O regresso a um Conselho Nacional desta vez no papel de líder partidário e sem os drama de outros tempos. Apesar dos sinais de insatisfação que vão grassando aqui e acolá, os sociais-democratas vão posando felizes e coesos para a fotografia de família. E, na primeira vez que reuniu o órgão máximo do partido entre congressos, Luís Montenegro teve um passeio no parque. “Isto está tão chocho que até me vou embora”, desabafava com o Observador um saudosista social-democrata.
Montenegro, no entanto, cumpriu o seu papel e fez de tudo para tentar marcar o contraste entre um partido que está “unido” e “coeso” e um Governo que está feito em frangalhos. Num discurso de cerca de 40 minutos, aberto à comunicação social (uma diferença face à anterior liderança), o líder social-democrata elogiou o trabalho de todos os braços do partido (do Parlamento às estruturas autónomas, passando pelos eurodeputados) e atirou-se à jugular de António Costa.
Nota curiosa: grande parte da intervenção usada por Montenegro era tudo idêntica àquela que foi usada por Aníbal Cavaco Silva num artigo de opinião no jornal “Público“, divulgado quando ainda decorria o Conselho Nacional do PSD mas escrito, naturalmente, antes do arranque dos trabalhos. Se o antigo Presidente da República se referiu ao Executivo socialista como “desarticulado”, “desorientado” e a “navegar à vista”, o líder parlamentar diria que o Governo está à “deriva”, “sem liderança” e “desnorteado”.
“No mesmo período em que o PSD está unido, coeso e entrosado, existe um Governo novo, recém empossado, dispondo de condições políticas excecionais, apresenta-se dividido, confuso, cheio de polémicas, cheio de contradições. É um Governo que está à deriva, que não tem liderança, que não tem um borte, que possa ser um referencial de caminho a percorrer dentro de si próprio. É desnorte”, defendeu o líder social-democrata.
Nesse primeiro momento, Montenegro enumerou os vários casos e casinhos que têm marcado os primeiros meses desta legislatura. A começar, claro, pelo episódio protagonizado por Pedro Nuno Santos, “um ministro que publicou em Diário da República uma decisão sobre uma matéria estratégica e estruturante” sem passar cartão a ninguém. “Isto aconteceu e e aconteceu sem que daí tivesse ocorrido qualquer consequência”, disse.
Depois de atingir Pedro Nuno Santos, o líder parlamentar social-democrata falou também Marta Temido, lembrando que a agora ex-ministra da Saúde justificou os problemas no Serviço Nacional de Saúde com os “idos anos 80”. Polémica que juntou à tentativa de Fernando Medina de contratar Sérgio Figueiredo.
“O ministro das Finanças, com as responsabilidades que tem, disse ao país que aquela contratação não era um fato à medida; a verdade é que quando [Sérgio Figueiredo] se mostrou indisponível, o Ministério das Finanças entendeu que aquela função não era necessária. Estamos conversados”, insistiu.
O líder do PSD passou depois pelos “episódios lamentáveis” que envolver a ministra da Agricultura e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP); a intervenção da secretária de Estado da Proteção Civil sobre os incêndios; as desculpas dadas pelo ministro da Educação sobre a falta de professores no arranque do ano letivo; ou ainda a descoordenação do ministro da Economia e o resto do Governo sobre a descida transversal do IRC — que não vai sair do papel.
“Perderam completamente a noção da justiça social”
Continuando a discorrer críticas à governação socialista, Luís Montenegro centrou-se durante alguns momentos na solução encontrada por António Costa para as pensões e que resulta, em termos práticos, num corte de mil milhões no sistema de pensões.
Além de condenar mais uma vez a “habilidade de retórica para não assumir aquilo que fez aos pensionistas e reformados”, Montenegro voltou a usar um argumento já ensaiado pelo PSD: ao garantir um apoio idêntico para os pensionistas (os que ganham menos, mas também os que ganham mais) o Governo “perdeu completamente a noção da justiça social”. “Isto é intolerável“, atirou o líder social-democrata.
Na mesma linha, o presidente do PSD criticou a falta de respostas na questão do alojamento para estudantes, depois de sucessivas promessas feitas de que iam resolver o problema. “Os socialistas deviam ter vergonha. E este primeiro-ministro devia ter vergonha a dobrar”, insistiu.
“Vamos manter a nossa postura. Vamos manter este caminho. Vamos marcar a ação e omissão do Governo. Não há nada que nos demova. Vamos estar sempre que o Governo falhar. Mas também não vamos estar só nisso. Queremos ser alternativa“, continuou Montenegro para enquadrar a posição assumida pelo PSD na questão do aeroporto.
