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Polícia israelita perto da esquadra destruída na cidade de Sderot, perto da fronteira com Gaza

Getty Images

Polícia israelita perto da esquadra destruída na cidade de Sderot, perto da fronteira com Gaza

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Mulheres, idosos e crianças: raptos do Hamas são a chave desta guerra. Retaliação pode ser a tomada total de Gaza

Hamas raptou dezenas e passeou feridos e mortos pelas ruas de Gaza. Impacto mediático "polariza" conflito e pode ser usado para justificar resposta de violência nunca vista, dizem especialistas.

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Adele Raemer é uma professora de inglês reformada. Vive no kibbutz Nirim, que fica mesmo do outro lado do muro que separa Israel de Gaza, desde 1975. Por isso, escreve uma coluna regular no Times of Israel intitulada “Vida na Fronteira com a Faixa de Gaza”. Está habituada aos rockets e às sirenes que a avisam para se esconder no abrigo subterrâneo. Mas aquilo que viveu na manhã deste sábado não tem comparação, assegura no último texto que entregou — um diário com vídeos ao longo de todo o dia. “Nunca estive tão assustada na vida, literalmente”, escreveu pouco antes das 9h da manhã, quando militantes do Hamas já se aproximavam do kibbutz.

Duas horas depois, ainda trancada dentro do abrigo e sem conseguir ir à casa de banho, vários homens armados tentavam entrar na sua casa, mas sem sucesso. Poucas horas depois, as Forças Armadas Israelitas (IDF) chegaram ao kibbutz e conseguiram expulsar o Hamas do perímetro. Nessa noite, Adele dormiu já fora do abrigo, rodeada dos membros da sua comunidade, tapada apenas com uma toalha de cozinha por não ter conseguido trazer nada de casa. “Mas não me queixo. Sinto-me mais segura do que me senti naquelas estranhas oito horas que passei fechada em casa em que, por vezes, me senti como a Anne Frank escondida no anexo secreto à espera que os nazis a descobrissem”, acrescentou.

Nem todos tiveram a sorte de Adele. A mulher e as duas filhas (de 5 e 3 anos) de Yoni Asher tinham ido visitar familiares que vivem perto da fronteira este fim-de-semana, para assinalar o feriado religioso do Sukkot. Por volta das 11h da manhã, Yoni recebeu uma chamada da mulher a dizer-lhe que estava no abrigo. “Mas ela disse-me que os terroristas tinham entrado em casa”, contou à agência Reuters. A chamada caiu de seguida.

Desde então, Yoni não conseguiu voltar a entrar em contacto com ela. A localização do telemóvel indica que estará neste momento em Khan Yunis, na Faixa de Gaza. O israelita viu entretanto um vídeo nas redes sociais que o alarmou: “Consegui identificar a minha mulher, as minhas duas filhas e a minha sogra a serem levadas numa espécie de carroça e os terroristas do Hamas todos à volta delas”.

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Membros do Hamas passeiam nas ruas de Gaza um tanque capturado aos israelitas

Anadolu Agency via Getty Images

Relatos como o de Yoni têm chegado ao longo de todo este domingo a partir de vários pontos de Israel. O número exato de pessoas levadas  pelo Hamas ainda não é conhecido — as IDF falam em “dezenas”, o Hamas diz que é um valor “muito superior” —, mas não há dúvidas de que são muitos. E o destino que aguarda os que ainda estarão vivos não parece encorajador, a avaliar pelas imagens que circulam nas redes sociais, algumas entretanto verificadas por vários órgãos de informação: mostram reféns feridos, de mãos atadas, a serem levados à força em carros e carrinhas, exibidos em paradas improvisadas pelas ruas de Gaza, ao som dos gritos de “Allahu Akbar” (“Alá é grande”).

Raptos são a “maior vitória tática do Hamas”, feita para mediatizar e polarizar

O porta-voz militar das IDF Jonathan Conricus confirmou este domingo que alguns dos reféns ainda estarão vivos, mas as autoridades israelitas supõem que alguns terão entretanto sido mortos. Há crianças, idosos e até pessoas com deficiência entre os que foram raptados. Israel não confirma o número de reféns, mas Conricus admitiu que “são números até aqui impensáveis”. “Isto vai determinar o futuro desta guerra”, acrescentou. Uma fonte próxima do governo avançou ao jornal israelita Haaretz que o número pode estar próximo da centena.

