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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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Nazaré da Costa Cabral: equilíbrio aparente das contas públicas “não nos deve apaziguar". "Admito que as coisas possam agudizar-se”

Medidas de apoio seletivas, definir prioridades para gastos públicos, olhar adequadamente para lei da atualização das pensões. São as sugestões de Nazaré da Costa Cabral, em entrevista ao Observador.

O crescimento da economia de 6,7% em 2022 e o défice melhor do que o esperado não são suficientes para que Nazaré da Costa Cabral recomende um suspiro de alívio. É que há vários “mas” na equação das contas públicas — porque não é claro que a tendência para o equilíbrio, que o Conselho das Finanças Públicas (CFP) projeta que chegue em 2025, seja “estável” e porque é melhor não dar como certa a trajetória de descida da dívida pública. Além de que há “carências em vários lados”, da Saúde à Educação e até na Defesa, que ganham maior peso e pressão perante a contestação social. E por vezes atacam-se várias frentes ao mesmo tempo, sem definir prioridades.

Contas públicas caminham para o equilíbrio em 2025. Em 2022 défice terá ficado nos 0,5%, projeta CFP

Em entrevista ao Observador, após a divulgação das perspetivas económicas e orçamentais da entidade, a presidente do CFP, Nazaré da Costa Cabral, não vê sinais de preocupação na subida do desemprego — pelo menos para já — por ser um reflexo não do aumento do número de desempregados, mas antes da população ativa, que interfere com o denominador da fórmula usada pelo INE.

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Sobre as pensões, concorda com a alteração da lei da atualização automática, que tem sido suspensa em vários anos ou complementada com aumentos extraordinários “que furaram completamente a lógica” da legislação. Para a administração pública, volta a pedir uma reforma, mas avisa (ainda antes de se saber que o Governo planeia reforçar os aumentos salariais de janeiro): no final deste “ciclo inflacionista” há que avaliar a dimensão da perda de poder de compra.

A entidade que não se tem inibido de manifestar preocupação com a execução do PRR volta a fazê-lo, alertando que a “bazuca” corre o risco de “ficar esgotada por força da própria inflação” e de não ser sempre usada da devida forma. “Eu não ponho de parte — oxalá eu me engane — que chegados ao fim do PRR, andemos ali nos últimos meses ainda a tentar distribuir assim uns fundos por várias áreas para dizer que se executou integralmente o PRR em coisas que não são necessárias, e que depois vão ter um caráter completamente supérfluo”, antecipa.

A economia portuguesa cresceu, em 2022, 6,7%. Vai continuar a crescer nos próximos anos. A dívida, em percentagem do PIB, desce. O défice desce a caminho do equilíbrio. As coisas estão assim tão bem como aparentam? Há motivos para não estarmos preocupados?
Eu creio que este cenário que nós hoje apresentamos em políticas invariantes tem essa dimensão de nos mostrar uma realidade que parece ser aparentemente de equilíbrio. Estamos de regresso quase a um equilíbrio orçamental, como já estávamos até no ano anterior à pandemia. A nossa dívida pública parece agora finalmente conseguir baixar a fasquia dos 100% em relação ao produto…

Mas há um “mas”.
Mas há um “mas”. Porque muito deste progresso está associado àquilo que é o comportamento da despesa corrente primária. Ou seja, em políticas invariantes [sem novas medidas discricionárias de política orçamental], perspetivamos que muito deste resultado orçamental se fica a dever à ideia de estabilização, por assim dizer, em percentagem do PIB, da despesa corrente primária e, nomeadamente, da despesa que nós habitualmente qualificamos como sendo a mais rígida — a despesa com pessoal e a despesa com prestações sociais. É essencialmente o lado da despesa que justifica este desempenho.

