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A paralisação quase completa do trânsito e de muitas indústrias em todo o mundo tem contribuído para uma forte queda das emissões poluentes. Mas o problema está longe de ficar resolvido
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A paralisação quase completa do trânsito e de muitas indústrias em todo o mundo tem contribuído para uma forte queda das emissões poluentes. Mas o problema está longe de ficar resolvido

KIMIMASA MAYAMA/EPA

A paralisação quase completa do trânsito e de muitas indústrias em todo o mundo tem contribuído para uma forte queda das emissões poluentes. Mas o problema está longe de ficar resolvido

KIMIMASA MAYAMA/EPA

Não, a pandemia não é boa para o ambiente. Mas pode deixar pistas para um futuro sustentável

A queda das emissões poluentes provocada pela paralisação do planeta não vai resolver as alterações climáticas e até pode agravar o problema. Mas há muito a aprender com a situação atual.

Durante algumas semanas, pareceu a única boa notícia a sair do drama da pandemia: em apenas quinze dias, a paragem da produção industrial motivada pela quarentena imposta a várias regiões da China tinha feito cair as emissões de gases poluentes naquele país em cerca de 25%. A queda das emissões na China naquele período representou um corte superior às emissões feitas por Portugal ao longo de um ano inteiro — e o aumento da qualidade do ar tem potencial para salvar milhares de vidas.

Mais recentemente, este otimismo ambiental chegou à Europa à boleia das imagens captadas em Veneza. Com a cidade parada, aos canais outrora sujos regressaram as águas límpidas e até os peixes. Além disso, também em Itália, o país europeu mais afetado pelo surto e atualmente o epicentro da pandemia a nível global, registou-se o mesmo fenómeno que na China: a poluição do ar e as emissões de gases com efeito de estufa caíram a pique nos primeiros dois meses do ano.

Na Península Ibérica, o mesmo cenário: desde a implementação das medidas de confinamento, a poluição e as emissões de gases com efeito de estufa em Portugal e Espanha caíram abruptamente.

O prolongamento e agravamento do surto, entretanto classificado pela Organização Mundial da Saúde como pandemia, conta, porém, uma história diferente.

Nas cidades chinesas, a poluição é frequentemente visível a olho nu no ar, mas a paragem industrial provocada pelo coronavírus levou a uma redução das emissões

Getty Images

O entendimento dos especialistas é o de que a propagação do coronavírus vai ter mais impactos negativos do que positivos no que toca às alterações climáticas. Sobre as emissões poluentes, a história ensina que, após momentos de crise como este, a recuperação económica se faz com uma forte subida na produção, sacrificando preocupações ambientais. Aliás, os maiores aumentos de emissões registados ao longo das últimas décadas foram precisamente após crises que levaram à paragem da produção e a reduções temporárias — como a registada agora.

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Em simultâneo, a necessária resposta ao surto está a ter um forte impacto ambiental imediato: a utilização de produtos descartáveis (de equipamentos médicos a embalagens alimentares) disparou, levando a problemas de acumulação de lixo em várias partes do mundo.

Além disso, o financiamento de medidas de emergência adotadas por vários países — incluindo Portugal — para fazer face à pandemia vai obrigar a reorganizar prioridades no futuro. E os especialistas não têm dúvidas: entre os primeiros investimentos a cair ou a sofrer cortes significativos estarão os associados ao combate às alterações climáticas.

Agência Europeia do Ambiente confirma grandes reduções na poluição atmosférica

Para já, esse combate está em pausa. Por todo o mundo, incluindo na União Europeia, debates sobre políticas ambientais têm sido adiados ou cancelados. As leis ambientais estão a passar para segundo plano. E até a ativista sueca Greta Thunberg anunciou que iria suspender as manifestações de jovens que se repetem todas as sextas-feiras por todo o mundo em defesa do clima, substituindo-as por uma “greve digital”.

Emissões em baixo, mas não por muito tempo

As emissões na China desceram porque a economia parou e há pessoas a morrer, e porque as pessoas pobres não conseguem obter medicamentos e comida. Não é uma analogia para a forma como queremos diminuir as emissões responsáveis pelo aquecimento global”, resumia à MIT Technology Review o especialista norte-americano Gernot Wagner, da Universidade de Nova Iorque.

