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A polícia usa gás lacrimogéneo para dispersar o piquete nas linhas de elétrico em frente ao edifício do Ministério da Comunicação Social em Lisboa a 11 de novembro de 1975

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A polícia usa gás lacrimogéneo para dispersar o piquete nas linhas de elétrico em frente ao edifício do Ministério da Comunicação Social em Lisboa a 11 de novembro de 1975

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O ministro da Educação que fugiu no porta-bagagens, o conselho das Três Marias e os desmandos do PREC

Foram tempos em que tudo parecia possível. "Tempos em que diversas forças políticas cometeram os maiores desvarios e as maiores loucuras". Pré-publicação de excertos de "Educação e Liberdade".

São apenas oito anos da década de 70, mas são dias intensos e “definidores” de um dos “períodos mais ricos e conturbados” da história de Portugal. No seu novo livro Educação e Liberdade — A primavera de Veiga Simão, os desmandos do PREC e a renovação de Sottomayor Cardia, Eduardo Marçal Grilo faz uma análise do que se passou na educação (e no país) antes do 25 de Abril de 1974, e nos anos pós-revolucionários.

O ex-ministro da Educação do governo socialista de António Guterres recorda os saneamentos arbitrários e violentos durante o Processo Revolucionário em Curso nas universidades, a turbulência que se viveu na educação e o caos e a “irracionalidade” que orientava a gestão do ensino superior e a sociedade em geral. E não deixa de criticar atuais figuras públicas que militavam então noutras fileiras político-partidárias. 

Com prefácio de Jaime Gama, Educação e Liberdade — A primavera de Veiga Simão, os desmandos do PREC e a renovação de Sottomayor Cardia, estará nas bancas nesta quarta-feira e será lançado no dia 2 de dezembro na Fundação Calouste Gulbenkian, num debate com dois ex-ministros da Educação: Guilherme d’Oliveira Martins e David Justino. 

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O Observador pré-publica excertos de dois capítulos “Uma Revolução a dois tempos” e “PREC na Educação”.

Para se ter uma ideia do que foram alguns momentos de perturbação vividos imediatamente a seguir à Revolução, bastará referir, a título de exemplo, dois casos que ocorreram na área da educação. O primeiro quando o professor Eduardo Correia, que era ministro da Educação do I Governo Provisório, teve de abandonar o edifício do Ministério escondido na bagageira da sua viatura numa tentativa de escapar à fúria dos manifestantes, que se encontravam em frente à saída do edifício da Avenida 5 de Outubro. O segundo ocorrido com o professor Orlando de Carvalho, secretário de Estado da Reforma Educativa do mesmo governo, que em dado momento teve de se dirigir a uma multidão que se encontrava em frente ao Ministério, empoleirado em cima da pala do edifício e empunhando um megafone para conseguir fazer-se ouvir. Dois exemplos que mostram até onde se chegou em termos de falta de autoridade do Estado.

Foram tempos em que tudo parecia possível, mas em que se notou um sentimento de vingança e de retaliação, que levou ao saneamento de muitos professores e de muitos responsáveis ao nível do Ministério, em que os envolvidos foram tratados como criminosos sem terem cometido qualquer falta ao longo das suas carreiras. Saneamentos que mancharam mesmo quem tinha feito a revolução, ou os que a apoiavam e que viram os seus objetivos deturpados através de atitudes que tinham mais de vinganças pessoais do que da defesa do estado de direito e do respeito pelos direitos de cada um, que são as características de um regime democrático. De forma breve, podemos dizer que, imediatamente a seguir ao aparecimento público da Junta de Salvação Nacional, o país entrou numa catadupa de acontecimentos, em que todos os dias ocorria algo de novo e de inesperado. Importa referir que o país percebeu logo à partida que quem detinha verdadeiramente o poder eram os líderes do denominado Movimento das Forças Armadas, sendo a Junta de Salvação Nacional um órgão sem grande capacidade para conduzir os destinos da revolução e do país.

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Manifestação de 1 de fevereiro de 1975

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O general Spínola, que presidia a este órgão, foi eleito Presidente da República a 15 de maio, para a 16 de maio dar posse ao I Governo Provisório chefiado pelo primeiro- -ministro, professor Adelino da Palma Carlos, que se manteve em funções durante um curto período de tempo, mais concretamente até julho desse mesmo ano, quando a 9 desse mês pediu a demissão, alegando não ter condições políticas para poder exercer o cargo. Seguiu -se um novo governo, agora dirigido pelo general Vasco Gonçalves, que tomou posse a 18 de julho e que se manteve como primeiro -ministro dos III, IV e V Governos Provisórios até setembro de 1975, quando perante uma situação política muito delicada, decorrente de uma onda revolucionária insustentável, provocou uma deterioração interna das Forças Armadas, que terminou com um confronto aberto entre os militares moderados e os que estavam direta ou indiretamente ligados aos movimentos radicais e extremistas da esquerda e da extrema-esquerda.

Entretanto, durante este período já tinham ocorrido inúmeros factos que afetaram o normal funcionamento dos governos e que mantinham o país num permanente estado de intranquilidade e de insegurança.

Em setembro de 1974 tinha já havido um primeiro momento de tensão em torno do movimento da Maioria Silenciosa, que o general Spínola tinha fomentado e que acabou com o seu pedido de renúncia ao cargo que exercia de Presidente da República; este foi um acontecimento marcado por uma manifestação no Campo Pequeno, durante uma tourada a que assistiu o general Spínola e que as chamadas “forças progressistas” consideraram como uma tentativa de contragolpe ao 25 de Abril. O dia 28 de setembro fez aparecer pela primeira vez uma mobilização popular, que de forma totalmente ilegal e arbitrária controlou a entrada da cidade de Lisboa, obrigando os automobilistas a mostrar que não estavam na posse de armas.

