Não foi por acaso que o CDS marcou as jornadas parlamentares para o dia seguinte ao 1º de maio, dia do trabalhador. O CDS não quer deixar os temas vistos como tradicionalmente de esquerda à mercê dos partidos da esquerda. Em entrevista ao Observador, no final do primeiro dia de trabalhos das jornadas, Nuno Magalhães, líder parlamentar, admite que o emprego está a aumentar e o desemprego a diminuir e que, em nome da “estabilidade”, não reverteria o que está a ser feito. Mas “há muito a melhorar”, e o CDS quer fazer parte desse diálogo.
O mês de maio vai, por isso, servir para o CDS apresentar no Parlamento um conjunto de propostas sobre política laboral, sendo que nem todas passarão por alterações à lei, mas sobretudo às “práticas”. Admitindo que o CDS “não é contra a existência de contratos a termo” em determinados contextos, e que “um contrato a prazo é melhor do que não haver contrato, e um contrato sem prazo é melhor do que um contrato a prazo”, Nuno Magalhães avança apenas que as propostas estarão sempre em linha com a concertação social e não com o conflito entre trabalhadores e empregadores.
Quanto à Europa, Nuno Magalhães está “preocupado” com o que se está a assistir em termos da questão das dívidas soberanas, dos refugiados, do combate ao terrorismo e dos populismos, mas com uma líder europeísta convicta, o tema é sensível.
O CDS abriu as jornadas parlamentares destes dois dias com o tema do trabalho e das políticas laborais. Porquê este tema e porquê agora, já que é um tema tradicional da esquerda?
É tradicionalmente da esquerda mas de forma abusiva, desde logo porque é um tema que interessa a todos os partidos políticos. O objetivo dos partidos é ir ao encontro das preocupações das pessoas, jovens e menos jovens, reformados que são pais e avós, e uma das suas grandes preocupações é precisamente o trabalho. O CDS sempre teve pensamento e ideias em relação ao trabalho que são diametralmente opostos da esquerda, que passam não por uma luta de classes e tensão entre trabalhadores e empregadores, mas sim pelo consenso.
Não foi por acaso que convidamos representantes dos trabalhadores [UGT], dos empregadores [CIP], e também da faculdades, porque é através desta trilogia que podemos resolver vários problemas. Estamos em maio, um mês especialmente simbólico do ponto de vista laboral. A escolha não foi por acaso. Entendemos que a estabilidade é um valor importante. Do ponto de vista do contexto político, neste momento, o essencial é não reverter, não é retroceder, mas haverá seguramente coisas a melhorar e estamos disponíveis para, ouvindo essas partes, contribuir para isso.
Então admite que as coisas estão melhores do que estavam, ao nível do desemprego e da criação de emprego.
Sim, não tenho problemas nenhuns com isso. O que é bom para o país é bom para o CDS, o que não quer dizer que não possa ser melhorado o quadro legal e as práticas. Podemos fazer recomendações, mas também — e isto é da mais elementar justiça –, os resultados têm muito a ver com as reformas que foram feitas e que foram bem feitas.
Mas foram revertidas.
Algumas foram revertidas entretanto, vamos ver os efeitos. Espero, e digo isto com sinceridade, porque não fazemos oposição do “quanto pior melhor”, espero sinceramente que as reformas que foram entretanto revertidas — e que não foram assim tantas como as que se tinham anunciado –, não venham travar ou impedir esse esforço de redução do desemprego. Essas reformas terão contribuído seguramente para o início da redução do desemprego, que foi lenta, mas que foi descendo de forma crescente.
As pessoas estão habituadas a ouvir o discurso do combate à precariedade, da valorização do trabalho e do combate aos falsos recibos verdes pela boca dos partidos de esquerda. Qual é a abordagem da direita a estas questões afinal? Qual é a visão do CDS?
Não queria adiantar propostas concretas que ainda estão a ser estudadas, estamos a ouvir a sociedade civil, os parceiros sociais, o gabinete de estudos; o que posso dizer é que o nosso modelo, ao contrário do destes partidos que apoiam o Governo, é valorizar o diálogo social, o consenso, a interação com as empresas e as universidades, e isso é toda uma diferença em relação à tensão social que parece que se anuncia que aí vem. A forma de resolvermos esses problemas, como o da precariedade, é procurar perceber o problema, mas não é pondo trabalhadores contra empresários que se vai resolver a precariedade abusiva. Percebemos hoje que há tarefas que, pela sua natureza — ou que têm a ver com um evento em concreto, ou com um ano de trabalho em concreto –, que não deixarão de ser feitas de forma temporária. Também não somos contra a existência de contratos a termo. Mas sempre dissemos que um contrato a prazo é melhor do que não haver contrato, e um contrato sem prazo é melhor do que um contrato a prazo. Essa visão pragmática e de conciliação social, de tratar igual aquilo que é igual, e diferente aquilo que é diferente, é o que nos separa seguramente de uma visão de esquerda.
