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As medidas de restrição da população nunca poderão ser retiradas de uma vez. Especialistas defendem regresso escalonado por profissões e avisam: distanciamento social vai ter de se manter durante as próximas gerações
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As medidas de restrição da população nunca poderão ser retiradas de uma vez. Especialistas defendem regresso escalonado por profissões e avisam: distanciamento social vai ter de se manter durante as próximas gerações

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

As medidas de restrição da população nunca poderão ser retiradas de uma vez. Especialistas defendem regresso escalonado por profissões e avisam: distanciamento social vai ter de se manter durante as próximas gerações

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Máscaras nos transportes e supermercados, turmas divididas e escritórios remodelados. Como será o regresso à normalidade (possível)

Não há unanimidade sobre o quando, só no como: o fim do confinamento terá de ser progressivo e gradual. Cinco especialistas em Saúde Pública explicam que medidas podem vir a ser implementadas.

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Numa altura em que noutros países, uns mais distantes do que outros, começam a levantar-se as medidas restritivas impostas pela atual pandemia — até em Itália, país mais afetado em todo o mundo pelo novo coronavírus, se aponta já o início de maio como data provável para o fim do confinamento — também os portugueses querem saber: quando e como poderemos regressar à vida normal?

A resposta não é fácil. Se uma data ninguém se arrisca a prever, há várias hipóteses sobre a forma como as medidas de restrição podem começar a ser aliviadas, mas uma certeza apenas: a de que o processo terá sempre de ser progressivo, gradual e orientado pelos exemplos que entretanto começam a chegar de países como Áustria, Alemanha, China, Coreia do Sul ou Japão, que já estão numa fase mais avançada da pandemia, explicam os cinco especialistas em Saúde Pública ouvidos pelo Observador.

“No mínimo, estas medidas deveriam estar em vigor durante dois ou três meses, é isso que dizem os peritos internacionais mais conceituados apoiados em modelos matemáticos. Mas idealmente deveriam vigorar durante cerca de dois terços do tempo que demora até aparecer uma vacina. Ou seja, se a vacina demorar um ano, as medidas devem manter-se ao longo de oito meses”
Lúcio Meneses Almeida, médico de Saúde Pública e presidente da Associação Portuguesa da Infecção Hospitalar

“Primeiro temos de ter a certeza de que estamos a dominar o problema. Para reduzirmos medidas, têm de ser feitos estudos serológicos, tem de ser feito um estudo representativo da população portuguesa que nos permita perceber quantas pessoas, que tipo de pessoas e em que locais adquiriram imunidade”, diz Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública.

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Depois, é preciso pensar na duração dessa fase de transição. “Este tipo de medidas, para serem efetivas, têm de ser implementadas a prazo, a pior coisa que pode acontecer é serem relaxadas antes de tempo. No mínimo, deveriam estar em vigor durante dois ou três meses, é isso que dizem os peritos internacionais mais conceituados apoiados em modelos matemáticos”, acrescenta Lúcio Meneses Almeida, médico de saúde pública e presidente da Associação Portuguesa da Infecção Hospitalar (APIH), defendendo que, “idealmente, deveriam vigorar durante cerca de dois terços do tempo que demora até aparecer uma vacina”. “Ou seja, se a vacina demorar um ano, as medidas devem manter-se ao longo de oito meses”, conclui.

Por maior que seja a tentação de afrouxar medidas — porque são efetivamente muito restritivas e porque os números da pandemia não são tão elevados em Portugal como noutros países —, é preciso ter “nervos de aço” e não ceder, independentemente dos danos que já estão a ser provocados na economia. A expressão é de Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde de António Costa, mas a sentença é comum a todos os peritos ouvidos: na balança, a crise sanitária e as evidências científicas e epidemiológicas vão ter sempre de pesar mais do que os aspetos económicos.

