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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

"Não é à toa que Pichardo está em Portugal. Fiz o que fiz, tive de sair do clube mas Nelson Évora vai ser sempre Nelson Évora"

Chegada a Portugal, 11 anos de espera pela Seleção. Drama entre ouro olímpico, lágrimas em Tóquio. Relação com Pichardo, cunhas, clubites e atletas "comprados". Nelson Évora "sem papas na língua".

Entre 24 disciplinas do atletismo, há uma que é fisicamente mais puxada e até violenta do que as restantes. Porque o primeiro apoio depois do salto pode fazer com que o peso do corpo chegue a atingir 20 vezes mais, porque o segundo e derradeiro apoio antes de chegar à caixa é um desafio tão grande ou maior ao nível de stress que é criado no plano muscular, das articulações e dos ligamentos. Apesar de ter começado também no salto em comprimento (e com marcas para fazer carreira), Nelson Évora quis tornar-se o melhor naquele que é o maior desafio da modalidade que aprendeu a venerar desde pequeno pela TV. Foi no triplo que ganhou tudo o que tinha para ganhar. Literalmente: foi o quarto de cinco campeões olímpicos portugueses em 2008, sagrou-se campeão mundial em 2007 e ganhou três títulos de campeão europeu ao Ar Livre e em Pista Coberta entre 2015 e 2018 entre dezenas de medalhas nacionais e internacionais. Tornou-se um exemplo.

Além das conquistas desportivas e da visibilidade mediática que as mesmas trouxeram, Évora, hoje com 38 anos, foi o melhor exemplo das últimas duas décadas no que diz respeito à capacidade de resiliência para fintar lesões graves e encontrar sempre uma vida suplementar quando as decisões apareciam. Sofreu fraturas de stress, teve uma lesão gravíssima na tíbia que muitos colocavam quase como um ponto final na carreira ao mais alto nível competitivo, fez uma intervenção ao joelho que o obrigou também a parar. Se antes, a 100% no plano físico, era trabalhar e trabalhar, a partir daí passou a ser trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar mais um bocado para um currículo que, admite, às vezes parece não acreditar. Ainda assim, e ao programa “Em 40 minutos” da Rádio Observador, o saltador diz que os verdadeiros heróis são aqueles que abdicam de tudo e fazem todos os sacrifícios mesmo sem experimentar essa parte final do sucesso.

[Ouça aqui Nelson Évora em 40 Minutos]

Nelson Évora: “Pichardo foi comprado para ter resultados a curto prazo”

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“Sei que se as pessoas realmente soubessem da minha história, acho que iria ser referência para todo o sempre na cultura portuguesa para além das medalhas”, destaca o atleta que apresenta uma história que abre o convite para chegar a documentário. Para já, as sete vidas do antigo atleta de FC Porto, Benfica e Sporting que ainda assinou com 35 anos pelo Barcelona têm uma data para chegar ao fim mas que fica por agora em segredo para não ter de ver “aqueles olhares” diferentes por ser o último salto da carreira. Até lá, admite os sacrifícios que teve de ir fazendo, recorda com emoção a doença do pai por altura da maior vitória olímpica em Pequim e explica a relação com Pedro Pablo Pichardo que diz não ser uma “guerra pessoal”.

Sei que é sempre muito difícil a tua agenda, porque estás quase sempre em Espanha a treinar, e quando vens se calhar também tens muito para fazer, nomeadamente matar saudades da família, dos amigos…
Sim, aproveitei uns dias para estar com a família e os amigos mas na realidade tive de treinar muito na mesma. Achava que ia ter muito mais tempo e não tive tanto tempo, mas tudo se arranja…

Antes de estarmos em estúdio dizias que sentes que as pessoas não têm noção do quão exigente é o atletismo e a preparação…
Embora já de há muitos anos para cá alguns atletas tenham tentado mostrar a nossa realidade, acho que para o público, comparando com outros desportos como o futebol, onde existem ‘n’ documentários, ou o ténis,  agora atualmente Fórmula 1… Quando tinha oito ou nove anos havia a febre da Fórmula 1 mas fazia parte da cultura desportiva naquele momento, depois houve um desinteresse completo e atualmente voltaram a investir neste tipo de comunicação, da Netflix, documentários e outras plataformas em que as pessoas aderem muito porque já as têm e acabam por ver. ‘Naquele dia já vi tudo, então deixa ver este documentário de Fórmula 1’. Estes desportos têm trabalhado muito bem essa parte, de dar a conhecer um pouco a realidade dos seus melhores protagonistas. No atletismo, tirando o Usain Bolt, que fez dois ou três documentários e era um atleta super talentoso, se calhar o mais talentoso de sempre do atletismo, e ele comunicou que o que ele queria era reformar-se para curtir a vida. Não mostrou realmente aquilo que é a essência do atletismo, que são anos e anos a semear e a trabalhar, sem saber se realmente vamos lá chegar.

Sacrifício é a palavra de ordem?
É, sem dúvida. Muito sacrifício e não termos garantias de absolutamente nada. O público não conhece isto e acha que nós temos sempre a garantia de alguma coisa, que se algo correr mal temos algo, mas na realidade não temos.

