Foi um dos mais importantes cinemas de Lisboa, mas a sua história parece mesmo ter chegado ao fim. Parecia haver esperança para o Monumental, quando o edifício no Saldanha encerrou para obras em 2019. Na altura, o produtor Paulo Branco, responsável pela gestão da sala desde o início da década de 90, garantiu que a sua Medeia Filmes poderia regressar ao local. Esta semana, porém, a atual proprietária do prédio, a Merlin Properties, confirmou ao Observador que não existe viabilidade para reabrir o cinema — nem considera mesmo a hipótese de trabalhar com um novo operador. Sendo assim, é o fim definitivo de uma era.
“Infelizmente, estou de acordo. Neste momento não há condições para se reativar uma sala como o Monumental”, explica Paulo Branco ao Observador. “Não há público que consiga compensar o investimento enorme que seria necessário. Infelizmente, a atividade cinematográfica nunca compensaria voltar a abrir aquelas salas. Na altura tinha de fazer um discurso positivo, não gosto de enterros. Mas a certa altura agarrei-me ao Nimas e tento fazer lá aquilo que fazia nas quatro salas do Monumental.”
A grande maioria do edifício do Monumental está, desde janeiro, a funcionar como escritórios do BPI. A intervenção que decorreu nos últimos anos focou-se nesta parte do prédio, não tendo havido quaisquer obras na zona dos cinemas. “Os espaços permanecem vazios e atualmente não são utilizados”, adiantou a empresa espanhola que detém o edifício. É esta, então, a terceira vida do Monumental: sem cinema nem atividades culturais, depois de um passado que marcou a vida cultural de Lisboa.
O Monumental como grandiosa sala da metrópole
Para contarmos a história do Monumental, temos de recuar até 1943. No dia 24 de março desse ano, o então ministro da Educação Nacional, Mário de Figueiredo, propunha, através de um despacho, a criação de “uma casa de espetáculos como ainda não há em Lisboa”, com “salas independentes para teatro de declamação ou música ligeira, concertos e cinema”.
Três anos depois, era aprovada a construção, com um projeto de arquitetura assinado por Raúl Rodrigues Lima. O arquiteto herdava algumas das ideias do Modernismo Português, movimento que ficou associado ao Estado Novo. No topo do edifício, existia uma esfera armilar, símbolo usado com frequência pela ditadura. No interior deste sumptuoso cinema-palácio, que transmitia uma sensação de grandiosidade e requinte, havia pinturas de Maria Keil e esculturas de Euclides Vaz. Com uma decoração idealizada por José Espinho, o prédio continha apontamentos dourados, partes em mármore, lustres imponentes e escadarias majestosas.
O Cine-Teatro Monumental abriu então a 8 de novembro de 1951. Consistia numa ampla sala de cinema, com cerca de 2000 lugares, com uma tela de alta tecnologia; e uma sala de teatro, com capacidade para mais de 1000 pessoas. O primeiro filme exibido ali foi “O Facho e a Flecha”, de Jacques Tourneur. Já a sala de teatro foi inaugurada com “As Três Valsas”, uma opereta protagonizada por João Villaret e Laura Alves.
Esta atriz, aliás, era casada com Vasco Morgado, empresário do mundo do espetáculo que arrendou o teatro do Monumental para gerir a programação do espaço. Por sua vez, a sala de cinema ficou ligada ao proprietário do edifício, o major Horácio Pimentel, um dos responsáveis pela distribuidora Espetáculos Rivus.
Naquela época, os salões do Monumental tornaram-se um ponto de encontro para a burguesia lisboeta, um lugar de convívio exclusivo já que cada piso tinha o seu espaço privado, só acessível aos portadores de bilhete. De “My Fair Lady” a “Ben-Hur”, passando por “West Side Story” ou “2001 — Odisseia no Espaço”, foram muitos os clássicos do cinema que por ali passaram, ainda que estivessem sujeitos ao crivo da censura. E não só de operetas se fez a programação dos espetáculos ao vivo: ali havia teatro de revista, concursos ou concertos. Charles Aznavour, Sylvie Vartan e Rita Pavone foram alguns dos nomes que atuaram por lá. O Monumental também acolheu, por exemplo, o concurso O Rei do Twist (1963) ou o Grande Concurso de Yé-Yé (1965-66), eventos importantes para cimentar aquilo que viria a ser o rock português.
