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O arraial liberal teve de ser interrompido depois da chuva que se abateu sobre Lisboa
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O arraial liberal teve de ser interrompido depois da chuva que se abateu sobre Lisboa

LUSA

O arraial liberal teve de ser interrompido depois da chuva que se abateu sobre Lisboa

LUSA

O guarda-chuva de Cotrim protegeu a IL de si própria. Mas não dura para sempre

IL apostou tudo na marca "Cotrim" e passou da sobrevivência ao objetivo de eleger dois eurodeputados. Oposição interna existe, mas bom resultado deve proteger Rocha. Só que o guarda-chuva não é eterno

O grupo de militantes e simpatizantes da Iniciativa Liberal posa para a fotografia de família enquanto as colunas do autocarro de dois andares (o tal com DJ em cima e cerveja em baixo) gritam “Freed From Desire”, música que se tornou um clássico em muitos estádios de futebol e que os liberais adotaram e adaptaram. Cantam, dançam e saltam. Acabaram de fazer uma simpática passeata de final de tarde na Foz do Douro, a campanha está a chegar ao fim e a confiança está a crescer. O partido começa a acreditar que pode de facto eleger dois eurodeputados e isso contagia a comitiva. Mas, no meio do grupo, há uma figura que praticamente não se mexe: Tiago Mayan Gonçalves.

A antiga coqueluche do partido está visivelmente desconfortável. Aquela não é a sua campanha e aquela não é, definitivamente, a sua festa. Apareceu sem ser convidado pela direção de campanha. Não que precisasse de convite. Afinal, é presidente da União de Freguesias de Aldoar, Nevogilde e Foz do Douro, está em casa. A determinada altura, coloca o chapéu de abas, baixa a cabeça e prepara uma saída à francesa. Assim que o momento de celebração termina e o grande grupo se vai dividindo em grupos mais pequenos, Mayan fica para trás, troca umas palavras de circunstância com um militante e despede-se. Tinha feito o seu papel, a sua discreta aparição na campanha liberal.

Tiago Mayan Gonçalves não ficaria sequer para ouvir as declarações de João Cotrim Figueiredo sobre a sua presença naquela ação de campanha – com algum esforço e sem esconder o agastamento com a cascata de perguntas sobre Mayan, o candidato da IL disse agradecer a presença de todos nesta campanha e sublinhou o facto de, pelo menos “nesta candidatura”, o partido estar unido. A escolha de palavras de Cotrim não foi inocente: há feridas que não saram, sobretudo porque continuam bem vivas.

A verdade é que a Iniciativa Liberal chegou a esta campanha em clima de pré-guerra civil. Em rigor, esse clima dura há mais de dois anos, desde a saída de João Cotrim Figueiredo da presidência do partido. Depois do choque Rui Rocha-Carla Castro, desenham-se no horizontes novos confrontos internos. Ainda em abril, o mesmo Tiago Mayan Gonçalves anunciou estar pronto para encabeçar uma candidatura à liderança da IL e refundar partido. Daqui um mês, o partido terá um congresso estatutário que servirá como uma espécie de antecâmara desse confronto. Mayan está a correr em pista própria, mas não estará sozinho.

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Seja como for, o antigo candidato presidencial e assumido crítico da atual direção, que se empenhou pessoalmente na candidatura derrotada de Carla Castro, não terá ainda a força para derrubar Rui Rocha. Mas um mau resultado nestas eleições europeias poderia ser o combustível que falta à oposição interna e, acredita a atual direção, o início do fim do projeto liberal. Sem resultados para apresentar, depois de umas legislativas frustrantes, Rui Rocha não teria grandes argumentos para segurar a oposição interna. João Cotrim Figueiredo é o dique que os separa.

O partido sofreu um abalo anímico nas últimas eleições legislativas. Apesar de ter mantido o grupo parlamentar de oito deputados, a verdade é que os liberais praticamente não cresceram em relação às últimas legislativas. Pior: viram o Chega a disparar para os 50 deputados e a AD incapaz de incluir a Iniciativa Liberal numa maioria sólida e estável. Para muitos no partido e fora dele, a saída surpreendente de João Cotrim Figueiredo da presidência do partido, a atribulada (e fratricida) sucessão interna, o perfil de liderança de Rui Rocha e a dificuldade natural de afirmação terão contribuído para esse mau resultado.