Houve de tudo: lideranças erráticas e tumultuosas, rumores constantes anunciando as ações mais assustadoras, fações com tendências políticas divergentes dentro das Forças Armadas e sobretudo a criação de grupos, mais ou menos ligados a partidos políticos, que se digladiavam perante a perplexidade de uma grande parte da população
Eduardo Marçal Grilo

Em dezembro do mesmo ano foram detidos diversos “capitalistas”, que estariam a boicotar a atividade económica; em janeiro de 1975 foi o momento em que as forças moderadas, lideradas por Mário Soares e Salgado Zenha, combateram a iniciativa do PCP de criar uma única central sindical, numa lógica de unicidade, o que na prática implicava a impossibilidade de criar sindicatos fora da órbita do Partido Comunista Português, que controlava totalmente a CGTP-Intersindical; também em janeiro desse mesmo ano, o Primeiro Congresso do CDS, que se realizou no Porto, no Palácio de Cristal, veio a ser boicotado por forças da extrema-esquerda, que cercaram o Palácio, criando um incidente diplomático muito sensível, dado que neste congresso estavam presentes diversas personalidades pertencentes a partidos europeus congéneres do CDS, o que levou a que as autoridades políticas mais responsáveis e conscientes das implicações políticas que esta situação geraria no contexto europeu tivessem de ordenar uma intervenção militar para pôr termo ao cerco, libertando os sitiados e salvando a reputação do país em termos de estado de direito.

Estes eram apenas afloramentos do que viria mais tarde a ocorrer no país, nomeadamente a partir do golpe de 11 de março de 1975, quando se entrou no período mais conturbado, com as nacionalizações de todos os bancos e de todas as companhias de seguros, por decisão tomada a 14 de março pelo Conselho da Revolução, órgão entretanto criado pela Assembleia do Movimento das Forças Armadas.

De facto, olhando para trás, com algum distanciamento, para o que se passou no país entre 25 de abril de 1974 e 11 de março de 1975, verificamos que a situação caminhava abertamente para uma instabilidade e um rumo que iria sair das intenções e dos objetivos traçados inicialmente pelo Movimento dos Capitães e pelo Movimento das Forças Armadas.

A denominada “via socializante” inscrita no Programa do Movimento das Forças Armadas parecia encaminhar -se para um regime liderado pelo Partido Comunista e em tudo semelhante aos regimes que vigoravam nos países de Leste, que viviam na órbita da União Soviética.

O 11 de Março de 1975

A pouco menos de um mês das eleições marcadas para o dia 25 de abril de 1975, fomos todos surpreendidos em Lisboa por um avião que sobrevoou a cidade e que eu próprio vi no ar fazendo fogo sobre um alvo distante, quando estava na companhia de outros colegas no LNEC. Peguei no carro e dirigi-me para a Academia Militar, onde fui encontrar o major Manuel Monge, que me pareceu estar tão perplexo como eu face aos acontecimentos que estavam a ocorrer. Manuel Monge tinha sido colocado na Academia depois do 25 de Abril e depois de ter sido, há cerca de um ano antes, um dos líderes do levantamento do Quartel das Caldas, ocorrido a 16 de março de 1974. Era já nessa altura uma referência para todos os que defendiam um regime democrático, liberal, aberto e tolerante e em tudo contrário à instituição de qualquer regime restritivo das liberdades políticas.

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Um cravo nas armas dos militares que evitaram o golpe de Estado de 11 de março de 1975

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O que estava em curso nesse dia era uma tentativa de, pela força, inverter a situação política, que tinha como principal protagonista o general Spínola e um grupo de militares que não se reviam na forma como estava a desenrolar -se o processo revolucionário. Tratava-se, portanto, de um golpe destinado a afastar os militares que queriam instaurar um regime socialista ou socializante e relançar o processo em termos moderados, que alguns consideraram como o de um regresso ao passado. Os autores desta iniciativa contrarrevolucionária acabaram por ser derrotados e ter de se retirar para Espanha ainda no próprio dia 11 de março.

E foi a partir do fracasso desta tentativa de golpe que se entrou verdadeiramente num processo revolucionário com a publicação da Lei 5/75 de 14 de março, que criou o Conselho da Revolução e extinguiu a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado, ao mesmo tempo que instituiu a Assembleia do Movimento das Forças Armadas.

(…)

Após a derrota dos revoltosos, os militares do Movimento da Forças Armadas tomaram as primeiras grandes medidas que iriam alterar o curso dos acontecimentos, que até aí se tinham revestido de algum equilíbrio, embora alguns acontecimentos anteriores indicassem já que certas forças políticas tinham como objetivo evitar que em Portugal fosse instaurado um sistema democrático liberal do tipo ocidental.

Foi o tempo em que o país viveu um sem-número de acontecimentos gravíssimos, com grupos de vocação terrorista atuando com violência sem limites, tentativas de golpes de estado, atentados bombistas, prisões arbitrárias, uma tentativa de invasão do Patriarcado de Lisboa, a ocupação da Rádio Renascença, o assalto à Embaixada de Espanha e até um cerco ao Parlamento
Eduardo Marçal Grilo

Assim se iniciou o processo em que diversas forças políticas cometeram os maiores desvarios e as maiores loucuras, a que uma parte do país foi assistindo sem capacidade para se opor e que ficou conhecido como o Processo Revolucionário em Curso, o famoso PREC.

