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Basílio Horta durante uma arruada na freguesia de Casal de Cambra
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Basílio Horta durante uma arruada na freguesia de Casal de Cambra

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Basílio Horta durante uma arruada na freguesia de Casal de Cambra

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O “médico da TV” que quer “curar Sintra” não tira a “tranquilidade absoluta” a Basílio Horta

Ricardo Baptista Leite ganhou notoriedade na pandemia e é conhecido na rua. Tem uma "terapêutica" para "curar Sintra", mas não é suficiente para tirar a Basílio Horta a convicção da maioria absoluta.

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Ricardo Baptista Leite baixa a máscara “rapidamente e sem respirar” para mostrar o rosto a quem se cruza com ele nas ruas de Sintra. À boleia da pandemia da Covid-19, o médico e deputado de 41 anos, porta-voz do PSD para as questões da saúde, tornou-se no último ano e meio uma figura incontornável do debate sanitário. Homem forte de Rui Rio para a resposta à pandemia, foi a voz dos sociais-democratas em reuniões do Infarmed, entrevistas variadas e comentários televisivos regulares na CMTV. A notoriedade que conquistou ao longo de ano e meio fez correr muita tinta sobre a possibilidade de ser um trunfo eleitoral para as autárquicas, em que o PSD quer recuperar terreno, e chegou a ser apontado como o possível candidato dos sociais-democratas a Lisboa. Em março deste ano, soube-se que seria o candidato a Sintra, depois de um conturbado processo numa estrutura local igualmente conturbada, com a espinhosa missão de tentar derrubar Basílio Horta — que se encaminha para um terceiro mandato confiante numa nova maioria absoluta.

Na rua, tal como no Hospital de Cascais (em cujo “covidário” fez voluntariado durante o último ano e meio), é reconhecido por muitos como o “médico da TV”.

“É inegável que muitas pessoas que me conhecem, conhecem-me precisamente pelas funções de médico e por ter surgido mais na imprensa nacional a procurar apresentar respostas e propostas para a pandemia”, aponta Ricardo Baptista Leite ao Observador, a meio de um camarão à Brás, durante um almoço entre ações de campanha. “Tenho sentido um enorme carinho da parte da população precisamente por isso. São muitas as pessoas que me têm dito que em momentos chave da pandemia sentiram que fui uma das vozes que procuraram tranquilizar a população, com o apelo à vacinação, por exemplo. Têm dito que foram momentos pelos quais estão gratos. Sinto isso naturalmente como um enorme conforto, porque foi um ano e meio muito exigente para tantos portugueses, sentir que pude contribuir dessa forma.”

Ricardo Baptista Leite com António Capucho durante um almoço de campanha em Sintra

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Ao fim de um ano e meio de pandemia, Ricardo Baptista Leite está a aproveitar ao máximo o capital de credibilidade que a sua presença pública lhe deu: apresenta-se como médico — é isso que surge nos autocolantes, folhetos e cartazes, não deputado ou ex-autarca — e encabeça uma coligação com o sugestivo nome “Vamos Curar Sintra”.

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O diagnóstico de Sintra e a tensão com Basílio Horta

De que doença padece, então, Sintra? Durante o almoço, Ricardo Baptista Leite não poupa nas metáforas médicas. Nos últimos meses, o candidato protagonizou a iniciativa “Escutar Sintra”, que envolveu mais de um milhar de contactos diretos com os munícipes, “conversas prolongadas” que permitiram, diz, fazer um “diagnóstico” do concelho. A partir dele, “construímos a nossa terapêutica para curar Sintra, a que tipicamente chamamos programa eleitoral, e que esperamos poder executar a partir de dia 26”. O diagnóstico apontado por Baptista Leite é negro: “Sintra foi ficando sistematicamente para trás, sobretudo quando nos comparamos com concelhos vizinhos, como Mafra, Cascais e Oeiras.”

O médico elenca vários indicadores, a começar pelo desemprego: “Só nos últimos dois anos, entre julho de 2019 e julho de 2021, Sintra foi o segundo pior concelho em termos de aumento de desempregados inscritos nos centros de emprego. Temos uma economia assente no trabalho precário. O principal empregador é uma cadeia de supermercados e o segundo é a câmara municipal. É exatamente o inverso de um modelo de desenvolvimento económico que pode levar à prosperidade necessária que depois permita que a população possa crescer com o concelho.”