Mas concorda com o slogan da esquerda, nomeadamente do PCP, que tem repetido a ideia de que tem de haver um contrato efetivo para cada posto de trabalho permanente? E que é preciso integrar todos os trabalhadores precários na máquina do Estado?
Ninguém discorda disso. Mas o que vejo do atual governo não passa de uma mera declaração de intenções, como quase em relação a tudo. O que o PCP, BE e o PS reivindicam como sendo um grande avanço laboral do seu mandato é um estudo, não sabemos mais nada. Elencar, perceber o fenómeno é errado? Não, claro que não. Vamos ver é as soluções que vão sair dali. Porque estamos habituados a esta maioria, que gosta muito de adjetivar e carregar nas expressões quando é para debater, mas quando é para fazer e decidir ou baixa sem votação ou resume-se tudo a um relatório, ou recalendarizam-se as coisas. Estamos disponíveis para esse debate, não vamos deixar esse tema para a esquerda, porque não é um tema exclusivo da esquerda. Queremos contribuir porque é um problema que preocupa os portugueses. E para que servem os partidos políticos senão para tentarem arranjar soluções? Podem passar por soluções legislativas, outras não.
O facto de o CDS estar a agarrar agora esta bandeira do trabalho, que não faz parte do discurso do PSD, não é também uma maneira de se antecipar ao PSD?
O adversário político do CDS é este governo e esta maioria, não é o PSD.
Mas desde que mudou de líder e desde que caminhamos para novas eleições, o CDS está a fazer um caminho muito mais para o centro do que para a direita, que seria o seu espaço político de origem. É aos descontentes do PSD que o CDS está apostado em ir buscar votos?
O CDS quer ir buscar votos onde os há.
Precisamente, é ao centro que há mais votos.
Não sei. Uma das lições que os partidos políticos têm de tirar destes últimos anos é que cada vez mais as pessoas são mais livres, são menos ideológicas e menos estanques no seu voto. Nenhum partido é dono do voto. E também ficamos a saber que o que interessa não é ter mais votos, é ter mais deputados na Assembleia da República. Por isso, o que temos de fazer é propostas concretas para problemas concretos e ansiedades concretas, sem dividir isso do ponto de vista de ser de direita, de centro ou de esquerda. Não há aqui nenhuma tática política de marcar o PSD, o PSD não é o nosso adversário político, o nosso adversário é a atual maioria de esquerda e a nossa preocupação política são os portugueses. Se os portugueses estão preocupados com matérias laborais e se nós temos uma visão diferente da esquerda, então temos obrigação de a mostrar e mostrar que podemos fazer propostas.
Essa visão diferente não sei se ficou muito clara. Assunção Cristas nestas jornadas parlamentares falou apenas numa ideia concreta, a da eventual criação da possibilidade de os trabalhadores tirarem uma espécie de licença sabática para “repensarem” a vida e a formação profissional. Quais são mesmo as ideias do CDS para melhorar o emprego?
Em primeiro lugar a valorização da concertação social; depois a importância de envolver as universidades; de tratar igual o que é igual, desigual o que é desigual; de reforçar a fiscalização; de não alterar a legislação mas alterar algumas práticas.
Não vão querer alterar a legislação laboral?
Em alguns casos, noutros alterar, mas não alterar a legislação só por alterar e não reverter aquilo que foi feito. Sobretudo alterar práticas. Há um conjunto de medidas que estamos a pensar do ponto de vista transversal, não queria estar a antecipar porque estamos de facto a ouvir contributos.
Acha que não haverá eleições legislativas tão cedo?
Acho que não. O Governo será para quatro anos, temos dito sempre isso. Porque há algo muito importante que une esta maioria. Há uma chamada muralha de aço, como definiu o deputado socialista Ascenso Simões, que é uma muralha de aço que tem como solidificação a consolidação do poder, não com vista a um determinado objetivo político, mas apenas para manter o poder para a satisfação de determinado tipo de clientelas. Portanto, o poder está a inebriar o BE e o PCP ao ponto de abdicarem de algumas bandeiras, mas da nossa parte vamos continuar a fazer o nosso trabalho e vamos para já pensar apenas nas autárquicas.