A 25 de fevereiro de 1971, 20 anos após a inauguração, abria uma nova sala no último andar do edifício, substituindo desta forma o salão de festas, que entretanto já tinha passado a salão de chá. A Satélite tinha 208 lugares e apresentava uma programação mais desafiante e autoral, para um público especializado. Esta sala foi inaugurada com o filme francês “As Coisas da Vida”, de Claude Sautet. Já depois da revolução do 25 de Abril, o Monumental foi onde estreou o primeiro “Star Wars” (1977) em Portugal. E o café-restaurante manteve-se um espaço importante, frequentado por intelectuais, artistas e estudantes da cidade.
Vindo da Figueira da Foz, João Mário Grilo — hoje realizador, autor e professor de cinema — chegou a visitar o antigo Cine-Teatro Monumental no início dos anos 80. Confessa que preferia outras salas, já que na altura considerava que o Monumental (bem como o Éden, o Condes e o Império) fazia parte de um “conjunto fascistóide”, com “programações em geral medíocres”. “Era o cinema do Cantinflas e da ‘Música no Coração’ e de produtos familiares semelhantes. Mas, caramba, o Monumental também foi o cinema de estreia do ‘Chaimite’!”, ressalva.
Não sendo um admirador dos filmes que por lá passavam na altura, assume-se como um “grande nostálgico” das dimensões do ecrã, já que, depois do encerramento e da construção do novo edifício, tudo mudou.
“O pé direito do Monumental dava para lá meter dentro pelo menos dois andares. O que lhe aconteceu foi o que aconteceu à esmagadora maioria das salas de cinema por esse mundo fora: cortar as salas ao meio, o que equivale, também, a cortar o cinema pela metade. O cinema foi-se acomodando como pôde ao negócio do imobiliário e as imagens tornaram-se cada vez mais horizontais, quando a verdadeira desmesura do cinema acontece na verticalidade. Hoje, já quase ninguém sabe tratar a verticalidade porque isso é uma dimensão que o cinema deixou de reconhecer.”
A cineasta Teresa Villaverde, nascida em Lisboa em 1966, também chegou a conhecer o antigo Cine-Teatro Monumental. “Ir ao cinema era todo um evento. Chegava-se antes da hora, os ecrãs eram enormes. Eram tapados por cortinas, como nos teatros. Às cortinas estavam cosidos panos de diferentes tamanhos fazendo publicidade aos mais diversos produtos. Quando estávamos sentados, era um jogo comum, uma pessoa dizia uma palavra que tinha encontrado escrita num desses panos e os outros tinham que descobrir onde estava essa palavra. Havia um toque para avisar que o filme ia começar e abriam-se as cortinas e ficava tudo escuro. Para uma criança, toda aquela magia da espera fazia com que todos os filmes fossem bons. E havia a consciência de que não estávamos sozinhos: estávamos centenas, calados, a olhar para o mesmo lugar. O Monumental era uma dessas salas. Foi muito triste quando, uma a uma, essas salas foram desaparecendo. Imaginem, o edifício que existia no espaço onde é hoje o Monumental era uma sala de cinema e mais nada. Aliás, não era uma sala de cinema: era um cinema. Nem havia, acho, a expressão ‘sala de cinema’.”
Nos anos 70 e início dos anos 80, os problemas económicos que atormentavam o país — que chegou a pedir o apoio do FMI em 1977 e 1983 — também atingiram os grandes espaços culturais como o Monumental. Por outro lado, havia pequenas salas a aparecer por toda a cidade, e a era dos videoclubes estava prestes a começar. Além disso, o crescimento exponencial da televisão desafiava a hegemonia dos grandes cinemas. E não era fácil pensar numa programação eficaz que atraísse público suficiente para ocupar regularmente as duas grandes salas.
