Um dos alunos da Universidade de Verão (UV) do PSD perguntou esta quarta-feira a Marques Mendes se repetiria o percurso de Marcelo Rebelo de Sousa e seria candidato a Belém. Houve aplausos do público, de apoio a essa hipotética candidatura. Mas, qual negação de Pedro — depois de já o ter dito ao podcast de Francisco Pinto Balsemão e no programa Vichyssoise — o antigo líder do PSD deu um terceiro ‘não’ que não é bem um ‘não’: ser Presidente não está nas suas “previsões, ambições ou propósitos”. Marques Mendes repetiu que é “muitíssimo cedo” para falar em Presidenciais, mas vai seguindo todo o percurso de Marcelo Rebelo de Sousa: como comentador político televisivo, nas palavras que escolhe para mostrar desinteresse com Belém e na presença que intensificou em eventos do partido.

Na única vez em que tinha estado na Universidade de Verão do PSD, que se realiza em Castelo de Vide, Marques Mendes tinha respondido a uma pergunta similar da seguinte forma: “A história não se repete”. Seis anos depois, já há mais nuances na resposta, mas nas entrelinhas. Sobre presidenciais, Marques Mendes referiu uma curiosidade sobre um perfil presidencial onde ele próprio se enquadra: “Dos quatro presidentes civis, todos foram antes líderes partidários“. Ora, como ex-líder, encaixa neste perfil.

A segunda curiosidade que apontou não o exclui e passa pela velha lógica da política portuguesa de “não colocar os ovos todos no mesmo cesto”: um partido de centro esquerda no Governo, um de centro-direita em Belém. Ou vice-versa. Na leitura de Mendes, o mais provável é que Costa fique até ao fim, o que significa que um candidato de centro-direita tem mais hipóteses. Ou seja: mais uma curiosidade que lhe é favorável.

Sobre a comparação com Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes lembra, no entanto, as diferentças. Diz que a única grande semelhança com o atual chefe de Estado é que “são amigos”, já que Marcelo foi sempre muito melhor: “No comentário é o Papa e não se pode ser mais que Papa e como político, apesar de eu também ter as minhas qualidades, é melhor do que eu”.

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Para já, Marques Mendes repete pela “enésima vez” que não pensa em Belém, mas, como o próprio repete minutos depois, a política “não é estática”, é “dinâmica“. Certo é que, com esta participação na Universidade de Verão, assiste-se um ato num percurso que quase parece tirado a papel químico do caminho que Marcelo Rebelo de Sousa fez até Belém. Mesmo que, como reconhece, sejam “muito diferentes”.

[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]

Marques Mendes na Universidade de Verão do PSD: “Marcelo Rebelo de Sousa é muito superior”

Ato 1. Dizer ‘presente’ no PSD (também como professor da UV)

Marcelo Rebelo de Sousa nunca se manteve afastado do PSD e não abdicava — incluindo nos anos antes de se candidatar a Belém — de participar como orador na Universidade de Verão (UV) do PSD. Excluindo os dois eventos em que era líder do partido (2005 e 2006), Marques Mendes só tinha sido orador na UV em 2016. Agora, quando se começa a falar nas presidenciais de 2026, regressa a este palco. E com uma aura similar à de Marcelo: o ex-líder do partido e comentador da televisão a quem os jovens podem perguntar tudo.

Antes do jantar-conferência, Marques circulou pelas mesas e cumprimentou todos os jovens um-a-um. E tal como Marcelo no passado (na mesma sala, em Castelo de Vide), o ex-líder do PSD foi aplaudido quando um aluno sugeriu que fosse candidato presidencial.

Mas já antes da Universidade de Verão do PSD, no início de julho, Luís Marques Mendes fez questão de ir ao Congresso do PSD. Pretexto: ser o primeiro Congresso de um novo líder. Leitura política: marcar espaço para Belém com a bênção de Luís Montenegro. E foi com um estatuto especial que foi recebido nesse Congresso do PSD: foi expressamente chamado à sala, ao microfone, pelo presidente da Mesa do Congresso e teve a honra de ser o único a entrar no recinto por uma porta ao lado do palanque. O aplauso fez-se notar.

Esta aclamação de Marques Mendes foi importante para se perceber que — numa solução entre um ‘Mendes da casa’ e, por exemplo, um Paulo Portas CDS — o antigo líder do PSD seria sempre favorito. A ida ao Congresso do PSD de julho foi uma presença suave (sem púlpito), até porque ainda faltam quatro anos, mas ficou dado o sinal.