Ricardo Baptista Leite é reconhecido por muitos nas ruas como o "médico da TV"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Baptista Leite sublinha ainda os problemas de segurança e explica que, de acordo com as autoridades, tem aumentado o “sentimento de insegurança” no concelho, sobretudo desde que a vizinha Amadora instalou o sistema de videovigilância e levou à “transição de criminalidade” para Sintra. “As pessoas mais idosas têm medo de sair à noite. Muitas pessoas acabam por não usar o comboio com receio”, diz, antes de voltar à sua praia: a saúde. “Mais de 100 mil sintrenses não têm acesso a médico de família. É mais de um quarto da população do concelho”, diz Baptista Leite, antes de explicar uma das suas grandes bandeiras eleitorais. “Com grande custo, vamos ter de assumir a prioridade política de garantir investimento municipal direto, para o acesso a um médico a quem não tem médico de família. Compete ao Governo corrigir a situação dos médicos de família. Claramente, vai demorar três, quatro anos a conseguir corrigi-lo, pela falta de planeamento de recursos humanos e a incapacidade de criar os incentivos corretos. Enquanto isso não acontecer, não podemos permitir que o concelho possa continuar com mais de 100 mil pessoas sem acesso a um médico. Portanto, vamos, através de um investimento municipal, contratualizar, seja com o setor público, privado ou social, diretamente para que cada cidadão identificado sem médico de família possa ter um médico assistente durante este período de tempo enquanto o Governo não resolve. Tem um custo estimado de cerca de 1,5 milhões de euros por ano. Portanto, é uma opção política clara.”

Ao lado de Ricardo Baptista Leite, na mesa do almoço e na candidatura, está António Capucho. O histórico social-democrata, ex-ministro e ex-presidente da câmara municipal de Cascais, já tinha sido eleito para a Assembleia Municipal de Sintra em 2013 pela lista independente de Marco Almeida, o que lhe valeu a expulsão do partido. Regressou ao PSD em 2019 pela mão de Rui Rio e é agora o candidato do partido à assembleia municipal num concelho em que o PSD aposta em nomes fortes com um alvo em concreto: Basílio Horta.

O ex-ministro e fundador do CDS, partido que abandonou em 2001, foi eleito presidente da câmara de Sintra em 2013 pelas listas do Partido Socialista. Em 2017, foi reeleito com maioria absoluta — e agora recandidata-se para um terceiro mandato apostado em aumentar a maioria. “Hoje temos um presidente de câmara, Basílio Horta, o seu executivo e muitos dos seus presidentes de junta, que não percebem que um presidente de câmara, um vereador e um presidente de junta tem como”, atira Baptista Leite. “Sente-se que há uma vontade de mudança e é fundamental que as pessoas compreendam que a única mudança possível, para retirar Basílio Horta de presidente de câmara, é votando em nós. O voto em qualquer outro partido é um voto desperdiçado que irá manter Basílio Horta presidente de câmara.”

António Capucho de regresso ao PSD. “Rui Rio pode contar comigo para o que entender”

Particularmente atravessado na garganta de Ricardo Baptista Leite está o facto de Basílio Horta ter recusado um debate com ele. “Durante esta campanha eleitoral temos um presidente de câmara que, pura e simplesmente, não participa no debate político. Não aceitou, apesar da minha insistência pessoal e de muitas pessoas, responder às perguntas da população. Depois de oito anos de governação, é o mínimo que se exige em democracia, é que o presidente da câmara esteja disponível para responder às perguntas das pessoas, para apresentar as suas ideias. Quer ser presidente de câmara mais quatro anos? Tem de dizer porquê e ao que vem — e confrontar as suas ideias com o principal adversário, que sou eu.”

“Na ausência da disponibilidade de Basílio Horta, que eu acho que é um ato de cobardia política e de desrespeito para com as pessoas de Sintra, eu continuarei na rua, porta a porta”, remata.

Baptista Leite não fica sem resposta. “Porque é que há de ser o principal oponente? Mas ele tem a certeza que é o principal oponente? Eu não tenho essa certeza. Porque é que hei-de discriminar os outros candidatos? Estaria disponível para um debate com todos. Ninguém organizou, ninguém pediu”, diz Basílio Horta ao Observador, sentado no parque de merendas do jardim urbano de Casal de Cambra, no final de uma arruada pela freguesia mais oriental do concelho. “Fartei-me de dizer que estou disponível para um debate com todos, mas o senhor queria um debate só com ele. Eu não percebia porque é que havia de ser só com ele.”