Houve de tudo: lideranças erráticas e tumultuosas, rumores constantes anunciando as ações mais assustadoras, fações com tendências políticas divergentes dentro das Forças Armadas e sobretudo a criação de grupos, mais ou menos ligados a partidos políticos, que se digladiavam perante a perplexidade de uma grande parte da população, que ia seguindo os acontecimentos sem outra capacidade de intervenção que não fosse a de se manifestar nas ruas apoiando uns ou outros consoante as suas inclinações político-partidárias.

O período verdadeiramente «quente» deste processo foi vivido entre os meses de abril e novembro. Foi o tempo em que o país viveu um sem-número de acontecimentos gravíssimos, com grupos de vocação terrorista atuando com violência sem limites, tentativas de golpes de estado, atentados bombistas, prisões arbitrárias, uma tentativa de invasão do Patriarcado de Lisboa, a ocupação da Rádio Renascença, o assalto à Embaixada de Espanha e até um cerco ao Parlamento por trabalhadores da construção civil em conjunto com ativistas revolucionários que punham em causa o funcionamento da Assembleia Constituinte. (Note-se que esta Assembleia, eleita em 25 de abril de 1975, constituía o primeiro órgão político que emanava do voto democrático livremente exercido pelo povo português, pelo que dispunha de uma legitimidade que nenhum outro possuía.)

O período revolucionário que viria a prolongar -se no tempo até ao 25 de Novembro foi para mim, e certamente para muitos outros, um dos mais ricos em relação ao conhecimento da natureza humana e ao comportamento das pessoas, nomeadamente quando se encontram numa posição assumida de superioridade ideológica que as leva a querer impor a sua verdade, ou quando colocadas perante a ameaça, a insegurança e o medo.

Estavam estacionadas em frente à porta do edifício da sala dos oficiais os veículos militares com os marinheiros armados e com cartucheiras de balas colocadas a tiracolo, ao estilo Emiliano Zapata. Soares Carneiro foi levado sob prisão sem que alguém pudesse ter qualquer iniciativa para se opor a essa ação ilegal e arbitrária
Eduardo Marçal Grilo

Como referi anteriormente, a partir do 11 de Março quem se assumisse apenas como defensor de um regime democrático era considerado e apelidado de reacionário, se não mesmo tratado de fascista. Ou se era revolucionário, ou então fascista e reacionário. Não havia lugar para os democratas, para os moderados e para os defensores das liberdades e dos direitos individuais. Este estado de coisas teve a maior das repercussões, sobretudo na cidade de Lisboa, mas com grande impacto nas populações de todo o país e uma enorme repercussão nas universidades e em todas as escolas, onde se viveram momentos de grande intensidade e de algum dramatismo.

Mas o que se passou na noite de 11 para 12 de março teve na Academia Militar repercussões muito graves. No dia 12, por volta da hora do almoço, entraram pelos portões do quartel alguns veículos militares trazendo a bordo um conjunto de elementos da Marinha, portadores de um mandado de detenção do coronel Soares Carneiro, à data comandante do Corpo de Alunos.

Estava a iniciar o almoço na companhia do tenente-coronel Galamba de Castro, oficial que eu muito apreciava pelas suas posições sempre equilibradas e moderadas, quando entrou no refeitório dos oficiais o coronel Soares Carneiro, que retirou a boina da cabeça e a colocou num cabide à direita, depois da porta de entrada. Não teve sequer tempo para se sentar. Alguém veio chamá-lo, e nessa altura o tenente-coronel Galamba de Castro disse -me: “Lá em cima estão a passar-se coisas muito complicadas.” E assim foi. Quando terminámos o almoço estavam estacionadas em frente à porta do edifício da sala dos oficiais os veículos militares com os marinheiros armados e com cartucheiras de balas colocadas a tiracolo, ao estilo Emiliano Zapata.

No dia 12 de março podiam ver-se os próprios alunos de G3 ao ombro, como se estivéssemos à beira de uma guerra civil ou preparados para a "tomada do Palácio de Inverno". Foi uma fase que se viveu com muita preocupação e alguma angústia.
Eduardo Marçal Grilo

Soares Carneiro foi levado sob prisão sem que alguém pudesse ter qualquer iniciativa para se opor a essa ação ilegal e arbitrária. Uma cena de verdadeiro terror revolucionário, que me marcou e me deixou a sensação de que iríamos mergulhar num período de grande arbitrariedade, sem regras e sem respeito pelos mais elementares direitos dos cidadãos. Tratou-se de um episódio para mim de todo em todo inesquecível.

O período que se seguiu a este 11 de Março foi aquele em que se percebeu o que poderia ser uma nova ditadura, possivelmente bem mais autoritária e repressiva do que o regime anterior. Arrisco-me mesmo a escrever que um regime do tipo comunista liderado pelos revolucionários da altura teria tido no país consequências altamente nefastas e extremamente negativas, de enorme impacto tanto interna como externamente. Uma guerra civil chegou a pairar sobre as nossas cabeças como uma hipótese possível e provável.

