Artigo atualizado ao longo do dia
Assunção Cristas estava no “interior do interior do país“, em Miranda do Douro, mas a líder do CDS acabou a ter de explicar que está mesmo tudo bem no interior do interior do partido. O histórico Paulo Portas ainda não teve tempo para estar com Assunção Cristas, mas esta quarta-feira foi ao distrito de Aveiro, onde é mandatário da lista distrital, a uma ação de campanha de João Almeida. Numa visita a uma tanoaria e rodeada de madeira (um bom presságio para os centristas dada a coligação que se desenha no arquipélago homónimo), a presidente do CDS garante que estão “todos a trabalhar no mesmo sentido” e que nota como “muito positivo esta disponibilidade [de Paulo Portas] para trabalhar lado a lado para um grande resultado”.
Sobre o facto de ainda não haver sinais da presença de Portas na volta nacional, Cristas garante que o ex-líder vai estar numa ação ao seu lado. Só não sabe quando: “Há-de ter a ver com a agenda dele, a agenda dele é muito muito complicada, anda muito por fora, portanto há-de haver um momento em que nos vamos encontrar, mas ainda não sei qual é“. A leitura de Cristas sobre a ação paralela de Portas e João Almeida desvaloriza qualquer rutura com o seu antigo mentor: “A leitura que faço é que nos desmultiplicamos para conseguir o melhor resultado possível”.
No CDS, foi Portas quem fez uso da sua influência para que Assunção Cristas fosse uma candidata de unidade à sua sucessão. E para muitos centrista era conselheiro de luxo da presidente do CDS. Questionada sobre se, numa fase tão importante como a campanha, tem conversado com o antecessor, Cristas admitiu: “Não temos conversado muito, mas o suficiente para perceber que estamos os dois muito empenhados em ajudar. E como sabem, o dr. Paulo Portas foi sempre cabeça de lista por Aveiro e perante um desafio que o nosso cabeça de lista por Aveiro lhe fez para ser mandatário e lhe dar uma ajuda ele disse presente. E isso é muito. Também já tínhamos combinado que, em algum momento, nos íamos encontrar na campanha, mas a nossa volta já está a correr e a volta dele é por outras partes do mundo.”
Na manhã desta quarta-feira, em Oliveira de Azeméis, Paulo Portas justificou que sempre disse que “seria amigo do partido nos momentos decisivos” e não ignorava a fraca prestação nas sondagens: “Se as circunstâncias forem difíceis ainda mais necessário é esse gesto”. Quanto a nova presença na campanha, o ex-líder não deu aos jornalistas a mesma certeza que Cristas: “Para já ficamo-nos por aqui e o resto se verá com o tempo.”
Com ou sem Portas, a líder do CDS quer marcar “pela diferença” um “projeto político diferente para Portugal, que liberte a força criadora e a força de trabalho das pessoas”. A líder do CDS não quis quantificar nem sequer dizer se seria bom manter os 18 deputados, dando uma resposta mais genérica: “O nosso objetivo sabem bem qual é conseguir contribuir para termos uma mudança de políticas em Portugal”. E terminou a dizer que quer para o CDS o melhor resultado possível. “Acredito que se os indecisos forem votar, podemos ter uma boa surpresa”.
A juntar a tudo isto, o CDS de Aveiro informou primeiro os órgãos locais (no dia 23 de setembro) do que o CDS nacional informou os órgãos nacionais (a 24 de setembro) sobre o “reforço” Portas. Pormenor: a carta de Portas, que também tinha a assinatura do porta-voz e cabeça de lista por Aveiro, tinha a data do dia 23 de setembro.
Não, não e não. Marcelo como “papagaio-mor” não é assunto para a líder do CDS
O CDS tinha as antenas viradas para o interior e queria começar a manhã na zona do Douro a falar sobre o estatuto fiscal que propõe para as zonas do interior de Lisboa. Primeiro numa fábrica da Continental, em Vila Real, depois no Museu do Douro, em Peso da Régua, onde se falou de rangers e Cristas aproveitou para acusar o governo de retomar políticas do Estado Novo. Mas a guerra era outra: a atualidade entrou em força na campanha depois de o Presidente da República ter dito em Nova Iorque que não é “um criminoso” e negar o envolvimento no caso das armas desaparecidas.
A campanha segue dentro de momentos, mas, para já, Tancos. Assunção Cristas lembrou que o CDS é que promoveu a Comissão Parlamentar de Inquérito ao desaparecimento das armas e acabou por votar “contra o relatório final porque ilibava o governo de qualquer responsabilidade”. Isto quando, na leitura do CDS, havia sinais do envolvimento do ministro Azeredo Lopes.
Para Cristas, o caso levou a uma “degradação muito grande das áreas de soberania” e lembrou que foi também por isso que o partido apresentou “duas moções de censura no Parlamento”. A líder do CDS, que apoiou a candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, ignorou a sequência de perguntas sobre o chefe de Estado. As notícias dão conta que o Presidente saberia mais do que disse publicamente e que teria sido referido como “papagaio-mor do reino”.
O que pensa do envolvimento do Presidente? “Estamos a uma semana e meia das legislativas e o Governo esteve mal, não acautelou o furto e aparentemente foi conivente ou cúmplice no encobrimento e numa farsa montada para a recuperação do material. As pessoas têm a sua arma, é irem votar no dia 6 de outubro“. E Marcelo? “Não farei mais nenhum comentário. Estamos a tratar de eleições legislativas e não farei mais nenhum comentário ” Mas o que tem a dizer das declarações do Presidente: “Que temos eleições legislativas e todos têm a oportunidade de censurar este governo.”