De facto, uma coisa é certa: o mundo está — ainda que temporariamente — a poluir menos. “Tanto as emissões de dióxido de carbono e de metano como a poluição têm estado a diminuir. Para dar um exemplo concreto, em Nova Deli, que é uma cidade muito poluída por causa do trânsito muito intenso de muitos milhões de pessoas, agora o ar está menos poluído”, diz ao Observador Filipe Duarte Santos, professor catedrático da Faculdade de Ciências de Lisboa e especialista em alterações climáticas.

As imagens de satélite não enganam, como explica ao Observador o físico austríaco Claus Zehner, responsável pela Sentinel-5P, do programa Copernicus (da Agência Espacial Europeia e da União Europeia), a missão que tem mostrado ao mundo as imagens da redução drástica das emissões na Europa e em todo o mundo por estes dias. Na Europa, esta é uma queda sem precedentes. Mas, “na China, vimos a partir do espaço um declínio semelhante nas emissões de dióxido de azoto sobre a área de Pequim quando o trânsito e a atividade industrial foram fortemente reduzidos durante os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008”, recorda o físico.

As emissões de dióxido de azoto (NO2) na Península Ibérica em março de 2019 (direita) e em março deste ano (esquerda)

Porém, apesar desta paragem temporária, o paradigma que precisava de mudar ainda não mudou. “Atualmente, 80% das fontes primárias de energia a nível mundial são combustíveis fósseis”, adverte Filipe Duarte Santos. “A energia que os 7,7 mil milhões de pessoas usam no planeta vem, em grande parte, do petróleo, do carvão e do gás natural. E isto é assim há 50 anos.”

Mas aquilo que o Acordo de Paris preconiza é que haja uma diminuição das emissões por meio de uma transição para as energias renováveis”, destaca o especialista.

Sem essa transição, a redução temporária dos níveis de poluição não passará disso mesmo — uma redução temporária. Quando o pico da pandemia passar e a atividade económica regressar à normalidade, os níveis de poluição e de emissões de gases com efeitos de estufa deverão, na melhor das hipóteses, regressar aos valores registados anterior. O mais provável é que os superem.

Claus Zehner não tem dúvidas. Pelo menos, “as emissões vão regressar novamente aos níveis normais”, garante. “É um pouco imprevisível. Mas os países vão querer recuperar o crescimento económico rapidamente, para criar emprego, para que a economia volte ao estado anterior”, considera Filipe Duarte Santos. E é aí que o impacto das energias não-renováveis se vai voltar a sentir — quer a longo prazo, nas alterações climáticas; quer a curto prazo, na poluição atmosférica.

"Tanto as emissões de dióxido de carbono e de metano como a poluição têm estado a diminuir. (...) Mas aquilo que o Acordo de Paris preconiza é que haja uma diminuição das emissões por meio de uma transição para as energias renováveis"
Filipe Duarte Santos, professor catedrático e especialista em alterações climáticas

“Quando se fala de poluição, não estamos a falar necessariamente das alterações climáticas. Os gases com efeito de estufa, como o dióxido de carbono e o metano, não são poluentes. Eles existem naturalmente na atmosfera. O que nós estamos a fazer é a emitir grandes quantidades desses gases, que têm um efeito colateral, que é aumentar o efeito de estufa e aquecer a atmosfera. Da poluição, um dos grandes exemplos é o das centrais térmicas a carvão na China, onde é muito notória, mas também noutros países, com o trânsito automóvel. Com a queima do carvão, uma fuligem é lançada das chaminés. São aerossóis, são partículas em suspensão, que são prejudiciais à saúde humana”, explica Filipe Duarte Santos.

Uma análise feita pelo jornal americano The Washington Post com base em dados históricos do Global Carbon Project dá pistas para o que pode acontecer após a fase mais aguda da pandemia.

No último século, foram vários os momentos de crise que levaram a uma redução das emissões poluentes. Da gripe espanhola de 1918 à crise financeira de 2008, passando pela Grande Depressão de 1929 e pela crise do petróleo da década de 70, em todos estes momentos a atividade económica e o quotidiano dos cidadãos sofreram paragens significativas que levaram a uma diminuição das emissões. Esses momentos tiveram, contudo, um outro fator em comum: todos estiveram na origem de crescimentos acentuados do nível de emissões durante os períodos de recuperação económica que se lhes seguiram.