O problema é que precisamos de mais despesa?
Exatamente. Isto em políticas invariantes. A vantagem de um cenário em políticas invariantes é que nos diz que se nada fosse feito, se não houvesse decisões de política, se não houvesse necessidades de política, isto teria mais ou menos este comportamento. Agora, como sabemos, este é um momento de grande tensão na gestão do nosso Estado e particularmente do nosso Estado social. Estamos perante uma espécie de encruzilhada, em que a gestão de finanças públicas nos últimos anos, como sabemos, foi uma gestão em que muitos destes resultados resultam de sacrifícios. Ou seja, sacrificou-se o investimento público, fizemos uma contenção muito apertada, houve uma espécie de um espartilho na gestão de muitas dotações orçamentais — as chamadas dotações centralizadas, as cativações. Enfim, essa gestão foi muito condicionadora da ação dos próprios serviços da administração pública. Houve esse controlo também da despesa ao nível de pessoal, com restrições quer do ponto de vista dos aumentos, quer do ponto de vista das avaliações e das progressões. E agora estamos num momento em que de repente há uma espécie de implosão social, em que tudo aquilo que são carências de investimento, mas também ao nível de certa despesa corrente, de repente surgem. E vemos estas pressões a entrar em vários lados. Vemos na Saúde, na Educação, também na Segurança Social…

Até na Defesa.
Até na Defesa, nessa componente militar.

E nos salários da administração pública…
Nas várias áreas.

“Esta é uma situação que não é de estabilidade, é de instabilidade. Porque começamos a ver carências em vários lados”

Disse na conferência de imprensa [que decorreu na terça-feira, após a divulgação do relatório sobre as perspetivas económicas e orçamentais 2023-2027] que está por fazer essa reforma da administração pública. Exatamente o quê, em que sentido?
A questão é esta. Como nós neste momento vemos esta ideia de equilíbrio, temos de perguntar: Será que é um equilíbrio estável ou instável? Será que podemos confiar que vamos ficar agora assim e contar que temos assegurada a permanência desta trajetória da descida da dívida, de sustentabilidade das nossas finanças públicas? Agora creio que esta é uma situação que não é de estabilidade, é de instabilidade. Porque começamos a ver carências em vários lados, que têm um significado social grande, solicitações muito fortes de vários setores. Isto significa que os decisores são confrontados com a obrigação, que se calhar não tiveram até aqui. Não basta cativar. É preciso começar a olhar para a despesa pública pela forma certa. É preciso olhar com sentido reformador no sentido de gerirmos melhor, com maior eficiência, tentando eliminar fatores de ineficiência que existem em vários setores. E o caso da saúde é paradigmático. Aliás, é sobejamente reconhecido pelos especialistas da área que a saúde, o SNS (Serviço Nacional de Saúde), tem um conjunto de ineficiências, quer ao nível mais macro da gestão do sistema no seu todo, com a complexidade de instituições, de entidades, quer ao nível mais micro, na gestão de todos aqueles fatores que são indutores de despesa no SNS. Portanto, temos que ter uma atenção muito diferenciadora relativamente a esses fatores de ineficiência. Mas depois ainda resta saber se, resolvido esse problema da ineficiência, isso bastará.

CFP calcula que défice de 2022 tenha ficado em 0,5% e que o de 2023 se fixe em 0,6%

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Se as contas certas são compatíveis com o Estado social ou com as necessidades de despesa que existem num Estado social?
Sobretudo quando temos necessidades crescentes, que são postas pela demografia. As pessoas estão a envelhecer.

E pela falta de investimento durante uma série de anos?
Estão a necessitar de novos equipamentos, de novos apoios, de novo tipo de serviço público, que neste momento o Estado não está em condições de oferecer.

É possível compatibilizar estas duas vertentes: investimento e acudir às necessidades da despesa e continuar a ter finanças públicas sustentáveis?
Creio que vai ter de ser feita uma gestão muito mais cuidadosa da despesa pública, com aqueles aspetos de reforço dos níveis de eficiência e de gestão que há pouco estava a dizer. E, provavelmente, vamos ter de fazer opções. Isto é, o Estado vai ter de pensar exatamente o que é que é prioritário em termos da sua ação, o que tem de fazer. Porque há uma questão que os economistas se fartam de mencionar. É que não é só a questão do custo contabilístico — evidentemente que fazer uma despesa pública envolve um custo. Aliás, desde logo, é um problema que temos — temos muita dificuldade em estudar, conhecer os custos de cada atividade pública. Porque não temos programação, não fazemos, ao nível das várias instituições, verdadeira contabilidade analítica que nos permita saber quanto é que custa realizar as atividades.