Basílio Horta recandidata-se para um terceiro mandato à frente da câmara de Sintra

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

De facto, alguns dos concelhos mais populosos do país, incluindo Sintra e Vila Nova de Gaia, ficaram de fora da série de debates que a RTP organizou com os candidatos em todas as capitais de distrito e com quatro outros concelhos escolhidos pela relevância da disputa eleitoral (Odemira, Almada, Amadora e Figueira da Foz). Basílio Horta diz que é “totalmente mentira” uma acusação posta a circular de que o candidato do PS teria recusado um debate na RTP — e começa a desfiar um novelo de outras acusações contra Baptista Leite.

“Aquilo que o meu oponente diz… É o período eleitoral, a gente tem de encolher os ombros. Não desvalorizo, mas não dou o devido valor, porque se desse o devido valor zangava-me muito. Quando se fala muito nos homens e não nos projetos, alguma coisa vai mal. Nunca vi o meu nome em tantos cartazes na minha vida, por todo o lado. O senhor fez uma opção, o PSD fez uma opção, que foi atacar-me. É uma opção. Dia 26 logo se vê se a opção foi correta ou não”, diz Basílio Horta, que tem resposta para todas as críticas levantadas publicamente por Baptista Leite.

Basílio Horta durante uma arruada na freguesia de Casal de Cambra

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

No centro da discórdia está o futuro Hospital de Sintra, uma obra que arrancou no mês passado e que deverá estar pronta em 2024. Dos 72 milhões que custará, 50,6 milhões foram investidos diretamente pelo município — e o restante terá origem no Governo, que financiará uma parte ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Ricardo Baptista Leite tem expressado repetidas críticas ao projeto, sublinhando que não é construindo edifícios que se resolve o problema da falta de acesso aos cuidados de saúde no concelho, mas com mais médicos — e acusa Basílio Horta de ter avançado com o hospital sem acautelar os recursos humanos no concelho. “Dizer-se que quando o hospital foi feito não tivemos em conta os recursos humanos e o equipamento é uma falsidade que só um grande desconhecimento pode justificar”, diz Basílio Horta, sublinhando que tudo está a ser articulado com o Governo, a ARS e o Hospital Amadora-Sintra — e defendendo que é preciso alterar políticas para atrair médicos de família, problema que não se resolve com a tal proposta de Baptista Leite. “Não se pode dizer, com uma certa fanfarronice, que não tem problema nenhum, a gente vai arranjar um sistema que dá um médico de família… Mas o que é isto? Então temos o SNS, depois há um seguro de saúde, custa 1,5 milhões? São precisos mais médicos. É muito fácil dizer isso, e então em matéria eleitoral. Se isso fosse tão fácil estava resolvido a nível nacional, como deve imaginar.”

“Se por acaso concordar com as nossas ideias…”

Encontramos Ricardo Baptista Leite à porta de uma agência de comunicação na Quinta da Beloura, uma luxuosa urbanização nascida em torno do golfe, no sul do concelho de Sintra. É quase meio-dia e o candidato passou a manhã dentro do estúdio em gravações para a campanha eleitoral, que por via da pandemia se transferiu em grande parte para as redes sociais. Ao longo das últimas semanas, a página oficial da campanha no Facebook tem transmitido em direto um conjunto de entrevistas feitas pelo próprio Ricardo Baptista Leite aos candidatos às diferentes juntas de freguesia do concelho. “A ideia é conhecer a pessoa por trás do candidato”, explica o médico. Agora, Baptista Leite regressou ao estúdio para gravar as mensagens finais de apelo ao voto que hão de ser difundidas na reta final da campanha.

Apesar da pandemia, no período oficial de campanha, o candidato não dispensou algumas ações de rua. “Sempre de máscara, sobretudo junto dos mais idosos, apesar de já ter tido Covid e estar vacinado”, diz-nos. A conversa encaminha-se naturalmente para os temas da saúde e Baptista Leite começa a recordar alguns dos casos que mais o marcaram no último ano e meio de voluntariado no Hospital de Cascais. Dá o exemplo de uma mulher grávida internada em cuidados intensivos, que teve a criança durante o período do internamento e a quem só foi retirada a sedação e o entubamento quando a filha já tinha dois meses. “A última memória dela era estar grávida”, conta, já no carro a caminho da zona histórica de Sintra. “E o mais impressionante é que cada uma destas histórias, depois, era convertida em meros números.”