Mas o que mais me impressionou foi ver a atuação de muitos dos que aderiram às diversas iniciativas intituladas como revolucionárias, mas que não eram mais do que ataques pessoais de violência gratuita sem respeito pelos mais elementares direitos dos cidadãos. A partir deste dia, a Academia Militar viveu tempos de grande fervor revolucionário. No dia 12 de março podiam ver-se os próprios alunos de G3 ao ombro, como se estivéssemos à beira de uma guerra civil ou preparados para a “tomada do Palácio de Inverno”. Foi uma fase que se viveu com muita preocupação e alguma angústia. Todos os dias ocorria qualquer coisa que nos inspirava um certo medo, embora na Academia Militar eu continuasse a encontrar regularmente quem, com conhecimento de causa, me fosse transmitindo uma certa tranquilidade, assegurando -me que a situação não tinha exatamente os contornos que a comunicação social ia transmitindo em geral à população.

O 25 de Novembro

Entretanto, no interior do Movimento das Forças Armadas, a par de diversos movimentos mais ou menos radicais e extremistas, surgiu da parte de nove oficiais, todos membros do Conselho da Revolução, uma tomada de posição firme, mas moderada, e que trouxe alguma esperança de que a situação poderia estar em vias de se modificar. O Grupo dos Nove, assim designado a partir da sua constituição, e que integrava Melo Antunes, Vasco Lourenço, Franco Charais, Pezarat Correia, Sousa e Castro, Canto e Castro, Vítor Crespo, Vítor Alves e Costa Neves, produziu e publicou um documento a 7 de agosto de 1975, em que se rejeitava “o modelo de sociedade socialista tipo europeu-oriental” e se defendia um “modelo socialista ligado à democracia política”. Tal documento veio posteriormente a ser assinado por alguns membros destacados das Forças Armadas, como Ramalho Eanes, Garcia dos Santos, Costa Brás, Salgueiro Maia, Rocha Vieira e Fisher Lopes Pires, entre outros.

Foi, para muitos de nós, uma mensagem que nos fez acreditar numa mudança de rumo que pusesse termo aos desvarios a que vínhamos assistindo desde há uns meses e que prometia prolongar-se após a divulgação de um documento de «Autocrítica Revolucionária», elaborado pelo COPCON e que fora completado por um célebre discurso de Vasco Gonçalves proferido em Almada, onde havia afirmado que “chegara a hora da verdade da Revolução Portuguesa”. Com efeito, a ação exercida pelo Grupo dos Nove fez-se sentir logo em setembro, quando foi terminada a vigência do V Governo Provisório e quando, numa célebre reunião realizada em Tancos, a Assembleia de Delegados do Exército rejeitou a indicação de Vasco Gonçalves para chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, apresentada pelo Presidente Costa Gomes.

25 de Novembro de 1975: militar controla as viaturas à entrada de Lisboa, devido à instabilidade política que se vivia então

Com o afastamento de Vasco Gonçalves e a queda do V Governo, de má memória, entrou em funções o VI Governo Provisório, que teve como primeiro-ministro o almirante Pinheiro de Azevedo. Tratou-se então de um governo muito diferente dos anteriores chefiados pelo general Vasco Gonçalves, dado que se apresentou com um elenco governativo composto por elementos muito moderados, quando comparado com os anteriores, e que tinha como ministro da Educação o major Vítor Alves, considerado como pertencente à ala mais afastada dos partidos das esquerdas revolucionárias.

Processou-se nesta altura uma enorme mudança no clima político que se vivia em todo país, mas com especial relevo na cidade de Lisboa. Fazendo uma descrição muito simplista, pode afirmar -se que este foi um período de menor conflitualidade no seio do Governo, mas que ao mesmo tempo levou os partidos e os movimentos das esquerdas a desenvolverem uma atividade frenética de contestação na rua, de tal forma que ocorreu uma sucessiva deterioração da situação política, o que acabou por precipitar os acontecimentos do 25 de Novembro.

De entre os acontecimentos mais representativos destas ações de rua, têm forçosamente de ser referidos: 1) o cerco à Assembleia Constituinte, que se assumiu como um momento de tensão máxima; 2) as manifestações dos SUV (Soldados Unidos Vencerão); 3) o assalto à Embaixada de Espanha; 4) a tomada da Rádio Renascença e a sua subsequente neutralização; e ainda as manifestações e contramanifestações que se realizavam regularmente, umas contestando e exigindo a demissão do VI Governo, outras de apoio ao mesmo Governo, tendo este chegado a entrar em greve, uma tomada de posição que não deve ter precedente em nenhuma outra parte do mundo.

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Stand do MRPP nas ruas de Lisboa

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Após o 25 de Novembro, o VI Governo Provisório prosseguiu com a governação, enquanto a Assembleia Constituinte prosseguia os trabalhos para concluir a nova Constituição democrática, contra a vontade de algumas forças partidárias, e em especial do Partido Comunista, que através do seu secretário-geral tinha afirmado a um jornal estrangeiro que em Portugal nunca existiria uma democracia burguesa.

O período mais conturbado só terminou após os acontecimentos do 25 de Novembro, quando os movimentos das esquerdas mais extremistas foram derrotados pelos militares, que, em torno do Grupo dos Nove e numa aliança implícita com algumas forças civis, nomeadamente o Partido Socialista, se opuseram a um processo cujo objetivo seria criar no país um novo regime ditatorial, agora dominado por forças que defendiam a implantação em Portugal de um regime comunista do tipo soviético ou pelo menos semelhante aos existentes no Bloco de Leste.

Foi a partir desta data simbólica do 25 de Novembro que se readquiriu alguma serenidade nas instituições por onde passei e que referi na Introdução, ou seja, a Academia Militar, o Instituto Superior Técnico e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil. O 25 de Novembro, que alguns teimam em não considerar com a devida importância, foi seguramente um dos momentos mais decisivos para a criação de um regime democrático do tipo ocidental, como era o desejo da esmagadora maioria do povo português.

