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O ex- Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, durante a audição na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 de maio de 2021. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
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Carlos Costa, ex-governador do Banco de Portugal.

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Carlos Costa, ex-governador do Banco de Portugal.

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

O que disse Carlos Costa (e o que ficou por dizer) na audição sobre BES/Novo Banco

Ex-Governador remeteu para outra audição, a um dos seus ex-vice-governadores, o esclarecimento sobre a acusação grave feita pelo Tribunal de Contas, que questionou os pedidos de capital do Novo Banco.

Vender o Novo Banco foi como vender um “cabaz de fruta” em que todos sabiam que uma parte da “fruta estava apodrecida”, admitiu esta segunda-feira Carlos Costa na comissão parlamentar de inquérito. Mais: os principais problemas do Novo Banco eram conhecidos logo no momento da sua criação, mas o ex-governador do Banco de Portugal diz que não podia passar essa mensagem naquela altura: “Queria que eu tivesse anunciado, nessa noite, que tinha criado uma coisa da qual as pessoas deviam fugir?

Esta foi uma das declarações mais surpreendentes de Carlos Costa, na muito aguardada audição parlamentar ao ex-governador (segundo as contas do próprio, foi a sua 12ª audição só em depoimentos relacionados com o colapso do BES e a criação do Novo Banco).

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Em mais de cinco horas de audição, foi um Carlos Costa diferente do que apareceu nos diretos das televisões no domingo de Agosto de 2014, em que teve de anunciar, sozinho, a resolução do terceiro maior banco português. O ex-governador estava mais descontraído do que nas muitas vezes que foi chamado ao Parlamento enquanto liderava o Banco de Portugal. E estava preparado para as inevitáveis perguntas sobre o relatório Costa Pinto que criticou o supervisor bancário por atuar tarde no BES. Para além das conclusões “deslocadas” face às condicionantes legais reconhecidas pelo documento, para Carlos Costa, o autor da avaliação falhou ao não fazer contraditório e por isso não houve reflexão interna sobre o documento que ficou conhecido como o relatório secreto.

Entre as respostas que deu e as que ficaram por dar, Carlos Costa remeteu para outras pessoas alguns dos esclarecimentos mais delicados que os deputados desejavam obter do responsável máximo pela supervisão da banca nacional entre 2010 e 2020 – o exemplo mais flagrante foi quando remeteu para Luís Máximo dos Santos, presidente do Fundo de Resolução, esclarecimentos sobre o tema crucial que foi a acusação do Tribunal de Contas sobre o Novo Banco estar a usar a “garantia pública” para outras perdas que não apenas as tidas nos ativos tóxicos herdados do BES.

Enquanto líder da autoridade de resolução, Carlos Costa foi o principal responsável pela venda (de 75%) do Novo Banco a uma empresa do fundo Lone Star. Mas, apesar de esse ter sido um dossiê que foi, talvez, o mais importante de todo o seu mandato, Carlos Costa não aproveitou a oportunidade para dar uma garantia clara e direta de que o Fundo de Resolução só está a ser chamado a compensar o Novo Banco pelas perdas no perímetro definido de ativos tóxicos – apenas nesses.

O Tribunal de Contas indicou, a 3 de maio, que o financiamento anual pedido pelo Novo Banco ao Fundo de Resolução “tem correspondido ao défice de capital do Novo Banco (face aos requisitos aplicáveis), resultante da sua atividade geral e não apenas das perdas relativas aos ativos protegidos” pelo acordo de capital contingente, ao abrigo do qual todos os anos António Ramalho tem feito “chamadas de capital” ao Fundo de Resolução, um organismo público que recebe contribuições dos bancos, mas que vive, maioritariamente, com empréstimos públicos.

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Não é uma acusação leve e, portanto, alguns argumentarão que cabe ao ex-governador prestar esclarecimentos cabais, já que, a confirmar-se, não será uma prática só de agora. Mas Carlos Costa não explicou, seja porque o tema “queima” ou porque Carlos Costa – que é conhecido por ser um formalista – poderá escudar-se no facto de já não estar no Banco de Portugal e considerar que essas alegações, tendo sido feitas agora, devem ser respondidas por quem lá está… agora.

