O que é eutanásia? E suicídio medicamente assistido? Qual a diferença entre estes dois conceitos? Ambos se enquadram na morte medicamente assistida? O que significam ortotanásia e distanásia? A dias de novo debate e votação da despenalização da eutanásia, importa esclarecer os conceitos-chave sobre este tema — até porque a terminologia utilizada difere consoante os cinco partidos que apresentaram as propostas que vão a debate.
Eutanásia pode mesmo ser aprovada. O que querem os partidos?
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), no documento “Suicídio Ajudado e Eutanásia [morte provocada a pedido] — Terminologia e Sistemática de Argumentos”, apresenta um glossário, cujas definições são retiradas de diversos estudos e obras ligadas à morte medicamente assistida.
Mas será que os lados a favor e contra olham da mesma forma para palavras-chave como eutanásia, morte medicamente assistida, suicídio medicamente assistido, vida, morte e sofrimento, entre outras?
Gilberto Couto, médico especialista em Gastroenterologia e autor do livro “A Eutanásia Descodificada: um guia para o debate/referendo” — defensor da morte medicamente assistida — e o professor catedrático e antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Germano de Sousa — opositor da prática — deram as suas definições para 13 dos conceitos mais utilizados. E não, não têm a mesma perspectiva sobre eles.
Cuidados Paliativos
Comecemos por ver como define o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) os cuidados paliativos. Resumidamente, trata-se de prestar bem-estar e qualidade de vida, “através da prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual” aos doentes. Mas o conceito difere ligeiramente consoante Gilberto Couto, defensor da morte assistida, ou Germano Sousa, médico anti-eutanásia.
Cuidados ativos, coordenados e globais, prestados por unidades e equipas específicas, em internamento ou no domicílio, a doentes em situação em sofrimento decorrente de doença incurável ou grave, em fase avançada e progressiva, assim como às suas famílias, com o principal objetivo de promover o seu bem-estar e a sua qualidade de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, com base na identificação precoce e do tratamento rigoroso da dor e outros problemas físicos, mas também psicossociais e espirituais.”
São os cuidados devidos ao doente grave (e sua família) com uma lesão definitiva ou uma patologia crónica especialmente disruptiva e/ou terminal.”
Os cuidados paliativos são prestados em unidades hospitalares (públicas e privadas) por equipas especializadas compostas por médicos, enfermeiros, psicólogos e até assistentes religiosos, que acompanham os pacientes sofrendo de doenças terminais e visam dar-lhes um fim de vida digno e com a melhor qualidade possível, através do controlo da dor e da prevenção e alívio do sofrimento físico e psicológico, preparando-os para aceitarem a finitude.”
Decisão de abstenção ou suspensão terapêutica
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida define claramente que se trata de interromper ou suspender tratamentos desnecessários, seja ou não por pedido do doente. Gilberto Couto, favorável à eutanásia concorda, mas Germano Sousa lembra que esse direito do doente “termina quando pretende obrigar o médico a abreviar-lhe a vida”.
Não iniciar (abstenção) ou interromper (suspensão) uma medida terapêutica inútil ou desproporcionada, por causa da futilidade ou a pedido voluntário e competente dessa pessoa.”
Parar ou não começar uma terapêutica que se presumiria adequada não fosse o caso do doente não querer (‘recusa terapêutica’ ou dissentimento) ou da equipa médica entender que o seu uso pode ser desproporcional em termos de ratio vantagens/desvantagens para o doente (‘limitação do esforço ou obstinação terapêuticas’).”
Se a pedido do doente quando lúcido, é dever ético e deontológico do médico cumprir rigorosamente essa vontade. Se o doente não estiver lúcido, mas tal vontade estiver expressa na sua Diretiva Antecipada de Vontade (Testamento Vital), o médico tem identicamente o dever ético e deontológico de cumprir a vontade do doente da forma que estiver expressa no documento. Estes deveres éticos e deontológicos decorrem do princípio bioético da autonomia do doente. A suspensão ou abstenção terapêutica só pode ocorrer por decisão do médico, quando este verificar que qualquer intervenção desse tipo é completamente ineficaz e que, a partir daí, a sua intervenção configura obstinação terapêutica (distanásia). Não é demais frisar, porém, que a autonomia do doente (também erroneamente chamada eutanásia passiva) é um direito absoluto em relação a si mesmo. Isto é, começa quando proíbe o médico de lhe administrar qualquer terapêutica e termina quando pretende obrigar o médico a abreviar-lhe a vida.”