Para o ambientalista Francisco Ferreira, presidente da ZERO, cabe aos governos garantir que este fenómeno não se vai verificar na sequência da pandemia da Covid-19. “Tudo depende de os governos serem capazes — e essa é que é a grande questão — de impor condições, de incluir contrapartidas ambientais nos pacotes de ajuda”, diz ao Observador.

"Tudo depende de os governos serem capazes — e essa é que é a grande questão — de impor condições, de incluir contrapartidas ambientais nos pacotes de ajuda"
Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista ZERO

O ambientalista admite que a medida pode não ser popular e corre até o risco de ser mal recebida. Mas, garante, é a única maneira de, a meio de uma crise urgente, não esquecer um problema de grande amplitude. “Temos aqui uma emergência imediata, de curto prazo. Por razões de saúde, temos de pôr as pessoas em casa. Mas o que é facto é que temos uma emergência climática cujo peso financeiro é muitíssimo maior — mas é de longo prazo.”

A título de exemplo, Francisco Ferreira sublinha que esta estratégia pode passar por incluir cláusulas relativas a compromissos ambientais nos apoios financeiros atribuídos a setores como o da aviação. “Era uma oportunidade de dizer: ‘Vocês são apoiados, mas este dinheiro vai aqui com um compromisso. Tornem-se mais eficientes, comecem a pagar impostos daqui a um ano’, por exemplo.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, também já veio defender que “é preciso que a recuperação seja feita de forma sustentável”. Numa entrevista ao Sete Margens publicada na terça-feira, Guterres destaca que “não se combatem as alterações climáticas com um vírus” e que “não é pelo facto de agora ter baixado a poluição que isso resolve o problema“.

É preciso que a recuperação não cometa os mesmos erros do passado“, considerou Guterres.

O desafio do lixo em tempo de pandemia

A resposta imediata à pandemia também está a ser responsável por outro problema ambiental significativo: o aumento exponencial dos resíduos hospitalares contaminados, que têm de ser incinerados em instalações próprias para o efeito e que começam a não ser suficientes para a procura.

Da China chega o relato de um país sem capacidade para tratar os resíduos hospitalares. Só na cidade de Wuhan, onde, em novembro do ano passado, começou a pandemia, no final de fevereiro eram produzidas mais de 200 toneladas de lixo médico por dia — mais do quádruplo da média habitual antes da pandemia.

A gestão dos resíduos hospitalares tem sido um dos principais desafios para o sistema de saúde chinês, sobretudo em Wuhan, na sequência da pandemia

Roman Balandin/TASS

O maior problema são as máscaras cirúrgicas descartáveis — idealmente, cada profissional que tenha de as usar necessita de várias por dia. O surto fez disparar a procura por este tipo de proteção — que é também usado, de forma generalizada, pela população — e, de acordo com dados de fevereiro, a China estava já a produzir 116 milhões de máscaras por dia.

Além das máscaras, há todo um conjunto de materiais descartáveis utilizados nos hospitais, nomeadamente o equipamento de proteção usado pelos profissionais de saúde e as roupas e materiais usados pelos doentes, que devem ser classificados como resíduos hospitalares no contexto de uma pandemia — e que, por isso, devem esterilizados e incinerados.

O problema na China é precisamente a falta de incineradoras. A maioria destes equipamentos existentes no país foram construídos há perto de vinte anos, durante a epidemia da SARS, e estão agora a aproximar-se do fim da sua vida útil.

O uso intensivo de máscaras cirúrgicas pela generalidade da população na Ásia já começou a ter um impacto ambiental evidente. Em Hong Kong, por exemplo, onde o problema da poluição marítima já era significativo, começaram a surgir milhares de máscaras cirúrgicas nos areais das praias, juntamente com outros resíduos mais tradicionais, incluindo sacos de plástico e outras embalagens.

As associações ambientalistas locais já vieram manifestar preocupações com aquela realidade, que não pára de aumentar. O despejo de máscaras e equipamentos de proteção está não só a agravar o problema da poluição, mas também a contribuir para a criação de um novo: a disseminação de germes e infeções oriundas do ambiente hospitalar.