No percurso que Mendes parece repetir Marcelo fez a sua inscrição para candidato num momento próximo das presidenciais: dois anos antes da campanha, quando em 2014 entrou de rompante no Congresso (no mesmo espaço do ‘Congresso dos Congressos’ de 1995) para mostrar a Passos Coelho que não era só um “catavento”, mas um histórico querido ao partido. Marcelo não dispensou marcar presença em eventos do partido, muitos deles no âmbito dos 40 anos do PSD. Para Marques Mendes ainda é “cedíssimo”, mas também vai dizendo ‘presente’ às estruturas em grandes eventos do partido, como o Congresso ou a Universidade de Verão.

Ato 2. Os domingos de comentador televisivo

O caminho de Marques Mendes também se vai confundido com o de Marcelo no plano do comentário televisivo. Marcelo Rebelo de Sousa esteve 15 anos em antena televisiva (entre 2000 e 2015) de forma mais ou menos regular antes de chegar a Belém. Ora, Marques Mendes começou como comentador televisivo em 2012 e, se assim se mantiver até 2026, vai estar em antena cerca de 14 anos. O comentário domingueiro “do Marcelo”, que marcou a atualidade política durante muitos anos, foi substituído no plano mediático pelo comentário domingueiro “do Mendes”.

Mendes vai repetindo que no comentário dominical não chega aos calcanhares do Papa Marcelo, mas o próprio reitor da UV, o antigo eurodeputado, Carlos Coelho, registou no início do jantar-conferência (curiosamente como fazia com Marcelo) que Mendes é alguém que “entra na casa de grande argúcia, com grande capacidade de interpretação do presente” e com um invejável acesso a fontes de informação.

Carlos Coelho disse mesmo: “Muitos olham para si como vidente, que olha para uma capacidade de prever o futuro”. E aí, Marques Mendes não desiludiu nesta quarta-feira à noite: disse que Pedro Nuno Santos será o próximo líder do PS, que Luís Montenegro tem hipóteses de vencer as próximas legislativas e até que Duarte Cordeiro será um potencial candidato do PS à câmara de Lisboa. É coisa de vidente que antes se via, precisamente, em Marcelo.

Ato 3. Aguentar o máximo de tempo sem assumir candidatura (e ter cuidado com as palavras)

Marcelo Rebelo de Sousa até chegou a antecipar que podia ser candidato a Belém 10 anos antes de ser (em 2006), mas depois foi alimentando eternamente o tabu dessa candidatura. Repetia várias vezes que essa candidatura repetia das circunstâncias (por exemplo, o não avanço de António Guterres ou ter “saúde”) e que não estava nas suas “ambições” ser Presidente da República.

Marques Mendes diz precisamente o mesmo: que não está nas suas ambições. O máximo que vai é aquilo que disse em entrevista ao programa Vichyssoise da Rádio Observador: “Ser Presidente é um objetivo que muitas pessoas me apontam. E eu agradeço e fico sensibilizado, não vou mentir.” Em Castelo de Vide, quando um aluno sugeriu o mesmo, fez questão de dizer: “Agradeço-lhe”. Marcelo só anunciou a candidatura em outubro de 2015. Para repetir a papel químico o percurso de Marcelo — caso o queiram mesmo — faltam mais de três anos para Mendes assumir que é candidato a Belém.

Ato 4. Mito de Anteu, invencível na terra — que existe: não é Celorico, é Fafe

Marcelo Rebelo de Sousa alimentou sempre, do ponto de vista público, uma ligação às suas origens, em particular à terra da sua avó Joaquina, Celorico de Basto. É lá que o atual Presidente tem uma biblioteca em seu nome e para a qual faz várias doações de livros. Em maio de 2022, Marques Mendes fez o mesmo: doou a sua coleção particular de livros (em número inferior à de Marcelo) à câmara municipal de Fafe, a sua terra.

Mas não se fica por aí. Marques Mendes começou a participar ativamente na organização das “Conferências de Fafe”, que são precisamente relacionadas com antigos candidatos presidenciais. Esta iniciativa da autarquia de Fafe contou com as presenças de Ramalho Eanes e de João Soares, para homenagear o percurso do pai, Mário Soares, e que teve ainda como convidados Artur Santos Silva, que refletirá sobre o legado de Jorge Sampaio, Aníbal Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, sob o mote de discutir “os desafios do sistema democrático”. Tudo relacionado com Belém, tudo muito parecido com o percurso de Marcelo.

Uma última curiosidade: Marcelo Rebelo de Sousa respondeu a perguntas dos alunos da Universidade de Verão do PSD na terça-feira, Marques Mendes, na quarta-feira. Uma coincidência, claro está, provocada por Marcelo.

Afinal, a história repete-se.