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Joe Raedle

Joe Raedle

Jihad 3.0: o potencial bélico da internet tornou-se explosivo

A internet é amoral. Não ataca, nem se defende. É imparcial. O Estado Islâmico do Iraque e do Levante usa-a como uma arma de propaganda e tornou-a num pesadelo Orwelliano.

Homens nascidos e criados em países civilizados estão, neste momento, a partilhar e criar mensagens bárbaras na internet. É o que o Estado Islâmico quer: propaganda, recrutamento, incitamento à violência. “A melhor forma de destruir pessoas é negar e obliterar a compreensão da sua própria história”, escreveu George Orwell. Cerca de 2.000 cidadãos europeus, dos quais 12 tem origem portuguesa, estão nesta batalha.

O ISIS quer negar a existência do Iraque, Síria e muitos outros países. Apoderou-se das potencialidades da internet, as mesmas que tornaram o Ice Bucket Challenge viral, e divulga infografias que mostram a ambição de controlar todo o norte de África e sul europeu, Portugal inclusive. Ambiciona um califado ideal, o seu admirável mundo novo, a qualquer custo. Um califado muçulmano com uma interpretação mais do que extremista do islão.

“Muitas pessoas não conseguem distinguir se o que estão a ler na internet é de fonte credível ou não. As redes sociais conseguem pegar numa história, uma imagem que já era má, e fazê-la explodir”, explica ao Observador Judy Kuriansky, psicóloga e uma das maiores especialistas mundiais em trauma. A maior arma do cibercrime, na internet, é a propaganda disseminada sob o disfarce de informação credível. Certos cliques podem ser mais perigosos que balas.

“A internet é um exemplo óbvio de como os terroristas se comportam de uma forma verdadeiramente transnacional; como resposta a isto, os Estados [membros das Nações Unidas] precisam de funcionar de forma igualmente transnacional”, alertou Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas, em 2012.

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 A nova propaganda

Quando o ISIS começou a divulgar os vídeos da decapitação de reféns, afirmou que o objetivo era parar os ataques aéreos norte-americanos no Iraque. Mas isto pode não ser bem verdade.

Os vídeos passam uma mensagem arrepiante, em miniatura, como as imagens das torres gémeas a cair há 13 anos: tudo mudou, ninguém está a salvo e os Estados Unidos são impotentes contra verdadeiros crentes, escreveu David Carr, jornalista do New York Times. E apesar de os vídeos conterem uma dose de barbárie num nível muito elementar, interpretá-los como um objeto único e não pensado é um erro. O Estado Islâmico do Iraque e do Levante tem uma sofisticada unidade de produção de conteúdos, com boas câmaras e editores filmográficos que não envergonhariam qualquer televisão portuguesa.

O domínio da tecnologia e o apuramento na mensagem que querem passar é evidente no vídeo. Para quem duvidar das capacidades cinematográficas do ISIS, o New York Times publicou um excerto de um documentário – sim, documentário – do ISIS, que começa as filmagens em Falluja com imagens captadas por um drone e com efeitos especiais.

Os vídeos são ao mesmo tempo propaganda e uma máquina no tempo, uma tentativa de apagar séculos de civilização e a sugestão que um califado utópico está a florir. O vídeo com a decapitação do jornalista Steven Sotloff tem um filtro para fazer a imagem aparecer distorcida e sinistra quando é passada na televisão. No meio do deserto, o horizonte está cuidadosamente situado no centro das duas câmaras de filmagem: um plano frontal mais aproximado e outro lateral. Até o guarda-roupa foi pensado: não é por acaso que os decapitados vestem um fato de macaco laranja. Trata-se de uma referência aos prisioneiros nas cadeias americanas. O assassino parece mais um ninja que um jihadista, totalmente vestido de preto, segurando um punhal na mão. Devido às dificuldades inerentes a captar som numa localização árida e com vento, a vítima veste um microfone de lapela.“As pessoas têm de ser treinadas para interpretar o que encontram na internet”, alerta a psicóloga Judy Kuriansky ao Observador.