"Não coloquem as luvas, as máscaras nos ecopontos, não as coloquem na retrete para irem para as redes de esgoto. Coloquem-nas no lixo comum, no lixo indiferenciado"
João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e Ação Climática

Numa altura em que a estes resíduos se juntam enormes quantidades de produtos descartáveis associados aos serviços de take-away e à redução do uso de produtos reutilizáveis para evitar contágios, a gestão do lixo tem sido um dos grandes desafios para os governos de todo o mundo — e Portugal não é exceção. Na semana passada, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, divulgou uma mensagem em vídeo a apelar à correta gestão dos lixos associados aos doentes com Covid-19.

“Este é um tempo em que se usam mais luvas, mais máscaras, mais lenços, e elas certamente deverão e poderão ser usadas. Todas elas também, ainda que em materiais recicláveis, têm de ir para o lixo comum. Não coloquem as luvas, as máscaras nos ecopontos, não as coloquem na retrete para irem para as redes de esgoto. Coloquem-nas no lixo comum, no lixo indiferenciado”, apelou Matos Fernandes.

O ministro deixou também um alerta especial para as casas onde residem pessoas doentes ou suspeitas de estarem infetadas. Aí, “todos os resíduos que são produzidos por esses doentes infetados têm de ir para o lixo comum. Coloquem-no dentro de um saco, ponham um saco a envolver esse mesmo saco, e depositem-no no lixo comum”.

A preocupação estende-se a todo o tipo de resíduos. Como alerta Matos Fernandes, “este é um momento em que, em consequência do recolhimento a que estamos obrigados, há mais gente em casa, e havendo mais gente em casa significa produzir mais lixo doméstico”. Por isso, é preciso focar os serviços de limpeza “no essencial” — e isso implica, por exemplo, não “colocar monos na rua”.

“Continuem a colocar as embalagens nos ecopontos. Este é que é o momento para, em família, se poder treinar e aperfeiçoar as boas práticas. As únicas embalagens que não podem mesmo ir para os ecopontos são as embalagens que são utilizadas pelas pessoas que estão contaminadas com o vírus ou que se suspeita que possam estar”, reforçou o ministro.

Mas a pandemia está a pôr à prova os próprios serviços de recolha de resíduos. Na cidade de Lisboa, por exemplo, a câmara municipal suspendeu a recolha seletiva dos resíduos porta-a-porta, o que significa — como a própria autarquia afirmou numa publicação no Facebook — que quem tem recolha de lixo à porta de casa deve deixar de fazer a separação e colocar “tudo no mesmo saco e em qualquer caixote”. Na capital, a separação do lixo só vai acontecer nos ecopontos de superfície e subterrâneos.

Um estudo de caso para um futuro sustentável

Para Filipe Duarte Santos, no fim de contas, a disseminação do coronavírus está a deixar evidente “a nossa relação difícil com a Natureza”.

“O vírus não foi fabricado. Estava na natureza. Isto é aquilo a que se chama uma zoonose: quando um organismo salta de um animal para os humanos. Não se sabe bem ainda de que animal, se foi o pangolim, se foi o morcego, mas o que é certo é que o vírus estava na natureza. O ébola, por exemplo, que é muito mais perigoso do que este, era um vírus que vivia nos gorilas e outros primatas. Depois, as pessoas, devido à miséria, à destruição das florestas, começaram a comer gorilas. A nossa relação com a Natureza está muito quebrada”, comenta o especialista.

"Isto é um caso de estudo perfeito que nos mostra o impacto de uma redução do trânsito e das atividades industriais na poluição atmosférica e nas emissões de gases com efeito de estufa"
Claus Zehner, responsável da missão Sentinel-5P, do programa Copernicus (ESA/UE)

Por isso, se algum mérito ambiental pode ser encontrado no meio de toda esta crise é o de mostrar à Humanidade o impacto que tem no planeta. “Nem era preciso estarmos todos quietos e enfiados em casa” para resolver os problemas ambientais do mundo, sublinha Filipe Duarte Santos. “Era uma questão de estilo de vida, de consumirmos menos. Uma pessoa está aborrecida e vai para as grandes superfícies comprar coisas, muitas vezes coisas que não são essenciais para a sua vida.”

