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O Grupo, JES, Angola, o empreiteiro de Salgado e a irmã do presidente

Eis a história de como duas das principais figuras do MPLA tentaram comprar a Escom por 500 milhões. E de como o empreiteiro favorito de Ricardo Salgado se fez sócio da irmã de Eduardo dos Santos.

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28 de dezembro de 2010. É um dia que Ricardo Salgado nunca esquecerá. Por ter pensado que tinha conseguido vender por 483 milhões de dólares (cerca de 368 milhões de euros no câmbio da época) a conhecida empresa Escom — famosa pela sua intermediação na venda de dois submarinos a Portugal e pela exploração de diamantes e promoção imobiliária em Angola. Uma verdadeira operação de sonho quando a empresa se debatia em 2010 com uma situação líquida negativa de 64,5 milhões de euros — e com tendência para agravar-se.

Mais do que feliz, Ricardo Salgado tinha um enorme sentimento de alívio. Era um grande dia para “O Grupo”, como Salgado gostava de referir-se ao Grupo Espírito Santo (GES). Livrava-se de um pesadelo financeiro mas, acima de tudo, de uma empresa que causava danos reputacionais por estar a ser investigada pela Justiça portuguesa desde 2004 devido a um alegado envolvimento no pagamento de comissões ilícitas no âmbito da venda de dois submarinos a Portugal.

Era esse o sentimento de Ricardo Salgado quando foi surpreendido com uma chamada telefónica que lhe dava conta do estado de saúde da sua mãe. Chamou o motorista e foi para Cascais mas não chegou a tempo de despedir-se de Maria da Conceição Espírito Santo Salgado. É por isso um dia que não sairá da sua memória.

Minutos antes de sair da sede do BES tinha assistido à assinatura do contrato promessa de compra e venda da Escom — Espírito Santo Commerce nos primórdios da empresa. Seriam resolvidos vários problemas e ganhava-se muito dinheiro — fundos essenciais para acorrer aos problemas de liquidez do GES que já em 2010 eram ocultados do resto do mundo.

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Por tudo isto, tinha feito questão de estar presente no ato de assinatura dos contratos de compra e venda da Escom para receber com pompa e circunstância dois convidados de última hora: Manuel Vicente, então presidente executivo da Sonangol e hoje vice-presidente da República de Angola, e o general Leopoldino Nascimento ‘Dino’, ex-chefe de comunicações do presidente José Eduardo dos Santos, um dos grandes empresários angolanos e apontado como um dos ‘testa-de-ferro’ do líder do MPLA. Estes eram, nas palavras de Ricardo Salgado, os “tradicionais parceiros” que muito tinham ajudado “O Grupo” em Angola.

Numa das salas nobres da sede do Banco Espírito Santo (BES), na Av. da Liberdade, tinham estado igualmente presentes os representantes da empresa vendedora (a Espírito Santo Resources, empresa offshore com sede nas Bahamas) e da empresa compradora (a Newbrook, outra sociedade offshore localizada no Panamá): o comandante António Ricciardi (pai de José Maria Ricciardi e presidente da Espírito Santo International e do Conselho Superior do GES) e José Castella (controller financeiro do GES e homem de mão de Salgado) em nome da ES Resources e a advogada Ana Bruno em nome da Newbrook.

Salgado fez questão de estar presente no acto de assinatura dos contratos de compra e venda da Escom para receber com pompa e circunstância dois convidados de última hora: Manuel Vicente, então presidente executivo da Sonangol, e o general Leopoldino Nascimento ‘Dino’, ex-chefe de comunicações do presidente José Eduardo dos Santos e apontado como um dos ‘testa-de-ferro’ do líder do MPLA. Estes eram os “tradicionais parceiros” que muito tinham ajudado “O Grupo” em Angola.

Presentes estavam igualmente os representantes da Opway Engenharia que iriam vender cerca de 33% do capital da Opway Angola à Escom por cerca de 15 milhões de dólares — o único negócio que verdadeiramente se concretizou mas que era feita no contexto da alienação da Escom aos novos donos.

Os compradores

Mas porque razão Manuel Vicente e o general ‘Dino’ estavam presentes na assinatura do contrato promessa da venda da Escom e da Opway Angola? Eram eles os verdadeiros compradores?

