos ter congresso e se calhar agora é que eu venho”, responderam “não penses nisso, a gente precisa que tu lá estejas”. É o que me dizem. Podia dizer que há jornalistas que acham mal e que vou pensar nisso. Mas não disse. Há muitos sindicatos de professores, pequeninos, mas para nós há regras: não é a mesma coisa o governo assinar um acordo com uma organização que tem 50 mil sócios ou que tem 200. Mas a lei permite-o. E só temos uma maneira de evitar isso, se eles tentarem fazer isso, ir para a rua e dizer que não queremos. Não democrático é tratar por igual o que é diferente e em Portugal trata-se.
Acabou de dizer que os seus colegas em Coimbra não o querem ver regressar à escola. Preferem vê-lo na Fenprof.
Mas não é para me verem de costas. Pelo contrário.
Este vai ser o seu último mandato?
Vai ser. Não tenho problema em dizer porque vai ser. Gosto de praticar o que digo, por isso é que não posso ser ministro da Educação. Eles dizem, mas não praticam.
Não era obrigado a fazer o mesmo…
Tinha se andar sempre calado, não sabia o que ia fazer, tinha de esperar que viesse das Finanças a ordem de serviço. Não, não. Gosto de dizer e praticar. Uma coisa que acho fundamental para o futuro do sindicalismo e da minha federação — a primeira coisa que fiz mal acabei o meu curso foi sindicalizar-me — é rejuvenescimento. Não é fácil porque não há jovens na profissão. Não temos professores até 30 anos, temos 15% de professores até 40 anos… Para rejuvenescermos também é preciso por limites e o limite para mim é esse. Para mim é ponto assente. Nem vou distrair-me ao longo dos três anos e aliviar a pressão sobre os governos com essa preocupação.
Naquele dia no Parlamento quando foi chumbado a recuperação…
Estava capaz de os comer a todos.
Estava zangadíssimo. Bastava olhar para si para ver. Naquele dia, disse que António Costa o tinha convencido a ficar na Fenprof por mais um mandato. Não há nada que ele possa fazer que o irrite a tal ponto para ficar mais outro mandato?
Não, não, não. Esse ponto está assente. Tinha dito aos meus colegas que queria, para meu descanso e para voltar à escola, e porque acho que o sindicalismo não deve ser trampolim para coisa nenhuma.
E voltando à escola, já imaginou a sua primeira aula?
Sem problema. Vou gostar muito. Qual é a questão?
Acha que ainda sabe? Não perdeu o jeito?
Essa agora… Sabe que eu não sou profissional dos sindicatos, tive muitas outras atividades ao longo deste tempo. Trabalhei muito com jovens, crianças. Fui dirigente desportivo na Associação Académica de Coimbra, um grande clube deste país. Não é um problema que me apoquente. O que eu nunca faria era ‘já que estou aqui, vou ver de daqui salto para ali’. Isso é uma coisa absolutamente repugnante que alguma gente pratica.
É professor do 1.º ciclo?
Exatamente, com uma especialização em problemas de comportamento dos alunos e, portanto, teria alunos com necessidades educativas especiais.
Está sempre a dizer que a classe está envelhecida, e sabemos que está, e o Mário ainda tem idade e paciência para aturar alunos de 1.º ciclo?
Tenho. Até mais pequeninos. Tenho dois netos que são um amor, um com um ano, outro com cinco. Tenho uma paciência tremenda para os aturar.
Isso não é o que os avós pensam sempre? Que eles são um amor?
É e no fim de um dia de estar com eles parece que levei uma sova, mas penso que os alunos se portam um bocadinho melhor, mesmo assim.
E ao longo deste anos todos, o que é que lhe deu ou o que é que lhe dá mais cabelos brancos — dar aulas, estar nas escolas em plenários ou em reuniões com ministros?
Nada me deu. Há uma coisa que consigo ter, acho que herdei da minha mãe, tenho as pulsações muito baixas e uma tensão também muito baixa e, mesmo quando me enervo, como naquele dia em que estivemos à porta da Assembleia da República, depois consigo dormir e no dia seguinte pensar com outra frieza. Na altura estávamos a fazer esta discussão de como iria ser de futuro e tinha posto como condição — não para ficar, mas para pensar — que bastava que uma das direções sindicais dissesse não que eu não continuaria. Toda as direções entenderam que eu devia ficar, isto antes da situação na Assembleia. E o Dr. António Costa ajudou-me a decidir. Se calhar porque, como está habituado a lidar muito com professores, diz que lá em casa que costuma fazer esse tipo de trabalho, se calhar também esteve sensível ao meu problema e ajudou-me a resolvê-lo.
E ficou adiado esse regresso à escola por mais três anos. Vai perdoar-me aqui uma inconfidência, mas sei que não foi ao barbeiro hoje para estar aqui connosco. Teve de remarcar. Porque é que trocou o seu bigode carismático pela barba?
Em primeiro lugar, fui ao barbeiro hoje porque ele é um homem muito compreensivo, disse-lhe que tinha de ir ao Observador e lá fui eu. Não foi por nada de especial, até porque são coisas a que ligo muito pouco. Foi simplesmente porque nas férias apetecia-me não fazer a barba, porque é uma chatice diária. E quando acabou o mês das férias já estava com uma barbicha mais ou menos e decidi ficar. E o que é que eu gostei? Sou um tipo com um feitio tramado. É que não foi unânime. Como vi que as pessoas ficavam a discutir se ficava melhor ou pior, disse: vai ficar, só para manter a polémica.
[Mário Nogueira “Sob Escuta”. O vídeo da entrevista na íntegra:]