E que sacrifícios é que foi preciso fazer?
Todos. Aqueles mais simples e imaginários, desde deixar de ver família durante ‘n’ tempo, deixar de ir a casamentos, batizados, festas de anos, estar longe…

Estar longe da mãe durante 20 anos ou durante mais de 20 anos…
Estar longe de toda a gente. Poso dizer que foi um dos maiores sacrifícios, porque ou era estudos ou era atletismo, e com este ciclo ano após ano, quando olhamos para trás já passaram dez ou 20 anos. Mas muitas mais pessoas que estavam perto de mim, apercebi-me que realmente não tenho estado com estas pessoas porque estou sempre em loop. Na época do atletismo, o período competitivo começa em janeiro e termina em setembro. No início de setembro toda a gente começa a trabalhar. Podemos ter ali uma semaninha de férias em março, que é esta semana. Sei que não vou ter verão. Já toda a gente tem as suas férias de verão planeadas e eu não vou poder porque vou estar no período mais competitivo e mais importante da minha época. Vou terminar a minha época e o verão aqui em Portugal já acabou, o tempo começa a arrefecer, toda a gente começa a trabalhar e eu digo ‘Pessoal, já estou de férias, bora fazer alguma coisa’. Respondem ‘Agora não posso’ ou ‘Só tenho folga daqui a dez dias’…


Sei lá, são sempre as mesmas desculpas. E isto ano após ano, fez-me perceber que não estava com as pessoas durante muitíssimo tempo. Ia falando com as pessoas mas estar assim como nós estamos aqui, tranquilos a comer uma boa refeição na conversa, sem pressas e sem preocupações que no dia seguinte tenho de ir para a cama cedo que tenho de ir trabalhar, já não estava há muito tempo. Apercebi-me que teria de fazer mais por mim porque é por mim que eu tenho de fazer. Tenho de estar com essas pessoas, tenho de arranjar tempo para essas pessoas, mas o tempo voa. Eu já tenho 31 anos de atletismo, 20 ao mais alto nível.

Às vezes em conversas com os teus amigos, e se calhar quando eras mais novo e faz parte da vida, vão acontecer grande jantaradas, e tu pensavas ‘Não posso’…  Alguma vez tiveste a luta de pensares ‘Não sei se é isto que quero para a minha vida’ ou sempre definiste ‘É isto mesmo que eu quero’?
Costumo dizer que para mim nunca foi tão difícil porque antes de lá chegar já era apaixonado por atletismo. Eu devorava tudo o que fosse atletismo. Tinha cassetes e metia as cassetes para trás, grava provas, revia as provas, analisava movimentos, experimentava, brincava na rua. Eu adorava brincar ao atletismo. Depois tornei-me profissional de atletismo, então para mim nunca foi tão difícil porque o meu tempo investido naquilo que era a minha paixão sempre surtiu logo um efeito imediato, sempre com muitos bons resultados. Eu ganhei medalhas. Isto para dizer o quê? Que eu admiro é quem nunca lá chegou e continua ok. Esses são os verdadeiros heróis desta caminhada, os que fazem os sacrifícios mas não conseguem ver os resultados, nem a nível monetário nem a nível de resultados. Estão perto, a achar que no próximo ano vai ser melhor, e nisto passaram dois, três, quatro, dez, 15 anos e já não são jovens, não têm 20 anos. Assim que o atleta faz 31 anos já é cotado como estando velho, em fase final da carreira, e sentimo-nos ainda jovens. Para mim esses é que são os verdadeiros heróis. Os que conseguiram realmente ganhar medalhas têm o sacrifício ali, a pensar ‘Está aqui a medalha, consegui isto’ ou então ‘Consegui duas, três, quatro, cinco’. Se nunca tivesse lá chegado, aí é que viveria entre a procura do meu sucesso e a frustração de nunca ter chegado.

"Os verdadeiros heróis desta caminhada são os que fazem os sacrifícios mas não conseguem ver os resultados, nem a nível monetário nem a nível de resultados. Estão perto, a achar que no próximo ano vai ser melhor, e nisto passaram dois, três, quatro, dez, 15 anos e já não são joven. Assim que o atleta faz 31 anos já é cotado como estando velho, em fase final da carreira, e sentimo-nos ainda jovens. Para mim esses é que são os verdadeiros heróis
Nelson Évora

Já falámos aqui superficialmente da tua mãe mas qual foi o papel do teu pai na carreira que conseguiste construir?
O meu pai era uma pessoa super carinhosa. Embora não me dissesse diretamente mas ele era, através de outros detalhes, alguém que sempre me deu a liberdade de eu escolher fazer aquilo que eu mais amasse, tanto ele como a minha mãe. Sem dúvida tinha a obrigação enquanto jovem de terminar o 12.º ano e depois a faculdade. Aí eu tive de negociar com eles, entre escolher o caminho académico ou ser profissional, e estava num ano muito importante, que era 2004. No ano anterior tinha sido duplo campeão europeu de juniores, no salto em comprimento e no triplo salto. Eu faço sempre um relatório no final da época, do que podia fazer mais no atletismo e do que tinha em mãos. Ou vou aos Jogos, ou sigo a minha vida académica e deixo o atletismo. Pedi à minha mãe. Disse ‘Chumbei a matemática, vou ter duas ou três disciplinas, vou ter muito mais tempo, deixa-me dedicar 100% a isto’. A minha mãe nem pestanejou: ‘Claro, acho que deves seguir aquilo. Isso já está quase feito, também não é tão difícil assim, por isso dedica-te’. Nesse ano eu terminei o 12.º mas se me perguntares se me lembro dos meus cadernos, não me lembro absolutamente nada…