Numa altura em que a esquerda e a direita estão tão polarizadas, o que é que pode levar as pessoas a votar no CDS e não no PSD? Estiveram os dois partidos no Governo, estão os dois intimamente ligados a esse período…
Essa pergunta parte de um pressuposto com o qual não concordo, que é pensar que quem poderá votar no CDS é apenas quem já votou e quem só tem como opção votar no PSD. Não concordo com esse pressuposto. A questão não é colocada dessa maneira: queremos é que as pessoas, em geral, as que já votaram no CDS, as que nunca votaram, as que ficam habitualmente em casa, possam votar no CDS.
Apostar na abstenção?
Apostar nas pessoas e na confiabilidade das propostas do CDS.
Assunção Cristas é candidata à câmara de Lisboa. O que é que acontece depois ao CDS se ganhar ou se tiver um bom resultado? Se ganhar já disse que não se candidata a deputada, que não será a candidata do CDS a primeira-ministra…
O CDS tem tido uma perspetiva muito pragmática e muito prioritária das coisas: a prioridade do CDS é ter um bom resultado autárquico. Estamos em Aveiro onde temos duas câmaras e onde temos legítimas aspirações de ter mais, mais câmaras, mais autarcas. É nesse aspeto que estamos a trabalhar. Em Lisboa, em concreto, o objetivo é ter o melhor resultado possível, e acho que vamos ter um grande resultado.
Se Assunção Cristas tiver um bom resultado em Lisboa sairá com a confiança reforçada e com provas dadas dentro do partido. Isso será um fator extra para o CDS querer ir a eleições legislativas sozinho?
É muito cedo. Houve um congresso que elegeu Assunção Cristas, em 2016, e onde definimos prioridades de ação, é nisso que estamos focados e do ponto de vista das eleições estamos apenas concentrados nas autárquicas, porque é isso que abrange o mandato para o qual Assunção Cristas foi eleita. Para discutir aquilo que vão ser as opções do CDS nas legislativas, como acreditamos que não vai haver legislativas antecipadas, terá de haver outro congresso. Na vida atual tudo muda muito rapidamente.
Isso vale para os dois partidos da ex-coligação.
Claro, mas quando isso o que posso dizer é que continuo a ter no Parlamento uma relação institucional impecável com o PSD em geral e com Luís Montenegro em concreto.
Falava há pouco no apoio a Rui Moreira, no Porto, que Assunção Cristas anunciou desde logo no congresso. Esse apoio acabou por ser visto como uma moeda de troca para o PSD vir a apoiar uma candidatura de Assunção Cristas em Lisboa, e numa entrevista recente ao Público Assunção Cristas disse que um dos fatores que impediu Passos Coelho de apoiar a sua candidatura foi o facto de achar que ia haver legislativas antecipadas. Houve aqui um desentendimento em termos de leitura política entre estes dois partidos. Isso impede entendimentos futuros?
São partidos diferentes que se respeitam, mas eu repito que o PSD não é o nosso adversário político.
Mas olham de maneiras diferentes para o futuro.
O que é normal, é normal que haja diferenças de visão e de estratégia entre os dois partidos. Tanto assim é que nestas autárquicas até vamos ter mais coligações do que nas autárquicas de há quatro anos.
O CDS não tem um discurso muito definido sobre a Europa…
Mas vai passar a ter. Teremos uma conferência sobre a Europa nas próximas semanas.
Assunção Cristas é europeísta convicta mas acha que faz sentido o CDS recuperar um pouco do cariz eurocético ou euro-calmo que tinha noutro tempos, no tempo de Manuel Monteiro e até de Paulo Portas? Deve ter um discurso mais firme contra os problemas e os constrangimentos das instituições europeias, até para se demarcar do PSD?
Eurocético seguramente não. Euro-calmo também não. Pergunta-me se o CDS deve ser europeísta? Deve. Deve gostar do que está a assistir na Europa em desafios e temas tão grandes como a questão das dívidas soberanas e dos refugiados, do combate ao terrorismo, dos populismos, se deve estar contente com isso? Não, não tem motivos nenhuns para estar.
O que é que pode fazer para mudar isso? Não devia o CDS ser mais interventivo nesta matéria?
O CDS tem sido interventivo. No âmbito das instituições europeias o CDS deve contribuir para melhorar aquilo que me parece que manifestamente não é uma Europa que atravessa os seus momentos mais brilhantes, e isso tem de ser assumido. Mas isso não me torna eurocético. Pelo contrário, se eu sou algo, só fico preocupado quando esse algo não está a funcionar como acho que poderia e deveria estar, e face aos acontecimentos, era exigível que estivesse. Mas isto, digo-o a título pessoal.