“Não antevejo que se justifique prolongarmos as restrições muito para além do mês de junho. Se maio não nos trouxer nenhuma surpresa, chegaremos a junho com condições para ver a luz ao fundo do túnel”
Adalberto Campos Fernandes, médico especialista em Saúde Pública e ex-ministro da Saúde

“A pressão que todos sentimos para regressar rapidamente às nossas vidas e evitar que o país possa soçobrar perante a crise económica não pode fazer com que corramos o risco de deitar tudo a perder. Parece existir uma forte evidência de que estaremos a controlar a situação — e até um pouco melhor do que as nossas melhores expectativas —, o problema é que a epidemiologia e as estatísticas dão-se mal com séries curtas”, avisa o ex-ministro, também ele médico especialista em Saúde Pública.

Dos cinco é, ainda assim, o único que se arrisca a vaticinar um prazo para o fim do estado atual: “Não antevejo que se justifique prolongarmos as restrições muito para além do mês de junho. Se maio não nos trouxer nenhuma surpresa, chegaremos a junho com condições para ver a luz ao fundo do túnel”.

Aconteça o que acontecer, e seja em junho, em julho, ou só depois do verão, uma coisa é garantida: do lado de lá não vamos encontrar a vida tal como a conhecíamos, apenas a normalidade possível.

Esta é uma imagem que não deveremos ver enquanto não for encontrada uma vacina ou um tratamento eficaz para a Covid-19, dizem os especialistas

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Na passada quinta-feira, 9 de abril, o primeiro-ministro já explicou que, a regressarem à escola ainda no decorrer deste ano letivo, alunos dos últimos dois anos do ensino secundário e respetivos professores vão ter sempre de usar máscaras. Os especialistas ouvidos pelo Observador antecipam uma série de outras medidas que poderão ser implementadas para permitir o regresso da população à rua e ao trabalho — e também à vida social, se bem que, avisam, não é provável que se venham a autorizar grandes aglomerações de pessoas nos tempos mais próximos.

“Milhares de pessoas juntas? Não sei se não será só quando houver um tratamento ou uma vacina. Se há sítio onde pode haver contágio é em eventos de massas”, responde Mário Durval, diretor do departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), quando questionado sobre se os festivais de verão terão condições para se realizar.

“Não se podem criar nas pessoas falsas expectativas de que o pior já passou, não podemos voltar à situação de relaxamento pré-pandemia. Durante largos meses vamos ter mesmo de manter o distanciamento social e as medidas de prevenção”, resume Mário Jorge Neves, médico de Saúde Pública e membro do recém-criado Observatório de Saúde António Arnaut.

“Milhares de pessoas juntas? Não sei se não será só quando houver um tratamento ou uma vacina. Se há sítio onde pode haver contágio é em eventos de massas”
Mário Durval, diretor do departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo

Lúcio Meneses Almeida vai mais longe ainda e avisa: o distanciamento social vai ter de ser a regra durante as próximas gerações. “Vamos ter de adquirir novos hábitos. Tal como com a Gripe A uma população aprendeu a espirrar e a tossir para o antebraço, agora vão ter de se impor outras mudanças de comportamento. Vamos ter de manter alguma distância nos contactos interpessoais e de assegurar com maior frequência a lavagem das mãos, com água e sabão ou solução antisséptica”, diz o especialista. “Nas últimas décadas, desde a chamada geração pós-antibiótica, adquirimos uma sensação de falsa segurança e de sobreconfiança na ciência e passámos a pensar que, se adoecêssemos, haveria sempre um tratamento específico. Agora, pela primeira vez em muitos anos, a humanidade confrontou-se com uma epidemia e perdeu esse sentimento de superioridade perante a natureza. Tudo isto vai implicar uma revolução económica e social, no presente e no futuro. Mas não é o fim do mundo, é o início de um mundo novo.”

