“Finalmente ganhamos alguma força nesta doença terrível.” Rob Howard, professor da University College London, não esconde o entusiasmo com o novo medicamento para a Doença de Alzheimer. “Parece importante e histórico. Isto vai encorajar-nos a sentir um otimismo real de que, um dia, a demência poderá ser derrotada e até curada.”
O professor de psicogeriatria (psiquiatria na terceira idade), em declarações à Sky News, é efusivo, como muitos outros especialistas, depois de alguns meses de contenção entre a comunidade médica. Esta terça-feira, os resultados finais do estudo de um novo medicamento foram publicados no New England Journal of Medicine, depois de os resultados preliminares terem sido divulgados em setembro. Apesar de serem promissores, os especialistas preferiram esperar pelos resultados finais antes de mostrarem a sua euforia.
A nova droga chama-se Lecanemab e foi desenvolvida em conjunto pela Biogen (Estados Unidos) e a Eisai (Japão). No ensaio clínico com quase 1.800 doentes, realizado ao longo de 18 meses, a conclusão final foi de que, de facto, o medicamento consegue reduzir a velocidade do declínio mental dos doentes com Alzheimer. Essa quebra é de 27% quando comparada com os doentes que receberam o placebo — uma diminuição considerada “modesta”, mesmo que histórica.
Até à data, todos as investigações para curar, tratar ou retardar a Doença de Alzheimer falharam. A Biogen desenvolveu um outro medicamento, o Aduhelm, mas a autoridade norte-americana de medicamentos, a FDA, considerou que a sua eficácia não tinha sido demonstrada de forma suficiente, aprovando-o apenas para casos leves da doença.
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Medicamento tem efeitos secundários, como inchaço do cérebro
Agora, nas conclusões deste novo estudo, os investigadores são cuidadosos: este é apenas o primeiro passo e que há um longo caminho a fazer, inclusive no estudo dos efeitos secundários.
“Ao longo de 18 meses, o Lecanemab reduziu os marcadores de amilóide na doença de Alzheimer precoce e resultou num declínio moderadamente menor nas medidas de cognição e função do que o placebo, mas foi associado a eventos adversos”, lê-se no estudo.
Nos doentes de Alzheimer surgem amilóides (placas de proteínas) em volta dos neurónios, capazes de os destruir. No entanto, o papel destas placas na doença não é consensual.
“Ensaios mais longos são necessários para determinar a eficácia e a segurança do Lecanemab no início da Doença de Alzheimer”, acrescenta a equipa de investigadores. Durante o ensaio clínico, morreram 13 pessoas: seis tomavam o medicamento, sete o placebo. No entanto, nenhuma das mortes foi relacionada com a toma do medicamento, segundo os investigadores.
Por outro lado, um em cada oito doentes (entre os que receberam o medicamento) sofreram inchaços cerebrais que os investigadores acreditam poder estar relacionados com o desaparecimento das placas de proteínas, ressalvando que esse inchaço só foi notado em exames cerebrais. Menos de um em 30 doentes teve sintomas como dores de cabeça ou confusão.
Outra questão é o valor do tratamento com este fármaco: entre 10 a 30 mil libras por ano (11.500 a 34.600 euros) por um efeito que não é ainda absolutamente certo que seja sentido pelos doentes.
Apesar de todos os “ses”, a comunidade médica encontra motivos para comemorar. “Acredito que confirma uma nova era de modificação da Doença de Alzheimer”, defendeu o diretor do Centro de Pesquisa de Demência da University College London. “Uma era que chega depois de mais de 20 anos de trabalho árduo em imunoterapias anti-amilóides, por muitas, muitas pessoas, e muitas desilusões ao longo do caminho”, acrescentou Nick Fox, também professor de neurologia clínica, em declarações ao Guardian.
Sobre os efeitos adversos, o neurologista não os desvaloriza, mas lembra que, quando se é afetado pela doença, há riscos que se está disposto a correr. “Qualquer risco é claramente importante, mas acredito que muitos dos meus doentes estariam dispostos a correr esse risco.”
Resultados eram ineficazes ao fim de 12 meses
O facto de, ao longo do estudo clínico, os resultados terem melhorado também leva os investigadores a acreditar que o declínio mental possa vir a ser superior com a manutenção do tratamento ao longo de vários meses. Quando a pesquisa ia nos seus 12 meses de vida tudo levava a crer que o Lecanemab não funcionava.
No entanto, seis meses depois, com 18 meses de tratamento acumulado, os resultados já mereciam ser comemorados: a proteína amilóide tinha diminuído ao ponto de estes doentes não poderem ser aceites no estudo do Lecanemab, caso se tivessem apresentado no início do estudo com marcadores tão baixos. Assim, segundo a equipa, o que o estudo sugere é que só depois das placas de proteína atingirem níveis bastante baixos é que os efeitos clínicos, e a diminuição do declínio cognitivo, se tornam evidentes.
Por isso, acreditam que o tratamento contínuo levará a resultados ainda melhores.
“O Lecanemab não é uma panaceia”, defendeu Jonathan Schott, outro professor de neurologia da University College London. “Apesar disso, dá-nos uma prova que a Doença de Alzheimer não é um problema impossível: é potencialmente tratável e talvez até evitável.”
Para o neurologista, é importante continuar a expandir a investigação e até cruzar diferentes medicamentos que se foquem em aspetos diferentes do Alzheimer. “Em última análise, é provável que sejam necessárias terapias combinadas” para se derrotar a doença, acredita Jonathan Schott.
A chegada do medicamento ao mercado não tem, para já, data à vista. Primeiro, deverá passar à fase seguinte de ensaios clínicos, que implica uma maior amostra de doentes. Em seguida, é preciso a aprovação das autoridades do medicamento de cada país como, por exemplo, da FDA nos Estados Unidos e ad EMA (Agência Europeia do Medicamento) na União Europeia.
Mesmo aprovado, cada país terá depois de negociar com o laboratório o custo do medicamento, papel que em Portugal cabe ao Infarmed.
“Ainda há um longo caminho a percorrer antes que o Lecanemab esteja disponível” no serviço nacional de saúde inglês (NHS), afirma Richard Oakley da Alzheimer’s Society, citado pela Sky News, referindo-se ao caso concreto do seu país.
É preciso esperar pelo processo de aprovação no Reino Unido, lembra o especialista, sublinhando um detalhe importante. “Não nos podemos esquecer que o Lecanemab só pode ser administrado a pessoas com doença de Alzheimer precoce que tenham amilóide no cérebro. Isso significa que pessoas com outros tipos de demência, ou nos estágios avançados da doença não podem se beneficiar desse medicamento.” Em última análise, isso pode tornar o medicamento demasiado caro para ser suportado, neste caso, pelo NHS.