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MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

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O luto, a crise na cultura e o dueto que não aconteceu. Os bastidores do concerto solidário de David Carreira

É uma homenagem a Sara Carreira e um apelo à solidariedade para com os profissionais da cultura. Acompanhámos um dia de emoções à flor da pele no estúdio de David Carreira.

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A responsabilidade de improvisar um palco e de montar um espetáculo de quase duas horas é redobrada. No estúdio, uma espécie de segunda casa para os mais jovens elementos do clã Carreira, na Margem Sul, o esforço de uma equipa de produção fura por entre as limitações de tempo e de espaço, entre outros recursos, ditadas por uma pandemia que, há quase um ano, praticamente interditou a cultura. Sobre isto pesa, é claro, o luto de uma família e dos que lhe são mais próximos, decorridos menos de dois meses desde o acidente que vitimou Sara Carreira, aos 21 anos.

David, oito anos mais velho, é o anfitrião de “Amor em Casa”. Montou com engenho um concerto solidário — e ainda com espaço para uma homenagem à irmã — que será transmitido no próximo sábado, às 18h, no seu canal de YouTube. Sem público, faz-se acompanhar de uma banda, bem como da equipa técnica imprescindível para pôr um espetáculo como este de pé e fazê-lo chegar a milhares de casas. É dia de gravações, o culminar de várias horas de ensaios, de rearranjos musicais e de convites endereçados a outros artistas.

Ao início da tarde, a agenda já vai longa, embora com várias horas de trabalho ainda pela frente. Quantos takes? Dezenas certamente, se pensarmos que cada uma das atuações é gravada três vezes. Diogo Piçarra partilha o palco com David Carreira. “É um privilégio fazer parte de uma noite tão bonita”, admite o primeiro. Mais do que um músico convidado, é um amigo da família que viveu de perto a perda irreparável que esta sofreu no dia 5 de dezembro de 2020.

David Carreira durante as gravações do concerto "Amor em Casa"

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

“Sente-se a emoção à flor da pele, mas também uma responsabilidade acrescida”, admite Diogo ao Observador, concluída a sua quota-parte nas gravações. A família está aqui, à exceção de Tony, e o repertório inclui temas da jovem cantora que dava ainda os primeiros passos para construir uma carreira na música. “Foi intenso. Nos ensaios, tentei não pensar muito no que aconteceu, mas é inevitável, sabendo que é uma música da Sara, imaginar a voz dela a cada verso que passa. É impossível estarmos aqui e não nos lembrarmos de tudo”, continua.

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Três temas depois — entre eles “Sentimento”, originalmente gravado por Sara Carreira em 2019 –, Diogo recorda ainda o intuito solidário da iniciativa. “Ela teria adorado esta atuação, mas ainda mais o facto de estarmos a ajudar. Estamos aqui por ela, sabendo que gostaria que fizéssemos isto”, conclui. No sábado à noite, o apelo coletivo será no sentido de apoiar todos os profissionais da cultura impedidos de trabalhar. Contribuir com um donativo para a União Audiovisual estará, nessa altura, à distância de um botão.

Uma conversa com David Carreira

“Obrigado a todos por estarem aqui, do coração. Estão a partilhar um momento muito importante para mim, mesmo”. O anfitrião aproveita as câmaras desligadas para se dirigir à equipa (cerca de duas dezenas de pessoas) envolvida na produção do concerto. Emoções e motivação profissional sobrepõem-se. Os olhos até podem ameaçar vacilar, a voz pode temer por instantes, mas o espetáculo continua, mesmo que com pequenas pausas usadas para respirar fundo e descomprimir.

Foi num desses intervalos que, acomodados num dos sofás do andar de cima, conversámos com David Carreira. “Este espetáculo estava pensado para o Dia de Natal, mas não me senti preparado nessa altura”, justifica. Fala de união e de entreajuda num setor duramente afetado pela pandemia e da música como forma de atenuar um flagelo que se prolonga há quase um ano. “Nesta fase difícil que estamos a passar, temos de nos ajudar uns aos outros. E acho que a melhor maneira de o fazermos é juntos. No geral, é preciso mostrar amor”, refere o cantor de 29 anos.

“E depois, há uma homenagem à Sarinha. Para mim, é importante que estas pessoas, que me presenteiam com a sua presença e o seu carinho, possam cantar as músicas dela. Tenho a certeza que ela iria amar. São artistas com muito talento, com muita bondade e acho que isso é o mais importante”, continua.

Os irmãos Mickael e David Carreira

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

“Quis rodear-me de boas pessoas, que pudessem dar o seu amor hoje, neste mini programa que estamos a criar. É o melhor que me podem dar nesta altura”. O afastamento das redes sociais foi inevitável. Ainda assim, a par dos colegas de profissão, David não ignora o “carinho” e o “apoio” do público “nesta fase complicada”. “Agora, o meu foco é, cada vez mais, ajudar quem precisa — os meus amigos e os meus familiares e passar tempo com eles”.