António Ramalho, presidente do Novo Banco, que foi acusado de estar a pedir dinheiro ao Fundo de Resolução por perdas que não são apenas as dos ativos identificados.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O ex-governador começou, assim, por responder que está há nove meses afastado das funções e, por isso, “como um cirurgião, pode perder a mão”, ou seja, cometer “lapsos” na ilustração dos argumentos. Por isso, pediu à deputada Cecília Meireles, do CDS-PP, que esclareça esse ponto com Luís Máximo dos Santos, vice-governador e presidente do Fundo de Resolução, que vai ser ouvido terça-feira nesta mesma comissão e tem melhor conhecimento de causa sobre essas questões, alegou Carlos Costa.

“É um ponto de detalhe”, disse Carlos Costa, alegando que não tinha o contrato de venda à sua frente, nem informação que lhe permitisse responder com certezas. Mas “o Dr. Luís Máximo terá todo o cuidado de lhe responder com toda a fundamentação”.

As “farpas” a João Costa Pinto (com quem “não tem nenhuma acrimónia”)

Mesmo já não sendo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa não quis furar o protocolo e garantiu que não tem “qualquer acrimónia” com João Costa Pinto – o que contrasta com o retrato que foi feito este domingo pelo Observador sobre as relações cortadas com o principal autor do polémico Relatório Costa Pinto, que concluiu que o Banco de Portugal tinha condições para fazer mais, melhor e mais cedo para prevenir o colapso do BES.

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Esse relatório – que só chegou a esta comissão após vários anos em que os deputados pediram, em vão, para ter acesso – tem “oito bons capítulos” mas um nono capítulo, o das Conclusões, que é “deslocado” (face aos oito primeiros capítulos, que inclui um capítulo sobre condicionantes como a “infeliz letra da lei”, que limitou o que o Banco de Portugal podia fazer).

Carlos Costa acusou três vezes Costa Pinto de não o consultar quando fez o relatório, além de mais uma em que censurou o economista por não ter consultado os serviços do Banco de Portugal. Se Costa Pinto tivesse “tido esse cuidado”, teria acrescentando, confia Carlos Costa, um capítulo sobre o trabalho que desde início de 2013 o Banco de Portugal fez para pressionar Ricardo Salgado – o que incluiu criar um grupo de trabalho com a missão especial de reunir toda a informação, notícias e declarações que pudessem comprometer o presidente do BES e produzir as “provas” que, para o ex-governador, eram essenciais para poder afastar Salgado mais cedo.

O ex-governador foi confrontado, sobretudo por João Paulo Correia, do PS, sobre o facto de o Banco de Portugal ter optado por esperar até à conclusão do aumento de capital de junho de 2014, no BES, para que Salgado saísse. A explicação foi intrigante, em especial à luz do que se sabe sobre o que aconteceu, olhando para trás: o aumento de capital estava em curso e, portanto, o Banco de Portugal não podia privar os (novos) acionistas de tomarem decisões sobre quem sucederia a Ricardo Salgado no BES.

Ora, essa explicação – além de certamente ter sido recebida com incredulidade por quem perdeu milhões nesse aumento de capital – esquece o facto de, como o próprio Carlos Costa reconheceu esta segunda-feira, pelo menos desde maio desse ano que o Banco de Portugal tinha provas contundentes e concretas (entregues por Ricciardi) sobre muitas das irregularidades que terão sido cometidas por Ricardo Salgado. Carlos Costa justificou-se dizendo que o BES só caiu por causa dos 1.500 milhões que foram sifonados do banco através do esquema da Eurofin – desprezando o impacto dos créditos do BESA – mas não explicou, por exemplo, porque é que, como o Relatório Costa Pinto aponta, o Banco de Portugal permitiu que a conta tutelada (escrow), idealizada para reembolsar investidores na ESI, foi criada no próprio BES e não num outro banco qualquer onde Ricardo Salgado não poderia interferir.

É por questões como esta que o PS acusou Carlos Costa de ter uma “postura epistolar”, em que o ex-governador fazia pouco mais do que mandar cartas e esperar meses pelas respostas, enquanto Ricardo Salgado se movia à velocidade da luz com esquemas como os do Eurofin. Carlos Costa comentou que só com “informação deficiente” se pode considerar a atitude do Banco de Portugal como “epistolar”.

O Banco de Portugal e as garantias de que a linha da troika estava disponível

Os deputados não deixaram cair no esquecimento um tema que foi muito falado mais no início desta comissão de inquérito, não tanto nas últimas audições: a indicação dada por várias pessoas, entre elas Vítor Bento, de que o Banco de Portugal tinha indicado a essa equipa que o que sobrava dos 12 mil milhões da troika (para a banca) estava disponível – uma expectativa que acabaria por não se confirmar.