Temos realidades diferentes em comparação com outros países…
Nos EUA eles acabam a vida académica na universidade e eu naquele momento disse ‘É agora ou nunca, ou vou aos Jogos ou desisto disto’. Dediquei-me de setembro até janeiro e em janeiro já tinha os mínimos para os Jogos Olímpicos. Em muito pouco tempo de investimento no atletismo, consegui fazer aquilo que muitos demoram oito ou dez anos para fazer. Fui aos Jogos Olímpicos [de 2004, em Atenas], depois tive um pequeno percalço, lesionei-me e acabei por não ter o resultado que queria. Mas um pequeno aparte: na altura nem me queriam levar. A equipa técnica não me queria levar porque estava em baixo de forma e eles fizeram-me uma pergunta que foi ‘Porque é que nós, a federação, vamos levar-te? Tens de explicar-nos porquê’. Na altura já me tinham dito que não estava em forma, porque tinha tido uma fratura de stress no pé, não tinha podido completar todos os volumes de treino que deveria ter feito para lá chegar em boa forma. Lembro-me que disse ao presidente, Fernando Mota, nos olhos e quase a chorar ‘Se me levarem aos Jogos para ganhar experiência olímpica, não se vão arrepender nos próximos’. Fui. A minha prova foi no segundo dia. Não passei, fiquei em penúltimo lugar, saí de lá com uma crise existencial enorme e dos Jogos Olímpicos de Atenas até aos de Pequim [em 2008] nunca fiz férias, fiz tudo seguido. Treinei, treinei, treinei, treinei. Quando cheguei aos Jogos já tinha tido a experiência de ir antes, de sentir o espírito olímpico, de me divertir nos Jogos. Era um dos favoritos, embora não me vissem assim, eu sabia que era um dos favoritos.

Gostava de recuar um bocadinho à infância. Vieste para Portugal com que idade?
Vim com sete anos.

De quem é que foi a ideia de vir para Portugal?
O meu pai é cabo-verdiano. Ele trabalhou toda a vida e viveu um pequeno período da adolescência dele no Senegal, depois foi para a Costa do Marfim trabalhar. Foi onde nasci. Mas o meu pai, trabalhando num país de ex-colónia francesa, sendo cabo-verdiano, foi-lhe dado a escolher para onde é que ele queria que fossem as poupanças dele e escolheu Portugal. Na altura tinha passaporte português e todos os investimentos dele
sempre foram em Portugal. Ele tinha duas casas aqui em Portugal, então quando ele faz 50 e poucos anos, é-lhe dada a reforma, porque ele começou a trabalhar com 16 anos. E o meu pai, por mim, resolveu vir para a Europa, para ter uma educação e oportunidades diferentes daquelas que se têm em África. Vim com ele e com a minha madrasta, que eu trato por mãe. Foi aí que eu fiz o meu percurso, de estudar em Portugal. Para mim foi um grande choque na altura. Embora fosse muito novo, falava francês, percebia crioulo, mas não falava absolutamente nada de português e atrasaram-me um ano, porque tinha de aprender em três meses a falar até voltar para a escola. Fui aprender português, que não estava acostumado. É das poucas coisas que eu me lembro, eu sou uma pessoa muito friorenta. Hoje em dia já não tanto, que vivo num país ainda mais frio, que é Espanha, mas foi um bocado duro no início. Graças ao destino vim viver para um prédio em Odivelas onde em todos os andares havia um miúdo da minha idade. A partir daí a integração foi bastante rápida e falar português demorou um mês e tal, dando algumas calinadas na gramática. Ainda hoje existem piadas
familiares de coisas que dizia, que misturava francês com português com crioulo no meio, mas foi bastante natural. Já me lembro de como foi, mas posso dizer que até aí tive sorte…

Nelson Évora recorda dificuldades que teve quando trocou Costa do Marfim por Portugal e um ano de 2004 que se tornou marcante na carreira