Hoje, e um pouco à distância, pode dizer -se que se trata de uma data histórica, em que foram derrotados pelas forças moderadas não só os extremistas das esquerdas, como também as forças e os movimentos de direita mais radical, que quiseram utilizar a situação para fazer recuar o movimento democratizante, que felizmente nos conduziu para a democracia liberal que veio a ser consagrada na Constituição, onde cabem todos e partidos da direita à esquerda do espectro político.

O PREC na Educação

Como atrás referido, foi a partir do 11 de Março que o país entrou num processo caracterizado por uma aceleração do basismo, da democracia direta, da autogestão e sobretudo eivado de um carácter revolucionário de esquerda, em que tudo parecia ser posto em causa, sem coerência e sem qualquer racionalização a não ser a obediência ao radicalismo das ideologias dos diferentes movimentos de cariz comunista ou mesmo de extrema-esquerda.

Na área da educação, este processo revolucionário teve as maiores consequências tanto no ensino superior como nas escolas dos ensinos básico e secundário. A indisciplina instalou -se em praticamente todas as escolas e a falta de autoridade era evidente; ninguém respeitava as hierarquias existentes, e os revolucionários tomaram conta dos órgãos de gestão, introduzindo um sem-número de práticas improvisadas e sem qualquer racionalidade, denominadas como “gestão democrática”.

No ensino superior atingiu -se o clímax em termos de irracionalidade e de falta de lideranças equilibradas. Nas universidades, o clima era de uma total confusão, tendo as faculdades e os institutos respetivos caído nas mãos de grupos mais ou menos organizados, que geriam as instituições ou em sistemas de cogestão com docentes, estudantes e funcionários nos órgãos de gestão, ou com comissões de gestão com composições diversas sem qualquer legitimidade a não ser a de pertença a um qualquer movimento ou partido político, cada um mais esquerdista que o da faculdade ou instituto ao lado.

Foi, portanto, neste quadro sombrio e perigoso que, no Instituto Superior Técnico, um grupo de docentes e investigadores, não conformados com a situação em que estávamos envolvidos, decidiu aderir ou, pelo menos, juntar-se ao movimento criado pelo Partido Socialista, entre eles eu próprio, com o objetivo de combater a “deriva esquerdizante” que se instalou no IST e que parecia querer dominar a vida política em Portugal.

Alguns destes comentadores, que hoje militam ou simpatizam com os sectores assumidamente de direita, utilizam hoje, em relação aos temas e às pessoas visadas nos seus comentários, o mesmo tipo de linguagem e de argumentos que empregavam relativamente aos mesmos visados quando militavam ou eram aderentes dos movimentos radicais de extrema-esquerda

Criou -se então, no IST, um núcleo do PS, que passou a assumir-se como tal e a conseguir que a voz da moderação se fizesse ouvir, embora a moderação, naquela fase dos confrontos políticos, fosse muito diferente daquela que temos nos dias de hoje. Desse grupo fizeram parte Ferreira dos Santos, Pedro Lourtie, João Figanier, Ricardo Charters d’Azevedo, António Lamas, Mário Cordeiro, Rocha Trindade, João Conte, eu próprio e alguns outros, que viram neste conjunto de docentes uma oportunidade para manifestarem as suas posições moderadas e equilibradas.

A partir deste momento passámos a reunir-nos regularmente e a acertar posições para podermos participar em reuniões e para publicar alguns textos, que divulgávamos em jornais diários afetos ao PS.

Foi nessa altura que me tornei apoiante do Dr. Mário Soares, por ter percebido que era o único político que tinha vontade e capacidade para se opor tanto ao Partido Comunista como aos movimentos mais extremistas da esquerda, embora, de forma muito habilidosa, o próprio Mário Soares, em determinados momentos, se tenha socorrido de alguma extrema- -esquerda para combater o perigo maior que residia no PCP, que dispunha de uma organização poderosa e disciplinada e, portanto, bem mais ameaçadora e perigosa para a consolidação de um regime democrático em Portugal.

Alguns destes comentadores, que hoje militam ou simpatizam com os sectores assumidamente de direita, utilizam hoje, em relação aos temas e às pessoas visadas nos seus comentários, o mesmo tipo de linguagem e de argumentos que empregavam relativamente aos mesmos visados quando militavam ou eram aderentes dos movimentos radicais de extrema-esquerda

Como nota à margem, estive ligado ao PS até 1981, altura em que abandonei definitivamente o partido por considerar que não tinha quaisquer condições para me ver envolvido em lutas partidárias, algumas bem inúteis e sem qualquer interesse para o futuro do país. Saí do PS numa altura em que se travava uma luta intensa entre o designado Secretariado e o Dr. Mário Soares, na sequência da eleição presidencial de 1980, em que o PS apoiara o general Ramalho Eanes, e Mário Soares, cerca de dois meses antes da eleição, havia retirado o seu apoio pessoal ao candidato que era apoiado pelo seu próprio partido. Senti que tudo não era mais do que uma luta pelo poder, e eu nunca me movi por esses objetivos. Tinha grande admiração por Mário Soares, era amigo pessoal de António Guterres e Jorge Sampaio e tinha grande simpatia por Vítor Constâncio, tendo percebido que o conflito gerado em torno do general Eanes, que é meu amigo de infância, me punha numa situação insustentável. Achei que não estava a fazer nada dentro de uma organização política e decidi tornar–me um puro independente, posição que me permite avaliar em cada momento se estou de acordo com as posições de um  partido ou com as de outro, embora raras vezes assuma uma posição de neutralidade. Ser independente não significa ser neutro, mas sim pensar pela sua própria cabeça sem constrangimentos impostos pelo partido a que se pertence. Não tenho filiação partidária e sinto-me muito bem nesta posição.