Teletrabalho, comércio eletrónico e restaurantes com menos clientes

Uma vez que a transmissão do vírus pode ser eficazmente travada pelo isolamento social e pela não aglomeração de pessoas, Mário Durval defende que a restrição de circulação deverá ser uma das primeiras medidas a retirar. “Desde que não haja ajuntamentos de pessoas, circular não traz risco. Estas coisas devem ser vistas em função da situação epidemiológica global, mas também local. Se houver zonas em que não há casos, não vale a pena estar a manter algumas restrições, o que significa que este regresso à normalidade pode ser feito de forma diferente de sítio para sítio, de cidade para cidade.”

Para o diretor do departamento de Saúde Pública da ARSLVT, o regresso ao trabalho deve ser “escalonado por tipo de profissões”. “As profissões não são todas iguais nem necessárias da mesma forma. As essenciais nunca deixaram de funcionar, quando houver condições devem voltar a funcionar primeiro os setores que, não sendo essenciais, são prioritários, como serviços e indústria. Também é possível que a população mais jovem, dos 40 anos para baixo, seja a primeira a ser libertada”, diz o médico.

“Neste momento já temos uma série de atividades essenciais, que não pararam. Poderá haver outras atividades económicas que, se se revelar que se revestem de importância e que quem as opera tem um nível de imunidade considerável, poderão progressivamente juntar-se a elas”, afirma Ricardo Mexia.

“As profissões não são todas iguais nem necessárias da mesma forma. As essenciais nunca deixaram de funcionar, quando houver condições devem voltar a funcionar primeiro os setores que, não sendo essenciais são prioritários, como serviços e indústria. Também é possível que a população mais jovem, dos 40 anos para baixo, seja a primeira a ser libertada”
Mário Durval, diretor do departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo

Já Adalberto Campos Fernandes, que duvida da “capacidade técnica” da ciência para produzir “testes suficientemente viáveis que permitam passar certificados de imunidade”, como a Alemanha está a preparar-se para fazer, defende que, sempre que possível, o teletrabalho será a melhor opção. “Devemos manter uma baixa densidade dos espaços públicos e até dos espaços de trabalho. Tenho mantido a minha atividade docente através das plataformas, com os alunos e até com colegas, e é algo que resulta bem, sobretudo no ensino superior”, exemplifica.

Para todos os outros, o ex-ministro recomenda o funcionamento por turnos, estando parte do staff a trabalhar em teletrabalho e a outra parte de forma presencial; e salienta que o comércio eletrónico deve continuar a ser, sempre que possível, preferido às lojas, supermercados e até farmácias.

No caso dos restaurantes, que na opinião de Mário Durval deverão ser dos primeiros serviços a reabrir, assim que parte da população receba luz verde para regressar ao local de trabalho, não haverá grande opção se não voltar a limitar o número de pessoas, como já acontecia antes da declaração do estado de emergência, e promover uma nova disposição de lugares sentados à mesa. “Penso que deve haver uma abertura com restrições, tanto no caso dos restaurantes como da restante indústria hoteleira, para assegurar o distanciamento social. Numa primeira fase, e até à vacina, é essencial que haja sempre restrição do número de utilizadores. Se estamos à mesma mesa e se ela não tiver a largura suficiente — como normalmente não tem —, pode haver algum risco. Não vejo grande solução se não desencontrar as pessoas na mesa”, diz o diretor do departamento de Saúde Pública da ARSLVT.

“Nos anos 90 houve um movimento de humanização dos serviços públicos e foram retiradas as barreiras físicas que separavam quem atende o público e o público em geral. Agora vamos ter de voltar a ‘desumanizá-los’ e pôr vidros e acrílicos a separar as pessoas — para as protegermos”
Lúcio Meneses Almeida, médico de Saúde Pública e presidente da Associação Portuguesa da Infecção Hospitalar

Quando falamos de outro tipo de serviços, garante Lúcio Meneses Almeida, já existem opções alternativas. “Nos anos 90 houve um movimento de humanização dos serviços públicos e foram retiradas as barreiras físicas que separavam quem atende o público e o público em geral. Agora vamos ter de voltar a ‘desumanizá-los’ e a pôr vidros e acrílicos a separar as pessoas — para as protegermos”, defende o presidente da APIH.