Distanásia
Neste caso o conceito refere-se ao uso de terapêutica exagerada e desnecessária, com efeitos mais nocivos do que benéficos para o doente. Aqui ambos os médicos, pró e contra eutanásia, concordam que se trata algo fútil, com Germano Sousa a dizer mesmo que isso prolonga o sofrimento do paciente e que os médicos que a praticam incorrem em faltas deontológicas graves.
Prolongamento exagerado da morte de um doente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo da morte. (…) Consiste no uso de processos terapêuticos cujo efeito é mais nocivo do que o mal a curar, ou inútil, porque a cura é impossível e o benefício esperado é menor que os inconvenientes previsíveis.”
Também conhecida como encarniçamento ou obstinação terapêutica, refere-se à utilização de meios — onde se incluem medicamentos e tecnologias, por exemplo — que prolongam artificialmente a vida do doente sem que haja benefícios (em quantidade e/ou qualidade de vida acrescentados) face ao sofrimento provocado. Também referida como ‘tratamento fútil, desproporcionado ou extraordinário’.”
É a obstinação terapêutica. Isto é, o prolongar da vida sem esperança de recuperação, submetendo o doente a um sofrimento desnecessário. O médico que a pratica incorre em falta deontológica muito grave.”
Eutanásia
Seguramente o conceito mais polémico e que mais divisões causa. O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida define-o, resumidamente, como o ato médico destinado a pôr termo à vida de um doente. Gilberto Couto prolonga as explicações para dizer que em seu entender “da boa prática médica de hoje faz parte abreviar a morte do doente — idealmente sempre com o seu consentimento”. Germano de Sousa tem uma opinião absolutamente em sentido contrário: “Nada mais é do que tirar a vida a outrem”, diz e que um médico que a pratica “incorre em falta ética e deontológica muito grave”.
Ato médico destinado a pôr termo à vida de um doente na sequência do seu pedido persistente, cuidadosamente considerado e voluntário, a fim de aliviar sofrimento insuportável.”
Em sentido lato significa ajudar a abreviar (ou antecipar) a morte a pedido do doente, nas condições exigidas na lei. Pode ser auto-administrada, quando o médico passa a receita do medicamento letal e o doente vai para casa e o toma, quando e se quiser (‘suicídio medicamente assistido’); ou hetero-administrada, quando um médico (geralmente) administra ao doente a medicação letal (‘eutanásia voluntária ativa ou direta’ propriamente dita).
Por contraposição, pergunta-se, existem então formas de eutanásia não voluntárias, passivas e indiretas? Sim.
Da boa prática médica de hoje faz parte abreviar a morte (recusam chamar-lhe eutanásia) do doente — idealmente sempre com o seu consentimento — nas situações que configuram 1) um tratamento distanásico em curso (exemplo, retirar do ventilador ou dar uma ordem para não reanimar) [‘eutanásia voluntária passiva’] ou 2) um sofrimento horrível e disruptivo com necessidade de sobre-escalada medicamentosa (exemplo, overdose de opiáceo em doente com dor intensa ou falta de ar) [‘eutanásia voluntária indireta’ ou ‘duplo efeito’]. Se o doente não consentiu, estas formas de eutanásia passiva e indireta podem ser eticamente censuráveis conquanto discricionárias ou unilaterais. Se o doente não pode consentir de todo (exemplo, recém-nascido) trata-se de ‘eutanásia não voluntária’.”
Mesmo quando eufemisticamente designada de morte assistida, é a morte intencionalmente provocada a um seu paciente por um médico, a pedido daquele. Nada mais é do que tirar a vida a outrem, seja qual for a razão ou a idade. O médico que é fautor de eutanásia incorre em falta ética e deontológica muito grave.”