(…)

Não foram poucos os estudantes que nas diversas escolas e faculdades colaboraram nestas ações revolucionárias. Não vou certamente elencar esses elementos, até porque alguns deles têm hoje uma notoriedade que os coloca num patamar de intervenção política e social muito elevado, tanto ao nível nacional como internacional. Mas para quem, como eu e muitos outros, sempre tentou pautar a sua intervenção na política por um permanente equilíbrio e grande moderação, a atitude que tenho é de não conseguir nem ver nem ouvir certas pessoas como gente credível e responsável. Não esqueço o que alguns escreveram em jornais dos movimentos revolucionários como O Grito do Povo, pertença da OCMLP (Organização Comunista Marxista -Leninista Portuguesa), a Voz do Povo, propriedade da UDP (União Democrática Popular), ou A Bandeira Vermelha, ou o Luta Popular, bem como outros onde se defendiam as ideias revolucionárias mais loucas, destinadas apenas a destruir o que existia sem preocupações quanto às consequências dessas loucuras.

Todos conhecemos pessoas que hoje se manifestam com posições de grande exigência e que foram beneficiários diretos deste regime, que lhes permitiu "passar sem estudar".

Foi o tempo em que aos referidos revolucionários tudo parecia possível e em que a falta de senso, de equilíbrio e de moderação deram origem a um clima de insegurança e de medo por parte de quem, como eu, sempre imaginou o 25 de Abril como o momento fundador de um regime democrático, aberto e próximo dos sistemas vigentes nos países ocidentais como a Inglaterra, a França, os Estados Unidos ou a Alemanha Ocidental, que na época tinha um regime bem diferente do que fora edificado na Alemanha de Leste. Na cabeça de muitos estavam infelizmente modelos de sociedade ao estilo de Cuba, da União Soviética, da República Democrática Alemã, da China, ou mesmo da Albânia, que procuravam impor a Portugal como se fossem sistemas avançados e defensores do progresso e do combate contra as desigualdades. Socialismos à soviética ou à chinesa disfarçados de democracia popular.

Leio sempre o que escrevem e dizem certos políticos e alguns comentadores da vida nacional com grande e natural desconfiança. Há coisas que perdoo sempre, porque tenho um espírito cristão, mas não me peçam que as esqueça; verdadeiramente, nunca as esquecerei e penso sempre no que teria acontecido neste país se aquilo que na altura alguns defendiam e propunham tivesse vingado e sido posto em prática.

Acresce até que alguns destes comentadores, que hoje militam ou simpatizam com os sectores assumidamente de direita, utilizam hoje, em relação aos temas e às pessoas visadas nos seus comentários, o mesmo tipo de linguagem e de argumentos que empregavam relativamente aos mesmos visados quando militavam ou eram aderentes dos movimentos radicais de extrema-esquerda, designadamente quando pertenciam aos partidos maoistas, marxistas e leninistas, estalinistas ou mesmo trotskistas. Cheguei a ouvir em manifestações de rua: “Estaline está vivo nos nossos corações”…

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Imagem de uma rua de Lisboa, com palavras de ordem inscritas nas paredes

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Mas o que mais me impressionou foi ver a atuação de muitos dos que aderiram às diversas iniciativas intituladas revolucionárias mas que não eram mais do que ataques de violência gratuita sem respeito pelos mais elementares direitos dos cidadãos.

No campo do ensino, as ações mais gravosas situaram-se nas avaliações dos estudantes no final do ano letivo de 1974/75. Houve neste domínio as mais diversas propostas e soluções, todas elas razoavelmente falaciosas, perversas e inaceitáveis por parte de quem sempre entendeu a avaliação como uma componente essencial dos processos de aprendizagem, seja qual for o nível de ensino.

Uma primeira previa a abolição pura e simples dos exames; uma segunda apontava para avaliações apenas em grupo, mediante a apresentação de trabalhos coletivos; a terceira exigia que nas avaliações não fossem dadas classificações quantificadas, mas apenas as de «apto» ou «não apto»; e, finalmente a imposição por parte dos revolucionários de passagens administrativas, ou seja, a certificação de que determinada disciplina estava concluída sem qualquer avaliação por parte de quem tinha a responsabilidade de assegurar que o aluno possuía os conhecimentos suficientes para poder transitar para o ano seguinte. Todos conhecemos pessoas que hoje se manifestam com posições de grande exigência e que foram beneficiários diretos deste regime, que lhes permitiu “passar sem estudar”.

Recordo-me da avaliação que fiz de um trabalho em grupo, em que, durante a discussão do trabalho apresentado, me pareceu que um dos estudantes não tinha qualquer ideia do que estava em discussão. Na dúvida, resolvi fazer-lhe uma pergunta direta, à qual, como eu imaginava, ele não foi capaz de responder. Registei, e no final da discussão passei todos exceto esse estudante. Foi uma tragédia. Houve uma longa troca de palavras, umas mais amáveis do que outras, mas não cedi. Chumbei-o. Fiquei com a consciência tranquila e ciente de que tinha sido justo, em especial para com aqueles que tinham realizado o trabalho e o tinham defendido porque dominavam a matéria.