Tanto nos serviços públicos como nos demais escritórios e locais de trabalho, o médico sugere a rotação de funcionários e o trabalho em espelho, com equipas capazes de assegurar as mesmas funções que nunca se cruzam; e defende que os espaços devem ser remodelados. Mais uma vez, e porque o objetivo é aumentar a distância entre funcionários, volta a ganhar o passado: devem preferir-se gabinetes, de uso individual ou para duas pessoas, no máximo, a openspaces, e até os cubículos são bem-vindos. Caso não seja exequível, as secretárias devem ser dispostas à distância mínima de um metro.

Tanto nos locais de trabalho como em casa, acrescenta o especialista, as janelas devem ser abertas e os ares condicionados desligados: “É essencial arejar os espaços e deixar entrar o ar puro e a luz do sol. Os raios ultravioleta também têm um efeito muito importante na higienização das superfícies.”

Turmas divididas, escolas desinfetadas e ensino à distância

António Costa já anunciou: até ao final deste ano letivo, só os alunos dos 11.º e 12.º anos poderão voltar às aulas presenciais — e, mesmo assim, não é sequer líquido que isso aconteça.

Uma vez que o mais provável é que a pandemia não passe tão cedo e que novas “ondas pandémicas” sejam quase certas — “Em Portugal, mesmo que digamos que pode haver muita gente assintomática que não não está contabilizada, continuamos a não ter um número suficiente de pessoas infetadas: para que uma pandemia se auto-extinga, é preciso infetar entre 50% a 60% da população”, explica Lúcio Meneses Almeida —, a questão das escolas é uma das que mais dúvidas coloca aos especialistas ouvidos pelo Observador.

"Não existindo uma vacina nos tempos mais próximos, faz sentido que pensemos em metodologias de ensino alternativo, como a telescola e o ensino à distância”, diz Lúcio Meneses Almeida

PEDRO GUERREIRO/OBSERVADOR

“As escolas são espaços fechados em que há uma interação muito grande entre pessoas. Não podemos perturbar um país mantendo as escolas fechadas demasiado tempo, mas o facto de as abrirmos vai aumentar as probabilidades de contacto e de contágio. Tudo depende do aparecimento da vacina — agora, não existindo uma nos tempos mais próximos, como é expectável, faz sentido que pensemos em metodologias de ensino alternativo, como a telescola e o ensino à distância”, diz o presidente da APIH.

O problema pode ser mais fácil de gerir no ensino superior que no secundário, defende Adalberto Campos Fernandes, “pela concentração de alunos, pelas condições de higiene, pela forma como os adolescentes socializam e também pela sua convivialidade com as pessoas mais velhas”. O mesmo acontece no caso das creches e infantários, “mas com uma agravante: estando em casa, os mais pequenos precisam de estar acompanhados e isso pode ser um problema para o funcionamento das famílias”, lembra o ex-ministro.

“Tem de haver uma desinfeção com solução alcoólica de cada vez que muda o utilizador de cada mesa ou lugar, mas este tipo de medidas tem de ser analisadas escola a escola, não são coisas gerais”
Mário Durval, diretor do departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo

Não existindo soluções fáceis, há medidas tangíveis e simples, que poderão proporcionar o regresso às escolas, defende Mário Jorge Neves, como o “desdobramento das turmas, para evitar uma grande concentração de alunos na sala de aula”.