O mesmo arquiteto Raúl Rodrigues Lima chegou a projetar uma remodelação para adaptar o Monumental aos novos hábitos do público, de forma a repartir a grande sala de cinema por várias mais pequenas — o modelo que, de facto, iria vingar — mas a valorização do terreno no centro de Lisboa acabou por se sobrepor.
As salas fecharam em 1983 e o edifício acabou mesmo por ser demolido no ano seguinte, de forma a construir-se um Monumental moderno e com outras características. Apesar de muitos protestos nas ruas e na justiça — com múltiplos pareceres, embargos e providências cautelares pelo meio — o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Nuno Krus Abecasis, aprovou a demolição. Ainda que uma decisão do Tribunal Administrativo tenha ordenado a interrupção do processo, era tarde demais: o edifício já estava a ser destruído e de nada serviu esta intervenção tardia da justiça. O último filme exibido foi “O Vale Perdido”, de James Clavell.
Em miúdo, o próprio Paulo Branco, nascido em Lisboa há 73 anos, frequentava o antigo Cine-Teatro Monumental. “Toda a gente se queixa, mas já ninguém ia ao Monumental no final. Essas salas grandes estavam desertas. É muito fácil criticar que se deitou abaixo e que o Éden foi transformado naquilo que foi, mas as pessoas deixaram de ir a essas salas. Nos últimos anos do Monumental, se lá encontrássemos 20 pessoas, já era um milagre. Tem de se ter essa noção.”
A segunda vida do Monumental: a influência para as gerações de 70 e 80
Quase 10 anos após a demolição, em 1993 era inaugurado um edifício espelhado no lugar do antigo Cine-Teatro Monumental. Era agora um prédio com escritórios e lojas, construído para ser financeiramente mais viável, numa altura em que as grandes superfícies estavam em crescimento. Ali passaram a existir quatro salas de cinema — com 800 lugares, no total — que foram exploradas pela Medeia Filmes, de Paulo Branco. A maior sala tinha capacidade para 378 pessoas, mantendo-se como uma das maiores de Lisboa. O complexo foi projetado pelos arquitetos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira.
Paulo Branco, um dos mais importantes produtores das últimas décadas no cinema nacional, tinha começado o seu percurso enquanto exibidor na Paris dos anos 70. Depois, repetiu a façanha em Portugal, quando percebeu que existia uma lacuna no mercado. “Um dia olho para os jornais e só vejo filmes americanos. Durante muito tempo não havia filmes europeus. E, como tinha a experiência e sabia que havia espaço, foi aí que me lancei.”
Começou por explorar a sala do Fórum Picoas, antes de tomar conta do King, junto da Avenida de Roma, que foi um verdadeiro sucesso. “Provou-se que havia uma apetência, um público. E depois houve a hipótese de alargar a oferta no Monumental. No fundo, sermos uma cidade próxima da Europa em termos de oferta cinematográfica. E isso aconteceu.”
Durante os anos 90, o Monumental afirmou-se como um dos principais cinemas na capital portuguesa — antes do boom dos complexos de cinema nos centros comerciais —, mantendo uma programação que equilibrava filmes dos grandes estúdios de Hollywood com cinema de autor e independente de diversas origens.
“Salvei o ‘Crash’ [de David Cronenberg] no Monumental. Era um filme que estava absolutamente condenado a não estrear em sala no mundo inteiro, tirando em França. A Columbia não acreditava no filme. E foi uma enorme insistência minha, e lá me deixaram estreá-lo em Portugal. E aquilo foi uma tal loucura que a Columbia permitiu que o filme estreasse noutros territórios. E isso aconteceu com outros filmes. A programação sempre foi algo de que gostei, e sempre tive alguma intuição para o fazer. Foi a grande época do Monumental.”