“As pessoas ultrapassam os períodos difíceis a consumir e isto tem um efeito sobre o planeta. Agora que fomos obrigados a parar, isto nota-se. As aves devem estar espantadíssimas e a pensar ‘o que é que aconteceu a estes, foram-se todos embora?’”, resume.

O ambientalista Francisco Ferreira olha para este período como uma fonte de informação importante para o futuro. A queda das emissões, garante, “proporciona-nos informação importante em termos de gestão”.

“No fundo, é como se estivéssemos a fazer uma grande experiência. Se o pessoal ficar todo em casa, é isto que acontece. Claro que a eletricidade está a cair à custa da indústria, a poluição está a cair à custa de não se andar de carro, as emissões da aviação estão a cair mesmo com o baixo preço do petróleo. Mas ficamos com informação para perceber que é possível e conseguimos estabelecer uma correlação entre uma série de variáveis que às vezes apenas pensamos em termos de modelo e não em termos de números reais”, sublinha o presidente da ZERO.

Braga

As ruas das cidades portugueses têm estado praticamente desertas nas últimas semanas

Octavio Passos/Observador

Além de uma forte mensagem sobre o impacto humano no planeta, o ambientalista prevê que esta crise possa contribuir para que alguns hábitos fiquem enraizados nas populações. “Muitas empresas que colocaram muitas pessoas em teletrabalho perceberam que, se calhar, agora, têm essa margem de oportunidade para o usar mais. O teletrabalho, nem que seja pela questão da mobilidade, pode ter uma série de ganhos. Por exemplo, há estudos que dizem que uma pessoa no local de trabalho gasta mais papel e mais energia, porque não é ela que os paga. Em casa tem maiores cuidados.”

A opinião do ambientalista é partilhada pelo físico Claus Zehner. “Isto é um caso de estudo perfeito que nos mostra o impacto de uma redução do trânsito e das atividades industriais na poluição atmosférica e nas emissões de gases com efeito de estufa”, diz o responsável da missão de observação de emissões da Agência Espacial Europeia.

A Humanidade pode sair desta pandemia mais sensibilizada para o impacto humano no ambiente. Mas chega? “Enquanto a crise não for debelada, isso é a coisa mais importante”, reconhece Filipe Duarte Santos. Isto significa que muito do investimento nas prioridades ambientais está em risco num futuro próximo. “O que acontece com as energias renováveis, por exemplo, é que, uma vez instalado o sistema, o custo da manutenção é muito baixo e a energia é de graça. Não é como a gasolina, que temos de pagar por cada litro. Não temos de pagar, por exemplo, por uma hora de sol. O problema é que tem de se fazer um investimento inicial. Com uma crise económica, seja ela qual fora, as pessoas vão retrair-se de investir de novo. Vão reduzir ao mínimo o investimento”, prevê o académico.

"As pessoas ultrapassam os períodos difíceis a consumir e isto tem um efeito sobre o planeta. Agora que fomos obrigados a parar, isto nota-se. As aves devem estar espantadíssimas e a pensar ‘o que é que aconteceu a estes, foram-se todos embora?’"
Filipe Duarte Santos, professor catedrático e especialista em alterações climáticas

Num futuro próximo, o período pós-crise será passado a recuperar a atividade económica e isso significa, em grande medida, deixar cair prioridades de investimento de maior prazo. Metas ambientais vão ser alvo de revisão, projetos de reforço da sustentabilidade terão necessariamente de ser adiados e alguns investimentos podem vir a ser, em última análise, abandonados.

Por isso mesmo, organizações ligadas ao ativismo climático têm-se desdobrado em esforços para que, à semelhança do que Francisco Ferreira defende em Portugal, os governos e as instituições financeiras imponham condições ligadas à sustentabilidade e à eficiência energética nos planos de apoio financeiro destinados a ajudar na recuperação económica — sobretudo nos setores mais poluentes, como o da exploração de combustíveis fósseis e o da aviação, que têm deixado fortes apelos no sentido de receberem apoios públicos para recuperarem da crise provocada pela pandemia.

A grande questão que se está a levantar do ponto de vista dos ambientalistas é tentar que os pacotes económicos estejam ligados a contrapartidas ambientais”, resume Francisco Ferreira. “Isso já não seria mau.”

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