Ricardo Baptista Leite conversa com o Observador na estrada, entre ações de campanha

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O carro detém-se no parque de estacionamento da Casa do Preto, lugar de referência para comer as míticas queijadas de Sintra. Na esplanada já está uma equipa de campanha vestida a rigor, liderada pelo candidato à União das Freguesias de Sintra, Paulo Parracho. Do porta-bagagens saem bandeiras, folhetos, lápis e autocolantes — e é mesmo ali, na Casa do Preto, que Baptista Leite dá início “a uma arruada para abrir o apetite para o almoço”, como alguém comenta dentro do cortejo. Há mesa marcada num restaurante ali perto e o caminho até lá é feito em campanha.

Perante aqueles que vai encontrando, insiste na ideia de “curar Sintra” e apresenta-se sempre como médico. É o candidato à junta que vai abrindo caminho e fazendo as apresentações aos potenciais interessados num folheto de Baptista Leite — incluindo Ermelinda Félix Vasques, de 95 anos, bem conhecida ali na freguesia, que sempre gostou muito de Sá Carneiro, um ex-presidente de junta que detém uma casa de móveis que teve mais procura durante a pandemia e o presidente de uma comissão de moradores do bairro. É que Baptista Leite, na verdade, não é de Sintra. O médico, nascido no Canadá em 1980, veio para Portugal com a família ainda em criança e vive em Cascais — de que já foi vice-presidente de câmara e vereador. A grande notoriedade que alcançou no último ano e meio tornou-o num trunfo eleitoral importante para Rui Rio apostar em Sintra — mas atrás dela veio o desafio de conhecer o território. Dentro da campanha, diz quem o conhece que os últimos meses foram passados a calcorrear as ruas das várias freguesias de Sintra, que vão desde a ruralidade de Colares ou São João das Lampas, na orla costeira, até à apertada malha urbana de Queluz ou Agualva-Cacém. Agora já conhece todos os cantos do concelho, garantem ao Observador dentro do cortejo social-democrata.

Baptista Leite não esconde que vem de fora, mas lembra que começou a sua carreira de médico no Hospital Amadora-Sintra e que foi lá que se deu conta dos graves problemas de pobreza e desigualdade social do concelho. “O que esta campanha tem mostrado é que ao invés de se ter diminuído o hiato entre os mais ricos e os mais pobres houve um agravar destes problemas sociais”, diz Baptista Leite, que quer repetir em Sintra o que diz serem os sucessos da governação autárquica de Cascais. “Tive essa experiência, fui autarca ao longo de vinte anos, também com o António Capucho, que é o nosso candidato à Assembleia Municipal de Sintra, e pude ver em primeira mão e vivenciar enquanto vice-presidente da câmara aquilo que deve ser a liderança numa câmara. Aquilo que é um modelo de gestão local próximo das pessoas, respondendo às necessidades das pessoas, e também tendo uma visão de futuro”, aponta.

Ricardo Baptista Leite andou pelas ruas do concelho a convencer os munícipes de que é a solução para "curar Sintra"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A caminho do restaurante onde a comitiva poderá escolher entre camarão à Brás e vitela à sintrense, Ricardo Baptista Leite passa por uma mercearia para deixar mais um panfleto. O candidato não se detém durante muito tempo à conversa, mas também não despacha ninguém. Apresenta-se, deixa o programa eleitoral e sugere: “Se por acaso concordar com as nossas ideias, somos a coligação ‘Vamos Curar Sintra’.” Na mercearia, um canal de notícias transmite uma intervenção de António Costa na campanha eleitoral, mas sem som. “Deve estar a vender alguma coisa”, atira alguém dentro da campanha. “O PRR…”, completa Baptista Leite. “O Ricardo Araújo Pereira ontem é que o apanhou bem”, responde um apoiante. O programa do comediante, que no dia anterior tinha transmitido um apanhado de todas as promessas feitas por António Costa com base nas verbas do PRR em comícios por todo o país, haveria de ser um dos temas de conversa à mesa do almoço.