Com o ‘bloco central’ a sofrer muitas críticas por ter perdido tanto tempo apenas e só a desenhar uma metodologia que, nas melhores perspetivas, chegará a uma conclusão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa daqui a um ano, o presidente social-democrata tentou justificar a decisão do PSD com a inação do PS.
“Dissemos quais eram as balizas para que se definisse uma metodologia e perguntam: ‘Tanto trabalho para chegar à metodologia?’ O Governo nem a metodologia conseguiu fazer em sete anos”, insurgiu-se Montenegro.
“Sempre que for necessário pormos o interesse nacional à frente, não nos vamos eximir de responsabilidades. Quando for preciso encarreirar o Governo para fazer, estaremos cá. Mas é para fazer bem e a bem de Portugal”, disse ainda o líder social-democrata.
Direção devolve poder às concelhias. “Estão a blindar o aparelho”
Além da primeira intervenção de Montenegro junto dos conselheiros nacionais, outro motivo de interesse deste Conselho Nacional era a aprovação dos novos regulamentos para admissão de militantes — alteração que foi aprovada por unanimidade, mas que promete provocar urticária no aparelho social-democrata.
Em causa, está a revogação de uma regra da era de Rui Rio que retirava poder às concelhias no momento de admissão de militantes e que dava ao secretário-geral em funções a última palavra. Exemplo prático: se 60 militantes entregassem a ficha de inscrição na concelhia A, a estrutura poderia, se assim o entendesse, vetar essas inscrições; se a distrital dissesse nada em sentido contrário, o caso chegaria à mesa do secretário-geral que poderia contornar a decisão da concelhia e aprovar a entrada desses mesmos 60 militantes.
Esta alteração, aparentemente anódina, tinha um resultado prático: as estruturas concelhias, sobretudo as mais pequenas, poderiam ser rapidamente tomadas por um conjunto de militantes e perder o controlo político.
Dependendo da sensibilidade de quem olhasse para a regra agora revogada, havia duas leituras possíveis: os que concordavam com ela argumentaram sempre que era uma forma de impedir que as concelhias boicotassem a entrada de sangue fresco e perpetuassem um conjunto de pessoas no poder; os que sempre criticaram a regra alegavam que dava um poder discricionário ao secretário-geral em funções.
Ora, agora vai passar a ser diferente: Hugo Soares, sucessor de José Silvano, deixa de poder ultrapassar o veto das concelhias, mas as estruturas que decidam impedir entrada de militantes devem comunicar ao secretário-geral, que, por sua vez, pode ou não entregar o caso ao Conselho de Jurisdição Nacional (CJN) – o tribunal do partido. Será este órgão a tomar a decisão final.
“É um retrocesso total. As concelhias passam a poder boicotar tudo. A direção está blindar o aparelho”, lamenta um social-democrata. “É o regresso da normalidade. A regra anterior violava os estatutos. O secretário-geral não tem aquela competência”, defende-se um elemento da direção social-democrata. Seja como for, há um dado indesmentível: o poder das concelhias, maioritariamente alinhadas com a atual direção, aumenta com este novo regulamento.
Durante a era Rui Rio, o então presidente do CNJ do PSD, Paulo Colaço, manifestou-se várias vezes contra decisões da direção social-democrata. Neste caso concreto, chegou mesmo a emitir um parecer onde se argumentava claramente que “nunca o secretário-Geral do PSD teve competências na admissão de novos militantes”. As alterações agora introduzidas vão nesse sentido.
Existem outras regras adotadas durante a era Rio que desaparecem com este novo regulamento. Desde logo, os sociais-democratas que desejam reativar a militância (fica automaticamente suspensa depois de dois anos sem pagar quotas) deixam de estar obrigados a entregar um comprovativo de morada com menos de três meses e de telemóvel em nome próprio.
Segundo a atual direção do partido, a revogação destas regras é uma forma de retirar obstáculos a todos aqueles que, depois de regularizarem os montantes em falta, queiram voltar a gozar de todos os direitos previstos nos estatutos do partido.
A direção de Rio tinha, naturalmente, outro entendimento: as regras agora revogadas tinham como objetivo evitar episódios documentados de fraude eleitoral interna, como concentração de várias dezenas de militantes inscritos na mesma casa. Seja como for, não foi neste Conselho Nacional que os críticos internos deram a cara pelo descontentamento.