Na semana em que o almirante Gouveia e Melo faz o discurso de despedida dos seus camaradas da Armada para se dedicar ao projeto Belém, Marques Mendes não esperou por domingo e intensificou as suas ações ‘zero’ no terreno. E com simbolismo: visitou os mesmos dois espaços que Marcelo escolheu na primeira ação das presidenciais. “Não sabia. É mera coincidência”, garante. Ainda assim, o ex-líder do PSD admite ao Observador que as visitas — ao Espaço Júlia, que apoia vítimas de violência doméstica e à mercearia social Valor Humano — “ajudam muito à reflexão” que está a fazer sobre a candidatura a Belém. Reitera ainda que está “cada vez mais próximo” de uma decisão, embora recuse exageros e precipitações porque “ainda falta um ano e tal“.
Marques Mendes não dá uma resposta direta sobre uma candidatura presidencial, mas vai deixando pistas. As visitas aos dois espaços da junta de freguesia de Santo António são duas áreas que considera que devem merecer a atenção máxima de Belém entre 2026 e 2031: a violência doméstica e a defesa do Estado Social. “O [futuro] Presidente tem de ser também uma pessoa com enorme espírito de ambição nas grandes causas nacionais. Não é o Presidente que governa, isso é claríssimo. Agora, é um Presidente que pode lançar e potenciar causas fundamentais. A ambição no combate à violência doméstica, a ambição na melhoria do Estado Social e a ambição para que o país cresça com outra pujança”, defendeu Marques Mendes em declarações ao Observador durante a visita. E acrescentou: “Estou a dar apenas três exemplos de causas que o Presidente pode e deve potenciar. É uma sugestão para quem venha a ser Presidente da República.”
Tanto o Espaço Júlia como a mercearia social Valor Humano foram os espaços escolhidos para Marcelo Rebelo de Sousa em ocasiões importantes. Uma delas foi, precisamente, na primeira ação de campanha para as Presidenciais de 2021, que o atual chefe de Estado venceu com mais de 60% dos votos. Marcelo visitou também ambos os espaços no primeiro 5 de Outubro como Presidente. Marques Mendes garante que não teve qualquer objetivo de mimetizar o atual Presidente.
O comentador político, em declarações ao Observador, foi mais longe e definiu até um perfil de Presidente oposto ao de Marcelo Rebelo de Sousa, que tem tido um mandato marcado por dissoluções e se prepara para avançar com mais uma na região Autónoma da Madeira. “Eu não sei quem é que vai ser Presidente da República, mas há uma coisa que eu sei: o Presidente tem de ter algumas preocupações centrais. Tem de ser um construtor de pontes. Não podemos passar a vida, sempre que há uma crise, pensar em dissoluções ou eleições antecipadas“, diz o comentador.
Mendes deixa mesmo aquilo que é uma crítica velada ao atual Presidente quando fala “na situação da Madeira”. O conselheiro de Estado diz que “não podemos passar a vida a banalizar dissoluções e eleições antecipadas. As crises, em grande medida, previnem-se. E, para isso, é preciso construir pontes entre os vários interlocutores, antes que seja tarde e para evitar crises e sobretudo, muitas vezes, para desbloquear impasses.” Ora, Marcelo Rebelo de Sousa tem muitas dissoluções no currículo, o que significa — usando a bitola de Marques Mendes — que agiu tarde e não preveniu crises.
Minutos antes, ao Observador, o presidente da junta de freguesia que acompanhou Marques Mendes na visita, Vasco Morgado, confessava que temia precisamente que o precoce interesse mediático com as Presidenciais pudesse afetar a atenção que é devida às autárquicas, que se realizam apenas três a quatro meses antes. O ex-líder do PSD não teme, no entanto, que as eleições criem confusões ou promovam atropelos, lembrando que “já não é a primeira vez que acontece esta sobreposição no calendário.”
