Foi a primeira vez que os Estados Unidos foram tão taxativos sobre o gasoduto Nord Stream, que vai transportar gás da Rússia para a Alemanha. “Vamos acabar com ele”, disse Joe Biden. O Presidente norte-americano falava numa conferência de imprensa, na segunda-feira à noite, lado a lado com o novo chanceler alemão, Olaf Scholz, com quem esteve antes reunido para discutir as implicações de uma possível invasão da Ucrânia pela Rússia. Ao mesmo tempo, Macron e Putin procuravam pontos de aproximação em Moscovo, sentados em lados opostos de uma mesa de seis metros de comprimento.
“A ideia de que o Nord Stream 2 iria avançar, com uma invasão dos russos, é algo que simplesmente não vai acontecer”, frisou o Presidente dos Estados Unidos na conferência de imprensa com Scholz. A tirada de Biden gerou uma reação imediata: “Mas como é que vai fazer isso, exatamente, se o projeto está sob o controlo da Alemanha?”, questionou uma jornalista. “Prometo-lhe que vamos ser capazes de o fazer”, insistiu Biden.
Scholz não foi tão claro, apesar de ter sido insistentemente questionado sobre o assunto durante toda a conferência de imprensa. “Temos tudo preparado para avançar com as sanções necessárias, se houver uma agressão militar contra a Ucrânia. (…) Faz parte deste processo não soletrarmos tudo em público, porque a Rússia pode perceber que pode haver ainda mais [repercussões]. (…) Podem ter a certeza de que não vai haver medidas em que temos uma abordagem diferente, vamos agir juntos, em conjunto”, disse o chanceler, que neste ponto fez questão de repetir tudo novamente em inglês.
Mas nem a reposta bilingue satisfez a imprensa, que apontou, com estranheza, que Scholz nunca tivesse mencionado diretamente o Nord Stream. O chanceler insistiu: “Estamos a agir juntos, estamos totalmente unidos, não vamos dar passos diferentes, vamos dar os mesmos passos. E vão ser muito, muito duros para a Rússia”.
Foi um momento de que os jornais alemães não passaram ao lado. O Der Spiegel disse que Scholz foi “pouco claro”, a Deutsche Welle descreveu estas respostas como “cuidadosas”.
O futuro do Nord Stream foi um dos pontos altos desta conferência de imprensa, em parte devido à insistência da imprensa alemã, não fosse este um projeto altamente controverso no país e de elevada importância para a Europa: 55% do gás que chega à Alemanha tem origem na Rússia, e esse abastecimento afeta — direta ou indiretamente— todo o continente europeu.
O projeto de 11 mil milhões de dólares, que atravessa o Mar Báltico, ainda não está em funcionamento, mas quando estiver operacional vai ter a capacidade de duplicar o abastecimento de gás russo à Alemanha — a estimativa é de que possa abastecer 26 milhões de casas.
Há muito que o gasoduto é criticado por Biden, que o considera um potencial instrumento de coerção contra a Ucrânia e aliados. O projeto da Gazprom, a maior empresa energética russa, está também a ser investigado pela Comissão Europeia, para perceber se cumpre as políticas energéticas europeias.
A hesitação de Scholz sobre o assunto pode ser explicada pela sensibilidade do projeto na Alemanha: a possibilidade de o gasoduto ser instrumentalizado pela Rússia já preocupava Angela Merkel e sempre gerou discórdia no país — até mesmo dentro do atual governo, com a coligação SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha) e Verdes com posições diferentes. Para complicar ainda mais a equação, soube-se esta semana que o antigo chanceler Gerhard Schröder (1998-2005), o impulsionador do Nord Stream, foi nomeado para a direção da Gazprom.
Apesar do evidente impacto para a Alemanha e para a União Europeia em geral (41% do gás da UE vem da Rússia), Biden lembrou que Moscovo também tem muito a perder. “A Rússia precisa de vender esse gás e petróleo (…) É a única coisa que realmente tem para exportar. Se isso for cortado, também vão ser muito prejudicados, também há consequências para eles”, disse o Presidente dos Estados Unidos, fazendo referência à busca por alternativas para compensar uma potencial perda do fornecimento de gás russo.
A Europa é efetivamente um cliente de peso, gerando 60% das receitas do negócio do gás. Mas, na semana passada, Moscovo fechou um contrato de abastecimento de gás à China, por 30 anos, incluindo a construção de um novo gasoduto.