Paulo Branco considera que o papel do Monumental e do King terá sido “decisivo” para “ainda haver cinefilia” em Portugal. “Para se verem filmes que estavam condenados a não serem vistos. É preciso não esquecer de que o [Pedro] Almodóvar, o [Nanni] Moretti, e todos esses realizadores, foi através destes cinemas que eles tiveram um impacto único.”
O distribuidor e exibidor não consegue escolher um momento em particular que mais o tenha marcado, tendo em conta a quantidade de sessões que fez por lá. “Houve tantos momentos, tantas pessoas que foram lá… Quando o Bernardo Bertolucci lá foi, quando a Catherine Deneuve lá foi, quando essas pessoas lá iam, com as salas a abarrotar…”
Nos anos de ouro, durante a década de 90, houve uma vasta geração de cineastas e atores que cresceram a ir àquelas salas. “São salas como o Monumental que são responsáveis por eu me ter tornado realizadora”, conta ao Observador a cineasta e atriz Ana Rocha de Sousa.
“Tenho muitas memórias do Monumental, porque acompanhou a minha adolescência, tal como outros cinemas que entretanto desapareceram. Eram lugares muito importantes para a vida cultural da cidade. Enfim, para mim é realmente um luto perder lugares assim”, diz a lisboeta que hoje tem 44 anos. “Tenho uma memória específica do Monumental, relacionada com uma história de amor já antiga, que inclusive originou um casamento. E o cinema nunca é só cinema. Quando toca a vida das pessoas, não são só os filmes que se viram lá. São os momentos partilhados. Para lá dos filmes que lá passaram, são os filmes que lá vivemos.”
Com mais um ano de idade, Gonçalo Waddington cresceu em Cascais mas habituou-se a ir desde cedo, muitas vezes com o irmão mais velho, de propósito a Lisboa para ver filmes. “E obviamente vi muita coisa no Monumental”, recorda o ator e realizador. No Monumental terá assistido a produções como “O Ódio”, de Mathieu Kassovitz; “A Cidade das Crianças Perdidas”, de Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet; “Brincadeiras Perigosas”, de Michael Haneke; “Underground: Era Uma Vez Um País”, de Emir Kusturica; “Os Mutantes”, de Teresa Villaverde; ou “Twin Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer”, de David Lynch. “Aquilo está ligado, obviamente, à minha formação como pessoa, cidadão, ator e artista.”
Enquanto profissional, recorda-se sobretudo da estreia de “As Mil e Uma Noites”, de Miguel Gomes, em 2015. “Estava lá com o Miguel, muitos dos atores que entraram no filme e com a equipa toda da [produtora] O Som e a Fúria. E fui a muitas conversas com o público, de filmes que fiz ou de filmes aos quais assisti. Muitas delas, inclusive, eram moderadas pelo próprio Paulo Branco. Lembro-me, obviamente, das sessões do LEFFEST. Sem saudosismos bacocos, foi um local muito importante para mim.”
Vicente Alves do Ó também ia de propósito a Lisboa, e ao Monumental, para ver filmes. Mas a viagem era mais longa. O futuro realizador partia de Sines. “Lembro-me perfeitamente da abertura do Monumental, tal como da abertura do King. Era o início dos anos 90, quando o Paulo Branco abriu uma série de salas que nos possibilitaram ver uma maior diversidade de cinema. Foi muito importante e educou muita gente”, defende o cineasta de 51 anos.
Alves do Ó sentiu-se “completamente destruído” quando lá viu “A Idade da Inocência”, de Martin Scorsese. E lembra-se de ficar “maravilhado” com “Parque Jurássico”, de Steven Spielberg. “Tanto que até fui ver duas vezes de seguida!” Também assistiu ali a várias produções de Pedro Almodóvar e descobriu pérolas do cinema asiático.
“De repente, uma geração teve acesso a todo outro tipo de cinema. Num sítio tão central, com aquelas salas todas, era algo que tentava entrar na vida normal das pessoas. Ou seja, não era uma coisa de nicho, fechada lá num buraco, num bairro escondido. Era levar o que estava no nicho para o mainstream. Foi uma lufada de ar fresco no panorama nacional.”