A forma como as vítimas se apresentam dá a entender que estão a ler o discurso num teleponto – semelhante ao que os jornalistas televisivos usam. No momento fatal, o vídeo mostra apenas o início, até a imagem dissolver-se num fundo negro. Quando regressa, a cabeça da vítima é cuidadosamente colocada no corpo. E é nesse momento que toda a violência surge diante dos nossos olhos.

“Para os indivíduos que se alistaram no ISIS - incluindo, especialmente, o homem mascarado com o sotaque britânico que segurava a faca - matar é o verdadeiro objetivo de estar lá”, escreveu Dexter Filkins, jornalista da revista New Yorker, noutra análise dos vídeos.

“Não mostrar o ato da decapitação, é uma escolha estética interessante”, afirmou Alex Gibney, realizador de documentários, em declarações ao New York Times. “Não posso ter a certeza, mas eles parecem ter-se contido o suficiente para que o vídeo pudesse ser partilhado. De certa forma, isto torna tudo ainda mais arrepiante, que tenha sido montado e editado para ter o máximo impacto junto do maior número possível de pessoas.” Qual é a quantidade exata de violência que toleramos assistir?

O ato desumano é minimizado por uma edição estratégica, o que sugere que o vídeo nunca foi uma tentativa de moeda de troca para parar os ataques aéreos, mas uma “publi-reportagem” sobre quão impiedoso e violento o ISIS é. Como uma espécie de convite global: venham para a jihad e larguem a misericórdia, escreve David Carr.

O ISIS é a jihad online 3.0. Dezenas de contas no Twitter espalham a mensagem, alguns dos discursos mais importantes são traduzidos em sete línguas.

“Para os indivíduos que se alistaram no ISIS – incluindo, especialmente, o homem mascarado como sotaque britânico que segurava a faca – matar é o verdadeiro objetivo de estar lá”, escreveu Dexter Filkins, jornalista da revista New Yorker, noutra análise dos vídeos.

Numa entrevista publicada no fim de semana passado, no jornal Expresso, um dos jihadistas portugueses respondeu de forma esclarecedora à pergunta “o que mais gosta de fazer aí?”. “É de treinar e matar”, respondeu.

O lado perverso das redes sociais

“As redes sociais são úteis para construir uma rede de contactos e recrutamento”, admitiu Abu Bakr al Janabi, um porta-voz do Estado Islâmico em declarações à VICE. “Os combatentes falam sobre as experiências no campo de batalha e encorajam pessoas a se revoltarem, e os apoiantes defendem e traduzem os depoimentos do ISIS”.

“A internet é um exemplo óbvio de como os terroristas se comportam de uma forma verdadeiramente transnacional; como resposta a isto, os Estados [membros das Nações Unidas] precisam de funcionar de forma igualmente transnacional”, alertou Ban Ki-moon, secretário geral das Nações Unidas, em 2012. 

Todos os anos, o ISIS lança um relatório muito detalhado dos ataques realizados, com estatísticas de todo o tipo: cidades conquistadas, mortes por faca ou até assassinatos cometidos pelas milícias para conquistar “checkpoints”. E edita uma revista, disponível em inglês.

Revista Dabiq, em Inglês.

Os relatórios anuais chamados al-Naba (as notícias, em português) foram analisados pelo Instituto para a Investigação da Guerra, nos Estados Unidos da América, que corroborou muita da informação contida, conta o Financial Times. O objetivo de manter um relatório tão elaborado, escreve o jornal, é apresentar a informação a a potenciais doadores. Um mecenato para o terrorismo.“Os relatórios fornecem métricas de performance, tal como se apresentam detalhes da forma de uma organização funcionar para potenciais benfeitores”, explicou Jessia Lewis, diretora do centro.

O página de jornalismo de Dados Vox, traduziu algumas das infografias apresentadas.

Um relatório da organização não-governamental RAND, intitulado “Radicalização na era digital”, de 2013, e feito com base na história de vida de 15 jihadistas britânicos, analisou seis princípios básicos sobre a relação da internet e o terrorismo.