Alemanha é um “aliado incrivelmente fiável”
Nas últimas semanas tem aumentado o tom das críticas à Alemanha, que se recusou, ao contrário de vários outros países, a enviar armas para a Ucrânia — e, claro, muito menos tropas.
Esta posição acabou por prejudicar a imagem do novo chanceler, pelo menos aos olhos de alguns americanos. O senador democrata Richard Blumenthal disse mesmo que, no que toca à possível invasão da Ucrânia pela Rússia, “os alemães estão neste momento desaparecidos em combate”. A situação chegou a tal ponto que, na semana passada, a embaixadora alemã em Washington, Emily Margarethe Haber, deixou um alerta: muitas pessoas nos Estados Unidos começam a ver a Alemanha como um “parceiro pouco fiável”.
Essa ideia foi totalmente rejeitada pelo Presidente norte-americano durante a conferência de imprensa de segunda-feira: “[Scholz] tem a total confiança dos Estados Unidos. A Alemanha é um dos nossos parceiros mais importante no mundo. Não temos dúvidas de que a Alemanha é um aliado incrivelmente fiável.”
A mensagem foi, aliás, reiterada ao longo de toda a conferência: a Alemanha e os Estados Unidos são aliados, amigos, e estão totalmente com consonância em relação à Rússia. “Não há nenhum assunto em que Estados Unidos e Alemanha não estejam a trabalhar juntos”, garantiu Biden.
“Não podemos ficar calados, vemos o número de tropas russas na fronteira ucraniana, é uma ameaça à segurança europeia. É importante que falemos a uma voz”, frisou o chanceler alemão.
E “aquilo que é importante” foi definido pelas duas partes de forma muito clara: sanções. Os líderes não revelaram os termos destas sanções já acordadas, apenas que são “severas” e “vão ter impacto profundo na economia” da Rússia.
Ainda assim, Biden frisou: “Estamos prontos para continuar conversações em boa fé com a Rússia”.
Putin mostra abertura a propostas de Macron
O encontro entre Biden e Scholz não foi o único de alto nível a acontecer na segunda-feira. O Presidente francês, Emmanuel Macron, foi recebido, em Moscovo, por Vladimir Putin, numa tentativa de amenizar as tensões com o Kremlin.
No final, já perto da meia-noite, os dois líderes falaram à imprensa, com Putin a comprometer-se a procurar uma solução para o impasse. “No que nos diz respeito, farei todos os possíveis para encontrar compromissos que agradem a toda a gente”, disse, frisando que “ninguém fica a ganhar” com uma guerra na Europa.
Mas Putin não deixou passar aquele que considera ser o grande ponto de honra desta questão: a adesão da Ucrânia à NATO. Moscovo quer garantias de que tal nunca vai acontecer; os aliados rejeitam esse compromisso. O Presidente russo disse que a NATO e os Estados Unidos têm ignorado este pedido, mas adotou um tom conciliatório: “Não acho que o nosso diálogo tenha acabado.”
Sem grandes pormenores sobre o encontro, que decorreu à porta fechada durante quase cinco horas, Macron, disse ter proposto “garantias de segurança concretas” e indicou que Putin expressou “desejo em manter a estabilidade e integridade territorial da Ucrânia”.
O Presidente francês tem emergido como um dos principais interlocutores com a Rússia: desde meados de dezembro que falou ao telefone cinco vezes com Putin. Na segunda-feira, os dois partilharam um jantar de sete pratos, ainda que sentados em pontas opostas de uma mesa com seis metros.
No final deste encontro aparentemente amigável, Putin afirmou que “algumas ideias ou propostas” apresentadas pelo Presidente francês são “bastante viáveis para criar uma fundação para próximos passos”.
Ainda assim, Macron fechou a noite com um apelo à ação: “Neste momento, a tensão está a aumentar e o risco de instabilidade sobe. Nem a Rússia nem os europeus querem caos ou instabilidade, numa altura em que as nações já sofrem com a pandemia. Por isso, precisamos de acordar medidas concretas.”
Mas é mesmo sem nada de muito concreto que Macron parte terça-feira para Kiev, onde se vai encontrar com o Presidente Volodymyr Zelensky. Continuando no espírito diplomático, o líder francês prometeu informar Putin do resultado destas negociações.