A noite estava reservada para a aprovação formal, em Conselho Nacional, da nova Aliança Democrática que vai enfrentar as próximas eleições legislativas. Mas, despachado o desiderato em três tempos, Luís Montenegro mostrou rapidamente ao que ia: ensaiar o tiro ao alvo a Pedro Nuno Santos. À boleia da polémica em torno dos CTT, o líder social-democrata tentou fazer passar a tese de que o novo secretário-geral do PS não tem qualquer “sentido de responsabilidade” para ser ministro, quanto mais para ser primeiro-ministro.
Em Braga, numa noite que serviu fundamentalmente para cumprir calendário — as listas de candidatos a deputados, tema bem mais delicado, só serão aprovadas no próximo Conselho Nacional, a 15 de janeiro –, Montenegro aproveitou o caso dos CTT para sugerir que há um padrão de comportamento em Pedro Nuno Santos: à semelhança do que acontecera com a indemnização de Alexandra Reis na TAP, o agora líder socialista começa sempre por dizer que não se lembra, para depois ter de reconhecer que deu o “ok”.
Recuperando esse processo de indemnização a Alexandra Reis, o tal que resultou na demissão de Pedro Nuno Santos, Montenegro exigiu que o secretário-geral do PS viesse a público esclarecer se assinou ou não assinou o despacho que autorizava a Parpública a adquirir ações dos correios. Recorde-se que essa autorização carece da assinatura conjunta do ministro das Finanças (à época era João Leão) e do ministro com a tutela (que era então Pedro Nuno Santos).
Esta quinta-feira, quando falou finalmente sobre o caso, Pedro Nuno Santos limitou-se a dizer que conhecia a decisão do Governo e que concordava com ela, mas sublinhando, ainda assim, que tinha sido João Leão a conduzir o processo e sem nunca esclarecer se tinha ou não assinado o despacho. Ora, tal como alegou Montenegro no Conselho Nacional do PSD, se Pedro Nuno Santos não autorizou a operação, esta teria de ser considerada nula.
“A aquisição ou alienação de participações sociais pelas empresas públicas do sector empresarial do Estado carece de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do sector de atividade. (…) A falta da autorização referida no artigo 10.º e no artigo anterior determina a nulidade de todos os atos ou negócios jurídicos, incluindo os preliminares, instrumentais ou acessórios, relativos à constituição de empresas públicas e à aquisição ou alienação de participações sociais”, pode ler-se no decreto-lei que estabelece os princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas.
Depois, existe ainda a questão política, que Montenegro se esforçou por não deixar esquecer. De acordo com as informações iniciais, a compra de ações dos CTT deveria ter servido para garantir o apoio de Bloco de Esquerda e PCP ao Orçamento do Estado para 2022, que acabou por ser chumbado. Depois de a notícia ter sido revelada pelo Jornal Económico, o Bloco desmentiu ter sido informado do negócio e o PCP confirmou que estava a par das intenções do Governo, mas não as considerou relevantes.
Montenegro não ficou convencido e voltou a centrar as suas críticas em Pedro Nuno Santos. Dizendo que o adversário revelava “desfaçatez política e atrevimento” por criticar o processo de privatização dos CTT (que constava do memorando da troika assinado pelo Governo socialista de José Sócrates), o presidente do PSD colocou em causa o carácter do socialista.
“Utilizar dinheiros públicos à socapa para satisfazer um negócio político no Parlamento não é maneira de governar o país. A bandalheira tem de ter um fim para que possamos ter um futuro. Quem não mostrou sentido de responsabilidade para ser ministro, como é que pode arrogar-se em ter capacidade para ser primeiro-ministro?”, atirou Montenegro.
Apesar de ter bem definido o seu adversário daqui em diante, o líder do PSD não esqueceu de deixar, mesmo assim, um remoque a António Costa, “mais ativo agora que está em gestão do que quando estava em plenitude de funções”, desdobrando-se em ações “com dinheiro público em jornadas que são de mera propaganda e campanha eleitoral”. “Os portugueses não se vão enganar por este suspiro de desespero do PS.”
Quanto à Aliança Democrática, afinal, o motivo para a reunião do órgão máximo do PSD entre congressos, ficou a confirmação oficial: o CDS terá direito a dois lugares elegíveis nas listas de candidatos a deputados da nova Aliança Democrática. Montenegro acrescentou ainda que Nuno Melo terá direito a mais dois lugares (16.º em Lisboa e no Porto) que podem, em caso de crescimento eleitoral, permitir eleger. Numa terceira linha em termos de probabilidade de eleição, o CDS terá ainda direito ao 10.º lugar em Aveiro e o 11.º Braga. Este domingo, 7 de janeiro, Montenegro e Nuno Melo apresentarão publicamente o acordo, na Afândega da Fé, no Porto.
O abraço de Menezes
O Conselho Nacional acabou por ficar marcado pelo abraço simbólico de Luís Filipe Menezes a Luís Montenegro, numa rara aparição pública do ex-autarca. O antigo líder do PSD e ex-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia foi, a par de Luís Marques Mendes, uma espécie de padrinho político do atual líder social-democrata. Mas a relação entre ambos acabou por arrefecer com o decorrer do tempo.
Em 2019, Menezes foi responsável por um duro golpe nas aspirações de Montenegro em derrotar Rui Rio. Nessa altura, num Conselho Nacional em que se discutia uma moção de confiança decisiva para a continuidade de Rio à frente do PSD, Luís Filipe Menezes decidiu aparecer no hotel onde decorria o encontro para dar um abraço simbólico ao então presidente do partido — isto apesar de ambos manterem uma guerra fria com décadas. A partir daí, a convivência entre Montenegro e Menezes nunca mais foi a mesma.
Esta noite, no entanto, Menezes aproveitou para dar um sinal de confiança no atual presidente do PSD. À porta fechada, o antigo líder social-democrata deixou claro que está ao lado de Luís Montenegro e desafiou-o a recuperar os melhores quadros do partido e o discurso reformista que o partido sempre teve. Mais tarde, em declarações aos jornalistas, Menezes sublinharia ainda a importância de existir “alternância democrática”. “A democracia sofre se houver poder a mais concentrado num único partido.”