De acordo com as declarações de Álvaro Sobrinho, ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA), de Hélder Bataglia e de Luís Horta e Costa, presidente e administrador da Escom, produzidas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso BES em 2014, não havia dúvidas: a petrolífera pública Sonangol era a compradora da Escom através da sociedade Newsbrook. “Quem compra a Escom é a Sonangol com a promessa de a Sonangol comprar a Newsbrook”, afirmou Sobrinho a 18 de dezembro de 2014. Mais do que uma empresa de capitais públicos, a Sonangol é o fundo soberano de Angola. É Angola.

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Álvaro Sobrinho, ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola

Contudo, cinco meses antes dessas declarações na CPI do caso BES, Ricardo Salgado tinha dado outra versão ao juiz Carlos Alexandre e ao procurador Rosário Teixeira durante a investigação do caso Monte Branco. Apesar do sinal do negócio (cerca de 52,2 milhões de euros) pago à empresa do GES que vendeu a Escom ter saído dos cofres da Sonangol, os alegados compradores seriam Manuel Vicente e o general Leopoldino Nascimento ‘Dino’. Salgado confirmou ainda ao Ministério Público que Vicente e ‘Dino’ tinham assinado presencialmente os contratos seja da compra da Escom, seja da Opway Angola — não que tal confirmação fosse necessária porque o procurador já tinha apreendido os documento em buscas realizadas ao BES e à sede do GES na rua de São Bernardo, em Lisboa.

No total, os negócios que estavam a ser contratualizados valiam mais de 500 milhões de dólares (cerca de 381 milhões de euros à data da operação).

Apesar do sinal do negócio pago à empresa do Grupo Espírito Santo ter saído dos cofres da Sonangol, os alegados compradores seriam, segundo Salgado, Manuel Vicente e o general ‘Dino’.

Esta foi apenas uma das revelações de Ricardo Salgado ao Ministério Público que trazem uma nova luz ao caso Escom – e acima de tudo, evidenciam as relações muito próximas entre o GES e o regime de José Eduardo dos Santos.

O Observador confrontou Ricardo Salgado, Álvaro Sobrinho, Manuel Vicente e o general ‘Dino’ com estas informações mas apenas Vicente respondeu através de seu advogado até ao momento de publicação deste trabalho. “O senhor eng. Manuel Vicente nao tem comentários a fazer sobre declarações que não conhece, alegadamente prestadas num processo no qual não intervém e que julga estar em fase de investigação ainda”, afirmou o causídico Rui Patrício.

A propósito de uma notícia do Correio da Manhã que o dava como suspeito do caso Monte Branco, Leopoldino Nascimento negou em Agosto de 2014, através da sua assessoria de imprensa, que tivesse assinado qualquer contrato-promessa de compra e venda da Escom.

A mina do Luó

Angola começou a ter importância para o GES de Ricardo Salgado a partir dos anos 90 com a Escom. Através de Hélder Bataglia, igualmente fundador da Escom e o seu eterno presidente, a empresa começou por ser um trader fundamental na importação e exportação de produtos alimentares básicos para uma Angola em tempo de guerra cívil, como Bataglia contou ao Expresso. Mais tarde alargou a sua actividade para o sector mineiro angolano, nomeadamente para a exploração de diamantes, aliada a sócios angolanos (que eram uma espécie de silent partner) e aos russos da Alrosa.

O GES e a Alrosa (um grupo estatal russo) investiram capital na mina de Luó, a segunda mina de diamantes de Angola, e recolheram bons lucros até que o governo de José Eduardo dos Santos mudou as regras no final da década de 2000: qualquer diamante que fosse encontrado teria de ser entregue ao Estado a troco de uma remuneração fixa para o produtor que o GES considerava relativamente baixa. Os russos foram os primeiros a partir, vendendo a sua quota-parte à Escom em 2009 por cerca de 4,3 milhões de euros. Ricardo Salgado e o GES perceberam rapidamente que as novas regras, aliadas a uma queda dos preços no mercado mundial de diamantes, não permitiam à Escom continuar a ter uma rentabilidade atractiva e planearam a venda aos angolanos.

Ricardo Salgado e o GES perceberam rapidamente que as novas regras, aliadas a uma queda dos preços no mercado mundial de diamantes, não permitiam à Escom continuar a ter uma rentabilidade atractiva e planearam a venda aos angolanos. Os "tradicionais parceiros" eram os compradores naturais

Manuel Vicente e o general ‘Dino’, os habituais parceiros do GES em Angola, foram os naturais compradores da Escom. Já tinham sido estes os parceiros que tinham ‘aberto as portas’ a Ricardo Salgado para a licença bancaria que permitiu ao BES abrir o Banco Espírito Santo Angola (BESA) no início da década de 2000. ‘Dino’, juntamente como general Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’, o todo poderoso Chefe da Casa Militar do Presidente da República com fortes ligações aos serviços secretos e ministro de Estado de José Eduardo dos Santos, vieram mais tarde a posicionar-se como acionistas de referência do BESA através das sociedades Portmil (da qual terá feito parte Manuel Vicente mas que era liderada por ‘Kopelipa’ e que chegou a ter 24% do banco) e Geni (liderada por ‘Dino’ que teve uma particpação de 18,99% do BESA).