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Já falaste da tua mãe, do teu pai, e também já falaste dos Jogos de Pequim. Como é que se prepara uma participação olímpica, neste caso em 2008, com a informação de que o teu pai tem três meses de vida?
Para mim foi uma mistura com o maior pesadelo, porque eu e o meu pai éramos muito próximos. Foi um momento agridoce. Vou outra vez aos Jogos Olímpicos, no estatuto que sempre sonhei toda a minha vida desde miúdo quando via os Jogos na TV. Estou onde sempre lutei para estar e tenho a pessoa que mais conexão tem, nesse momento e em toda a minha vida, às portas da morte. Foi bastante dramático, posso colocar assim. Foi das tais coisas que se fosse feito um documentário mesmo sobre esse momento as pessoas
iam ver o quão pesado foi e o quão ‘robô’ tive de ser. Não pude desfrutar realmente desse momento. Não sei se vocês já tiveram algum ente querido diagnosticado com uma doença assim tão forte, mas os médicos para mim são espetaculares. O que eles fazem, ter a vida de uma pessoa nas mãos e conseguirem salvá-la, acho que são os verdadeiros super-homens da nossa sociedade. Mas em termos de sensibilidade humana são as
pessoas mais frias, também para se poderem proteger…

Em que sentido?
A forma como foi dito, naquele momento em que venho de estágio do Algarve, vejo o meu pai naquele estado, levo o meu pai ao hospital… Obriguei-o, disse que não ia treinar mais e não ia comer mais se ele não fosse ao hospital para ver o que é que ele tinha. O médico fez os exames, as análises e tudo e disse-me ‘O seu pai vai durar três meses’. Assim, com esta frieza. O meu pai era muito sensível e ele deixa assim a pior notícia de todas para eu dizer ao meu pai. O meu pai dentro do quarto a olhar para mim e eu levei literalmente um soco no estômago. Tive de ter uma conversa com o meu pai ali e não foi fácil. Lembro-me que não lhe disse realmente o que ele tinha. Disse que era grave e fiz-lhe prometer ou disse-lhe ‘Pai, vem aí o pior momento das nossas vidas mas quero que me prometas uma coisa: que vais lutar mesmo’. Nunca vi o meu pai a ter uma constipação, quanto mais passar de não ter uma constipação a um cancro do pâncreas… Disse-lhe ‘Eu preciso de ti, eu trago-te a medalha de ouro e tu lutas’. Foi com esta situação que fui, tive de deixar o meu pai no hospital. A partir desse momento, tenho muitas fotos e tenho de ir ver para me colocar nas situações e me recordar porque estava num modo de transe alto. Estava em muito boa forma também, verdade seja dita, mas a minha memória para captar coisas pequenas e detalhes… Não me lembro de absolutamente nada. Não me lembro da viagem para lá, lembro-me de o meu antigo treinador dizer que dormi a viagem toda. Eu não me levantei uma única vez, entrei num modo de transe profundo.

E o seu pai ainda viu a medalha?
O meu pai viu-me ganhar a medalha porque a equipa de enfermeiros meteu a TV para ele me ver ganhar a medalha e disseram que exatamente nesse momento ele começou a melhorar. Ele durou mais dois anos e meio a lutar contra esse cancro. Para mim a medalha foi para ele e valeu mesmo a pena porque ele mudou a postura dele. Começou a lutar e, ainda hoje, a medalha é dele. Eu tenho a medalha mas dei-lhe a medalha. E aí é que eu vi o orgulho que ele tinha em mim, porque ele mudou tudo, ele mostrou alegria de viver. Nunca tinha reparado em certos detalhes, porque estava sempre muito mergulhado no trabalho, a viajar, a competir e a treinar, e nesses dois anos e meio, que calhou em 2009, foi um ano que eu não tinha vontade de competir. É um ano pós Jogos Olímpicos, com muito sucesso, muita fama, muitos trabalhos, muita fotografia, muitos autógrafos, mas queria ficar em casa. A minha maior vontade, e o momento que eu mais gostava, era ficar em casa. Se tivesse uma pandemia naquele momento para mim era a melhor coisa. Posso dizer que sou sortudo, porque eu, a partir desse momento, desfrutei de todos os momentos com o meu pai e foi espetacular. Por isso, eu cumpri, ele cumpriu, e esses dois anos, que depois houve seis meses de muito sofrimento final, foram
espetaculares. O meu pai a contar-me histórias que eu já sabia mas muito mais detalhadas. Fiquei a conhecer realmente as minhas raízes, que as nossas raízes estão nos nossos pais.

"Nunca vi o meu pai a ter uma constipação, quanto mais passar de não ter uma constipação a um cancro do pâncreas... Disse-lhe 'Eu preciso de ti, eu trago-te a medalha de ouro e tu lutas'. Foi com esta situação que fui (...) O meu pai viu-me ganhar a medalha porque a equipa de enfermeiros meteu a TV para ele me ver ganhar a medalha e disseram que exatamente nesse momento ele começou a melhorar. Ele durou mais dois anos e meio a lutar contra esse cancro. Para mim a medalha foi para ele"
Nelson Évora