Cristas nem a palavra “Presidente” ou “Marcelo” pronunciou. Os jornalistas perguntaram, mas a caravana passa.
“Tenho muitos vinhos felizmente em casa, hoje daqui não levo vinho”
De regresso à caravana, a segunda ação do dia foi em Peso da Régua, ao Museu do Douro. Durante a visita, Assunção Cristas aproveitava para sugerir que os jovens deviam ser mais envolvidos na vindima. E apresentou uma proposta que consta do programa do CDS em que os jovens podem ter “rendimento no trabalho sazonal, que pode ser na colheita [da uva], mas também durante o ano em part-time, que não englobe os pais e que não lhes retire nenhum apoio, nem de abonos, nem de ações sociais escolares, etc”.
Cristas deu como exemplo o que se passa em França, já os responsáveis da casa do Douro explicaram que, ao contrário dos franceses, onde as quintas estão preparadas para receber esses jovens, no Douro não existe “estrutura de alojamento”. Aí, o cabeça de lista do CDS no distrito vizinho de Viseu, Hélder Amaral, interveio, numa nova referência militar que nada tem a ver com Tancos: “Ainda há dias pedi aos Rangers, nós temos aqui uma unidade de forças especiais [em Lamego], camaratas para a apanha da fruta“. Este já é um material militar sobre o qual interessava mais falar ao CDS.
Sobre o vinho do Douro e do Porto, Cristas defendeu que é preciso “vender mais e melhor com melhor preço, para que possa ser mais bem pago ao produtor”. Também ali, com o Douro na paisagem, Cristas vê razões para apontar o dedo ao governo: “Com a viragem à esquerda no país, tivemos o abandono deste modelo de livre inscrição e de regulação do próprio setor, para um modelo de novo estatizante, um modelo que é igual ao do Estado Novo”. A líder do CDS acusa assim o governo de Costa de impor um modelo igual ao do regime ditatorial e diz que “é extraordinário perceber como uma receita estatizante do passado é agora de novo aplicada por este governo das esquerdas”. Para Cristas este modelo é mesmo “inconstitucional porque obriga ao associativismo para se poder produzir aqui vinho. E achamos que isso é contrário à liberdade”.
Sobre se ia levar alguma garrafa para festejar a 6 de outubro, Assunção Cristas confessa que não vai levar vinho para Lisboa: “Tenho muitos vinhos felizmente em casa, hoje daqui não levo vinho, levo só esta preocupação que se olhe para esta região e se criem condições para que as pessoas sintam que se pode viver neste território.”
E se a manhã já ia longa, Cristas ainda não tinha falado das palavras de Nuno Melo no comício da noite de terça-feira, em que disse que o que está em causa nas eleições é respirar “ar puro”. Cristas não quis polemizar: “O que está em causa é alternativa de centro e de direita, que aposta na liberdade das pessoas, que valoriza a iniciativa privada, que cada um cumpra o seu sonho de vida, o seu projeto de vida.” Sobre se concorda com o eurodeputado do CDS quando este diz que a imprensa que não é livre, Cristas utilizou a mesma tática que tinha utilizado com Marcelo: respondeu ao lado.
Cristas defende “zona franca” que tanto pode existir na China como em Portugal
Logo pela manhã, a líder do CDS visitou a fábrica Continental Advanced Antenna, que produz 17 milhões de antenas por ano e que exporta 99,9% dos produtos que produz. E tudo isto a partir bem do interior: da zona industrial de Vila Real. Foi a estreia das batas na comitiva em período oficial de campanha, um clássico das caravanas partidárias.
Cristas defendeu, no fim da visita, um”verdadeiro estatuto de benefício fiscal para o interior”, que consta do programa do CDS e que inclui IRC a 10% para empresas que se estabeleçam no interior, metade do IRS para os cidadãos dessas zonas e ainda compensações com descontos em portagens. A líder centrista lembrava que, para criar este estatuto, é necessário “negociar com Bruxelas”.
Neste caso a atualidade ajudou. Quando no ponto seguinte foi questionada pelos jornalistas sobre a aprovação do nome de Elisa Ferreira na comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu, Assunção Cristas aproveitou o balanço de estar no interior: “Espero que [Elisa Ferreira] possa ajudar a aprovar um estatuto de benefício fiscal para o interior em Bruxelas. Esta é uma reforma estrutural para o país.”
Cristas defendeu ainda a existência de uma “zona franca”. A líder do CDS explica que “na área digital, que pode ser desenvolvida em qualquer parte do mundo, no interior de Portugal ou no interior da China, devemos criar uma zona franca regulatória. Com possibilidade de testar coisas novas, sem grandes constrangimentos do ponto de vista de regulação, porque se estamos a testar produtos novos, deve ser feito com mais liberdade.”
A líder do CDS só falou em dois momentos aos jornalistas, mas tiveram ambos mais de sete minutos. Respondeu a tudo, mas em alguns casos (como nas perguntas sobre Marcelo ou Nuno Melo) respondeu ao lado. A certa altura, já a sessão de perguntas ia longa, chegou a pedir: “Já chega, já chega. Senão estou a dar conferências de imprensa todos os dias“.