Para além da lavagem periódica das mãos e da utilização de máscaras, se não por toda a população escolar pelo menos por professores e auxiliares, Mário Durval defende ainda que os horários sejam feitos de forma a que cada turma tenha, sempre que possível, aulas na mesma sala e que os alunos se sentem em lugares fixos. “Tem de haver uma desinfeção com solução alcoólica de cada vez que muda o utilizador de cada mesa ou lugar, mas este tipo de medidas tem de ser analisadas escola a escola, não são coisas gerais”, diz diretor do departamento de Saúde Pública da ARSLVT.

Máscaras obrigatórias em transportes públicos e supermercados

Essenciais para assegurar as deslocações de quem nunca deixou de trabalhar, os transportes públicos também nunca pararam, mas quando mais pessoas voltarem a utilizá-los, sobretudo nos grandes centros, colocar-se-á (pelo menos) um problema: como manter a distância mínima entre passageiros?

“O que foi proposto nesta fase foi que, apesar de muitas pessoas estarem em teletrabalho e de as escolas não estarem a funcionar, não houvesse uma redução da periodicidade dos transportes, para não aumentar a densidade de pessoas no seu interior. Quando um número maior de pessoas voltar a trabalhar, a preocupação com os transportes terá de ser essa: assegurar que não há uma grande densidade”, responde Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública.

“O que foi proposto nesta fase foi que, apesar de muitas pessoas estarem em teletrabalho e de as escolas não estarem a funcionar, não houvesse uma redução da periodicidade dos transportes, para não aumentar a densidade de pessoas no seu interior. Quando um número maior de pessoas voltar a trabalhar, a preocupação com os transportes terá de ser essa: assegurar que não há uma grande densidade”
Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública

Nesse mesmo sentido, Lúcio Meneses Almeida sugere o aumento da frequência de carreiras, a desinfeção mais frequente dos espaços e até a reconfiguração dos próprios transportes, para aumentar o espaçamento entre assentos. A limitação da lotação, diz, sempre que possível, também deverá ser observada: “Se tem capacidade para 50 pessoas, deve ser reduzido para metade ou menos. Em circunstâncias em que não seja possível manter essa distância, sobretudo em casos de pessoas doentes ou vulneráveis, claro que o uso de máscara é recomendável”.

Já Mário Durval diz que, em casos como metro ou comboio não haverá grandes opções se não implementar mesmo a utilização obrigatória de máscaras. “Em transportes onde é impossível limitar o número de passageiros, pode haver transição com uso de máscara. Mas, atenção, as medidas de saúde pública em geral nunca eliminam os problemas de saúde todos, trabalham com base em probabilidades. Ficará sempre uma fatia mínima de probabilidade de haver uma infeção. Mesmo com máscara nada garante que não vem uma pessoa da rua com as mãos com vírus. Basta agarrar no varão e vir outra pessoa tocar no mesmo sítio e levar depois a mão à cara.”

Impor restrições menores ao número de entradas em supermercados mas tornar o uso de máscaras obrigatório pode ajudar a travar o contágio e a repor a normalidade

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Tendo em conta a forma como o vírus se transmite, acrescenta ainda o diretor do departamento de Saúde Pública da ARSLVT, poderá fazer sentido aliviar as restrições no acesso aos supermercados e implementar o uso obrigatório de máscaras no seu interior. “Ir às compras ao supermercado, desde que não haja muita gente, em princípio não traz muito risco, mas há sempre a hipótese de a transmissão ser feita através das mãos. Acho que não será necessária uma restrição tão grande no número de pessoas, a haver contaminações no supermercado é porque as pessoas falam ou tossem e as gotículas caem em cima de produtos que outros vão manipular e comprar. As ilhas frigoríficas estão exatamente por baixo da nossa boca, se falarmos é suficiente para que caiam gotículas nos produtos ou nas tampas das ilhas”, explica o especialista.

“O uso de máscara generalizado em sítios como supermercados pode fazer sentido: usa-se máscara para impedir a disseminação nos produtos. Agora, usá-la de forma generalizada na rua não faz sentido nenhum, as gotículas são pesadas, caem para o chão, não voam.”