Como surge a offshore Newbrook?

Durante a investigação do processo Monte Branco, que tem a sociedade suíça Akoya gerida por Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia no centro das suspeitas originais de fraude fiscal branqueamento de capitais, a equipa liderada pelo procurador-geral adjunto Rosário Teixeira conseguiu perceber a forma como surgiu a sociedade offshore Newbrook — infomações, alías, confirmadas por Ricardo Salgado.

Explicou Salgado que Manuel Vicente e ‘Dino’ não queriam aparecer com sociedades abertas neste negócio e solicitaram em 2010 a Álvaro Sobrinho, então presidente do BESA que era parcialmente detido por ‘Dino’ e por ‘Kopelipa’, para indicar uma sociedade offshore que seria usada na operação. Sobrinho indicou a Newbrook, uma sociedade com sede no Panamá que era por si detida, mas terá participado na operação como um mero testa-de-ferro.

Hélder Bataglia já tinha afirmado na CPI do caso BES algo semelhante: “Álvaro Sobrinho não era parte do negócio. A Newbrook só serviu para facilitar a concretização do negócio naque dia, àquela hora, não intermediou nada“, afirmou o líder da Escom.

Economia, Negócios e Finanças, Política, Parlamento, banca

Hélder Bataglia, presidente da Escom

A Newbrook é quem promete comprar a Escom mas o dinheiro do sinal nunca terá passado por nenhuma conta daquela sociedade. A Sonangol transferiu o valor do sinal a partir de uma conta no Dubai para uma conta na Suíça em nome de outra sociedade offshore chamada Ocean Private Limited e esta sociedade transferiu o dinheiro para a conta da Espírito Santo (ES) Resources no Banque Privée Espírito Santo.

O valor do tal sinal pago com dinheiro da Sonangol diverge consoante a fonte: Ricardo Salgado foi confrontado com uma transferência de 52,2 milhões de euros mas Álvaro Sobrinho falou na CPI do caso BES num valor de cerca de 85 milhões de dólares (cerca de 64 milhões de euros). Certo é que o dinheiro entrou na conta bancária da ES Resources e desapareceu para local desconhecido.

O valor do tal sinal pago com dinheiro da Sonangol diverge consoante a fonte: Ricardo Salgado foi confrontado com documentação bancária que atestava uma transferência de 52,2 milhões de euros mas Álvaro Sobrinho falou na CPI do caso BES num valor de cerca de 85 milhões de dólares (cerca de 64 milhões de euros, de acordo com o câmbio de 28 de dezembro de 2010). Certo é que o dinheiro entrou na conta bancária da ES Resources e desapareceu para local desconhecido.

E de quem era a Ocean Private Limited? De Hélder Bataglia. Pela venda dos seus 23,3% na Escom mais os suprimentos que tinha a receber da sociedades, Bataglia contratualizou que teria a receber cerca de 146 milhões de dólares dos compradores da Newbrook. Não existe informação disponível sobre se Bataglia chegou a receber alguma parte desse valor.

O pedido de ajuda a Eduardo dos Santos

Se o negócio da Opway Angola foi concretizado, o negócio da Escom emperrou. As razões continuam a não ser totalmente claras. Sabe-se apenas que os angolanos começaram a colocar em causa a avaliação do património a Escom — cuja avaliação original apontava para um balanço na ordem dos 800 milhões de dólares –, tentando baixar o valor do negócio.

Certo é que Manuel Vicente troca a Sonangol pelo cargo de vice-presidente de Angola em setembro e 2012 e o seu sucessor, Francisco de Lemos Maria recusou-se a assinar o contrato final da compra da holding holandesa da Escom e a pagar os 386 milhões de dólares contratualizados.

Estamos em 2013 e o problema da Escom é um grão de areia face ao problema dos problemas: a viabilidade do GES devido à dívida oculta da Espírito Santo International que já chega aos 1,3 mil milhões de euros euros e à descoberta regular de de novos problemas, como o Banco Espírito Santo de Angola que tinha concedido créditos de alto risco superiores a 6,8 mil milhões de euros. A tempestade perfeita estava a chegar, o Banco de Portugal a apertar, a família a desmoronar-se e o outrora poderoso Ricardo Salgado não conseguia controlar a situação. E voltou-se para Angola.