Até a demonstração de resultados do Estado é deficitária.
Exatamente. Até ao nível da própria gestão e dos instrumentos de gestão temos dificuldades. Mas depois a questão é saber que além desse custo contabilístico, as opções envolvem custos de oportunidade. Esta ideia de que tudo pode ser resolvido com mais dinheiro, mais dinheiro, isso é completamente falacioso, não existe. Ou seja, optar por alocar recursos públicos numa determinada área, num determinado tipo de despesa, se nós quisermos manter a situação financeiramente estável ou equilibrada, melhor dizendo, tem uma de duas implicações. Ou se reduz esse fator de despesa noutro lado, ou então temos meios adicionais de financiamento. E aquilo que vejo é que muitas vezes somos incapazes de fazer estas opções. Dispersamos fundos públicos por várias áreas, queremos ir apagar os fogos que se fazem sentir em várias áreas e não paramos para pensar exatamente qual o grau de prioridade da despesa.

"Eu não ponho de parte — oxalá eu me engane — que chegados ao fim do PRR, andemos ali nos últimos meses ainda a tentar distribuir assim uns fundos por várias áreas para dizer que se executou integralmente o PRR em coisas que não são necessárias, e que depois vão ter um caráter completamente supérfluo."
Nazaré da Costa Cabral, presidente do CFP

“Pode até dar-se o caso de o PRR ficar esgotado por força da própria inflação”

Nesse sentido, o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] foi uma oportunidade perdida?
Sou, de facto, crítica em relação ao PRR e temos no CFP manifestado algumas preocupações. Não quero estar aqui só a fazer de conta que estou no lado escuro da lua. Às vezes é preciso passar pelo lado escuro da lua, mas também ter uma perspetiva de otimismo. Em relação ao PRR, o que gostaria de dizer é que creio que há aqui um problema seminal no PRR que inquinou todo o mecanismo dali para a frente. Este é um instrumento de financiamento europeu, gizado a nível europeu, num contexto de emergência — a situação de pandemia que se estava a viver. E de repente é desenhado um programa megalómano, que vai atribuir fundos enormes, colossais, aos países. Portugal é um grande beneficiário do PRR, com um montante que equivale sensivelmente a 7,5% do seu produto, um valor muito substancial. A verdade é que, de repente, há um programa para ser executado num período relativamente curto de tempo.

Até 2026.
Acho que as empresas, mas sobretudo desde logo o próprio Estado, os serviços da administração, não estavam preparados para receber tamanha quantia de verbas. Fizeram-se as várias componentes do PRR, as várias rubricas em cada componente, e de repente os serviços veem-se com montanhas, verbas avultadíssimas para gerir, que eles próprios não sabem ou não saberiam à partida onde é que iriam alocar. Isto dificulta.

Nazaré da Costa Cabral preside ao CFP desde 2019

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Isso também contribuiu para a falta de execução?
Desde logo prejudica a execução. Porque sem se saber onde é que vamos alocar, como alocar, como realizar esta despesa, é evidente que há logo ali um problema de origem para executar a despesa. E depois é a questão da própria racionalidade. Eu não ponho de parte — oxalá eu me engane — que chegados ao fim do PRR, andemos ali nos últimos meses ainda a tentar distribuir uns fundos por várias áreas para dizer que se executou integralmente o PRR em coisas que não são necessárias, e que depois vão ter um caráter completamente supérfluo. Se juntarmos a isto aquilo que são os aspetos de implementação, de fazer chegar dinheiro às empresas, e agora estas consequências decorrentes da própria inflação, que podem ser consequências — e chamo a atenção para isto — muito sérias, de implementação do PRR… É que pode até dar-se o caso de o PRR ficar esgotado por força da própria inflação, mas com realização de muito menos investimento do que aquele que estava projetado.

Porque são mais onerosos.
Exatamente. Para um volume muito menor de investimento, estamos a usar PRR, mas de facto o seu impacto depois vai sendo menor. Se não houver reforço e se não houver alteração, até eventualmente nos períodos de execução, as coisas podem ficar muito críticas. Por exemplo, uma área onde isso se pode fazer sentir, e está a ter já dificuldades a esse nível, é na habitação. É uma parte importante na componente da resiliência, que recebe verbas significativas, com um programa muito ambicioso de construção de habitação para as famílias, nomeadamente as mais necessitadas. E a verdade é que está a ter problemas na sua execução, muito por força, por um lado, das dificuldades que resultam do próprio setor da construção civil, a que temos de ser capaz de responder. E depois é a questão da inflação que está a prejudicar os próprios procedimentos concursais, a execução das obras e por aí fora.