Sentes que como campeão olímpico tens a responsabilidade de ser um exemplo para os portugueses?
Já me preocupei muito mais em ser um exemplo. Não me preocupo mais mas sei que quando nós atingimos certos estados somos um exemplo, e temos de ser esse exemplo, da forma mais natural. Se realmente podemos ser um exemplo, temos de ter a noção daquilo que somos, daquilo que podemos dar à sociedade. Já me preocupei noutros momentos em ser esse exemplo mas não é algo que me preocupe neste momento,
porque já está tão enraizado em mim, em ser a melhor pessoa possível, e se realmente isso for um exemplo para os outros que seja, e o melhor reverso das medalhas que ganhei é esse respeito das pessoas, de me verem como um exemplo. Sempre fiz tudo com muita paixão e poder ser um exemplo é bom, mas exige muito. O mais importante é que seja o mais natural possível. Ou somos ou não somos. E digo isto porque os meus pais me prepararam para ser o melhor ser humano possível, mesmo com os defeitos todos que tenho. Sou super teimoso, mas não o vejo como teimosia, e aprendi com o meu pai. Não tenho problemas em pedir desculpa, não tenho problemas em pedir perdão quando erro ou em perdoar as pessoas quando erram comigo porque acho que não há tempo a perder. Estamos cá por tão pouco tempo que acho que não temos de guardar rancores. As coisas têm de passar, temos de seguir a vida para nós próprios. Como ser humano tento ser a melhor versão de mim mesmo e falo muitas vezes disso com amigos e família, mas depois do estatuto que ganhei, se puder ser um exemplo, assim seja. Há pessoas que me conhecem toda a vida. Estive numa corrida de corta-mato, em Santo António dos Cavaleiros, onde me foi feita uma homenagem e revi pessoas que sendo muito novo, já corriam, já iam a provas e já levavam os miúdos, já influenciavam muitas pessoas.

São os tais que nunca desistiram…
Continuam lá. Para mim foi espetacular rever toda a gente. Eles conhecem-me desde sempre e há uma coisa tão boa de sentir que é o olhar deles, nunca mudou quando olham para mim. Quando era miúdo olhavam para mim com carinho, amor e admiração, e eles continuam a ter aquele olhar. Foi tão bom sentir isso…

Sabemos que com a fama, e com tanta medalha, há pessoas que às vezes se deslumbram ou que acabam por mudar, mas como estavas a dizer, se calhar vem do berço, da família, da educação, de valores que nunca se perdem…
Eu sei que o que me fez chegar lá foi mesmo estes valores. Se não tivesse tido este berço não teria lá chegado. Acho que as pessoas que realmente mudam é porque não sabem quem são. É o mais triste nisto da fama, é as pessoas realmente não se conhecerem, não saberem aquilo que gostam, aquilo que é importante, aquilo que é uma prioridade e o que realmente interessa nesta vida. As pessoas que se deixam mudar por momentos de fama, consigo entender, mas são pessoas ocas. Eu espero um dia ser pai, espero um dia influenciar jovens a fazer desporto, espero continuar ligado ao desporto. Quero fazer parte da formação de um atleta e da pessoa, e isso sim é um exemplo. São exemplos destes que temos de seguir, não é só o grande atleta mas que depois fora da pista é uma pessoa arrogante, uma pessoa que não tem sequer empatia para com uma criança…

Estamos a falar de valores dentro e fora…
Sem dúvida. A pior coisa que me pode acontecer, e que já aconteceu dentro de grandes competições, que é um amigo meu, uma pessoa que eu admiro muito, que considero meu amigo, lesionar-se à minha frente, é a pior coisa que me pode acontecer. Por isso tive de criar certos mecanismos. Eu estou na prova mas não estou a ver nada porque não quero que nada me influencie. Trabalhei para aquele momento. Já me aconteceu deixar-me influenciar por um acidente de trabalho e sentir-me frustrado. Acho que não está documentado, mas na realidade nota-se quem se preocupa realmente com a competição e o que é que são as prioridades.

Vamos continuar precisamente a falar de competição. Pedro Pablo Pichardo é uma espécie de sucessor do Nelson Évora no atletismo português. Estás tranquilo com isso?
Eu estou. Encontrei uma foto muito engraçado há pouco tempo, em que em 2015 nós demos a volta de honra ao estádio juntos. Ele ainda representante de Cuba e a conversa que nós tivemos foi super agradável, embora a imprensa tenha feito aqui o bom e o vilão para vender mais. Eu olhava para aquela foto e pensava que a vida dá voltas incríveis, não é? Acho que é bom haver sucessores e saber que somos uma referência. Ele já conquistou os maiores títulos que eu conquistei, mas é bom saber que outros virão e isso será uma referência para eles.

Atleta de 38 anos foi campeão olímpico, campeão mundial e tricampeão europeu ao Ar Livre e em Pista Coberta, entre dezenas de títulos na carreira

Getty Images

Mas na altura a troca de palavras foi muito acesa. Quando te lesionaste nos Jogos de Tóquio disseste que se te cruzasses com Pichardo não o cumprimentarias…
Eu nunca disse isso.

Foi citado pelo menos em alguns órgãos da comunicação social.
Eu nunca disse isso.

Mas já conversaram depois do que aconteceu?
Não porque ele nunca me cumprimentou. Já disse isso várias vezes. Eu sempre fui super educado com ele e com o pai dele, e não sei se foi por assumirem as dores de outras questões clubísticas mas deixou de me cumprimentar. Eu não tenho de correr atrás de ninguém. Sou educado para toda a gente e se eu sou educado para quem eu não conheço, porque é que não hei de ser bem educado para um colega meu de trabalho?