Saneamentos sumários

No Técnico viveu-se um pouco de tudo nestes tempos conturbados do PREC: violência, psicológica e física, arbitrariedades sem nome, ataques a pessoas indefesas, demonstrações de sucessivas irresponsabilidades, combates entre fações dos movimentos revolucionários, insultos e outras formas de humilhação, mas sobretudo, e em particular, a criação de um clima de intimidação e de coação sobre quem não se assumia como possuidor do “espírito da revolução”, que era a característica essencial dos grupos “revolucionários” mais ou menos organizados.

Para aqueles que não viveram estes tempos não será fácil imaginar o terror que se viveu em muitas casas e em muitas famílias e os dramas pessoais por que passaram pessoas que se sentiam inquietas e ameaçadas por esta onda de ódio e violência que varreu uma parte do país.

No caso do Instituto Superior Técnico chegou-se ao extremo de implementar uma gestão populista, designada por “democracia direta”, em que um conselho diretivo (composto por três jovens assistentes, por sinal todas do sexo feminino e todas com o mesmo primeiro nome, que ficou conhecido como o Conselho das Três Marias), reunia-se todas as sextas- -feiras no Salão Nobre da Assembleia da Escola, que integrava todos os docentes, discentes e pessoal técnico auxiliar, para aí serem tomadas, coletivamente, as deliberações referentes à gestão e administração correntes do Instituto.

A área onde, no entanto, se verificaram os maiores desmandos e as maiores barbaridades foi nos saneamentos selvagens dos professores que os revolucionários consideraram como fascistas e colaboradores do regime derrubado com o 25 de Abril. Cometeram-se em muitas universidades verdadeiros crimes, que afetaram pessoas que eram profissionais competentes, dignos e respeitáveis. Crimes cometidos alguns por vingança, outros por manifesta maldade, outros ainda com o objetivo de atacar as instituições.

No caso do Técnico e num dia em que eu não tinha ido dar aulas, fui por volta da hora do jantar alertado por um colega de que nessa tarde o professor que dirigia o curso em que eu era responsável por duas das cadeiras tinha sido alvo de um ato bárbaro de humilhação pública, que terminara mesmo com a expulsão dele das instalações.

Fui saber o que tinha sido praticado por esse verdadeiro grupo de energúmenos e vi a viatura do professor Costa André estacionada próximo de um dos portões de entrada no Instituto, para onde tinha sido empurrada pela turbamulta, estando o carro pintado com cruzes suásticas em ambos os lados. Soube, entretanto, que o professor tinha abandonado o Instituto debaixo dos maiores insultos e impropérios. Era a revolução no seu melhor para aqueles que pretendiam destruir as instituições, em particular as de maior relevância, como era o caso das escolas universitárias.

Para aqueles que não viveram estes tempos não será fácil imaginar o terror que se viveu em muitas casas e em muitas famílias e os dramas pessoais por que passaram pessoas que se sentiam inquietas e ameaçadas por esta onda de ódio e violência que varreu uma parte do país. Penso muitas vezes que alguns dos que hoje falam sobre este período talvez não tenham bem uma ideia do que muita gente sofreu, em particular todos os que se decidiram por ficar no país, pretendendo lutar contra o que foi efetivamente uma tentativa de instaurar em Portugal um regime em tudo semelhante a uma ditadura totalitária, fosse do tipo soviético, maoista, trotskista ou de qualquer outra «variante» da extrema-esquerda.

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Reunião da juventude socialista em 1975

Sepia Times/Universal Images Gro

Confesso que nunca tive a tentação de abandonar o país e de deixar para trás a vida que tinha e os projetos que imaginava poder vir a concretizar. Mas quando hoje olho para aquele período, fico pasmado como consegui sobreviver sem ficar afetado ao ver tanta injustiça, tanta arbitrariedade e tanta falta de vergonha por parte de quem aliás veio mais tarde a reconverter-se, passando de ativista revolucionário a feroz adepto ou mesmo militante dos partidos da direita conservadora.

Tudo em contraste flagrante com as posições da esmagadora maioria dos docentes que se revia nos objetivos iniciais do Movimento das Forças Armadas, ou seja, na instauração de um regime aberto e democrático em que se garantem as liberdades, o voto popular e o respeito pela dignidade da pessoa humana.

Este período, fortemente dominado pela figura do general Vasco Gonçalves, que ficou designado como “gonçalvismo”, marcou muito negativamente várias gerações, entre elas a minha.

Muito se disse e escreveu sobre o que ocorreu durante este período, mas uma das mais significativas intervenções públicas sobre este período veio de Miguel Torga, quando num artigo publicado no jornal A Capital criticou o gonçalvismo, escrevendo: “(…) quando formos apenas suporte de figurinos alheios, não seremos nós; quando a nossa voz não passar de um baldio uníssono seremos escravos; quando nos detestarmos mutuamente, em vez de sadios cidadãos discordantes, seremos tragicamente divididos. É pois necessário interromper sem demora esta corrida louca que nos leva à perdição.”

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Manifestação de apoiantes do MFA quando este foi banido do governo

Sygma via Getty Images

Tempos difíceis, mas que apesar de tudo mostraram que as instituições militares, mesmo com todos os desmandos que ocorreram neste período, conseguiram manter um mínimo de ordem e disciplina. Pelo menos na Academia Militar, que eu conheci bem de perto, houve sempre alguma ordem, ao contrário do que veio a ocorrer em algumas unidades onde o caos se instalou com consequências gravíssimas para o prestígio e o reconhecimento do papel a desempenhar pelas nossas Forças Armadas.