Mendes diz que “as pessoas fazem uma completa separação entre uma coisa e outra” e que o país tem uma “maturidade política” que permite não haver contaminação entre escrutínios. Ou seja: mesmo que as eleições corram mal ao PSD, Mendes acredita que isso não afete o candidato apoiado pelo PSD. O mesmo é válido para PS, Chega e restantes partidos.
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“Mendes é sempre uma boa opção”
Entre a deslocação de um espaço para outro, Marques Mendes faz uma pausa para café. Paciente, faz questão de cumprimentar todos os funcionários e clientes do estabelecimento antes de se sentar. Elogia as bandoletes natalícias alusivas a renas de duas funcionárias: “Fica-lhe bem”. Depois do café, segue caminho. São mais 300 metros a descer. Ao chegar ao segundo espaço, a Mercearia Valor Humano, o conselheiro de Estado foi informado como funciona a mercearia: não são dados cabazes, mas notas de diferentes valores, numa moeda virtual da freguesia, para que os beneficiários possam eles escolher o que querem.
O presidente da junta de freguesia de Santo António, Vasco Morgado, explica que o padrinho daquele espaço é precisamente o ator e apresentador do Preço Certo, Fernando Mendes. “Conheço, conheço, é meu amigo, o gordinho”, diz o comentador político. E logo regista a coincidência de apelidos provocando o riso geral: “Mendes é sempre bom, é sempre uma boa opção“.
Vasco Morgado, que acompanhou sempre Marcelo nas visitas, diz que Marques Mendes também tem “todas as características” para ser candidato presidencial, destacando que o próprio “líder Luís Montenegro já falou sobre a ideia que ele tem de quem deve ser o candidato a Presidente da República”. Apesar de afirmar que Mendes e Marcelo são muito diferentes, acaba por considerar o comentador político como “um putativo líder a ser candidato apoiado pelo PSD para as Presidenciais”. Diz ainda ter “todo o gosto” em receber “todos os candidatos a candidatos” a Belém nos espaços da freguesia.
A ação de Marques Mendes mostra que o comentador político tem vida pública entre domingos, o que se deve ainda intensificar quando (e se) abandonar o programa que tem aos domingos à noite na SIC. Os vários potenciais candidatos presidenciais, como o Observador lembrava esta semana, têm tido várias participações
Almirante despede-se na Armada na sexta, mas último dia é 27 de dezembro
Entretanto, o até agora favorito nas sondagens, Henrique Gouveia e Melo já fez saber que fará uma cerimónia interna na próxima sexta-feira, 20, onde irá discursar perante os militares da marinha. O evento será a última ocasião em que, o almirante estará perante os seus subordinados como Chefe do Estado-Maior da Armada. O último dia de Gouveia e Melo, que tinha hipóteses de prolongar a continuidade na Marinha até abril de 2025, será o dia 27 de dezembro.
O almirante lembrou, na última terça-feira, que é militar “há 45 anos” e, em declarações aos jornalistas, disse que era “altura de deixar a Marinha em mãos mais jovens, mais capazes de continuar um futuro que é o futuro que todos nós desejamos”. Desta vez Gouveia e Melo não fez qualquer relação com uma eventual candidatura presidencial, tendo justificado o timing da saída com a tentativa não atrapalhar o sucessor: “Não faz sentido, depois de sair da Marinha, continuar como uma sombra relativamente à Marinha. A Marinha vai ter um novo chefe, vai ter um novo líder, tem todo o direito de fazer as opções que quer e eu, no dia em que sair da Marinha, nunca mais vou falar da Marinha, porque isso é um assunto de quem está no ativo.”
No entanto, no dia anterior, a sugestão em declarações à Rádio Renascença a sugestão foi que a continuidade como militar o limitava em aventuras cívico-políticas: “Continuar no ativo retira-me alguma liberdade nos meus direitos cívicos e, portanto, não vejo necessidade de continuar no ativo”.