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Entrevista ao deputado Yegor Chernev do parlamento ucraniano. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Ucrânia, 18 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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O deputado de Zelensky que anda de granada no bolso para matar russos — e morrer em vez de se render

Observador em Kiev: as reuniões secretas do Parlamento; os ciberataques ucranianos aos russos; e o negociador do boné. Yegor Chernev juntou-se aos militares, anda armado e deram-lhe um carro blindado.

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Às portas deste edifício onde antes funcionava um grande negócio privado aberto ao público estão agora vários guardas armados, blocos de cimento e sacos de areia para proteger as instalações em caso de ataque russo. Yegor Chernev, 36 anos, vem buscar o Observador à entrada e convida-nos a subir, para um salão que tem agora várias mesas cheias de militares armados que aqui se reúnem, numa espécie de quartel-general improvisado da Força de Defesa Territorial ucraniana.

É deputado do partido Servidor do Povo, a que pertence o Presidente Zelensky, mas não pode receber o Observador no Parlamento, que nesta altura só abre em segredo, para aprovar leis especiais relacionadas com a guerra. Antes de dar a entrevista numa mesa junto à janela, esteve a discursar através de vídeo-chamada numa sessão da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico). Depois do nosso encontro, a sua principal preocupação era encontrar alguém em Kiev que conseguisse consertar um lança-minas avariado, que tinha numa carrinha de caixa aberta. Alta diplomacia, uma entrevista, a procura por um mecânico soldador e à noite patrulhamento da cidade num check-point — tudo num só dia.

O choque dos deputados na primeira reunião. E as reuniões secretas do Parlamento

Na manhã de 24 de fevereiro, como é que soube que a Rússia estava a atacar o seu país?
Recebi uma chamada às 6h da manhã, de um colega deputado. Perguntou-me onde é que eu estava e disse-me que Kiev tinha sido bombardeada. Fiquei em choque. Não esperava que a Rússia atacasse em Kiev. No dia anterior, pensei que o pior cenário era uma invasão nas regiões de Donetsk e Lugansk e depois talvez começassem a partir do Norte da Crimeia. Mas não desta maneira, a disparar mísseis contra Kiev e outras cidades.

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O que fez?
Temos um grupo de WhatsApp com os nossos colegas do parlamento. Recebemos uma mensagem urgente, para irmos ter ao parlamento o mais rápido possível. Cheguei passados 40 minutos.

Falou com a família antes de sair de casa?
Disse à minha namorada que tinha de estar preparada para qualquer cenário, porque estávamos em guerra e teríamos de decidir no parlamento o que fazer a seguir. Mas pedi-lhe para esperar por uma chamada minha depois da reunião, em que lhe daria instruções. No Parlamento só tínhamos uma missão: aprovar a lei marcial. E fizemo-lo.

Como é que encontrou os seus colegas deputados?
Estavam chocados. A primeira reação foi de choque. Estavam a tentar perceber o que se estava a passar, o que se seguia e o que deviam fazer.

Os deputados ficaram em Kiev ou alguns foram para fora do país?
Sei que alguns estão no estrangeiro, para trabalharem na frente diplomática. Todas mulheres. Em Estrasburgo, ou em Londres, por exemplo. No nosso partido, não há homens fora do país. Da oposição, na fação pró-russa, alguns deixaram a Ucrânia e estão fora. Um deles foi expulso desta fação há uns dias, teve alguns discursos pró-russos em meios de comunicação internacionais e apareceu entretanto em Moscovo.

Entrevista ao deputado Yegor Chernev do parlamento ucraniano. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Ucrânia, 18 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Chernev mostra uma pistola da era soviética, uma Makharov de 1971, com espaço para 8 balas

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Como é que o parlamento continua a funcionar em tempo de guerra?
Mantemos ligações uns com os outros para partilharmos informação. Fazemos sessões à porta fechada, para redigir certas leis. E devemos continuar a fazer mais algumas.

Mas estavam presentes os deputados todos?
A maioria. A média de votos da última sessão foi 335 votos (de um total de 427 deputados).

Estavam jornalistas presentes?
Não. Só os membros do parlamento. Mas eu filmei a sessão, posso mostrar…

O jovem deputado do partido do presidente Zelensky vai à galeria do telemóvel e exibe, orgulhoso, um curto vídeo desta sessão parlamentar. No mesmo aparelho, mas no WhatsApp, tem uma troca recente de mensagens com o deputado português Marcos Perestrello, presidente da Comissão Parlamentar de Defesa.

Yegor Chernev é muito ativo na frente diplomática, ora dando entrevistas aos principais meios de comunicação internacionais, ora tentando influenciar deputados de outros parlamentos de países europeus, para tomarem mais decisões que contribuam para parar a invasão russa.

A decisão de se juntar aos militares. E a pistola, a granada, a Kalashnikov e o carro

No parlamento ucraniano, é presidente da comissão para a transformação digital. De repente aparece como membro da Força de Defesa Territorial. Como é que isto aconteceu?
Logo no primeiro dia. Havia uma ameaça de invasão a Kiev pela Federação Russa. Tínhamos de estar unidos e defender a nossa capital. Por isso, decidi que tinha de juntar-me à Força de Defesa Territorial. É por isso que estamos a falar aqui, é o quartel-general. Temos de defender Kiev para proteger a nossa soberania.