Polémicas internas? “Temos um movimento político unificado”

É o Observador que atira para a mesa do almoço o elefante na sala: a história conturbada do PSD em Sintra e, particularmente, a relação da candidatura de Baptista Leite com o vereador social-democrata Marco Almeida.

É preciso recuar uma década para perceber a polémica. Marco Almeida foi vereador e vice-presidente da câmara de Sintra sob a liderança de Fernando Seara, que governou o concelho durante três mandatos, entre 2001 e 2013. Nesse ano, o PSD de Pedro Passos Coelho escolheu Pedro Pinto como candidato social-democrata à autarquia, momento que ditaria o afastamento de Marco Almeida, que se apresentou a eleições pelo movimento independente “Sintrenses com Marco Almeida” — que contou com o apoio de dezenas de militantes do PSD, incluindo o histórico António Capucho. A candidatura contra o partido motivaria a expulsão de Almeida, Capucho e muitos outros militantes do partido.

Em 2017, Marco Almeida voltou a candidatar-se com o seu movimento independente, mas dessa vez já com o apoio formal do PSD. Dois anos depois, com Rui Rio na liderança dos sociais-democratas, tanto Marco Almeida como António Capucho voltaram a ser militantes do PSD. Agora, o vereador esperava ser escolhido pelo PSD para ir a votos em Sintra nas listas do partido, mas Rui Rio viria a trocar-lhe as voltas. O presidente do PSD queria lançar Pedro Santana Lopes na corrida a Sintra com Marco Almeida no segundo lugar — mas o ex-primeiro-ministro tinha outras ambições e viria a apresentar-se a votos na Figueira da Foz. Contra a vontade da estrutura concelhia do PSD, Rui Rio acabaria por impor o nome de Ricardo Baptista Leite.

António Capucho integrou, em 2013, o movimento de Marco Almeida — e defendia-o como candidato este ano. Agora, está do lado de Ricardo Baptista Leite

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Todo este conturbado processo só aprofundou as divisões no PSD em Sintra e a pergunta que se impõe é óbvia: pode Ricardo Baptista Leite contar com um apoio generalizado dos próprios sociais-democratas no concelho? Ou, pelo contrário, haverá quem, fiel a Marco Almeida, não vote nele?

A pergunta do Observador recebe respostas de várias vozes. À mesa, vários apoiantes de Baptista Leite, incluindo membros da lista à União das Freguesias de Sintra, garantem que a quase totalidade dos apoiantes de Marco Almeida — muitos deles incluídos — está na campanha de Baptista Leite. António Capucho, eleito para a Assembleia Municipal nas listas de Almeida, é o maior exemplo. Mas vários dos militantes presentes no almoço confirmam que fizeram parte das campanhas de Marco Almeida e que agora apoiam Baptista Leite sem pruridos. O próprio Baptista Leite tenta desvalorizar a guerra interna, sublinhando que aceitou o convite direto de Rui Rio por sentir que tinha a missão de “ajudar a colocar Sintra no mapa”.

“Quando olhamos para a história conturbada do PSD e para as nossas listas, vemos representantes de todas as fações aglomeradas aqui nesta candidatura. É a primeira vez desde há muitos anos que temos um movimento político unificado e creio que aquilo que nos une a todos é a esta vontade de mudança”, diz Baptista Leite. Sobre Marco Almeida, garante: “Tivemos várias conversas. É uma pessoa que eu estimo e estou certo de que no futuro continuará a ser uma pessoa que, depois de nós ganharmos as eleições, continuará a ser um sintrense com quem poderemos contar. O fundamental é que, ganhando as eleições, todos os que vierem por bem são muito bem-vindos.”

Ricardo Baptista Leite quer "curar Sintra"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O próprio Marco Almeida escreveu, em abril, na sua página da internet, um texto sobre toda esta polémica. “Nunca escondi a naturalidade de ser candidato em 2021 apoiado pelo PSD, apesar do custo pessoal que tal acarreta e da avaliação que faço da conjuntura municipal”, notou. “A atual liderança do PSD, que apoiei em diferentes circunstâncias, optou por outra solução. Da minha parte, fico agora como espectador atento, indisponível para participar nas listas do Partido Social Democrata, mesmo na liderança da lista à Assembleia Municipal.”