Margarida Gil, cineasta histórica com 72 anos, chegou a frequentar os dois Monumentais. “A ganância foi matando tudo”, argumenta. “Depois, o Paulo Branco tentou e aí estrearam filmes maravilhosos: ‘O Rio do Ouro’, do Paulo Rocha, e tantos. Não gosto de olhar para trás, mas ainda ouço a música do genérico final do ‘Apocalypse Now’, as ‘Badaladas da Meia-Noite’ do Orson Welles, o ‘Trás-os-Montes’ do António Reis e da Margarida Cordeiro.”
Embora seja natural do Porto, o realizador Tiago Guedes também desenvolveu uma “relação próxima” com o Monumental quando se mudou para Lisboa em meados dos anos 90. “Foi, sem dúvida, a sala de cinema que mais frequentei.” O cineasta de 52 anos destaca a “seleção interessante”, “feita com curadoria”, que permitia ter uma programação “diversa”. “Aquilo dava-te oportunidades que os multiplexes não davam.”
Enquanto profissional, foi ali que Tiago Guedes estreou, pelo menos, “Entre os Dedos” (2008) e “A Herdade” (2019), sendo que ambos também foram produzidos por Paulo Branco. O Monumental foi tão importante para Tiago Guedes que, no filme “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas” (2019), decidiu prestar uma “pequena homenagem” ao espaço, prestes a fechar portas por tempo indefinido, para a realização de obras, numa altura que já se adivinhava que poderia nunca voltar ao ativo.
“Consegui pô-lo no fundo de um dos momentos do filme. Nem me estava a dar jeito, mas tive de forçar o enquadramento, porque para nós era importante. Aquilo entrou para obras e havia a clara sensação de que não voltaria a abrir. Depois, o Paulo confirmou que desmontaram completamente as salas. Portanto, este luto já o fiz há uns tempos.”
Em dezembro de 2018, Paulo Branco justificava o potencial fim das salas de cinema no Monumental com a “quebra dramática de espectadores” e a impossibilidade de a atividade cinematográfica conseguir pagar a renda, embora tenha salientado a compreensão dos proprietários durante largos anos. Nada se comparava àquilo que tinha sido a vida daquele cinema durante os anos 90 e o início dos 2000.
“Aquilo era uma tal loucura que as sessões da meia-noite esgotavam e nós fazíamos sessões às duas da manhã, à sexta-feira e ao sábado. E tínhamos muita gente. Mas era completamente diferente, as pessoas agora à noite… Algumas gerações já não saem, tornaram-se conformistas. Na altura, havia uma movida e uma procura por atos culturais. Havia o prazer de ir, de conviver.”
A perda de espaços de cultura (e memória) como o Monumental
A queda dos cinemas históricos no centro das cidades revelou-se uma tendência global nas últimas décadas. Os centros comerciais passaram a ser o local primordial para o público ir ao cinema. Posteriormente, os DVD, os downloads ilegais e, depois, as plataformas de streaming, enfraqueceram todo o setor da exibição de cinema.
No caso específico do Monumental, Vicente Alves do Ó argumenta que o aparecimento do El Corte Inglés naquela zona de Lisboa, em 2001, terá sido um fator essencial para a sua perda de relevância. “Quando abre, o El Corte Inglés tinha 10 salas. Estava virado para um público de classe média-alta e tinha um serviço mais cuidado. E estas coisas contam. As salas lá são muito confortáveis. Têm uma programação distinta, com filmes à tarde e à noite, diferente dos outros shoppings. Foi muito difícil para o Monumental combater aquilo.”
Paulo Branco dá-lhe razão. “Com a abertura do El Corte Inglés, as coisas começaram a complicar-se. Tentei dar o salto para o circuito multiplex e as coisas não correram bem [o produtor refere-se aos casos do Freeport de Alcochete e do Feira Nova de Santarém]. Ao mesmo tempo, começou a haver a grande concorrência dos canais por cabo, as plataformas, não foi fácil.”