Voluntariou-se? Ligou a alguém a dizer que estava disponível?
Há muitas pessoas que se juntaram à Força de Defesa Territorial.

Mas não muitos deputados.
Não, mas muitos cidadãos.

Deram-lhe uma arma?
Sim.

Já tinha usado armas?
Sim, sou um veterano, fui soldado em 2014. Depois voltei a ser um civil.

Deram-lhe uma Kalashnikov?
Não só uma Kalashinikov. Também esta…

Mostra uma pistola da era soviética, uma Makharov de 1971, com espaço para 8 balas. E tira do bolso do casaco uma granada.

Já usou a pistola desde 24 de fevereiro?
Não. Só treinei, mas não a usei.

Tinha um alvo com a cara de Putin?
Algo desse género, sim. Os meus deveres têm mais a ver com fornecimentos de bens de que a Força precisa, como coletes à prova de bala e capacetes.

Porque é que é tão difícil conseguir isso?
Há muita procura. Só em Kiev temos 8 mil pessoas nas Unidades da Força de Defesa Territorial. E há muito mais fora de Kiev. Portanto, precisamos de dezenas de milhares de coletes para todos eles. Os países ocidentais enviaram-nos muitos destes equipamentos, mas ainda precisamos de muitos mais. Estamos à procura de mais coletes à volta do mundo e conseguimos de vez em quando. Estão a caminho, comprados pelo Ministério da Defesa ou por voluntários. Fazemos isto todos juntos.

Que outras tarefas tem na Defesa Territorial além de ajudar a tratar dos fornecimentos?
À noite temos deveres de combate.

Está num check-point?
De tempos a tempos, sim, algumas horas.

Está a pedir passaportes a quem passa de carro?
Não exatamente. Temos setores de observação, para controlar o que está a acontecer.

Já teve algum percalço nesse setor de observação?
Ainda não, graças a Deus.

O jovem deputado do partido Servidor do Povo não consegue indicar o cargo que ocupa na Defesa Territorial. Mas a influência nota-se na deferência com que é tratado pelos outros membros, no local importante escolhido para a reunião e no carro que lhe atribuíram: um SUV blindado, de origem japonesa, oferecido à Defesa Territorial ucraniana pela própria marca.

Outra frente que Yegor Chernev tem acompanhado de perto é a ciberguerra: “Temos equipas que juntam hackers ucranianos e grupos internacionais para defenderem a nossa infraestrutura digital e tentar destruir a do inimigo”. Diz que se notam tentativas insistentes de intrusão russa nos sites e bases de dados ucranianos. E que já tiveram alguns sucessos a piratear vários sites de media russos, para serem postos a transmitir informação ucraniana.

Há também um esforço no sentido de criar apps que ajudem a população a encontrar os abrigos ou a receberem informação rigorosa sobre corredores humanitários e o posicionamento de tropas inimigas. O satélite de Elon Musk tem sido útil para conseguir ligação à internet nos locais onde a infraestrutura foi destruída pelos russos. Outra batalha é a pressão junto das maiores empresas digitais internacionais para deixarem de funcionar na Rússia. A maioria já decidiu sair, depois de conversações com o ministro ucraniano para a transformação digital.

Entrevista ao deputado Yegor Chernev do parlamento ucraniano. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Ucrânia, 18 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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O líder do partido de boné à mesa de negociações e a coragem de Zelensky

Fala regularmente com David Arakhamia, o líder do seu partido?
Falamos, mas só sobre questões muito concretas ou a pedir-lhe ajuda para desbloquear qualquer coisa.

Surpreendeu-o que ele tenha aparecido na mesa de negociações com os russos?
Não. Ele é muito bom negociador. É nosso líder no parlamento e para ter votos suficientes é necessário negociar e chegar a soluções de compromisso. O Arakhami é bom nisto. Por isso não me surpreende que tenha sido indicado para esta negociação.

E o detalhe de ter aparecido de boné? É algo típico dele? Acha que foi para mostrar aos russos que não os temia?
Não sei por que usou o boné. Não costumo vê-lo de boné, foi um pouco surpreendente. Mas acho que é parte deste nosso novo uniforme que todos usamos desde 24 de fevereiro.

Como avalia o papel do presidente Zelensky até aqui?
Acho que se tornou um verdadeiro líder da nação. O seu rating de aprovação subiu para 90%. É forte e acho que o seu papel foi mesmo crucial no primeiro dia: mostrou que ainda está em Kiev e vai lutar. E a nação acredita que vamos lutar.

Pressão às multinacionais e sanções para as figuras públicas que apoiam Putin

O cansaço de Yegor Chernev nota-se nas pausas que vai fazendo, na dificuldade em encontrar os termos certos em inglês, na falta de energia com que fala agora. Mas horas antes discursou à distância, a partir de Kiev, numa reunião de membros da OCDE sobre a crise ucraniana.