Em 2023 ainda não haverá um avanço significativo. O que está a atrasar o PRR e que desenvolvimentos veremos este ano?
Nós fizemos essa revisão em baixa da componente de formação bruta de capital fixo, em particular, na componente que resulta do investimento público porque, olhando para aquilo que tem sido o perfil de execução até aqui, notamos que as coisas estão atrasadas. Por outro lado, 2023 é um ano ainda muito marcado pelas tensões inflacionistas que prejudicam o lançamento de concursos e, eventualmente, pode atrasar alguns investimentos. E há toda a incerteza deste cenário — porque o PRR é investimento público mas também é privado. Neste momento há uma incerteza, mesmo para o setor privado, para os empresários, avançarem neste contexto de incerteza e problemático do ponto de vista económico, geopolítico e por aí fora. Daí termos feito esta revisão e estarmos neste momento a projetar que 2024 e 2025 são os anos em que o PRR finalmente ganha alguma tração do ponto de vista da execução efetiva e da forma como os montantes chegam à administração pública e às empresas, ou seja, aos seus destinatários finais.

Presidente do CFP rejeita pressões políticas

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

É possível estimar se, sem PRR, estaríamos com um crescimento nulo?
Neste momento o que se pode dizer é que o PRR dá um contributo não tão relevante ou expressivo em 2023 — mas, como digo, dá, sim, nos níveis de crescimento em 2024 e 2025. De facto, há uma evolução do crescimento por via da formação bruta de capital fixo nesse ano. Por outro lado, também se olharmos para um aspeto que não é de somenos, a nível do crescimento do PIB potencial, há um pequeno salto no crescimento do PIB potencial resultante do impacto do PRR nomeadamente ao nível da alocação de capital, o fator capital. Porque o PRR tem essencialmente efeito a esse nível. De alguma forma, consegue compensar um problema que é sério, que estruturalmente vai atingir — não digo neste horizonte temporal mas mais para a frente até — que é o decaimento da população ativa e, com isso, o decaimento da produtividade do trabalho, que é algo sobre o qual temos de rapidamente pensar também.

Em relação ao défice projetado pelo CFP para 2022, que é de 0,5%, sexta-feira ficaremos a conhecer o número do INE. Isto significa que o Governo se prepara para fazer um brilharete, que deveria ter ido mais além nas ajudas ou fez bem em optar por esta restrição orçamental?
Não me quero pronunciar, não quero fazer comentários em relação à orientação política e às opções políticas do Governo. De facto, isto é o dado objetivo que podemos retirar, a situação está próxima do equilíbrio orçamental, é isso que estamos desde já a estimar. Agora, como dizia, este é o momento em que este equilíbrio que, aparentemente nos deveria apaziguar, chamo a atenção: não deve apaziguar de todo. É um momento difícil e admito que as coisas possam agudizar-se. Ou seja, nesta perspetiva estritamente orçamental nós temos que ter sempre toda a prudência. Chamo a atenção para isto, por causa da nossa dívida, da situação económica do país. Os níveis de crescimento que projetamos também, mesmo com o PRR, não são propriamente de nos deixar tranquilos.

Há pouco perguntava a importância do PRR para o PIB porque se retirarmos essa componente o nosso crescimento, de facto, é diminuto.
É muito diminuto.

E é diminuto estruturalmente. Ou seja, precisamos de um PRR contínuo para conseguirmos um crescimento que permita pagar as dívidas?
Era importante que começássemos a olhar para a nossa economia e ver quais são, de facto, os problemas estruturais que a economia tem, imaginando que não tínhamos o PRR, e começar a pensar nesses problemas e na forma de os resolver sem estarmos sempre a contar com os PRR, porque de facto eles podem não vir ou não voltar a aparecer.