– A internet cria mais oportunidades para um indivíduo se tornar extremista: No caso dos indivíduos que foram estudados, a internet foi a principal fonte de informação, meio de comunicação e plataforma de propaganda para a disseminação das suas crenças extremistas;

– A internet cria “eco”: Amplifica as crenças, cria mais oportunidades para “confirmar” crenças extremistas do que interações na vida real, com base na experiência dos indivíduos;

-A internet acelera o processo de radicalização: Não será tanto assim – pode agir como facilitador, como demover intenções;

– A internet permite que a radicalização ocorra sem contacto físico: Mais uma vez, não será assim. O contacto pela internet não substitui o encontro físico com outros elementos extremistas, mas, na realidade, complementa;

– A internet aumenta as oportunidades de auto radicalização: Em todos os casos analisados no estudo, os indivíduos tiveram contacto com extremistas, fisicamente e na internet.

De acordo ainda com o mesmo estudo, em 2013 realizaram-se cerca de 1.830.000 pesquisas no Google pelos termos “How to make a bomb” (como fazer uma bomba, em português), cerca de 46.200 por “Salafi publications” (Publicações Salafi) e 257.000 por “beheading video” (vídeo da decapitação). Estes valores só contam as pesquisas feitas em inglês. Só no mês de julho de 2013, foram feitas 17.360 pesquisas no google pelos termos “online radicalization” (radicalização online).

Outro relatório de 2012, este das Nações Unidas, fala de como algumas contas do serviço de pagamentos online Paypall e a portal de comunicação Skype são utilizados para recolher fundos de “mecenas”.

A jihad chega à versão 3.0

A evolução da propaganda dos modernos jihadistas começou com Bin Laden: uma câmara estática, um discurso retórico num árabe formal – era assim a primeira geração da al-Quaeda. Para serem distribuídos, os vídeos tinham de ser contrabandeados para alguma estação televisiva. A segunda figura mais proeminente da segunda geração foi Anwar al-Awkali, um religioso americano morto em 2011 por ataque de drones no Yemen, que se dirigia aos ocidentais num inglês coloquial, tinha um blogue, uma página no facebook e fazia parte da equipa editorial que produzia a revista extremista, publicada em inglês, chamada Inspire.

O ISIS é a jihad online 3.0. Dezenas de contas no twitter espalham a mensagem, alguns dos discursos mais importantes são traduzidos em sete línguas. Os vídeos pedem emprestado as técnicas de Hollywood, dos jogos de computadores, séries televisivas. Somando a isto o efeito amplificador que as redes sociais têm.

Em Portugal, a Rádio e Televisão de Portugal (RTP) foi a única estação televisiva que decidiu que não ia mais passar imagens de propaganda em que “prisioneiros, de joelhos esperam o tiro de misericórdia ou a faca na garganta”, de modo a evitar a mediatização, “a motivação de quem pratica estes atos passa a ser menor.” Difundir ou não imagens bárbaras sempre foi um dilema nos meios de comunicação. Outras estações televisivas internacionais adotaram a mesma política. De certa forma, a internet é arma mais assimétrica, mais versátil, nas mãos dos terroristas e multiplica a sua capacidade de operar a nível mundial.

Mesmo quando alguma conta nas redes sociais é bloqueada, logo de seguida aparece outra. Usam o Instagram para divulgar imagens ou a aplicação WhatsApp para espalhar vídeos ou gráficos. “Eles tentam chamar à atenção de uma audiência jovem”, explica John G. Horgan, psicólogo da Universidade de Massachusetts, especialista em terrorismo. É um apelo a um “impulso”: “Torna-te parte de algo maior que tu próprio e junta-te agora.” Os vídeos de recruta podem também ser em inglês. “Estás pronto para sacrificar o trabalho obeso que tens, o grande carro, a tua família?”, pergunta uma voz off no vídeo. Apesar dos luxos atribuídos a uma vida no ocidente, o vídeo pretende dirigir-se ao coração do problema, ao drama existencial. “Eu sei como vocês se sentem – no coração vocês estão deprimidos”. O profeta Maomé, afirma o terrorista, diz que “a cura para a depressão é a jihad”.

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