Também não restam dúvidas de que a grande maioria estará agora em Gaza, como o Hamas garante. Do lado norte-americano, uma fonte do governo avançou ao New York Times que a presença de reféns israelitas (civis e militares) naquele território foi confirmada pelas Nações Unidas.

“O objetivo não parece ser o de apenas negociar a libertação de prisioneiros palestinianos, mas sim o de ganhar atenção máxima a nível interno, regional e internacional.”
Nathan J. Brown, especialista em movimentos islamistas da Universidade George Washington

Em menos de 24 horas, o Hamas invadiu território de Israel, provocou centenas de mortes e levou pelo menos dezenas de pessoas — incluindo civis — à força para Gaza. É um cenário nunca visto, como admite ao Observador Daniel Gerlach, especialista alemão no Médio Oriente: “Esta é a maior vitória tática do Hamas em muito tempo, que deixa Israel numa posição estratégica embaraçosa.”

Nathan J. Brown concorda: “Ao nível da escala, isto é muito diferente do que estamos habituados a ver. Toda a operação parece ter sido desenhada não para capturar um soldado, mas para apanhar um grande número de judeus israelitas, soldados ou civis”, diz ao Observador o professor da Universidade George Washington que tem estudado movimentos islamistas. E aponta outro facto: o pormenor dos vídeos difundidos nas redes sociais dos reféns não parece ser por acaso. “O objetivo não parece ser o de apenas negociar a libertação de prisioneiros palestinianos, mas sim o de ganhar atenção máxima a nível interno, regional e internacional.”

“Tudo isto pode ter um outro propósito ainda mais subtil”, acrescenta. “O de polarizar a situação.” Perante imagens de civis em pânico e ensanguentados, é de esperar que a resposta militar de Israel seja ainda mais dura do que o habitual. E, ao mesmo tempo, galvaniza alguns dos apoiantes mais radicais da causa palestiniana. “A polarização vai pressionar os governos regionais e vai aumentar a popularidade do Hamas junto dos palestinianos”, prevê.

Negociações de reféns como “moeda de troca” por prisioneiros palestinianos já aconteceram no passado — mas agora são improváveis

Este domingo, o exército israelita anunciou que criou um grupo de trabalho em colaboração com o Shin Bet (serviços secretos internos) e a polícia para localizar o paradeiro de todos os que foram feitos reféns. O grupo será liderado pelo general Yaniv Asor.

As famílias, porém, dizem não ter informação suficiente e exigem respostas. Numa conferência de imprensa organizada na tarde deste domingo, Uri David — que neste momento não sabe qual o paradeiro das suas filhas — lamentou a falta de resposta das autoridades israelitas. “Já passaram quase 48 horas desde que isto começou e algumas famílias ainda não sabem nada”, acusou. “Exigimos ao governo que nos dê respostas. Sabemos que nem todas as respostas vão ser felizes. Mas queremos os nossos filhos de volta, os nossos familiares de volta.”

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Forças do Hamas na zona de fronteira entre Gaza e Israel

Anadolu Agency via Getty Images

A pressão das famílias pode ajudar a que seja encontrada uma solução intermédia para resolver o impasse, acredita Daniel Gerlach. “É certo que o governo pode dizer ‘Estamos em guerra, esta é uma situação extrema’, mas qualquer ação militar brusca põe em risco as vidas dos próprios reféns”, afirma. “Para além disso, há muitos cidadãos estrangeiros envolvidos. Por isso, Israel tem de ter cuidado.”

A presença de estrangeiros entre os raptados está já confirmada. O governo da Tailândia, por exemplo, confirmou que 11 trabalhadores agrícolas do seu país foram raptados pelo Hamas e devem estar neste momento em Gaza. O ministro israelita de Assuntos Estratégicos, Ron Demer, também confirmou em entrevista à CNN que há cidadãos norte-americanos entre as vítimas de rapto.

