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No último mês, a Rússia anunciou a mobilização para a guerra (ou “operação especial”) de cerca de 300 mil russos que estavam na reserva. Do outro lado, a Ucrânia conseguiu recuperar território, numa ofensiva relâmpago que devolveu a região de Kharkiv aos ucranianos e que se prepara, ao que tudo indica, para recuperar Kherson das mãos das forças invasoras. Com a chegada do inverno, os dois lados preparam-se para as temperaturas negativas, para a neve e para as chuvas intensas que serão uma realidade no território ucraniano, e tentam fazer avanços que sabem que serão praticamente impossíveis durante esse período.
A Rússia já fez avisos e a Ucrânia já avançou com pedidos de adesão aos membros da NATO. Aliás, no final de setembro, em entrevista à CBS, o Presidente ucraniano admitiu que “este será o inverno mais complicado”, quer da Ucrânia quer dos países que têm avançado com sanções a Moscovo e que têm registado, nos últimos meses, as consequências da crise energética provocada pela invasão da Rússia à Ucrânia. E Zelensky disse não ter dúvidas de que, durante o inverno, a Rússia vai “disparar mísseis e atingir a rede elétrica”.
Dias antes, a mensagem transmitida em Kiev era semelhante: “Este será o inverno mais difícil do mundo inteiro”, disse o Presidente ucraniano, precisamente a 90 dias do início do inverno, a 10 de setembro. “Estes 90 dias serão um teste para a nossa confiança na vitória. Um teste para a nossa resistência e unidade, para a nossa capacidade de nos protegermos”, disse Zelensky, mantendo sempre um discurso de crença no avanço das tropas ucranianas antes da chegada das temperaturas negativas – na Ucrânia, os termómetros chegam a alcançar marcas abaixo dos -5º.C.
Uma guerra de “desgaste”?
Avisos para o que poderá passar-se durante o inverno não têm faltado. Além de Zelensky, também a NATO lançou o alerta: “O inverno está a chegar e vai ser difícil e o que vemos agora é uma guerra de desgaste. Esta é uma batalha de vontades e uma batalha de logística.” As palavras foram ditas no final de agosto, por Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, que considerou ser este um momento fundamental para manter o apoio à Ucrânia “a longo prazo, para que a Ucrânia prevaleça como uma nação soberana e independente”. Sem revelar quais, Stoltenberg adiantou apenas que a NATO tem “mais de uma dúzia de novos projetos em preparação para o inverno”.
Mas, com o inverno à porta, importa perceber agora o que é que as temperaturas muito baixas significam realmente no terreno e que impacto terão na estratégia de cada um dos países. É verdade que as tropas russas estão habituadas a temperaturas negativas — e os termómetros não oscilam muito entre realidade russa e a ucraniana. Aliás, historicamente, podemos até relembrar o chamado “general inverno”, nome dado ao inverno daquela região, e que ajudou a Rússia a ganhar batalhas ainda antes do período soviético. A primeira foi em 1812, quando as tropas francesas de Napoleão Bonaparte foram derrotadas. Nesta altura, uma das grandes razões apontadas pelos generais franceses foram exatamente as baixas temperaturas, muito diferentes daquelas que se fazem sentir no centro e oeste da Europa.
Com uma bandeira branca improvisada, imagens mostram soldados russos a renderem-se em Kherson
Voltando agora ao presente, o cenário que se desenha parece ser diferente – se as tropas russas estão habituadas a lidar com frio no terreno, as ucranianas também. Há, no entanto, um fator que joga a favor da Ucrânia: o conhecimento do terreno. Nos últimos dias, a Ucrânia anunciou um rápido avanço nos territórios a sul do país, quebrando assim a defesa russa. O comando operacional militar destacado no sul da Ucrânia revelou que foram destruídos 31 tanques russos.
A região sul é estratégica, já que permite a entrada para o Mar Negro. Estes avanços surgem então numa altura em que Kiev quer garantir o máximo de território antes da chegada do inverno. Chris Murphy, senador dos Estados Unidos, alertou esta quarta-feira para a curta janela temporal e sublinhou, citado pelo Financial Times, que é importante que a Ucrânia tenha “uma postura ofensiva e não apenas uma postura defensiva no sul”. E Ihor Romanenko, antigo vice-chefe do Estado Maior da Ucrânia, defendeu que “é crucial avançar rapidamente na libertação do território ocupado, porque existe uma sensação de que as mudanças no clima vão limitar as ações militares” a sul.
Se os nossos aliados nos ajudassem, fornecendo mais armamento moderno que nós já pedimos, então a situação seria muito mais rápida e não estaríamos a falar sobre o fator clima.”
No sul da Ucrânia, o Instituto para o Estudo da Guerra, que analisa as movimentações das tropas do Kremlin, já revelou que as tropas de Kiev têm recuperado terreno nas últimas semanas em Kherson – a única região que estava sob o domínio russo a oeste do rio Dnipro –, enquanto a Rússia assume agora uma posição mais defensiva nesta região. “A contra-ofensiva em Kherson está a progredir e as forças russas parecem estar a tentar atrasar o processo, colocando-se em posições mais defensivas, em vez de parar a ofensiva ou revertê-la”, revela o relatório publicado no final de setembro.