Mas em 2022  havia margem para o Governo ter ido mais além, acudir mais as famílias, sobretudo as mais vulneráveis, ou fez bem em deixar alguma margem para o que pode acontecer este ano?
É uma opção difícil. Neste momento existe uma ideia de que — aliás isso já aconteceu durante a pandemia — estas medidas devem ser, por um lado, temporárias, desenhadas como sendo temporárias, e por outro lado, tanto quanto possível — embora no caso português isso nem tenha acontecido, noutros países da Europa isso é mais evidente — devem ser seletivas, especialmente dirigidas. E nós, no caso português, se pensarmos naquilo que foram as grandes medidas ao nível da redução do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), dos apoios em determinadas áreas, verificamos que muitas delas não são marcadas por essa seletividade. Outros apoios sim. Por exemplo, aquelas últimas medidas do ano, os tais apoios às famílias mais carenciadas, já são marcadas por uma ideia de seletividade. Agora, de facto a gestão é complexa, é complicada. Por outro lado, também devo chamar a atenção: nós não temos só esta questão da despesa corrente, temos depois áreas que são, neste momento, conjunturalmente problemáticas, como estas despesas de capital que o Estado teve de fazer nos últimos anos. Terminou o processo de reestruturação do Novo Banco e agora temos a TAP. E, como digo, tudo tem um custo de oportunidade.

O primeiro-ministro já disse que esta semana vão ser anunciadas novas medidas e deu a entender que seriam direcionadas à famílias e à economia [a entrevista aconteceu antes de António Costa anunciar a possibilidade de descer o IVA de alguns produtos alimentares e de compensar a função pública]. Que medidas é que o CFP não quer ver nesse pacote? Medidas como, por exemplo, as que limitem as margens de lucros ou aumentos de preços?
Não me quero pronunciar sobre essa questão, porque está na ordem do dia do ponto de vista político. É uma questão que até assumiu uns contornos altamente politizados e eu não quero entrar por aí. Em relação à questão dos lucros excessivos, se são ilegítimos se não, não sei. É preciso que sejam as autoridades competentes a fazer essa avaliação, se de facto há situações ilegítimas ou até ilegais por violação da legislação que prevê os crimes de natureza económica, nomeadamente um crime de especulação financeira. De facto, por vezes nestas situações poder-se-ia pensar que empresas com algum poder de mercado — penso que é isso que está em causa até do ponto de vista teórico —, neste caso na área fundamentalmente do retalho, podem concertar preços entre si, nomeadamente aproveitando a dinâmica inflacionista que exponencia as hipóteses de concertação de preços, usando da sua capacidade oligopolista ou oligopsonista que detêm. Agora, eu por ora, não vejo indícios nesse sentido, estou à espera que isso seja demonstrado, de que há uma fixação ilegítima dos preços. De todo o modo, a inflação — e isto estamos a ver — em si mesma é um mal indesejável para a economia. Aliás, estes problemas que eventualmente estamos a assistir, mesmo se duvidar que os preços são legítimos, porque na cadeia os retalhistas acrescentaram mais “x” às suas margens do que aquilo que deveriam, isso resulta do caráter distorcivo da inflação. A capacidade de sinalização dos preços num contexto de estabilidade de preços — os bens procurados tendem a ver os seus preços aumentados, e os que são menos procurados tendem a ver os seus preços diminuídos — perde-se, porque às tantas é tudo volátil. Portanto, o que isto nos está a mostrar é que se nós queremos resolver este tipo de perceções e este tipo de desconfiança, que pode ter a sua razão ou não — como digo não quero estar a alimentar essa discussão —, compete às autoridades sabê-lo, resulta do próprio caráter distorcivo da inflação. E, de facto, a inflação traz mais perdedores do que ganhadores, essa é que é a verdade.

CFP tem criticado execução do PRR

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

E há muita inflação importada, mas não conseguimos medi-la.
E depois nunca conseguimos medi-la, porque os canais através dos quais ela se repercute ao longo de toda a cadeia de produção são vários, muito complexos, os produtos são de vária índole, e às tantas estimar o que é que isto significa efetivamente em termos de um lucro que se considera ser legítimo ou ilegítimo é perturbador, porque a inflação, ela própria, é um fenómeno muito perturbador.

O pacote Mais habitação não foi analisado pelo CFP nem tido em conta nestas projeções…
Não não, nem ele está quantificado, não temos informação. Para já não estaríamos em condições de o integrar. Muitas medidas nem estão devidamente regulamentadas. Foi aprovado um diploma, que ele próprio está com algumas dúvidas na sua exequibilidade, portanto não quero avançar nada.