Os concertos no YouTube são para repetir e as gravações da telenovela da TVI só terminam em junho. Até lá, David tenciona regressar ao estúdio para começar a trabalhar num novo álbum, 8. “É óbvio que tudo o que vou escrever agora vai ser influenciado por esta fase. Vou querer que este último álbum seja o melhor de todos e depois vou tirar um tempo para mim, possivelmente um ano ou dois. Tem sido muito intenso, ultimamente. Quero tirar tempo para mim e, porque não, começar a produzir outros artistas no futuro, sem dar a cara como cantor”, revela.

No espetáculo que tem estreia marcada para o próximo sábado, reuniu sobretudo amigos, mas também família. Mickael Carreira não tarda a entrar em cena para juntos cantarem “O Teu Lugar”, tema gravado em 2019 pelo irmão mais velho. Calema e Nuno Ribeiro também vão passar pelo estúdio durante a mesma tarde. No mesmo rol de convidados está Ana Moura, uma presença inusitada, porém revestida de um significado especial.

Sara Carreira e Ana Moura: o dueto que nunca aconteceu

“No álbum que ia lançar, a Sara queria fazer um dueto com a Ana Moura. É uma maneira desse dueto existir, portanto, sinto-me feliz por ela estar aqui”. A cantora chega de outra família musical para se estrear em dueto com um Carreira. David faz as honras e acompanha-a em dois temas. No final, é Fernanda Antunes, mãe do artista, quem agradece a presença da fadista: “Obrigada, Ana. A minha filha queria muito fazer um dueto consigo”. A comoção foi geral, pela simples constatação de um dueto que não chegou a acontecer.

“Recebi o convite com alguma surpresa, não sabia que era uma das artista de que a Sara mais gostava. Aceitei de imediato. Todos nós portugueses ficámos muito sensibilizados com o que aconteceu à família Carreira e poder, de alguma forma, abraçá-los deixa-me feliz”, refere Ana Moura, em conversa com o Observador, depois de também ter dividido o palco com Diogo Piçarra para entoar a canção de Sara, “Sentimento”.

Diogo Piçarra e Ana Moura cantam em dueto pela primeira vez

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“O dueto não aconteceu, mas há uma parte que acontece. Foi o que senti, senti que, de alguma forma, estava a fazer esse dueto”, continua Ana Moura, igualmente tocada pela escolha feita por David dentro do seu repertório — a canção de 2015 “Tens os Olhos de Deus”. “Acho que é de uma enorme coragem ele escolher esta música e cantar aquela parte da letra”, completa.

Um concerto para ajudar os profissionais da cultura

Empolgada para assistir ao concerto de sábado, Ana é uma das muitas artistas portuguesas que se tem visto afastada dos palcos, sentimento que só aumenta o entusiasmo de estar aqui, a estrear novos elos musicais e a atenuar as saudades que tem de atuar ao vivo. “Não tenho dado concertos, mas confesso que tenho estado a trabalhar intensamente. Canto em casa, obviamente, mas a partilha do que fazemos com gosto torna tudo muito maior. Foi o que aconteceu aqui hoje: houve partilha em todos os instantes e entre toda a gente”, resume ainda.

“É nossa responsabilidade ajudar e contribuir de alguma forma com eventos como este”, continua. O sentimento de Ana, que confidenciou ter um novo disco prestes a sair, é partilhado pelos restantes intérpretes. Todos conhecem profissionais que ficaram sem trabalho e percebem a urgência de fazer chegar as estes profissionais a ajuda de que tanto precisam. Aí, o mediatismo pode servir de alavanca à solidariedade.

“Vivo de perto este silêncio gigante que está a acontecer na cultura, pela minha equipa, por pessoas próximas. Não sinto de uma maneira tão intensa, porque consigo sempre ir buscar outra forma de rendimento às minhas redes sociais. Mas os meus técnicos não têm nada e há mais de um ano que não fazem um concerto”, explica Diogo Piçarra, que afirma apoiar financeiramente alguns os seus técnicos dividindo as receitas de “pequenos concertos, atuações e parcerias”, mesmo que não requeiram toda a equipa. “Tem sido uma prova de fogo para todos nós e muitos estão a perder”, remata o cantor.

David Carreira: “Quando tiver um filho, desejo-lhe tudo menos seguir esta carreira”

Já David Carreira fala da distância que separa profissionais e palco. “Isso sente-se em todos os convidados, nos músicos, nos técnicos. E o que estamos a fazer aqui é uma maneira de incentivar a que voltem a acontecer concertos de forma segura a que se ajude quem não tem possibilidade de fazer uma novela como eu. Muitas dessas pessoas vão começar a mudar de profissão, o que é muito mau. Temos de nos juntar — músicos, técnicos, pessoas do mundo do espetáculo — para arranjar soluções para quem tem mais necessidade neste momento”, defende.

Para trás, fica um ano duplamente difícil. Entre um luto que se adivinha longo e uma pandemia que não dá tréguas ao setor, David retoma o projeto de oferecer um espetáculo musical ao público e compromete-se a repetir a fórmula as vezes que forem necessárias. Diz-se “positivo”, dos que, constantemente, veem “o lado bom das coisas”. Capacidades, mais do que nunca, postas à prova.

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