Quando as tropas russas entraram na península ucraniana da Crimeia em 2014, o Ocidente olhou com muita preocupação para o sucedido. Num contexto internacional claramente mais perigoso, os Estados-membros da NATO chegaram a acordo para uma meta: alocariam 2% do respetivo Produto Interno Bruto (PIB) à área da Defesa, objetivo que teria de ser alcançado até 2024. A Lituânia foi um dos que cumpriram com o combinado. O país báltico, que faz fronteira com a Rússia, destinava há dez anos apenas 0,88% do seu PIB para fortalecer as suas capacidades defensivas. Num intervalo de uma década, quase triplicou os seus investimentos, gastando já 2,54%.
Em 2023, a Lituânia é um dos onze Estados-membros da NATO que cumpre a meta definida na cimeira de Gales da aliança transatlântica em 2014 — e já o faz há cinco anos. Os restantes 19 Estados-membros (à exceção da Islândia, que não tem Forças Armadas) ainda não destinam 2% do seu PIB para a área da Defesa. Mas estes números estarão prestes a mudar.
O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, revelou na quarta-feira que espera que 18 Estados-membros cumpram a meta de 2% do PIB em 2024 na Defesa, um “claro progresso”, como reconheceu o líder da aliança. Há uma década, eram apenas três os países que atingiam aquele valor: os Estados Unidos da América (EUA), a Grécia e o Reino Unido. Em 2023, sete anos depois da invasão da Crimeia, para além daqueles três Estados-membros, alcançaram o objetivo a Polónia, a Estónia, a Lituânia, a Finlândia, a Roménia, a Hungria, a Letónia e a Eslováquia — uma geografia curiosa, se considerarmos que, deste conjunto, a Hungria será o Estado mais a Este no contexto europeu; vários fazem fronteira direta com a Rússia.
A conjuntura internacional ajuda a explicar o maior compromisso dos Estados-membros nos gastos da Defesa. A invasão total da Rússia à Ucrânia, em fevereiro de 2022, juntamente com a retórica do Kremlin de revisionismo histórico sobre a alegada posse de certos territórios, fez com que a NATO olhasse para Moscovo como uma ameaça.
Adicionalmente, numa fase em que a guerra da Ucrânia está num impasse e sem solução à vista, vários responsáveis militares europeus vieram alertar nos últimos meses para a possibilidade cada vez mais real de uma guerra direta entre a NATO e a Rússia. Ainda na semana passada, o ministro da Defesa da Dinamarca, Troels Lund Poulsen, avisou: “Não é descartar que, num período entre três a cinco anos, a Rússia teste o artigo 5.º da NATO. É uma nova informação que chegou recentemente. Há motivos para se estar genuinamente preocupado.”
O secretário-geral da NATO veio, esta quinta-feira, colocar água na fervura. “Nunca podemos tomar a paz como garantida”, começou por dizer Jens Stoltenberg, acrescentando que não vê atualmente uma “ameaça militar iminente contra a aliança”. O responsável frisou igualmente que em Moscovo se sabe que não há margem de manobra para começar um ataque contra um Estado-membro.
Mesmo assim, num contexto securitário cada vez mais incerto, os países da NATO estão a investir cada vez mais na Defesa. Pelo meio, existe outra pressão. O antigo Presidente norte-americano e um dos candidatos para chegar à Casa Branca em 2024, Donald Trump, disse este fim de semana que “encorajaria” a Rússia a invadir um Estado-membro que não cumpra com a obrigações financeiras. Na quarta-feira, voltando a falar sobre o assunto na rede social Truth Social, o magnata defendeu que os países europeus têm de “pagar pela Defesa” e têm de deixar de “gozar com os norte-americanos”.
Em Bruxelas, após uma reunião com ministros da Defesa da NATO, a ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, classificou esta quinta-feira como “irresponsáveis” as palavras do magnata e revelou que “foram completamente postas de lado” por Jens Stoltenberg no encontro, que preferiu dar nota “do progresso que a aliança tem feito”.
Ainda que não seja certo que Donald Trump vença as eleições presidenciais de 2024 — sendo que o candidato ainda nem sequer ganhou as primárias republicanas —, não restam dúvidas de que existe uma corrida às armas. Um desses exemplos é a Alemanha. Com uma tradição pacifista decorrente das consequências da II Guerra Mundial, Berlim vai atingir a meta de 2% do PIB na área da Defesa já “este ano”, estando decidida a manter esse nível de investimento “nas próximas décadas”. No X (antigo Twitter), o chanceler alemão, Olaf Scholz, explicou porquê: “Para a nossa segurança.”
Nem todos os países vão ao mesmo ritmo — e Portugal apenas deve atingir a meta dos 2% daqui a seis anos
O ritmo não é o mesmo para todos. Dos 19 países que ainda não cumprem os 2% do PIB na Defesa, sete deverão chegar este ano àquele marco, cumprindo no limite o compromisso estipulado em 2014: Albânia, Alemanha, Bulgária, Croácia, França, Macedónia do Norte e Montenegro.
Relativamente aos restantes doze, não existe uma data específica para que todos comecem a canalizar 2% do PIB para a área da Defesa. Enquanto países como a Chéquia ou os Países Baixos apontam para 2025 como o ano em que atingirão a meta, há aliados como a Bélgica ou a Dinamarca em que levará mais tempo. E a Turquia e o Canadá, aparentemente indiferentes à pressão, nem sequer antecipam quando é que o vão fazer.
Quanto a Portugal, que em 2023 destinou 1,48% para a área da Defesa, o Governo tem insistido que o país se propõe a atingir a meta “até 2030”, salientando que as despesas até podem superar os 2% do PIB. “O compromisso dos 2% existe e uma vez alcançado concordamos que seja uma meta base, digamos assim, um valor base, e não um teto. E é esse o trabalho que estamos a fazer”, indicou em setembro de 2023 a ministra da Defesa, Helena Carreiras. Seis meses antes, a governante tinha admitido ser “inegável” que existia uma “pressão política” no quadro da NATO para atingir a meta.
A NATO na “era da incerteza”
O think tank britânico Instituto Internacional de Estudos Estratégicos publicou esta terça-feira o balanço em todo o mundo, na área militar e da defesa. Lembrando a guerra entre Israel e o Hamas, as ameaças do Houthis do Iémen, a tensão no Indo-Pacífico, os tumultos na África subsariana e o conflito na Ucrânia, o instituto concluiu que existe um “ambiente de segurança altamente volátil”.
“A atual situação militar-securitária sugere uma década mais perigosa caracterizada pelo uso da força para levar a cabo objetivos”, alertou o think tank britânico, que cunhou um termo para descrever o que está a acontecer na comunidade internacional: “A era da incerteza.” Todos estes fatores, acredita o instituto, “revigoraram a NATO” não só em termos de investimentos, como também no que concerne a uma nova adesão, a da Finlândia, e uma que deverá acontecer ainda este ano, a da Suécia.
“Existem provas de que a aliança está a fortalecer a sua capacidade de dissuasão e a sua postura defensiva com uma série de planos de defesa regionais que contêm objetivos ambiciosos em termos de dimensão e prontidão”, lê-se no balanço do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.
Desses planos faz parte o maior exercício militar da NATO desde a Guerra Fria, que começou o mês passado e que terminará em abril. Na mesma senda, como confirmou a embaixadora dos Estados Unidos na aliança atlântica Julianne Smith durante um briefing para jornalistas em que o Observador este presente, a organização militar estuda e planeia uma eventual resposta a um possível ataque da Rússia, a maior “ameaça” que está a dar um novo impulso à NATO.