A tempestade perfeita estava a chegar, o Banco de Portugal a apertar, a família a desmoronar-se e o outrora poderoso Ricardo Salgado não conseguia controlar a situação. E voltou-se para Angola. Salgado tem o assunto da Escom atravessado na garganta e, após a audiência com José Eduardo dos Santos, aborda também este dossiê em privado com o presidente angolano. O homem mais poderoso de Angola limitou-se a dizer: "A Escom é importante para Angola. Fale com o general Dino”.

Viaja para Luanda no início de outubro de 2013 na companhia de Amílcar Morais Pires e do advogado Daniel Proença de Carvalho (que também está à procura de investidores angolanos para a comunicação social portuguesa) para um encontro de urgência com o presidente José Eduardo dos Santos. Contra a promessa de um investimento de 500 milhões de dólares na economia angolana (para o qual não tinha fundos), Salgado consegue a promessa de Eduardo dos Santos de emitir uma garantia soberana 5700 milhões de dólares (cerca de 4570 milhões de euros) que cobria cerca de 70% dos empréstimos que o BESA tinha feito durante a gestão de Álvaro Sobrinho — entretanto afastado pelos generais ‘Kopelipa’ e ‘Dino’ do Conselho de Administração do BESA.

Ricardo Salgado tem o assunto da Escom atravessado na garganta e, após a audiência com José Eduardo dos Santos, aborda também este dossiê em privado com o presidente angolano. Salgado recorda que a operação ainda não estava concretizada e colocou o presidente angolano a par dos obstáculos que estavam a ser levantadas. O homem mais poderoso de Angola limitou-se a dizer a Ricardo Salgado: “A Escom é importante para Angola. Fale com o general Dino”.

Salgado falou mas a conversa com um dos seus parceiros de sempre, e um dos homens que tinha assinado os contratos em Lisboa a 28 de dezembro de 2010, também não surtiu efeito.

O acordo de revogação

Menos de 20 dias depois da sua visita a Luanda, dá-se um novo volte-face neste caso da Escom. É assinado um acordo de revogação do contrato-promessa assinado na sede do BES em 2010, aceitando a compradora (a Newbrook) a perda definitiva dos 52,2 milhões de euros para a ES Resources. Na prática, o GES ganhou 52,2 milhões de euros sem ter vendido nada à Newbrook.

Este acordo foi apreendido pelo Ministério Público nas buscas que realizou à sede do GES, na rua de São Bernardo à Lapa, em Lisboa, em julho de 2014 — precisamente na mesma altura em que Ricardo Salgado foi detido para interrogatório e constituição arguido.

Durante o seu interrogatório, Salgado começou por ignorar este acordo, recordando que dias antes (a 18 de julho, quatro dias depois de ter deixado de ser presidente executivo do BES) tinha ido novamente a Luanda para tratar do processo da garantia soberana de Angola, tendo voltado a questionar o governo de Angola sobre a questão da Escom. No caso, tinha sido Manuel Vicente, um dos compradores, segundo o próprio Salgado. “Sr. vice-presidente não me diga que o assunto da Escom ainda não está resolvido?”, terá perguntado o ex-banqueiro. E não estava.

Confrontado durante a investigação com a contradição que representava a assinatura do acordo de revogação com a Newbrook em outubro de 2013 e a argumentação de que em 2014 ainda estava a tentar convencer as autoridades angolanas a concluir a operação, Salgado manteve a sua argumentação.

Menos de 20 dias depois da visita de Salgado a Luanda, dá-se um novo volte-face neste caso da Escom. É assinado um acordo de revogação do contrato-promessa assinado na sede do BES em 2010, aceitando a compradora (a Newbrook) a perda definitiva dos 52,2 milhões de euros para a ES Resources. Na prática, o GES ganhou 52,2 milhões de euros sem ter vendido nada à Newbrook.

E recordou uma missiva que tinha enviado em maio de 2014 ao general Dino com uma solução para resolver o problema. Como resposta, surgiu a hipótese de um grupo russo chamado Gencorp poder assumir um papel de parceiro no negócio de compra da Escom.

Contudo, o procurador Rosário Teixeira não percebia 2 mistérios:.