Mas mantêm-se as críticas à rapidez do processo de nacionalização?
E acho que a imprensa aproveitou-se disso para criar aqui uma história, uma rivalidade, e eu nunca disse que não. A única coisa que eu disse, e fui crucificado e sofri bullying a sério, e as pessoas olharam torto para mim, por algo que nunca disse… Nos Jogos Olímpicos de Tóquio lesionei-me… Vou-vos dizer uma coisa que vou guardar para sempre e recordo-me mais vezes disso do que da minha própria medalha de ouro. Lesionei-me e todos os meus adversários vieram abraçar-me e cumprimentar-me, dizendo coisas que para mim são super humanas, que me dão um orgulho enorme. ‘Eu aprendi a saltar triplo salto com os teus vídeos’, ‘Eu queria ser como tu’. Eu era a referência deles. Em algum momento da vida deles eu fui a referência deles e isso fez-me chorar, porque estava cheio de dores pela lesão, e senti o carinho de todos. Quando eu saí do estádio eu disse isso ao jornalista e o jornalista perguntou ‘E o Pichardo, disse-lhe alguma coisa?’ e eu disse que não. Mas a vida é assim, hoje não me diz nada amanhã pode ser que diga. Hoje estamos em cima amanhã podemos estar em baixo. A vida encarrega-se de nos dar as maiores lições. Foi a única coisa que eu disse. Eu nunca disse que não falava com ele, ou que ele era isto ou era aquilo.

Nunca considerou que o processo de naturalização de Pichardo foi mais rápido e portanto, há uma situação que é repetida várias vezes, que é “Eu tive de esperar 11 anos pela nacionalidade”?
Não acho justo, e vou continuar a não achar justo, como existem ‘n’ atletas que ainda estão à espera da nacionalidade.

Mas não é melhor que seja assim, que seja mais rápido e que não demore tanto tempo como na altura do Nelson?
Mas tem de ser igual. Aqui a questão é a igualdade de oportunidade. Não faz sentido termos uma atleta como a Agate [Sousa], que é de São Tomé, e a colega não tem a nacionalidade e tem de andar a pedinchar a nacionalidade. É uma ex-colónia portuguesa, e são atletas que podem fazer resultados espetaculares. Eles e elas só querem uma oportunidade, então que seja dada da mesma forma, foi o que eu disse. Eu tive de esperar 11 anos, não achei justo.

Houve também críticas por causa da frase “Estou aqui a dar uma entrevista em português e não é preciso pôr legendas. Todas as minhas vivências são daqui, expresso-me em português, escrevo e falo português, andei na escola portuguesa”. Achas que isto deve ser considerado como uma vantagem para um atleta ser português?
A única coisa que quero é igualdade de oportunidade. Um atleta vem, faz o seu pedido de interesse para a nacionalidade, é analisado o caso, é visto que o atleta tem interesse em ficar no país. Como qualquer estrangeiro que venha para Portugal, tem que viver cinco anos, tem de ter o papel de residência durante cinco anos. Aqui é uma questão de desporto, porque cinco aos é muito tempo para um desportista, e eu entendo que seja três meses, mas que seja três meses para toda a gente. Não que seja dez anos para um atleta, porque realmente não teve a mesma oportunidade, ou não teve as mesmas cunhas, mas para outro atleta, por uma questão clubística…

Pedro Pichardo teve uma cunha?
Teve. E é nisto que eu fui sempre contra. Desculpem, mas não tenho papas na língua, e não é à toa que o Pichardo está em Portugal. Houve um triplo saltador que fez as coisas que eu fiz e tive de sair de um clube para ser substituído mas Nelson Évora vai ser sempre Nelson Évora. Nem eu próprio às vezes tenho noção daquilo que eu fiz. Eu às vezes tenho de olhar duas vezes para trás para recordar isto tudo. Nunca vou ter noção das coisas que eu fiz.

Nelson Évora foi adversário de Pichardo por Cuba em algumas competições até 2019, altura em que o saltador fez a primeira prova pela Seleção

Andy Lyons

Calha estarmos a falar numa semana em que Pedro Pablo Pichardo ganhou mais uma medalha de ouro nos Europeus de Pista Coberta, na Turquia. Estás feliz com isso?
Eu estou muito feliz, prefiro que as medalhas venham para Portugal do que sejam para outros países. Se ficarmos em sexto lugar na tabela de medalhas, a realidade é que sexto lugar à frente de Espanha, de França, não espelha a saúde desportiva do atletismo, é tudo uma fachada. Tudo o que está abaixo disto é oco. Não temos jovens a surgir no encalço do Pichardo, no meu encalço, não temos, e não temos nem incentivos nem referências para isso. Em todas as áreas, neste caso. No triplo temos, mas o Pichardo não tem um sucessor. Temos o Tiago Pereira, que espera que ele salte. Ele treina comigo agora e eu digo para ele saltar, mas a seguir a ele não temos um jovem júnior que esteja a saltar 16 metros, que possamos dizer ‘Se ele salta 16 metros nos juniores, quer dizer que vai saltar 17 metros em sénior, e se saltar pode ser que ganhe uma medalha’. Eu fico contente que ele traga, mas isso é do interesse de quem? Quem é que lucrou com isso? Foi Portugal? Claro. O investimento foi feito a curto prazo. Foi comprado um atleta para poder ter resultados a curto prazo.