Morte medicamente assistida
Outro dos conceitos polémicos, que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida define como “o envolvimento médico em medidas concebidas intencionalmente para pôr fim à vida de uma pessoa”. E que também coloca em confronto Gilberto Couto e Germano Sousa: o primeiro diz apenas que se trata de “um dos termos propostos para a ajuda (médica) ao morrer a pedido do doente”; o segundo que é um “eufemismo inventado pelos defensores da eutanásia para ‘colorirem’ o odioso que o termo eutanásia tem”.
O envolvimento médico em medidas concebidas intencionalmente para pôr fim à vida de uma pessoa. Pode incluir que se transmitam a essa pessoa, consciente e intencionalmente, conhecimentos e/ou meios necessários para que termine a sua vida, incluindo o aconselhamento sobre doses letais de fármacos e a prescrição dessas doses ou o fornecimento das mesmas. A administração do fármaco pode ser feita pela própria pessoa (suicídio medicamente ajudado) ou pelo médico ou outro profissional (eutanásia).”
É um dos termos propostos para a ajuda (médica) ao morrer a pedido do doente, nas formas auto ou hetero-administradas, como referido antes. O termo ‘morte assistida’ é mais genérico e pode incluir, assim, os casos de ‘suicídio assistido’, legalmente praticados apenas na Suíça (não é necessária a intervenção de um médico).”
Eufemismo inventado pelos defensores da eutanásia para ‘colorirem’ o odioso que o termo eutanásia tem. Recordo que, excetuando os que morrem em casa ou na rua de acidente, todos os que morrem nos hospitais e instituições similares morrem assistidos por médicos ou enfermeiros e alguns em unidades de cuidados paliativos e têm, portanto, uma ‘morte medicamente assistida’. Seria bom que os defensores da eutanásia passassem a ‘chamar o boi pelos nomes’, deixando-se de disfarces que podem levar ao engano os mais incautos.”
Suicídio medicamente assistido
Muitas vezes confundido com eutanásia, uma vez que é médico que fornece ao doente os meios (medicamentos) para terminar a vida. Aliás, Gilberto Couto defende o conceito nos mesmos termos que defende a eutanásia. E Germano Sousa critica-o de igual forma: “É, como a eutanásia, igualmente tirar a vida e é para o médico, uma falta ética e deontológica tão grave”.
Um médico intencionalmente ajuda uma pessoa a terminar a sua vida, fornecendo fármacos para auto-administração, a pedido da pessoa.”
Já referido a propósito da definição de eutanásia.”
É o suicídio com produtos farmacológicos, apoiado por médicos, sob qualquer argumento, mesmo o de aliviar sofrimento. É, como a eutanásia, igualmente tirar a vida e é para um médico, uma falta ética e deontológica tão grave como a eutanásia e a distanásia.”
Suicídio assistido
Neste caso, são dados ao doente os meios necessários para o suicídio, mas não há qualquer referência a médicos, como acontece no suicídio medicamente assistido. Gilberto Couto exemplifica com o caso das instituições suíças mais conhecidas onde ele se pratica, a Dignitas e o Exit. Germano de Sousa é mais uma vez bastante crítico, relembra o exemplo das seitas e diz que “a pessoa que assiste é”, em seu entender, “altamente condenável”.
Consiste em dar a uma pessoa os meios necessários para o suicídio, sendo o produto letal auto-administrado pela pessoa que comete suicídio.”
O praticado na Suíça, por associações especializadas, dentro de certas condições legais. Já referido antes. Com o apoio dessas associações cria-se o ambiente adequado para o doente tomar a medicação que porá fim à sua vida.”
Suicídio por fármacos apoiado por não médicos, sob qualquer argumento, mesmo o de aliviar sofrimento. Ou, como já aconteceu, o suicídio coletivo de seitas, por ingestão de veneno, por razões religiosas A pessoa que assiste é, em meu entender altamente condenável, mas a sua condenação penal respeitará o disposto na legislação do país.”
Obstinação diagnóstica e terapêutica
O Conselho de Ética faz uma distinção entre a obstinação diagnóstica e terapêutica e a distanásia, definindo o primeiro termo como procedimentos “desproporcionados e fúteis” e sem benefício para os doentes, mas sem referir se o doente está em fim de vida ou com uma doença terminal. Os dois médicos remetem para o significado de distanásia.