Os que não ficaram convencidos com o atual presidente do partido, e que nunca concordaram com aquilo a que chamaram de sucessão dinástica organizada pela fação que comanda os destinos da IL, ganharam argumentos para a causa; e mesmo os que apoiaram e apoiam Rui Rocha perceberam que as coisas não correram de forma particularmente brilhante. Ninguém contava com a precipitação do calendário eleitoral e faltou tempo para afirmar o novo presidente. Mas rapidamente se instalou a ideia de que a IL estava em crise, que estagnara, que começava a definhar. E era preciso fazer qualquer coisa para calar os diagnósticos mais pessimistas sobre o futuro do partido.

“Imagine o que teria sido se as eleições legislativas tivessem sido noutra altura. A bad press, todos os problemas que existiam muito mais esquecidos, muito mais do passado... E fui eu. Achei que era impossível um governo de maioria absoluta cair. Fiz as contas todas. Se a IL tivesse um bom resultado às minhas costas em 2026, ia para o governo e ficava até os 70 anos. Na altura, tinha muito claro na minha cabeça que queria voltar às empresas. É essa a minha praia. E eis que agora estou a assumir um compromisso que me leva para lá de 2030. Quando Deus se ri dos planos dos homens…”

“Quando Deus se ri dos planos dos homens…”

Era preciso, sobretudo, um regresso aos bons resultados que permitisse renovar o oxigénio do partido e entusiasmar de novo os militantes. Agregar o que pode ser agregado e trazer mais gente para Iniciativa Liberal. Deixar de falar para dentro e passar a falar para fora. Vai daí, o partido que fazia gala de ser avesso ao culto da personalidade agarrou-se à única personalidade que é, de facto, maior que o partido e fez toda uma campanha à volta da marca “Cotrim”. Era a única forma de ser bem sucedido, reconhece-se entre os dirigentes do partido.

“O racional da minha saída não contemplava as eleições antecipadas”, assume a esta distância João Cotrim Figueiredo. Está a tomar o pequeno-almoço na Quinta do Paço Hotel, enquanto conversa com o Observador. É o décimo dia de campanha e o candidato aceita fazer uma espécie de balanço. Fala inevitavelmente do momento delicado que o partido atravessa e reconhece que pouco correu como planeado nas últimas eleições legislativas.

“Imagine o que teria sido se as eleições legislativas tivessem sido noutra altura. A bad press, todos os problemas que existiam muito mais esquecidos, muito mais do passado… E fui eu. Achei que era impossível um governo de maioria absoluta cair. Fiz as contas todas. Se a IL tivesse um bom resultado às minhas costas em 2026, eu ia para o governo e ficava até os 70 anos. Não queria. Na altura, tinha muito claro na minha cabeça que queria voltar às empresas, é essa a minha praia. E eis que agora estou a assumir um compromisso que me leva para lá de 2030. Quando Deus se ri dos planos dos homens…”, desabafa Cotrim.

Garante não estar arrependido de ter aceitado ser candidato às europeias, mas reconhece que pagou um preço. “A parte mais difícil da decisão foi perceber que nunca mais voltaria às empresas. Mas não tive alternativa. 270 mil pessoas votaram em mim em 2022. Posso justificar a minha saída, porque achava mesmo que era melhor para o partido sair, passar bem a pasta. Isso posso justificar. Até posso pedir desculpa e dizer que me enganei sobre o quadro político, não tenho como não dizer. Mas não posso esconder que a luta das europeias ficou mais importante depois da antecipação do calendário. Não podia dizer que não ao partido.”

E não disse. De resto, a campanha superou assumidamente as expectativas da própria Iniciativa Liberal. O partido, que lutava pela eleição de um eurodeputado para garantir a sobrevivência do projeto, acabou a lutar pela eleição de dois deputados ao Parlamento Europeu e a acreditar assumidamente que isso pode acontecer. Em rigor, é uma fé balizada, mas não deixa de ser uma fé: os liberais não têm sondagens internas, guiam-se, embora deles desconfiem, pelos estudos de opinião oficiais que apontam nesse sentido e têm bons indícios de que serão a terceira força mais votada junto dos eleitores mais jovens e altamente qualificados dos centros urbanos.