Mas admite que possa ter um impacto negativo.
Claro. Mais ou menos significativo em função daquilo que for os seus montantes e do seu impacto para as contas públicas.

Também não tiveram em conta a situação atual do sistema bancário mundial. Tendo em conta estas duas vertentes de que forma é que as projeções se podem alterar?
Antes de mais nada podem ter um efeito negativo sobre o comportamento da economia, se de facto a situação se agudizar, criando mais instabilidade no sistema financeiro, no sistema bancário. É evidente que isso é sempre um elemento disruptivo no sentido negativo do termo para a própria economia. E depois há a questão de saber até que ponto isto pode afetar a própria dinâmica da dívida, ou seja do ponto de vista do custos de financiamento, se por acaso alguma tensão no mercado de dívida surgir é evidente que Portugal, sendo uma entidade que se financia nos mercados…

Mas já viram sinais?
Por ora, nas últimas emissões elas ainda não estão presentes. Não temos ainda nenhuma evidência de que possa haver efeitos a esse nível, temos de aguardar mais um pouco.

"No final deste ciclo inflacionista há que avaliar qual o impacto em termos de poder de compra para os trabalhadores da administração pública."
Nazaré da Costa Cabral, presidente do CFP

“Não vejo grandes tensões ao nível do aumento do desemprego”

Também projetam o aumento do desemprego para 6,4% este ano. Há riscos de que o desemprego possa disparar?
Não vejo esse risco. Creio que muito desta projeção em termos de desemprego está não tanto associada às perspetivas de aumento do número de desempregados, mas essencialmente ao aumento da população ativa. Tem a ver com a forma como se calcula a própria taxa de desemprego, neste caso com o efeito denominador. Porque é de admitir que muitas pessoas que ficaram de fora do mercado de trabalho durante a pandemia estejam agora a querer regressar. Isso pode estar a ter um impacto. Por outro lado, não vejo grandes tensões ao nível do aumento do desemprego, e isso também é uma questão que pode vir a ter consequências sobre a evolução dos salários. Temos em certos setores já carência de mão de obra, ou seja, já se começa a denotar que há pleno emprego nesses setores, e isso pode puxar também pelos salários. Por outro lado há aqui também uma questão que cada vez mais se nota que é uma procura, nomeadamente por parte de empresas estrangeiras, em relação à mão de obra portuguesa, sobretudo qualificada. Isso é uma dinâmica que devia ser devidamente escalpelizada.

Em que sentido?
A forma como o mercado de trabalho e o emprego estão a evoluir nos últimos anos, mesmo agora neste período, porque creio que estão a acontecer mudanças interessantes e importantes no nosso mercado de trabalho que as estatísticas, os inquéritos ao emprego, se calhar não capturam totalmente e acho que conviria olhar para esse ponto com muita atenção. Talvez tenhamos mais emprego do que aquele que se calhar os registos estatísticos nos dão. Se calhar isso também significa que a componente salarial, o nível de remuneração, é diferente das perceções que eventualmente temos dessas remunerações. Há uma coisa que para nós tem sido difícil de explicar que é o comportamento das contribuições sociais nos últimos anos, porque elas estão sempre a crescer acima do próprio crescimento das remunerações. Isto é algo para o qual é muito difícil ter uma narrativa que explique bem o que esta a acontecer. Acho que era muito importante quer em termos de tratamento estatístico, quer em termos de análise olharmos para esta questão — mercado de trabalho/evolução das remunerações no nosso país. São indicações, mas era interessante investigar isto com profundidade.

Mas considerando os 6,4% de projeção para a taxa de desemprego não é um valor que assuste?
Não, por estas razões que estou a dizer. Agora, preocupa-me muito a dinâmica da população ativa, isso sim, que é o facto de estarmos cada vez mais perante uma população envelhecida com tudo o que isso significa em termos da capacidade de produzir futura da nossa economia. Isso é que me preocupa. Para já não dizer depois os impactos sobre as finanças públicas, sobre o sistema de pensões e por aí fora.

Não vê necessidade do regresso, então, de medidas de apoio ao emprego, como o lay-off. Não se justificaria com uma taxa a 6,4%.
Não vejo, não equaciono, mas para isso evidentemente teria de acontecer uma deterioração muito profunda da situação económica e da dinâmica económica.