No período imediatamente após o levantamento de abril de 1974, vivia-se na Academia Militar um clima de alguma tranquilidade, embora com apreensão por parte de praticamente toda a comunidade académica e militar.

Depois de março de 1975, iniciaram -se algumas ações que vieram perturbar o funcionamento da Academia, designadamente a abolição da messe dos oficiais e em particular os períodos das refeições, que eram preenchidos com preleções doutrinárias, difundidas através de altifalantes colocados na sala de refeições, que passou a ser comum aos alunos e a todos os oficiais, numa manifestação de total desprezo pelos valores da hierarquia militar.

Uma clara tentativa de manipulação dos jovens cadetes, que eram verdadeiramente doutrinados por ideias e slogans provenientes de revoluções do tipo marxista da época, como era o caso dos tempos do Chile de Allende, onde se tinha gritado nas ruas El pueblo unido jamás será vencido.

(…)

As campanhas de dinamização cultural

Durante o período revolucionário, o Movimento das Forças Armadas (MFA), através da Comissão Dinamizadora Central (CODICE), tutelada pela 5.ª Divisão do Estado-Maior das Forças Armadas, chefiada pelo coronel Varela Gomes, arquitetou um projeto denominado Campanhas de Dinamização Cultural, que tinha como objetivo “fortalecer a aliança entre o Povo e o MFA, assumido como um movimento libertador” capaz de “estreitar laços fraternos entre os militares e as populações locais com insuficientes recursos monetários e materiais”.

Foi lançado na vigência do III Governo Provisório de Vasco Gonçalves e “no seu programa apontava várias matérias a abordar no contacto com as populações – a luta antifascista, o programa do MFA, o apoio às Forças Armadas, a isenção partidária e a análise e discussão da problemática nacional”.

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Congresso da juventude do PPD, que os órgãos de comunicação internacional classificavam como sendo de centro-esquerda

Sepia Times/Universal Images Gro

As ações desenvolvidas por esta iniciativa foram muito contestadas, sobretudo em localidades situadas no Norte do país, onde se tornou difícil o acolhimento dos militares, que eram vistos como revolucionários que iam pôr em causa os valores tradicionais em que as populações assentavam a sua vida e os seus comportamentos. Pairava a ideia de que os militares e os civis que os acompanhavam nas sessões de dinamização cultural eram comunistas, ou pelo menos agentes de ideologias esquerdistas, que a maioria das gentes dessas terras não aceitava de bom grado.

As campanhas que se desenrolaram em diversas regiões do país não tiveram grande êxito, mas mantiveram-se até 1976, quando acabaram por se extinguir após a situação política estabilizar e os “revolucionários” serem obrigados a regressar aos quartéis.

Faço uma nota a propósito destas campanhas para ilustrar o que é um dos exemplos do que se viveu neste período revolucionário e para referir o grau de voluntarismo e de doutrinação que alguns militares, aliados a determinados grupos de civis, tiveram relativamente à propagação de ideias desenquadradas da realidade em que viviam algumas populações, em particular as que se situavam no interior e que possuíam uma cultura essencialmente assente em valores da ruralidade.

A turbulência nas universidades

Nas universidades viveram-se momentos de grande tensão por força da atuação de grupos extremistas, que “assaltaram” os órgãos de gestão e a partir daí iniciaram processos de saneamento de professores, que puseram em causa a dignidade de muitos que se viram humilhados e maltratados por razões exclusivamente de natureza política e partidária.

Sem referir os implicados em tais ações muitas vezes violentas, humilhantes e injustas, será importante referir os casos extremos ocorridos nas faculdades de Direito de Coimbra e Lisboa, na Faculdade de Ciências de Coimbra e no Instituto Superior Técnico, para citar apenas os casos de que eu pessoalmente tive conhecimento.

Nas faculdades de Direito das duas grandes universidades de Coimbra e Lisboa houve saneamentos em massa, em que se viram envolvidos alguns professores que tinham inclusivamente protegido assistentes que haviam sido perseguidos pela polícia política. Na Faculdade de Ciências e Tecnologia de Coimbra a situação tornou-se insustentável, com o saneamento de praticamente todos os professores de pelo menos um departamento.

Início da última sessão da Assembleia Constituinte

LUSA

Um clima e uma situação que muitos rejeitavam, mas não tinham nem voz nem capacidade para se opor ao processo em curso de destruição das instituições.

Como já foi referido, eu e outros colegas lançámos no Técnico um grupo de intervenção com o objetivo de combater a “deriva esquerdizante” que se instalou no Instituto e que parecia querer dominar a vida política em Portugal.

Confesso que desde muito cedo me apercebi de que as iniciativas e as ações que estavam a ser executadas tinham como objetivo pôr em causa os pilares em que deveria assentar a democracia representativa e liberal prometida pelos próprios autores da Revolução do 25 de Abril.

Recordo, como curiosidade, uma reunião que nos foi solicitada por um grupo de comunistas, nossos colegas, e em que para nosso espanto, durante a reunião, havia uns pequenos papelinhos que circulavam debaixo da mesa, passando de mão em mão entre os elementos afetos ao PCP. A reunião, que foi completamente inconclusiva, serviu, no entanto, para que percebêssemos que não havia quaisquer possibilidades de entendimento sobre o que fazer de comum entre ambos os grupos. Como se imagina, essa foi a primeira e a única reunião deste tipo que se realizou.

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