Comprado é uma palavra forte…
Mas é como é. Nós temos atletas que chegaram antes do Pichardo e que ainda não têm a nacionalidade, eu dei aqui uma referência exata. Não pode acontecer isto. Eu sei que amanhã vão estar outra vez a massacrar-me nas minhas redes sociais mas não pode. Eu não tenho nada contra ele e nunca tive nada contra ele. Agora, eu estive cá 11 anos, estudei em Portugal, optei por não competir por Cabo Verde, por não competir pela Costa de Marfim, que até me sentia envergonhado… Quando dou de caras com eles, com as federações das minhas origens, eu baixo a cabeça, e são as minhas raízes… Eu não quis porque eu vim para cá com seis anos e é disso que estamos a falar hoje. O que é que eu sei sobre Costa de Marfim? Não sei nada. O que é que eu sei sobre Cabo Verde? Sei porque tive em casa duas pessoas cabo-verdianas que me deram educação com os valores da terra. À parte disso, todos os meus amigos são portugueses, tudo o que eu adquiri foi em Portugal, e quando me foi dado a escolher, em grande frustração como juvenil, eu recusei. Fui criticado na altura mas não me vou sentir bem em vestir uma camisola de um país que eu não sinto. As pessoas têm de deixar de atacar sem perceber o contexto ou aquilo que leem porque eu nunca ataquei. Eu quando disse isso foi porque me equipararam a este processo e eu nunca passei por isso. Fico extremamente ofendido quando me dizem que também me deram. Eu lutei muitos anos, passei muitos anos em embaixadas, registos centrais com o meu pai…

"As pessoas têm de deixar de atacar sem perceber o contexto ou aquilo que leem porque eu nunca ataquei. Eu quando disse isso [sobre a naturalização de Pichardo] foi porque me equipararam a este processo e eu nunca passei por isso. Fico extremamente ofendido quando me dizem que também me deram. Eu lutei muitos anos, passei muitos anos em embaixadas, registos centrais com o meu pai... (...) Não aceito, nunca vou aceitar e vou morrer a dizer que não é a mesma coisa"
Nelson Évora


Já viram o filme “The Pursuit of Happyness”, com o Will Smith? Parte desse filme faz-me lembrar a minha infância. Eu nunca faltei às aulas, faltei às aulas para tratar de documentos. Eu saía de casa às 4h30 da manhã para tirar senha nos registos centrais. Por isso sinto-me super ofendido quando me dizem ‘Tu também’. Eu sou a pessoa mais brincalhona mas isto são coisas que me ferem no íntimo. Como é que as pessoas podem dizer isto? Não aceito, nunca vou aceitar e vou morrer a dizer que não é a mesma coisa. São três meses e eu cumprimento todos os responsáveis e digo assim ‘Graças à vossa cunha, mudaram uma coisa, que agora o atleta já não tem de esperar cinco anos, que é o processo de naturalização de qualquer estrangeiro que vem para Portugal e que tem de esperar cinco anos’. A não ser que seja fugitivo político ou refugiado, pronto, mas
ele não é uma coisa nem outra, ele e outros muitos atletas. Eu sei da realidade e na minha equipa metade são cubanos e eles contam-me a realidade de Cuba. Cortaram-lhes a eletricidade e estão 40 graus dentro de casa; não poderem matar uma vaca para comer e terem fome porque se matarem uma vaca vão para a prisão. Acho muito bem o que ele fez, e quando falo dele falo de todos, agora, deem a oportunidade a todos, por favor…