“Não me levarão a mal que fique na expectativa de ver o que acontecerá na noite eleitoral, no país e em Sintra, e que consequências cada um dos diferentes atores retirará dos resultados”, disse ainda Marco Almeida, deixando um recado direto ao líder do PSD. “Ao Dr. Rui Rio deixo um conselho. Também na política não basta apregoar seriedade nas opções, acima de tudo é necessário praticá-la.”

Basílio Horta, um “gajo porreiro” convicto da maioria absoluta

Alheio às guerras internas do PSD, o atual presidente da câmara de Sintra, Basílio Horta, está confiante numa maioria absoluta ainda mais expressiva do que a de 2017. Há quatro anos, Basílio recebeu 43,05% dos votos, o que se traduziu na eleição de seis vereadores num executivo composto por 11. Agora, o antigo ministro e fundador do CDS está convicto de que ainda vai recolher mais votos. “Vou dizer-lhe isto com toda a franqueza. Vou para estas eleições com uma tranquilidade absoluta. Não fui capaz de fazer melhor nem mais. Tranquilidade total. Se me pergunta o que é que eu mereço? Eu mereço aumentar a votação das últimas eleições, porque fizemos muito mais do que fizemos nos quatro anos anteriores, e fundamentalmente porque temos o futuro à nossa frente”, diz ao Observador.

Basílio Horta recebido em euforia à chegada a Casal de Cambra. O deputado socialista Sérgio Sousa Pinto, recandidato à Assembleia Municipal, esteve na arruada

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Não há sondagens recentes publicadas para o concelho de Sintra, mas as sondagens internas feitas pela candidatura de Basílio Horta para “verificar a evolução da campanha” — cujos resultados não revela — são suficientes para deixar o atual autarca confiante numa vitória.

Por outro lado, o furor que a caravana de Basílio Horta faz ao passar pelas ruas do concelho também ajuda a tirar essa conclusão. A campanha, em si, é discreta: o autarca reserva as manhãs para momentos de contacto com a população do concelho e as tardes para continuar a trabalhar na câmara. Mas as estruturas locais do PS comparecem em peso às ações de campanha agendadas pela equipa de Basílio Horta.

Por volta das 11h30 desta sexta-feira, uma pequena multidão de perto de uma centena de apoiantes aguardava a chegada do autarca à porta de um café em Casal de Cambra, uma freguesia de Sintra entalada entre os concelhos de Odivelas e Amadora. A julgar pela receção, o próprio estabelecimento há de ter alguma relação com o partido: quando o Observador tentou pagar um café e um folhado misto ao balcão, houve resistência. “Não estão com o grupo? Está tratado.” Só perante a insistência dos jornalistas foi possível pagar o pequeno-almoço. Mas não deu para averiguar mais detalhes, uma vez que lá fora a multidão irrompeu em euforia. Era Basílio Horta que chegava. Bandeiras, apitos e um megafone a dar o ritmo para os gritos de ordem: “Bom dia, bom dia, bom dia a toda a gente; eu voto PS, por isso estou contente”; “E quem não salta não é PS”; ou o clássico de Mário Soares “Quanto mais a luta aquece, mais força tem o PS”.

Basílio Horta impõe, de imediato, o ritmo à caravana de distribuição de panfletos, que vai gritando pelo candidato. À passagem por uma creche em cujo jardim várias crianças vão brincando, o dono do megafone não hesita: “Bom dia, meninos!”, atira em tom de speaker do circo. “Avisem os vossos pais para votarem no PS!”

Basílio Horta rejeita as críticas de Ricardo Baptista Leite e acusa-o de faltar à verdade

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Uma das paragens mais demoradas é na “Loja da Cigana”, de Francisco Laboreiro, um militante do PS de etnia cigana que quer “agradecer ao Dr. Basílio Horta, em nome da comunidade cigana, pelo que ele tem feito pelos ciganos”. Laboreiro, um lojista e ativista pelos direitos da comunidade cigana, explica ao Observador que “em Casal de Cambra não há exclusão nem racismo” devido à boa educação que vem das escolas e aos projetos de inclusão promovidos pelo Governo, que naquela freguesia têm tido muito sucesso. “Foram eles, o PS, que fizeram isto”, explica.