Alves do Ó recorda que o Monumental “já não estava nas melhores condições” quando o visitou pela última vez, na estreia de “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar, em 2019. “A sala estava lotada, mas havia cadeiras partidas e houve gente a sair porque o ar condicionado estava estragado e as pessoas não estavam a aguentar o calor. Já não estava no seu melhor e falava-se disso.”
Em comparação com o que existe hoje, em termos de programação diferenciada, Tiago Guedes salienta o facto de o Monumental ter várias salas, o que permitia uma programação mais alargada do que existe, por exemplo, no Nimas, no Ideal ou no Cinema Fernando Lopes, na Universidade Lusófona. “Fiquei com pena e acho que se perdeu muito quando fechou. Como eram várias salas, isso perdeu-se, claramente. E está cada vez mais difícil, pois estamos a perder espectadores em todas as frentes. Tenho uma esperança romântica de que estes cinemas não acabem, porque acho que nada substitui a experiência da sala, deste tipo de programações e de filmes diferentes e desafiantes, que nos enriquecem, que não são apenas mero entretenimento, que não são apenas uma forma de ocuparmos o tempo e de nos esquecermos de que existimos. É muito importante que se mantenha e acho que essa busca vai continuar. Porque ver em casa não é a mesma coisa.”
Ana Rocha de Sousa encara esta mudança com “apreensão”. “Todas as alterações profundas mexem com crenças, rituais e uma vivência muito estabelecida daquilo que se conhecia. Se calhar também é sinónimo de estarmos a ficar mais velhos, porque todas as gerações passam por grandes transformações. Mas continuemos com o Nimas, por favor. Não deixemos que isto aconteça a todos esses lugares. São esses lugares que transformam vidas. Acho muito difícil que um monitor em casa consiga alguma vez ter a mesma influência e impacto na vida das pessoas.”
Já Teresa Villaverde considera que a diversidade no cinema é de “uma importância capital” e que aquilo a que assistimos tem sido uma “involução”. “Agora temos o streaming, a ausência de partilha, de escuridão, do não saber o que vem lá. Eu acho que a ausência da magia na nossa vida paga-se cara. A ausência da magia e da partilha nas vidas das crianças paga-se caríssima. Depois queixam-se de as crianças hoje viverem agarradas aos telefones, de não saberem brincar. Nunca relacionamos umas coisas com as outras. As salas de cinema não deviam fechar, deviam abrir. Deviam poder ter bilhetes mais baratos para famílias inteiras poderem ir juntas. O Monumental já não era como eu o conhecia, mas é um crime fechar mais salas de cinema.”
Paulo Branco tem uma visão mais pragmática do assunto. “As elites falam muito do Monumental, mas pôr lá os pés está quieto. Quando se encerra uma sala, chora tudo. Mas durante 20 anos não puseram lá os pés. É sempre assim, é o país que temos.” O exibidor haveria ainda de programar as salas do Saldanha Residence, do Ávila e mantém a sua atividade no Nimas, também na zona das Avenidas Novas. Hoje, a Medeia Filmes também está presente em salas do Porto, Setúbal, Coimbra, Figueira da Foz e Braga.
“O Nimas tornou-se numa sala de êxito. Faço mais espectadores agora do que alguma vez fiz. É a sala que, face à respetiva dimensão, mais espectadores faz em Portugal. Este ano subimos mais de 60% os números que tínhamos antes da pandemia”, adianta. “Significa que há um público. Vou-me batendo para que o Nimas continue a mostrar filmes e com gente — porque salas vazias não interessam a ninguém. E voltei a ter aquele prazer de ter uma sala e construir uma programação como tive nos anos 70 em Paris. Tentarei sempre ter a intuição de perceber o que as pessoas gostarão de descobrir. De resto, não podemos ser saudosistas. As coisas existem no seu tempo. E agora vamos continuar. A relação com o cinema continua a existir e isso é o importante.”