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A questão não é tanto se vai acontecer, mas mais quando. O Irão prometeu uma “forte retaliação” contra Israel e todos os sinais indicam que deverá ocorrer nos próximos dias. Os Estados Unidos da América (EUA) apontavam para esta segunda e terça-feira, mas as autoridades iranianas, juntamente com os seus aliados, assumem que querem colocar o mundo em suspenso e levar a cabo o que descrevem como uma “guerra psicológica” — em que nunca se sabe quando será acionado o gatilho.
Enquanto a resposta contra Israel não chega, grande parte da comunidade internacional tenta dissuadir, através de meios diplomáticos, o Irão e os aliados de atacarem Israel, com o receio de uma escalada de violência e uma consequente guerra regional no Médio Oriente. No entanto, Teerão não parece estar disposto a desistir da sua vingança contra o assassínio do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, morto em Teerão na passada quarta-feira. Mais do que uma simples retaliação, as autoridades iranianas ambicionam fazer uma demonstração de força e provar que têm capacidade de responder eficazmente contra ameaças do exterior.
A 13 de abril, após Israel ter atacado o complexo diplomático iraniano na capital síria, Damasco, e ter causado a morte a sete comandantes iranianos, Teerão também realizou um ataque com rockets, mísseis e drones que sobrevoaram os céus israelitas. Foram praticamente todos intercetados pelos sofisticados sistemas de defesa aéreos Iron Dome, a Cúpula de Ferro. Além disso, o Irão avisou de antemão outros países que iria atacar o território daquele que considera o seu maior inimigo geopolítico. Era apenas uma espécie de aviso com alerta antecipado.
Foi, portanto, um ataque gerido com pinças e bastante controlado. Quatro meses depois, ainda não é claro agora como o Irão planeia reagir. Porém, segundo o canal estatal KAN, as primeiras informações apontam que Teerão quer infligir mais danos a Israel do que em abril. Assim, Telavive está a preparar-se para uma ofensiva mais intensa e está a preparar-se para uma resposta imediata.
Uma ofensiva em duas fases e ataques a sedes governamentais: como será o ataque em Israel?
Contrariamente ao que aconteceu em abril, este ataque não deverá ter apenas uma frente. O Irão está a preparar-se para coordenar a resposta contra Israel com vários aliados — incluindo o Hamas da Palestina, o Hezbollah do Líbano, os Houthis do Iémen e milícias xiitas do Iraque e da Síria. Citado pelo canal Iran Internacional, Mohammad Saleh Jokar, líder iraniano da Comissão Parlamentar de Assuntos Internos, assegurou que Teerão “vai certamente responder ao assassínio de Ismail Haniyeh e às maldades de Israel nos próximos dias”.
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O responsável sinalizou que o plano está a ser ultimado pelo “eixo de resistência”, isto é, os aliados iranianos. Por sua vez, o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, pareceu confirmar esta terça-feira que outros grupos vão participar na retaliação contra Israel. “O perigo israelita não pode ser enfrentado ao colocar as nossas cabeças na areia, porque o inimigo não tem limites.”
O Presidente norte-americano, Joe Biden, terá sido informado desta hipótese. Segundo o que jornal Axios apurou, os responsáveis pelos serviços secretos dos EUA terão dito à administração Biden que estão à espera de duas fases, parte de um ataque concertado. Uma dessas vagas virá do norte — do Líbano e do Hezbollah —, ao passo que a outra partirá do Irão e dos restantes aliados.
O objetivo desta estratégia passa por dificultar o funcionamento dos sistemas de defesa aéreos, obrigando igualmente as autoridades israelitas a desdobrarem-se em várias frentes. Apesar de os serviços secretos norte-americanos avançarem com esta hipótese, ainda não é claro quem será o primeiro a premir o gatilho, nem como será esse ataque — se terrestre ou aéreo. Nem entre os dirigentes iranianos e a liderança do Hezbollah as ideias estão completamente claras, notam os serviços secretos.
De qualquer modo, dois países já vieram garantir que vão abater qualquer objeto que sobrevoe o seu espaço aéreo. Como fizeram em abril, a Arábia Saudita e a Jordânia — aliados do Ocidente no Médio Oriente — dizem que vão intercetar mísseis ou drones rumo a Israel que passem pelos seus céus. Se bem que não apoiem Telavive e critiquem publicamente o conflito em Gaza, Amã e Riade avisaram o Irão que qualquer objeto será interpretado como uma ameaça à segurança nacional — e, portanto, terá de ser destruído.
Um ataque de longo alcance desde o Irão até Israel terá, assim, poucas chances de vingar. Não só pela proteção jordana e saudita, como também pelo tempo que demora um míssil ou um drone até chegar desde território iraniano até israelita, dando tempo a Telavive para se preparar. Não obstante, a situação altera-se dramaticamente se for o Hezbollah, que controla praticamente todo o sul do Líbano perto da fronteira com Israel, a atacar o Estado judeu.
O secretário-geral do Hezbollah avisou esta terça-feira que as “fábricas israelitas no norte [de Israel] podem ser destruídas numa hora”, acrescentando: “As capacidades do inimigo no norte podem ser atingidas em menos de meia hora”. Um ataque oriundo do sul do Líbano seria, assim, mais difícil de prever e mais difícil de travar.