A sua intervenção teve um dramatismo poético equivalente ao que tem caracterizado os discursos do Presidente Zelensky. Falou de Kiev como a capital do mundo livre. Do nazismo de Putin e do genocídio deliberado do povo ucraniano, que obtém aprovação de 70% dos russos. Dos céus ucranianos que se tornaram negros pela ação dos aviões e mísseis russos — para que os céus do resto da Europa se mantenham pacíficos.

Entrevista ao deputado Yegor Chernev do parlamento ucraniano. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Ucrânia, 18 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O deputado anda num SUV blindado, de origem japonesa, oferecido à Defesa Territorial ucraniana pela própria marca.

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Depois, pediu medidas muito diretas aos deputados dos países europeus que o ouviam:

  • Que pressionem empresas como a Nestlé, a Unilever e a Danone a saírem do mercado russo, para assim deixarem de participar nessa espécie de “financiamento do nazismo”
  • Que estendam as sanções (proibindo a entrada e congelando contas bancárias) a todas as figuras públicas que apoiam o regime de Putin, incluindo empresários, propagandistas, jornalistas, cientistas, artistas e atletas.
  • Que apoiem a reconstrução do país, transferindo dinheiro para uma conta aberta no Banco Nacional da Ucrânia. Estima que sejam necessários só para reconstruir o que foi destruído até este momento 500 biliões de dólares, cerca de 452 mil milhões de euros, quase o dobro do valor do PIB português.
  • E que declarem a Rússia um Estado terrorista e isolem o país, classificando o 24 de fevereiro ucraniano como o novo 11 de setembro.
"Não tenho medo de morrer desde 2014. Estive bastante perto da linha da frente. Se ficar cercado por inimigos, prefiro morrer com eles do que na prisão. É por isso que tenho uma granada no meu bolso."
Yegor Chernev, deputado do partido Servidor do Povo, de Zelensky, e membro da Força de Defesa Territorial

Como acha que vai evoluir o conflito?
Acho que não vão conseguir invadir Kiev e ocupar a cidade. Conheço a capacidade deles e conheço a nossa capacidade de defesa. Não vão conseguir.

Mas podem bombardear?
Sim, podem bombardear a capital. O cenário pode ser como vimos em Kharkiv e Mariupol. Quando perceberem que não conseguem ocupar Kiev, podem começar a disparar mísseis para Kiev. Será a manifestação da impotência e da fraqueza deles. Por não conseguirem ocupar a capital, podem optar por destruí-la.

E como avalia a estratégia de Putin?
Acho que é um velho que está demente. Ouve o que quer ouvir. No seu mundo, acha que na Ucrânia há um pequeno grupo de nazis que tomou o poder. E agora está a lutar contra eles para libertar o território ucraniano deste regime nazi. Mas isto é ridículo e falso. Talvez tenha acontecido por medo de informações erradas que lhe tenham sido passadas pelos serviços secretos, sobre o que está a acontecer na Ucrânia. Na Crimeia, onde havia muita gente pró-russa, 80% dos nossos polícias, procuradores e mesmo parte do exército traíram-nos e perdemos. Por isso é que ocuparam a península, sem tiros. E nalgumas povoações foram bem recebido pelos residentes.

Prefere morrer e matar inimigos com a granada do que render-se e ficar na prisão

Perdeu familiares nesta guerra?
Não, mas perdi alguns amigos. Ainda há dois dias, um veterano foi abatido pela federação russa, aqui na zona de Kiev. E um dos meus antigos camaradas de armas de 2014 foi atingido quatro vezes, nos dois braços e nas duas pernas, em Gastomel.

Tem medo de morrer nesta guerra?
Não tenho medo de morrer desde 2014. Estive bastante perto da linha da frente. Se ficar cercado por inimigos, prefiro morrer com eles do que na prisão. É por isso que tenho uma granada no meu bolso.

Entrevista ao deputado Yegor Chernev do parlamento ucraniano. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Kiev, Ucrânia, 18 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Nesse caso, mata-se?
Com eles. Sim.

Tem a certeza?
Estava pronto para fazer isto em 2014. Agora também estou.

Tem dormido em casa?
Não. Durmo na minha unidade de defesa territorial.

A entrevista estava a terminar, mas o deputado quis voltar à resposta anterior, sobre o medo da morte: “Todos temos medo de morrer. Mas costumava lidar com isso. Sentia este medo antes de 2014, geri-o e percebi que pode ser o preço a pagar pela nossa liberdade, pela nossa soberania e pelo nosso país.”

Está disposto a pagar esse preço?
Sim. Esta guerra vai continuar durante semanas ou mesmo meses. Vai trazer muitas tragédias a muitas famílias.

Não acredita nas negociações?
Não. Estamos em dimensões diferentes. Eles não querem desmilitarização, ou desnazificação ou a nossa decisão sobre a NATO. Só querem destruir a nossa soberania, controlar toda a Ucrânia. Mas não os vamos deixar fazer isto. É assim.

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