  • porque razão era Álvaro Sobrinho a assinar aquele acordo de revogação — e não Manuel Vicente e o general Dino?
  • porque razão a Newbrook abria mão com tanta faciildade de 52,2 milhões de euros?

E muito menos percebia o facto de o acordo de revogação não se ter reflectido nas contas da ES Resources. Isto é, a partir do momento em que a ES Resources tem consciência de que não será possível concluir o negócio, a contabilidade da empresa no final de 2013 tinha de reflectir o facto das expectativas de receitas não se concretizarem — já para não falar da situação financeira da empresa que estava a degradar-se de forma clara.

Estamos a falar de uma expectativa de receita total que estava contabilizada nas contas da ES Resources na ordem dos 100 milhões de euros e uma situação liquida negativa de cerca de 64 milhões de euros da Escom que também não estava referenciada nas contas da Espírito Santo International (que detinha a ES Resources). Isto é, a ES Resources continuava a ser referida como entidade vendida, existindo um crédito do lado do activo inscrito com um valor de 100 milhões de euros por conta da venda da ES Resources. Portanto, além do problema da dívida oculta de cerca de 1,3 mil milhões de euros, as contas da ESI também tinham um problema chamado Escom.

Salgado não quis assumir qualquer responsabilidade por isso. “Eu não tinha tempo para nada” e “não era contabilista da ES Resources” foram dois argumentos que terão sido utilizados pelo arguido no caso Monte Branco.

Mas mesmo assim Ricardo Salgado não quis assumir que aquele acordo de revogação colocava uma pedra no assunto da venda da Escom. Para o ex-líder do BES o objetivo do acordo era claro: “Afastar Álvaro Sobrinho desta transação”.

Salgado não soube explicar por que razão Manuel Vicente e Dino, que eram os últimos beneficiários da Newbrook, não assinaram aquele acordo — e, em vez disso, aparece Álvaro Sobrinho. Salgado apenas afirmou, de forma enfática, que não negociou nada com Sobrinho — pessoa que não via há muitos anos.

Certo é que a venda da Escom ainda não se concretizou e a Espírito Santo International, detentora da ES Resources, entrou em processo de insolvência em outubro de 2014.

Conselho do Presidente

Não se concretizou o negócio mas Ricardo Salgado, José Eduardo dos Santos e o general ‘Dino’ continuaram próximos. No caso do BESA, como já vimos, Salgado aliou-se aos acionistas angolanos para retirar Álvaro Sobrinho do Conselho de Administração daquele banco angolano detido maioritariamente pelo GES.

Tal como Ricardo Salgado já afirmou publicamente, a iniciativa partiu dos accionistas Portmil, do general ‘Kopelipa’, e Geni, do general ‘Dino’. Estas duas figuras do regime angolano, os principais rostos da fação militar do MPLA, transmitiram a Salgado em 2011 que era necessário “actuar contra Álvaro Sobrinho no BESA”, deixando-o, numa primeira fase, como chairman do banco.

Trio Presidencial(1)

‘Dino’, ‘Kopelipa’, José Eduardo dos Santos e Manuel Vicente (da esquerda para a direita)

Sobrinho acabou por ser substituído em novembro de 2012 por Rui Guerra, quadro do BES da confiança de Amílcar Morais Pires (braço direito de Ricardo Salgado e administrador financeiro do BES), tendo auditado as contas a gestão do seu antecessor e detectado em 2013 créditos alegadamente irregulares de 5,7 mil milhões de dólares (cerca de 5 mil milhões de euros ao câmbio actual) — montante esse que, entretanto, cresceu mais 1,1 mil milhões de euros para 6,8 mil milhões de euros, como o Observador noticiou.

O DCIAP suspeita que boa parte desse bolo de crédito alegadamente concedido sem garantias terá tido como destinatários preferenciais entidades ligadas a titualres de cargos políticos e públicos de Angola e a entidades ligadas ao Grupo Espírito Santo que terão sido financiadas pelo BESA. Só um dirigente do MPLA (e igualmente vice-presidente da Escom), Eugénio Vale Neto terá recebido cerca de 500 milhões de dólares (cerca de 445,4 milhões de euros ao câmbio de hoje) de créditos do BESA, segundo uma notícia do site Maka Angola que foi confirmada pelo próprio Neto.