Esse pode igualmente ter sido o destino do britânico Jake Marlowe, que estava num festival de música eletrónica no sul de Israel que foi atacado pelo Hamas, lançando o caos entre a multidão. Outro dos estrangeiros que também terá sido raptado desse evento é a germano-israelita Shani Louk. Num vídeo com imagens gráficas (que o Observador opta por não partilhar), é possível ver o corpo inanimado de uma jovem a ser transportado numa carrinha de caixa aberta em Gaza, perante os aplausos da multidão. Um dos homens cospe sobre o corpo da mulher.

“Não me matem, por favor”. Os relatos e as imagens do ataque ao festival de música em Israel

A família de Shani Louk diz ter a certeza de que a jovem é ela: “Reconhecemo-la pelas tatuagens e pelas longas rastas que ela tem”, relatou uma prima ao Washington Post. A CNN também garante ter confirmado que se trata da alemã.

O Hamas tem declarado publicamente que o objetivo da tomada de reféns é que venham a ser usados como moeda de troca pela libertação de prisioneiros palestinianos. Oficialmente, não há negociações a decorrer, mas Gerlach acredita que isso pode não ser verdade. “A narrativa sempre foi a de ‘Não negociamos com terroristas’, mas, na prática, Israel sempre negociou”, garante.

Ao longo do dia, uma fonte do governo egípcio avançou à agência EFE que o Egipto estaria a mediar negociações com o Hamas para libertação dos reféns, mas a notícia foi desmentida por Israel. Para Gerlach, a escolha do Egipto é lógica, já que os serviços secretos do país “sempre foram fulcrais na comunicação entre o Hamas e Israel”. Mas tem sérias dúvidas de que, na situação atual, o Cairo consiga persuadir o grupo terrorista seja ao que for: “Assumo que estejam a dizer ao Hamas ‘Não os matem’, mas questiono-me se têm influência suficiente para impedir isso.”

Em termos históricos, Israel já negociou no passado o regresso de israelitas (ou dos seus restos mortais) em troca da libertação de prisioneiros palestinianos. Foi assim em 2011, quando o soldado Gilad Shalit, capturado cinco anos antes, foi devolvido em troca da libertação de mais de mil palestinianos. Mas, desde então, o governo israelita tem evitado seguir por esta via. Por essa razão, Avera Mengistu e Hisham al-Sayed continuam na Faixa de Gaza há nove anos, lembra o Haaretz. Os cadáveres dos soldados Hadar Goldin e Shaul Oron também continuam em Gaza desde a guerra de 2014.

“Israel tentará dar uma resposta tão violenta que mostrará que a questão da negociação não se coloca. Ou se devolvem os prisioneiros, ou se arrasa quem fez os raptos.”
Ana Santos Pinto, investigadora da Universidade Nova de Lisboa

Ana Santos Pinto, professora de Estudos Políticos da Universidade Nova de Lisboa e especialista na geopolítica do Médio Oriente, considera improvável que a negociação para libertação dos reféns avance: “Não significa que não existam conversas. Mas a questão é que a componente de troca significa que seria libertada parte da oposição palestiniana e figuras de referência da revolta palestiniana que regressariam diretamente para o seio da comunidade política”, diz ao Observador.

Israel não o deseja, mas não é o único. Também a Autoridade Palestiniana e a Fatah (partido que controla atualmente o poder na Cirsjordânia), “que estão numa posição política muito mais fragilizada e praticamente inexistente neste momento”, não têm interesse em reforçar as fileiras do Hamas.

Resposta militar de Israel vai ser radical e pode passar por ocupação de Gaza

É por isso que os especialistas ouvidos pelo Observador são unânimes em concordar que o mais provável é que se assista a uma resposta militar por parte de Israel para retaliar pela situação dos reféns.