Ao jornal Politico, Jonathan Rute, analista que trabalha para o Instituto de Segurança Nacional da América, destacou que um ataque deste género daria menos tempo para Israel responder. “O Irão, desta vez, está a tentar arranjar uma forma de impor custos a Israel, para que Israel pare de atacar alvos do Hezbollah e pare de fazer coisas como [aconteceu] quando tirou a vida a Haniyeh em Teerão.”
Em relação aos alvos que o Irão pode atingir Israel, têm surgido algumas hipóteses. Segundo o think tank norte-americano Instituto para a Guerra (ISW, sigla em inglês), que cita um órgão de comunicação social liderado pelas forças armadas iranianas, Teerão pondera atacar alvos civis e militares para “semear o pânico”. “A lista inclui locais como bases militares israelitas, locais do governo como o Ministério da Defesa de Israel, o edifício do Parlamento [Knesset]”, o “gabinete do primeiro-ministro” ou ainda aeroportos e centrais elétricas.
Ainda assim, o relatório do think tank salienta que o Irão “pode ou não atacar esses alvos” — a decisão ainda não está fechada. Pode igualmente ser uma estratégia para confundir as autoridades israelitas, levando a uma “dispersão” da maneira como se irão defender.
Em todo o caso, para retaliar contra a morte de Ismail Haniyeh, o deputado iraniano, Mohammad Qasim Osmani, enfatizou que o Irão deveria enveredar esforços para matar Benjamin Netanyahu. Ainda que o gabinete do primeiro-ministro tenha negado esta informação, o jornal israelita Walla escreveu que a família do chefe do executivo — como a mulher Sara ou o filho Yair — poderão esconder-se num bunker em Jerusalém quando começarem os ataques.
De acordo com uma avaliação do Instituto para a Guerra, esta identificação de alvos específicos dificilmente se encaixa no objetivo deste ataque a Israel. O Irão e o eixo da resistência deverão levar a cabo um “ataque coordenado e de larga escala com drones e mísseis”, mas não para matar civis ou para prejudicar em grande escala Israel, uma vez que isso levaria, inevitavelmente, a um contra-ataque de Telavive. Será mais uma demonstração de força.
Para esta opinião do ISW conta o facto de Teerão — tal como Telavive — terem garantido que não desejam nenhuma “guerra regional” e não quererem aumentar a tensão. “O Irão procura estabelecer a estabilidade na região, mas isso apenas será alcançado com um castigo ao agressor e aumentando a capacidade de dissuasão contra o aventurismo do regime sionista”, esclareceu o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nasser Kanaani.
Como forma de atacar Israel, o jornal Telegraph refere também que pode ainda haver ciberataques contra infraestruturas essenciais do país, criando disrupções. Ao mesmo tempo, o Irão pode levar a cabo ofensivas contra embaixadas ou consulados noutros países.
A ofensiva diplomática para travar um ataque
Os Estados Unidos da América, pela voz do secretário de Estado Antony Blinken, mantêm-se empenhados em esforços diplomáticos “intensos” à “última hora” para travar um ataque iraniano. “Todas as partes devem evitar uma escalada”, avisou o chefe da diplomacia norte-americana na madrugada desta terça-feira, acrescentando que as tensões devem “diminuir”. “A escalada não é do interesse de ninguém. Só vai levar a mais conflito, mais violência e mais insegurança.”
Para isso, o Presidente norte-americano falou ao telefone na segunda-feira com o Rei da Jordânia, Abdullah II. Esta terça-feira, Joe Biden contactou o primeiro-ministro do Qatar, Tamim Bin Hamad Al-Thani, e ainda o Chefe de Estado do Egito, Abdul Fatah Khalil Al-Sisi. O objetivo destes telefonemas? Tentar que estes líderes — de países que estão envolvidos nas negociações entre o Hamas e Israel — persuadam o Irão a não escalar a situação no Médio Oriente.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, está empenhado na mesma missão. “Ninguém tem interesse numa escalada”, escreveu na sua conta pessoal do X esta segunda-feira, assinalando que falou com o seu homólogo dos Emirados Árabes Unidos, Mohamed bin Zayed, e com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed Bin Salman, sobre a “situação no Médio Oriente”. Falando em nomes dos três, o líder de França pediu para que demonstrem “responsabilidade e restrição” para “evitar uma conflagração regional”.
Se os líderes do Ocidente tentam chegar junto dos seus aliados no Médio Oriente — como o Qatar, o Egito ou a Arábia Saudita — a Rússia prefere outra abordagem. O Presidente russo, Vladimir Putin, pediu ao líder supremo do Irão, o aiatolá Ali Khamenei, para que a resposta contra Israel fosse contida e que evitasse atingir alvos civis, apurou a Reuters junto a duas fontes iranianas. A mensagem foi transmitida por Sergei Shoigu, secretário do Conselho de Segurança russo, ao Presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, num encontro que tiveram esta segunda-feira em Teerão, onde Shoigu se deslocou.
O ataque do Irão contra Israel está “iminente”. Perante as declarações públicas dos líderes do eixo de resistência, dificilmente Teerão cederá à pressão diplomática para não atacar o seu principal inimigo regional. Ainda assim, nenhuma das partes expressou vontade em começar um conflito de larga escala no Médio Oriente. A resposta deverá ser ponderada — mas existe uma grande probabilidade de ser mais intensa do que em abril. E de acontecer a qualquer momento.