Introduzindo o tema das redes sociais, falamos cada vez mais abertamente, as redes sociais têm coisas maravilhosas, e tens muita coisa para mostrar, mas depois também tem o outro lado, o da exposição, em que alguém que está no computador se sente com todo o poder para chamar e para dizer tudo o que apetece simplesmente por não estar frente a frente. Como é que tu lidas com essas mensagens menos positivas?
Vou ser sincero: durante muito tempo afastei-me das redes sociais, tanto que não são muito ativas, e agora a pouco e pouco vou fazendo algumas coisas porque tem de ser orgânico, tem de ser natural, para cuidar de mim. Acho que as redes sociais vieram camuflar muitas frustrações que existem por aí, muito ódio que existe por aí, por isso senti-me num momento em que estava a absorver esse ódio. Por isso é que disse, ser o exemplo já não é aquilo que eu quero, não é aquilo que eu procuro. Eu procuro ser eu mesmo. Se servir de exemplo, que assim seja. Se as pessoas gostarem, se as pessoas quiserem replicar aquilo que eu fiz, vou-me sentir super feliz com isso, quer dizer que eu tive uma boa conduta. A minha pessoa, o meu lado desportivo e o meu lado humano, serviu de exemplo. E já sei que serviu. Que tenha servido de exemplo a uma pessoa para mim já valeu a minha existência, todo o esforço, todas as lágrimas, as operações que eu já fiz, todos os momentos de dor que já tive e os dramas da minha vida pessoal que tentei congelar para ganhar mais uma medalha valeram a pena. Eu mais não posso fazer. Eu neste momento já estou em fase final de carreira e a
única coisa que eu quero é desfrutar do meu corpo enquanto jovem atleta. Quando realmente deixar de ser atleta, vou continuar a ser jovem. Já não vou ser jovem atleta. Um atleta tem de levar o seu corpo a 110%. Se nós não pensarmos como um jovem atleta, não seremos capazes de recriar resultados espetaculares. Esta é uma grande verdade. Eu tenho 38 anos, e hoje cruzei-me com uns amigos meus que já têm 60 e 70 anos, e tratavam- me como um atleta que já tinha terminado. A verdade é que me sinto um jovem atleta porque sou jovem. Eu consigo recriar-me e fazer o que fazia quando tinha 20 anos, não consigo é recuperar tão rapidamente. Mas aqui não é a questão de recuperar. É recriar alta performance e isso eu consigo fazer até ao dia em que eu disser ‘Meus amigos, foi um prazer, foi um espetáculo, obrigado por me acompanharem’.

Atleta de 38 anos admite já ter uma data para a retirada mas não quer revelar publicamente para que todos continuem a competir contra si da mesma forma

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Esse dia já está marcado no calendário ou ainda não?
Na minha cabeça está.

Qual é que é?
Não vou dizer.

Mas tens uma data?
Tenho. Não quero que as pessoas olhem para mim e compitam comigo como se fosse a última vez, mas sim como se fosse a primeira vez. Que as pessoas olhem para mim com a mesma vontade, a mesma garra com que olhavam para mim na altura. Quando nós dizemos ‘É aqui’, as pessoas dizem ‘Ah, então vamos dar uma margem de erro porque já está no final’. Não quero isso, não quero esse olhar. Eu sinto muito o olhar das
pessoas, já falei disso e não quero isso. A fase que eu mais sofri foi quando eu me lesionei. Parti a tíbia e o olhar das pessoas de me verem barbudo, cabeludo, descuidado em termos de visual, super deprimido, a fazer uma recuperação super pesada, e as pessoas a olharem e a pensarem ‘O que este homem foi e aquilo que ele é’. Porque a nossa maior vaidade é o nosso corpo. Um atleta que parte uma tíbia passa muito mal e sentir isso no olhar das pessoas, a olhar e a pensar que já não vai dar, a falarem disso entre eles… Eu ouvia… Aquilo era uma facada para mim. Por eu estar em baixo quer dizer que já estou acabado? Não pode ser, por isso prefiro ter esta postura de não anunciar quando me for retirar. Eu quero que as pessoas, quando estiver qualificado para uma grande competição, depositem a fé que elas têm em mim como sempre fizeram. É isso que quero.

"Um documentário seria algo espetacular, algo muito dramático, muito profundo e sei que se as pessoas realmente soubessem da minha história, acho que iria ser referência para todo o sempre na cultura portuguesa para além das medalhas. Porque isto não é uma história só de medalhas, é uma história da vida de alguém que lutou pelos seus sonhos, que teve os seus dramas como qualquer ser humano, mas que sempre optou por fazer o melhor que podia para si, para todos os que ama e para toda uma nação."
Nelson Évora

E depois disso, obviamente, já pensaste se gostavas de ter um projeto ligado ao atletismo, uma escola, sempre ligada ao atletismo…
Acho que é um desperdício tantas anos de atletismo serem desperdiçados, toda a experiência que eu adquiri até hoje ser desperdiçada a fazer outra coisa qualquer. Posso dizer isto com 100% de certeza, um documentário seria algo espetacular, algo muito dramático, muito profundo e sei que se as pessoas realmente soubessem da minha história, acho que iria ser referência para todo o sempre na cultura portuguesa para além das medalhas. Porque isto não é uma história só de medalhas, é uma história da vida de alguém que lutou pelos seus sonhos, que teve os seus dramas como qualquer ser humano, mas que sempre optou por fazer o melhor que podia para si, para todos os que ama e para toda uma nação. Eu estou muito feliz hoje.
Sinto-me uma pessoa muito concretizada, por ter esse respeito a nível internacional e nacional, e é aí que eu vou tendo a pequena noção daquilo que eu fiz. Como já disse, isto é um loop. Nós ganhamos uma medalha, metem-nos a medalha no peito, olhamos para ela, metemos dentro da caixa, e venha a próxima. Não há tempo para saborear, ficamos a pensar na próxima. Onde falhei? Será que posso saltar mais? Será que o meu corpo chega mais além? É isto que nós fazemos no dia a dia, desafiamos o nosso corpo a ir mais além.

Então dissemos tudo certo logo no início, feliz e concretizado…
Super feliz e super concretizado.

[Veja aqui a entrevista a Nelson Évora em vídeo]

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