Cinemas, teatros e jogos de futebol? Só com lotações (muito) limitadas

Para Lúcio Meneses Almeida, nos próximos tempos e até ser desenvolvida uma vacina ou um tratamento eficaz para a Covid-19, “todas as aglomerações em espaço fechados devem ser proibidas totalmente”.

Isso inclui cinemas e teatros — “Numa fase inicial não me parece que possam voltar a funcionar, a não ser que se ajustem as capacidades” — e as grandes competições desportivas com público. “Os jogos de futebol são num espaço aberto, mas, até me sentar na cadeira, vou andar junto de milhares de pessoas e passar as mãos em corrimãos, é muito complicado. Nesta altura, nem centenas, quanto mais milhares de pessoas juntas”, diz o presidente da APIH.

“Provavelmente, para ser possível assistir a jogos de futebol, as capacidades dos estádios terão de ser reduzidas a metade ou até a um terço”
Mário Jorge Neves, médico de Saúde Pública e membro do recém-criado Observatório de Saúde António Arnaut

“Se houver uma janela aberta e uma ventilação razoável ainda posso admitir que haja uma pequena aglomeração de pessoas, desde que se observem as medidas de higienização e da etiqueta respiratória, mas sempre de forma muito parcimoniosa”,  conclui o especialista.

No máximo, concordam Mário Durval e Mário Jorge Neves, cinemas, teatros e estádios poderão voltar a funcionar nos próximos meses mas apenas se a situação continuar a evoluir de forma favorável e se forem utilizados “esquemas de distanciamento” e não se venderem bilhetes para a lotação total dos espaços. “Provavelmente, para ser possível assistir a jogos de futebol, as capacidades dos estádios terão de ser reduzidas a metade ou até a um terço”, diz o membro do recém-criado Observatório de Saúde António Arnaut, que também não afasta a hipótese da utilização obrigatória de máscaras em “sítios com maior número de pessoas”.

Até à vacina ou ao tratamento, segurança máxima nos lares

Neste capítulo, os especialistas consultados pelo Observador são unânimes: se há sítio onde as medidas de restrição não podem ser aliviadas é junto das populações mais idosas — o que pode também dificultar o regresso à normalidade das famílias em que os avós desempenham papéis ativos, nomeadamente no cuidado dos netos.

“O reacendimento deste incêndio terá como alvo prioritário as populações idosas. Mais jovens serão portadores, muitas vezes assintomáticos e sem saberem”, alerta Adalberto Campos Fernandes. “O cerco à população idosa terá de manter-se. Aliás, na segunda vaga, teremos de fazer melhor na blindagem e na proteção destas populações”, diz o ex-ministro da Saúde, que defende que as visitas aos lares devem continuar a ser proibidas; que as medidas de proteção dos trabalhadores, nomeadamente no que toca à higienização e à utilização de equipamentos de proteção individual, devem ser mais rigorosas; e que a fiscalização às instituições deve ser mais rigorosa, para que sejam “imediatamente fechados” os lares sem condições de higiene e segurança.

As visitas aos lares de idosos deverão continuar interditas e os funcionários devem tomar medidas de higienização e de proteção rigorosas

Octavio Passos/Observador

“Os mais vulneráveis terão de ser protegidos mais algum tempo, até conseguirmos encontrar uma terapêutica ou uma vacina”, junta Ricardo Mexia, incluindo na medida os restantes grupos considerados de risco para a Covid-19 — doentes crónicos, imunodeprimidos e asmáticos.

Mário Durval concorda com as medidas mas defende, “numa fase já de retrocesso grande do vírus”, que as visitas voltem a ser permitidas: “Os idosos são a grande dificuldade, mas tem de se deixar que voltem a ter visitas, se bem que com maior rigor, com máscara e desinfetante, no mínimo. As nossas deambulações afetivas também são muito importantes para a saúde, no caso dos idosos e não só”.