"A verdade é que, ao que tudo indica, estes critérios [das pensões] não têm servido, e portanto sou defensora neste caso, como no geral, que se uma lei está lá e depois não é aplicada é porque há um problema, logo, se calhar é melhor repensá-la."
Nazaré da Costa Cabral, presidente do CFP

Mudar lei das pensões? Sim, mas “tem de ser muito bem estudado”

O CFP estima que uma das causas para o défice acelerar em 2023 para 0,6% é o aumento dos salários da função pública. A decisão do Governo para este ano parece-lhe que foi equilibrada, de dar um aumento de 52 euros até um certo patamar e depois para os mais elevados um aumento de 2%?
Não quero comentar e pronunciar-me especificamente sobre medidas de política. Essa que está prevista no acordo que foi celebrado traz este impacto, em 2023, ao nível da valorização salarial que é um valor que tem significado para este ano, ele depois vai sendo descontinuado ao longo do tempo. Agora, e isto também é objetivo, há que avaliar depois qual é o impacto de perda do poder de compra. No final deste ciclo inflacionista há que avaliar qual o impacto em termos de poder de compra para os trabalhadores da administração pública.

Isso também se aplica aos pensionistas. O Governo já defendeu que os pressupostos da fórmula de atualização das pensões devem ser alterados, equacionando períodos de inflação mais alargados. Concorda com este caminho de acautelar estes períodos de inflação alta?
Esta lei é uma lei de 2006. Nós próprios já tivemos oportunidade de nos pronunciar sobre ela. É uma lei que desde que entrou em vigor praticamente nunca foi respeitada na sua plenitude, ou porque muitas das atualizações foram suspensas, ou porque depois houve atualizações extraordinárias que furaram completamente a lógica que tinha estabelecido, ou porque depois tivemos uma atualização antecipada. Portanto, ela nunca foi plenamente aplicada. Recordo-me que, na altura, um dos argumentos que tinha sido invocado aquando da sua criação era a ideia de que os pensionistas deveriam partilhar com os trabalhadores no ativo, na atualização das suas pensões, a evolução das contingências económicas. Tal como para os contribuintes o agudizar de uma situação económica pode ter efeitos negativos, também os pensionista devem de alguma maneira suportar contingências económicas negativas, vendo as suas pensões menos atualizadas e às vezes até com alguma perda de poder de compra.

Nomeadamente para as pensões mais elevadas.
A lógica era termos uma partilha entre todos, ativos e não ativos, daquilo que é a mudança de ciclos. Nos anos bons todos beneficiam, e nos anos menos bons ou negativos todos devem suportar esse efeito. Até numa lógica de pensarmos a própria evolução do sistema de pensões para futuro. A verdade é que, ao que tudo indica, estes critérios não têm servido, e portanto sou defensora neste caso, como no geral, que se uma lei está lá e depois não é aplicada é porque há um problema, logo, se calhar é melhor repensá-la. Isto tem de ser visto do ponto de vista técnico, atenção. Não é uma alteração feita assim sem se estudar. É preciso fazer um modelo, tem de haver uma análise econométrica por trás para que se perceba exatamente o que se pretende em termos de desenho futuro do regime de atualização de pensões e como é que ele deve evoluir no contexto daquela que é a evolução do próprio sistema previdencial, da situação financeira do sistema previdencial. Uma coisa não pode ser desligada. Portanto, não vejo que se possa agora autonomizar este regime, e vamos agora alterar as regras, sem sequer saber como é que vai evoluir o sistema previdencial. Isto tem de ser muito bem estudado.

Em tempos o agora líder parlamentar do PS acusou o CFP de criar pânico e desconfiança nas suas projeções. Sente alguma pressão política por causa das projeções que faz? Sentiu alguma vez? E essa desconfiança atenuou?
Não sinto pressão política e mesmo que sentisse sou completamente indiferente a ela, devo dizer. Por outro lado, acho que as nossas projeções não servem para criar pânico, as nossas projeções servem para criar realismo, prudência na gestão das finanças públicas. A mensagem nunca é uma mensagem de pânico, antes pelo contrário. É uma mensagem de que temos este pano de fundo, esta é a nossa realidade, mostrámos as nossas projeções e a partir daqui temos de ser cuidadosos, responsáveis. Acima de tudo o CFP existe para reforço da responsabilidade de todos na gestão das finanças públicas do país.

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