Vladimir Putin faz 70 anos esta sexta-feira. Como será o aniversário do Presidente russo em guerra?
E o Financial Times dá então uma justificação para esta rápida recuperação ucraniana: é que existe, neste momento, urgência em reconquistar território a sul da Ucrânia que passou para as mãos das tropas de Moscovo, precisamente por causa do frio. Nos últimos três anos, explica este jornal, os terrenos não ficaram cobertos de gelo, como acontecia habitualmente. Por isso, é expectável que as fortes chuvas transformem aquele terreno em lama, dificultando a circulação dos tanques e da ofensiva por via terrestre. E as dificuldades vão fazer sentir-se, por isso, dos dois lados da barricada.
O impacto do frio no terreno
Em setembro, no dia em que Zelensky assinalou que faltavam 90 dias para o inverno, o Presidente ucraniano não escondeu que estes dias são cruciais para o domínio ucraniano: “Precisamos de apoio – armas, munições, apoio financeiro e político e uma diplomacia mais forte do que nunca”. “O inverno vai determinar o nosso futuro e os seus riscos”, acrescentou.
Em relação ao apoio, os Estados Unidos, por exemplo, estão a enviar equipamento para a Ucrânia – munições e equipamentos militares adaptados para o frio. Há, no entanto, a preocupação sobre a possível degradação das armas devido às baixas temperaturas. E o frio pode trazer também outros problemas.
Ao jornal norte-americano The Washington Post, que dá conta de vários riscos que podem causar danos nos sistemas militares, um veterano do corpo de fuzileiros dos Estados Unidos explicou que, por exemplo, os geradores não podem ser desligados. “A hipótese de reiniciá-los depois é impossível”. “A mecânica básica começa a danificar-se, e qualquer coisa que seja baseada em líquidos também se torna mais difícil.” Esta situação pode, no limite, fazer com que as tropas de um e do outro lado poupem recursos. Mas isso pode também ser sinónimo de vulnerabilidade, tornando mais fácil um possível ataque.
Perante uma perspetiva de estagnação na estratégia militar da guerra, ao mesmo jornal, Dave Butler, porta-voz do Estado-Maior norte-americano, sublinhou um ponto importante, definido como “uma vantagem fundamental”, que é o “apoio da população”.
Já do lado da Rússia, mesmo com a mobilização de milhares de russos que estavam nas listas de reserva, é necessária formação, que demora meses para estar concluída. Significa isto que a Rússia poderá não ter disponíveis tantos militares como seria de esperar durante os meses de inverno.
Além disso, uma história avançada pelo Wall Street Journal revela que a Rússia, apesar de ter homens na linha da frente, ou de ter homens disponíveis para sair da Rússia e combater em território ucraniano, está a perder muito equipamento. E, no limite, graças ao equipamento abandonado na Ucrânia pelas tropas de Moscovo, a Rússia transformou-se num fornecedor involuntário de material de guerra para a Ucrânia, o que poderá beneficiar Kiev nos próximos meses.
De acordo com este jornal, desde o início da guerra, a Ucrânia conseguiu tomar posse de 421 tanques, 445 veículos blindados de infantaria, 192 veículos blindados de combate e 44 lança-mísseis múltiplos. Cerca de metade, indica a investigação, foi deixada pelos militares russos desde setembro, a propósito da ofensiva ucraniana na região de Kharkiv.
As consequências para a população ucraniana: casas destruídas e falta de energia
Com a chegada das temperaturas negativas, e com as previstas dificuldades para o lado de Moscovo no terreno, surge a hipótese de que a Rússia possa destruir edifícios residenciais como forma de retaliação — o que, na verdade, não é uma novidade. A 16 de setembro, Putin chegou mesmo a referir que, “recentemente, as forças armadas russas atingiram alguns alvos sensíveis“, deixando em aberto a possibilidade de que os alvos fossem mesmo as habitações dos ucranianos. “Se a situação se desenvolver ainda mais nessa direção, a nossa resposta será mais séria“, avisou.
Os alertas também não são recentes, já que, pelo menos desde julho, as organizações não-governamentais têm alertado para o impacto do inverno na vida de quem está em território ucraniano e de quem viu as suas casas destruídas. Um dos avisos foi feito por Filippo Grandi, alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, no início de julho: “A solidariedade com o povo da Ucrânia continua a ser vital e deve continuar, especialmente à medida que o inverno se aproxima.”
In the rubble of Irpin, the result of Russian shelling (and as reports from Eastern Ukraine brought news of fresh destruction), we also saw people repairing, fixing, clearing.
Solidarity with the people of Ukraine remains vital and must continue, especially as winter approaches. pic.twitter.com/FhEp1v3DML
— Filippo Grandi (@FilippoGrandi) July 6, 2022