De acordo com o especialista, a próxima fase poderá ser também aproveitada para redefinir os protocolos associados à doença: “Estar infetado não significa que se está doente, naturalmente haverá muitos profissionais de saúde que não estão doentes e podem estar em serviços onde há infetados — é uma estratégia que pode perfeitamente resultar e até já está a ser utilizada em Portugal, num lar do concelho de Almada, pelo menos”, revela o diretor do departamento de Saúde Pública da ARSLVT. “Isto é uma inovação, em geral as pessoas acham que os infetados ficam sossegados em casa — e isso faz sentido na fase de contenção, mas não na de mitigação, e acaba também por ser uma medida de contenção: pessoas sãs a tratar dos doentes podem sempre ficar infetadas.”

Como vai ser o verão? E depois?

Por muito que até tentem ver o copo meio cheio, os especialistas ouvidos pelo Observador são unânimes ao considerar que o pior ainda não passou e que o próximo verão não será igual aos outros. “A vida vai demorar muito a voltar ao normal, isto é como uma guerra em que estamos nas caves e lá fora as cidades estão todas destruídas; até subirmos para a superfície ainda vai demorar algum tempo. Do ponto de vista económico, pode passar até uma dezena de anos até a vida voltar ao normal. Os países e o mundo vão demorar muito a recuperar”, sentencia Lúcio Meneses Almeida.

“Sem uma vacina completamente eficaz é muito difícil dar a volta, se a tivéssemos daqui por um ano a confiança seria ganha de novo, assim é mais difícil”, diz Adalberto Campos Fernandes. “Veja-se o problema dos transportes aéreos, por exemplo. As pessoas não vão recuperar a confiança para viajar de um dia para o outro. Umas vão ter medo e as que não tiverem provavelmente não vão ter dinheiro para viajar.”

“Os jovens recuperam rapidamente, assim que puderem vão estão nas praias e nas discotecas. Os mais velhos é que não. Acredito que este verão já vamos ter praias cheias e discotecas a funcionar — se bem que com limitação de lotações”
Adalberto Campos Fernandes, médico especialista em Saúde Pública e ex-ministro da Saúde

De acordo com o ex-ministro da Saúde, a exceção a esta regra poderá ser encarnada pelas camadas mais jovens da população que, prevê, este ano deverão ser os únicos a viver um verão mais ou menos “normal”. “Os jovens recuperam rapidamente, assim que puderem vão estar nas praias e nas discotecas. Os mais velhos é que não. Acredito que este verão já vamos ter praias cheias e discotecas a funcionar — se bem que com limitação de lotações.”

Mário Durval não chega a tanto, mas também acredita que é “pouco expectável que se mantenham as interdições em relações às praias” nos meses de verão — e desde que sejam mantidas as distâncias recomendadas entre pessoas e toalhas não deverá haver problemas de contágio, diz, se bem que com algumas reservas. “Com as características da areia, da água salgada e dos raios ultravioleta, não me parece que o vírus se venha a safar muito bem na praia, mas ainda não sabemos. Vai tudo depender da reação do vírus ao calor do verão. Pode ter alguma característica que desconhecemos e continuar pelo verão fora.”

Dentro do quadro de incerteza geral, mais garantida é a ideia de que, abrandem ou não as infeções durante os meses de calor, o mais certo é que, com a chegada do outono, Portugal venha a deparar-se com uma nova onda da pandemia. É para isso que tem alertado a Organização Mundial de Saúde:  “Sei que alguns países já estão a preparar a transição para sair das restrições do ‘Fiquem em Casa’. A OMS quer ver essas restrições levantadas, como toda a gente. Mas, ao mesmo tempo, levantar essas restrições muito rapidamente pode levar a um ressurgimento letal. O caminho para sair [da contenção] pode ser tão perigoso como o caminho até entrar, se não for gerido convenientemente.”

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