Os procedimentos diagnósticos e terapêuticos que são desproporcionados e fúteis, no contexto global de cada doente, sem que daí advenha qualquer benefício para o mesmo, e que podem, por si próprios, causar sofrimento acrescido.”
Qualquer intervenção médica que não sirva os interesses do doente (como referido antes a propósito da distanásia).”
Ver a definição de Distanásia.”
Ortotanásia
Neste caso, as definições dadas tanto pelo CNECV como pelos médicos pró e contra a morte medicamente não diferem. Gilberto Couto especifica que é o contrário de distanásia e Germano de Sousa esclarece que ortotanásia não é o mesmo que eutanásia.
Refere a morte ‘correta’ e no ‘seu tempo certo’, sem apressá-la através da eutanásia ou adiá-la pela distanásia.”
É todo o apoio legítimo e proporcional com vista ao conforto do doente na terminalidade (é a ‘morte normal’). O termo distanásia surge por oposição: quando o acompanhamento (médico) do doente que está a morrer é considerado inadequado.”
É a morte natural. No caso de um doente terminal em ambiente hospitalar, é a morte sem procedimentos invasivos que, por desnecessários, prolonguem artificialmente a vida. Não é eutanásia a aplicação de medicação ministrada com a intenção de diminuir o sofrimento do doente terminal, mesmo que contribua indiretamente para lhe abreviar a vida (mecanismo do duplo efeito). É ortotanásia.”
Sofrimento
O Conselho de Ética descreve o sofrimento como um “desconforto severo associado à ameaça à integridade da sua pessoa”, enquanto os médicos dão um cunho pessoal — e, mais uma vez, oposto. O especialista pró eutanásia acredita que o sofrimento é um “mal terrível” que justifica a “antecipação da morte a pedido”, mas o antigo bastonário considera que, com o avanço da medicina, a dor e o sofrimento físico tornaram-se “completamente controláveis”.
Estado de desconforto severo associado a uma ameaça à integridade da sua pessoa como ser biopsicossocial, envolvendo a construção de significados profundamente pessoais, acompanhados de uma forte carga afetiva e que são passíveis de modificar esse sofrimento.”
Para muitas religiões é um modo de expiação de um castigo ou de edificação da alma. Isto é, simultaneamente, negação da medicina e apologética do masoquismo. Para mim, o sofrimento é um mal terrível, que resulta da nossa debilidade como espécie na interação com um mundo natural contingente. Esta dor ou dependência ou sentimento de indignidade ou despropósito é sempre vivida ou experimentada de uma forma pessoal e intransmissível, dele resultando frequentemente uma alienação total do ser. Dizia Thomas Mann, em A montanha Mágica, quando sofremos somos só corpo. Este ‘controlo’ total do ser pelo sofrimento fala contra qualquer hipótese piedosa de uma ‘pedagogia da morte’ (impossível de todo em doentes dementes e inconscientes, por exemplo) e justifica, como entendo, a antecipação da morte a pedido em casos de sofrimento disruptivo.”
Fenómeno multidimensional com uma componente fisiológica, sensorial, afetiva, cognitiva, comportamental e sociocultural. Cada pessoa tem um significado próprio de dor marcado pelas particularidades do seu ser. Não há dor sem significação afetiva ou seja, sem sofrimento o qual varia de pessoa para pessoa. Graças à evolução da medicina, a dor e o sofrimento físicos são hoje completamente controláveis pelas terapêuticas atuais.”
Testamento Vital
Para o CNECV, é um documento onde a pessoa expressa a sua vontade relativamente aos cuidados de saúde que quer receber. Uma definição semelhante à de Germano de Sousa, acrescentando que a “Diretiva Antecipada de Vontade” é feita para o caso de o doente não conseguir decidir. Já Gilberto Couto descreve o testamento vital como “uma forma de evitar a distanásia ou mesmo antecipar a morte”.
Um documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.”