“Israel tentará dar uma resposta tão violenta que mostrará que a questão da negociação não se coloca. Ou se devolvem os prisioneiros, ou se arrasa quem fez os raptos”, vaticina Ana Santos Pinto. “A resposta militar será provavelmente em força no território de Gaza, revertendo a ação de 2005 de retirada [das forças israelitas], para aniquilar o Hamas — e que acabará por aniquilar uma grande parte da população civil, quer pela dimensão do território, quer pelas ligações do movimento à população. Mas isto também terá consequências na Cisjordânia e em Jerusalém”, avisa.

A mesma previsão fez Gershon Baskin, o homem que em tempos negociou o regresso de Gilad Shalit, o soldado capturado em 2006. “Não tenho qualquer dúvida de que o principal objetivo de Israel será encontrar os reféns através de operações militares e não através de negociações”, disse à BBC este domingo de manhã.

Até porque, apesar do descontentamento de alguns familiares dos desaparecidos, a maioria da população israelita neste momento espera uma ação de força, custe o que custar. “Benjamin Netanyahu, estou a implorar-lhe, envie helicópteros. Encontre a minha filha, imploro-lhe”, dizia esta tarde à câmara do Canal 12 Alin Atias, cuja filha está desaparecida.

A violência dos raptos terá como consequência inevitável uma radicalização da população israelita, antevê Ana Santos Pinto: “O sentimento de insegurança é irracional e, quando é assim, as tomadas de decisão tornam-se muito menos lógicas”, afirma. “Isto muda tudo: a noção de ‘Podemos sair à rua e ser raptados a qualquer momento e em sítios que não são só perto de Gaza’ legitima muito mais o governo para uma resposta militar muitíssimo dura” — e que se prevê “absolutamente trágica para a população em Gaza”, avisa.

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Destruição provocada por rockets lançados de Gaza em Ashkelon, Israel

dpa/picture alliance via Getty I

Os contornos da operação militar com que Israel tenciona responder em Gaza ainda não são conhecidos, mas não há dúvida de que se prevê uma radicalização — com especial foco na “decapitação” da liderança do Hamas, diz Daniel Gerlach. Mas a configuração do atual governo israelita, liderado por Netanyahu, que inclui figuras claramente alinhadas com a extrema-direita, pode levar a uma resposta ainda mais radical.

“Os extremistas podem empurrar Netanyahu para uma ocupação total de Gaza e isso poderia custar a vida a milhares de soldados israelitas.”
Daniel Gerlach, especialista alemão no Médio Oriente

“Eles falam muito, são muito populistas, mas não têm qualquer noção de como comandar uma operação militar”, aponta Gerlach. Enquanto as discussões para a formação de um governo de emergência militar não avançam, o braço-de-ferro será agora feito internamente entre os membros mais radicais do governo e figuras como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu — “os únicos ali que sabem minimamente o que fazer numa situação militar”, nota o alemão.

“Os extremistas podem empurrar Netanyahu para uma ocupação total de Gaza e isso poderia custar a vida a milhares de soldados israelitas”, diz o investigador. Já para não falar das vidas de milhares de civis palestinianos e, possivelmente, dos israelitas raptados que se encontram neste momento em Gaza.

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A resposta militar em Gaza deverá ir muito além dos ataques já registados nas últimas 48h, como este, que destruiu a Torre Watan

NurPhoto via Getty Images

Uma consideração que não parece preocupar alguns dos responsáveis israelitas. Numa reunião do Conselho de Ministros este sábado, o ministro das Finanças Bezalel Smotrich, do Partido Sionista Religioso, terá declarado que “Agora temos de ser cruéis e não pensar demasiado nos reféns. É tempo de ação.” Questionado pelo Haaretz sobre se tinha de facto proferido tais declarações, o gabinete do ministro não as desmentiu.

Nathan J. Brown antecipa, por tudo isto, que se adivinha uma resposta duríssima. “As medidas que Israel tem adotado contra Gaza e contra o Hamas no passado já foram tão fortes que é difícil pensar em novas formas de responder à escalada”, admite. Sobram duas, diz: “A reocupação [da Faixa de Gaza] ou tentativas de assassinato de todos os líderes do Hamas. As duas devem estar neste momento a ser equacionadas. Nenhuma deverá trazer resultados positivos”, prevê. Nem sequer para as dezenas de israelitas reféns.

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