Francisco Laboreiro não é uma presença acidental numa campanha socialista. Andou a colar cartazes na campanha presidencial de Ana Gomes e fez parte do grupo que atirou caixas de pastilhas a André Ventura durante a campanha. “Fui lá mostrar a minha indignação”, diz ao Observador, enquanto considera que é “mentira” que os ciganos queiram viver no Rendimento Social de Inserção. “As pessoas querem é trabalhar. As crianças ciganas já nascem a achar que nunca vão ter emprego porque vêem os pais serem recusados. Por isso, tivemos de criar os nossos meios de subsistência. Feiras, muita gente mete-se no tráfico de drogas”, explica, sublinhando que é necessário, até dentro da comunidade cigana, “mudar palavras”. E dá exemplos: “Quando uma rapariga começa a namorar com um rapaz, temos de lhe chamar ‘namorar’, não podemos começar a falar em ‘casamentos’. Não é um casamento. Depois mais tarde pode ter outro namorado. O mesmo com a escolaridade. As nossas filhas têm de estudar.”

A integração social é, de facto, uma das bandeiras de Basílio Horta, que o autarca usa para responder às críticas de Baptista Leite sobre a segurança. “A segurança preocupa sempre. Mas se preocupa em Sintra, deve preocupar em Cascais e em Oeiras, com metade da população. É bom ver os índices. Se o PSD quisesse, tinha-me pedido as atas do conselho municipal de segurança, que são mensais, e não dizia o que diz. Vê a GNR e a PSP e o SEF a dizer que a criminalidade tem vindo sucessivamente a baixar. O único setor onde temos preocupação é na violência doméstica. Aí, há verdadeiramente uma preocupação”, diz ao Observador.

Basílio Horta durante uma arruada na freguesia de Casal de Cambra

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Basílio Horta lembra que Sintra é “o concelho com maior número de imigrantes”, contando com 40 mil, e “7.500 muçulmanos”. “Temos um índice de criminalidade na ordem dos 26, quando Lisboa tem 49. É uma coisa muito importante de referir. Não devíamos dizer que a segurança é o primeiro problema, para louvar as pessoas, os imigrantes, mantê-los na paz que temos vivido até hoje. Não temos um único crime racial em Sintra que nós conheçamos. Isto é muito importante. Temos um plano de acolhimento e integração de migrantes que é considerado líder a nível europeu.”

Mais à frente na arruada, um encontro com a história. Lucínio Pinto, 74 anos, está ao portão de casa quando Basílio Horta passa por ele para lhe entregar um panfleto. Feitas as apresentações, percebem o “grande amigo” em comum que têm: Manuel, o ex-motorista de Basílio Horta na década de 1970, quando Basílio estava ainda no CDS que ajudou a fundar em 1974. “Quando o CDS fez coligação com o PS [no segundo governo constitucional, em 1978], o Basílio foi para ministro e tinha carro do Estado. Então, esse meu amigo Manuel, que era chofer dele, foi para o Freitas do Amaral. Mas o Freitas não era capaz de dizer bom dia aos pobres. O Basílio é um gajo porreiro”, conta Lucínio, lembrando as dores do amigo quando deixou de trabalhar para o atual autarca. Mas “porreiro” pode não chegar. “Eu vim para aqui com 25 anos e hei de morrer sem isto estar tudo legalizado”, lamenta. “Este aqui para a junta de freguesia merece. E para a câmara ele também não é mau…”

Com os olhos postos na maioria absoluta, Basílio Horta faz um balanço de oito anos de governação entre o “trabalho” e o “sonho”. “Um trabalho muito grande que foi preciso nos primeiros quatro anos: pegar na câmara e criar as condições para começar a desenvolver o concelho. As condições foram criadas quando começámos a pagar a dívida de 78 milhões de euros”, explica o recandidato. “Depois, começámos a investir a sério. Hoje, há mais de 60 milhões de investimento e até ao fim do ano haverá cerca de 80 milhões de investimento no concelho”, continua, elencando as requalificações em centros de saúde e em escolas.

Para Basílio Horta, apesar das críticas insistentes de Ricardo Baptista Leite, não há motivos para duvidar da preferência dos sintrenses. “As pessoas perceberam que estes últimos oito anos foram de muito trabalho. Foi tudo bem? Não. Com certeza que houve coisas menos bem, omissões. Mas naquilo que é essencial, que é o carácter da gestão, aí não. Transparência, seriedade da gestão, valores. Sem valores não há projetos.”

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