O DCIAP suspeita que boa parte do crédito alegadamente concedido sem garantias pelo BESA terá tido como destinatários preferenciais entidades ligadas a titulares de cargos políticos e públicos de Angola. Só um dirigente do MPLA (e igualmente vice-presidente da Escom), Eugénio Vale Neto, terá recebido cerca de 500 milhões de dólares (cerca de 445,4 milhões de euros ao câmbio de hoje) de créditos. É neste contexto que a garantia soberana é concedida pela República de Angola para cobrir 70% de tais créditos, tendo em conta a importância nacional do BESA. E é assim que José Eduardo dos Santos indica o nome de Paulo Kassoma para chairman do banco.

É neste contexto que a garantia soberana é concedida pela República de Angola para cobrir 70% de tais créditos, tendo em conta a importância nacional do BESA.

E é também neste contexto que José Eduardo dos Santos indica a Ricardo Salgado o nome de Paulo Kazomba, ex-primeiro-ministro, ex-presidente do parlamento angolano e uma figura de peso no MPLA, para substituir Álvaro Sobrinho. Um “homem de primeirissimo nível” nas palavras de Ricardo Salgado que segue o conselho do presidente angolano por esse ser um sinal claro de como o problema do BESA seria resolvido pelo governo.

O homem da liberalidade e a irmã do presidente

Além das guerras familiares e das acusações de falsificações de contabilidade, o mito de Dono Disto Tudo começa a desmoronar-se em Angola. Por causa da famosa, nas palavras de Ricardo Salgado, “liberalidade” de cerca de 14 milhões de dólares do empreiteiro José Guilherme. Foi a partir de contas da família e de uma empresa de José Guilherme no BESA que os fundos foram tranferidos para uma conta da sociedade offshore Savoices (controlada por Salgado) na Suíça.

Ricardo Salgado teve de dar explicações ao Ministério Público sobre o “presente” de José Guilherme. A primeira vez tinha sido em dezembro de 2012 quando foi ouvido como testemunha e após ter feito três rectificações fiscais para pagar os impostos sobre os rendimentos obtidos em Angola. A segunda foi a 24 de julho de 2014 mas já como arguido.

O procurador Rosário Teixeira suspeita que os 14 milhões de euros são comissões que Ricardo Salgado terá recebido como alegadas contrapartidas por projectos imobiliários conseguidos por Guilherme em Angola, nomeadamente a construção de um centro comercial Dolce Vita em Luanda, de um projecto imobiliário de habitação em Talatona. Há também o negócio de compra e venda das chamadas Torres Sky, em Luanda, por parte da Escom a José Guilherme, noticiado pelo Público.

Salgado foi novamente confrontado com a "liberalidade" de 14 milhões de José Guilherme mas manteve a sua: foi uma generosidade. Mas fez uma revelação. Tanto quanto Ricardo Salgado sabia, o génio do imobiliário apenas tinha um sócio em Angola: a irmã do presidente da República de Angola. Marta dos Santos, de seu nome. Uma senhora com quem "não se brinca".

José Guilherme tinha também dívidas ao BES em Lisboa na ordem dos 223,5 milhões de euros em 2013, segundo um levantamento ordenado pelo Banco de Portugal que foi noticiado pelo Expresso.

Salgado foi confrontado com essas suspeitas a 24 de julho de 2014 e manteve a sua: foi uma generosidade de José Guilherme, classificado como um génio dos negócios imobiliários. Mas fez uma revelação. Tanto quanto Ricardo Salgado sabia, José Guilherme apenas tinha um sócio em Angola: a irmã do presidente da República de Angola. Marta dos Santos, de seu nome. Uma senhora com quem “não se brinca”, segundo Salgado.

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José Eduardo dos Santos e a sua irmã Marta dos Santos

Questionado sobre tinha sido responsável pela apresentação de Marta dos Santos ao empreiteiro, Salgado rejeitou os louros, apesar de reconhecer que tinha apresentado José Guilherme a “pessoas importantes”.

Certo parece ser que Marta dos Santos terá tido créditos de 800 milhões de euros do BESA para desenvolver projectos imobiliários na zona de Talatona em parceria com José Guilherme. A denúncia foi feita em fevereiro de 2015 por Paulo Morais, da Associação Transparência e Integridade, em declarações à Rádio Renascença.

Ricardo Salgado afirmou no livro “Os Dias do Fim Revelados” se, soubesse o que sabe hoje, não teria regressado a Portugal no início dos anos 90 para concorrer à privatização do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. “Acho que Portugal foi extremamente ingrato com o Grupo, principalmente porque é uma ingratidão sem limites”, afirmou. Definitivamente que o mesmo não se pode dizer de Angola, tal foi a relação próxima e intensa que teve com o regime de José Eduardo dos Santos.

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