É uma micro-amostra, mas a mensagem, de alguma forma, está a chegar a quem deveria chegar. Ainda assim, mesmo a poucos dias das eleições, é impossível prever o comportamento do eleitorado numas eleições que são, já de si, tradicionalmente imprevisíveis. A convicção que existe no partido, e que vai sendo sustentada pelos estudos eleitorais que se vão fazendo, é de que uma grande parte do eleitores só decide o sentido de voto muito perto da eleição. E foi essencialmente para eles, para os indecisos, que Cotrim falou nos últimos dias.

O rosto de Cotrim fecha-se. "Não desejo [voltar à liderança da IL]. E os partidos não voltam atrás. Não voltam atrás. As pessoas não devem passar duas vezes pelo mesmo sítio. E levo a sério os mandatos. Cumpri todos até ao fim. E é isso que vai acontecer aqui também", garante

“Os partidos não voltam atrás”

Na quinta-feira, penúltimo dia de campanha oficial, o dilúvio que se abateu sobre a cidade de Lisboa estragou o arraial do partido, mas não estragou a festa liberal. Em cima do palco, quando a chuva deu tréguas por alguns minutos, Cotrim voltou a apelar ao voto daqueles que não se convenceram com o candidato Sebastião Bugalho e que têm saudades do “comentador assertivo e lúcido”, mas sobretudo ao voto daqueles que vão percebendo que o Chega não tem soluções para os problemas concretos do país e que “estão a engrossar as fileiras dos indecisos”. “Protestar só por protestar, votar em qualquer coisa só porque berra mais alto não é solução”, sublinhou Cotrim Figueiredo.

Agora, não há muito mais a fazer que não seja esperar. Esperar que os eleitores fiéis não fiquem em casa, e que os antigos abstencionistas, que desempenharam um papel importante nas últimas legislativas, não repetiam o voto zangado. Esperar que a IL cresça muito e que o Chega desça bastante. Esperar que, desta vez, o efeito do voto útil não exista e, já agora, esperar que a Aliança Democrática não dê tamanho trambolhão ao ponto de deixar Luís Montenegro em apuros. No fundo, esperar que não faça demasiado sol, nem que não chova em demasia — a preocupação com a meteorologia existe mesmo, não é uma figura de estilo. Em condições ótimas, os liberais acreditam mesmo que podem chegar aos dois eurodeputados.

Por ironia do destino, minutos depois de Cotrim intervir no Arraial de Lisboa, com o porco no espeto e as sardinhas afogadas pela chuva, Rui Rocha subiu ao palco para discursar pela segunda vez nesta campanha — ele que, apesar de ter aparecido várias vezes ao longo da corrida eleitoral, preferiu sempre estar longe dos holofotes. E foi precisamente nessa altura que voltou a abater-se uma monumental carga de água.

Diligentemente, Cotrim agarrou num guarda-chuva e permitiu ao já encharcado líder do partido terminar o curtíssimo discurso de quatro minutos com alguma dignidade. Uma imagem quase poética e que resume o que foi esta campanha e o que pode ser o futuro imediato do partido: Cotrim a proteger o projeto que ajudou a construir e a salvá-lo, mais uma vez, de um dilúvio de guerrilhas internas. Fez a sua parte. Independentemente de conseguir eleger um ou dois eurodeputados, o candidato vai conseguir alcançar aquilo que se propôs e arrancar para a IL um bom resultado.

Mas terá sido a última vez. No debate a oito organizado pelas rádios, Cotrim deu uma resposta curiosa quando desafiado a dizer se considera voltar um dia à liderança do partido. “É algo que eu não desejo“, disse o candidato às europeias. A resposta presta-se às mais variadíssimas leituras, sendo que a mais evidente é que um regresso de Cotrim à liderança do partido é algo que não deseja, mas que efetivamente não exlcui como hipótese.

Em Vila Real, na Quinta do Paço Hotel, durante o pequeno-almoço com o Observador, o tema surge com naturalidade. O rosto de Cotrim fecha-se. “Não desejo. E os partidos não voltam atrás. Não voltam atrás. As pessoas não devem passar duas vezes pelo mesmo sítio. E levo a sério os mandatos. Cumpri todos até ao fim. E é isso que vai acontecer aqui também”, garante. Resta saber se, depois de se ter enganado no ciclo político que escolheu para deixar a liderança do partido, terá razão desta vez.

Depois do susto, não há espaço para experimentalismos. Iniciativa Liberal investe tudo na marca “Cotrim”

 
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