Também designado ‘diretiva antecipada de vontade’, estipula as situações clínicas em que um doente pode recusar certos tratamentos e/ou cuidados. É uma forma de evitar a distanásia ou mesmo antecipar a morte em situações não tipificadas antes. Por exemplo, se eu entrar em estado vegetativo persistente e o meu testamento vital disser que nestas circunstâncias não quero ser alimentado nem hidratado artificialmente, morro muito mais rapidamente. Desejaria que pudesse ir mais longe, como autorizar a eutanásia ativa em certas condições ainda que eu estivesse inconsciente.”
Diretiva Antecipada de Vontade. Documento com força legal (redigido conforme o disposto na Lei 25/2012) onde ficam exarados os tratamentos que cada cidadão pretende ou não pretende que lhe sejam feitos, quando impossibilitado de decidir. No ‘testamento vital’ pode-se, por exemplo, declarar a recusa em ser sujeito a ‘meios invasivos de suporte artificial de funções vitais’ ou até qualquer tentativa de ressuscitação. Tem uma validade de cinco anos.”
Morte
O Conselho de Ética faz uma distinção entre o significado biológico e social de morte, tal como Gilberto Couto que fala em morte biológica e morte biográfica, que lhe acrescenta um cunho pessoal: “Se me restar uma vida de sofrimento irreversível ou de humilhação e indignidade até ao fim, bem queria antecipar a minha morte”. Já o antigo bastonário da Ordem dos Médicos — que é contra a eutanásia — faz referência apenas à morte cerebral.
Significado biológico agora geralmente identificado ‘perda irreversível do funcionamento do organismo como um todo‘ (…) e existe agora um segundo uso social, moral e público do termo (morte) que deve ser usado ao lado do uso biológico mais tradicional.”
É deixar de viver (morte biológica) ou deixar de ter uma vida (‘morte’ biográfica). Sendo ateu, isto corresponde à minha aniquilação ou devolução das ‘minhas’ moléculas à natureza, se preferir. A morte biológica é um processo biunívoco e tem critérios definidos medicamente. Refiro-me à morte cerebral (neocortical ou do tronco cerebral) e à morte do organismo biológico propriamente dita (exemplo, paragem cardio-respiratória definitiva). Nem sempre coincidem. Se entendermos que a morte é, filosoficamente, uma privação da nossa identidade e/ou consciência, pode bem acontecer que a demência ou um estado vegetativo persistente sejam já, em si, formas de morte. Como diz Galvão [Pedro Galvão, autor do livro Ética Com Razões], a morte só é um mal por comparação com o que exclui. Se me restar uma vida de sofrimento irreversível ou de humilhação e indignidade até ao fim, bem queria antecipar a minha morte (a valoração é sempre pessoal).”
[Para a medicina, a morte é] morte cerebral. Mais concretamente: morte do tronco cerebral, de acordo com a declaração da Ordem dos Médicos, prevista no artigo 12º da Lei no 12/93, de 22 de Abril, que vem sendo aplicada desde 1994. Desde o momento em que há morte cerebral, a pessoa está morta, deixou de existir.”
Vida
Tal como no conceito de morte, o Conselho de Ética usa-o no seu sentido biológico e em termos biográficos, sendo que o médico pró eutanásia considera que a vida acaba com a morte biográfica. Já para Germano de Sousa, o conceito é mais um vez claro: “A vida é inviolável” acima de tudo.
Distinção entre zôé, ‘vida física ou biológica’ e bios, a vida ‘constituída pelas ações, decisões, motivos e acontecimentos que compõem o que agora chamamos uma biografia’.”
É o processo de construção da nossa identidade e personalidade. Por isso inclui as nossas experiências com o mundo exterior e interior. É amor e criatividade, engenho e solidariedade. É razão. É projetos. É propósito ou propósitos. Para mim, tudo isto acaba com a minha morte biográfica ou, se preferir, com a perda definitiva da minha identidade e/ou da minha razão ou auto-consciência.”
Para além das definições de caráter bioquímico e biológico, ou dos conceitos religiosos e teológicos, nas democracias herdeiras do iluminismo, a vida é inviolável. Assim o dispõe a nossa Constituição, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e assim tem sido considerada desde sempre, por todas as declarações emanadas pela Associação Médica Mundial.”