Disse Carlos Costa que “o que foi dito não foi que estava disponível a linha de recapitalização – o que foi dito é que havia mecanismos de recapitalização previstos, obviamente os que estão consagrados na lei mas quem queria pedir esses mecanismos tinham de os acionar não junto do Banco de Portugal mas do Ministério das Finanças”, diz Carlos Costa.

Isso é verdade, teria sempre de passar pelo Ministério das Finanças, mas recorde-se, por exemplo, o comunicado do Banco de Portugal de 30 de julho de 2014, onde se lia que “o Banco de Portugal considera desejável que o reforço de capital seja realizado com base em soluções de mercado e reafirma que a solidez da instituição está salvaguardada pelo facto de continuar disponível a linha de recapitalização pública criada no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira para suportar eventuais necessidades de capital do sistema bancário”.

Por outro lado, também se falou sobre o montante inicial do capital do Novo Banco, que nesta comissão de inquérito também foi um tema. Carlos Costa mostrou não ver qualquer problema em que o representante da supervisão, Luís Costa Ferreira, ter indicado que o Novo Banco beneficiaria de ter mais algumas centenas de milhões de euros em capital inicial – Carlos Costa deixou claro que, como é normal, o Banco de Portugal queria sempre mais, o Ministério das Finanças tenderia a querer sempre menos e, no final, faltava a aprovação da Comissão Europeia.

O valor dos 4.900 milhões de capital inicial foi o “consenso” entre estes três pilares, mas o que Carlos Costa não referiu é que as regras das auxílios de Estado, como já foi explicado nesta comissão, preveem que esse tipo de intervenções tenha sempre de ser feito pelo mínimo de capital necessário, para mitigar os problemas associados à intervenção pública para salvar uma empresa em dificuldades, neste caso um banco, à luz das regras da concorrência.

“A batata quente chegou às minhas mãos, é verdade”

O ex-governador assumiu a paternidade da resolução, mas apenas porque era a menos má das duas alternativas possíveis.. O BES chegou ao fim da linha depois de se verificar não ser possível capitalização privada — o aumento de capital de junho de 2014 evaporou-se na operação “gerada noutra galáxia” que Carlos Costa culpou pelo colapso do banco, o esquema da Eurofim.

A capitalização pública tinha de ser pedida ao Ministério das Finanças — e ainda não é claro porque não foi, ainda que o mais provável fosse um ouvir um não. Se as duas coisas não funcionam, vai acontecer o que Passos Coelho disse: “a batata quente passa para o BdP, que tem a opção entre a liquidação, com efeitos devastadores, e a resolução. “A opção para o Banco de Portugal só podia ser uma: resolução com banco de transição.

E para compor o quadro, havia a pressão europeia que Carlos Costa contou com detalhes dramáticos e caricatos. Três dias antes da resolução, o BCE comunica na quinta-feira às 22h00 ao então governador  que ia tirar o estatuto de contraparte ao BES no dia seguinte, o que obrigava a devolver 10 mil milhões de financiamento. Isto depois do banco ter entrado em incumprimento após os resultados semestrais.

Carlos Costa admite que teve de receber a "batata quente" do BES

MÁRIO CRUZ/LUSA

Foi necessário garantir às instituições europeias que na segunda-feira tínhamos um banco de transição operacional. E quando faltava pouco tempo o prazo final dado pelo BCE, a DG Comp (direção da concorrência europeia) pergunta qual vai ser o nome do banco de transição. Novo BES? Não pode ser, avisam os técnicos de Bruxelas. Foi preciso arranjar uma marca nova em 10 minutos. E foi aí que apareceu o Novo Banco. A marca tinha sido registada pelo BCP no passado e foi ainda preciso autorização. “Podia ser um berbicacho. Não podia ser o banco xis”.

Já com a audição a caminhar a passos largos para o fim, Carlos Costa ainda elogiou a decisão de avançar para a resolução. E com uma referência à mais famosa das peças do dramaturgo Samuel Beckett. Antes da decisão “estavam todos À Espera de Godot e isso não é a solução para a segunda-feira, 4 de agosto [de 2014]. Ficássemos nós ‘À Espera de Godot’ em 4 de agosto e teríamos tido o maior sismo financeiro na economia portuguesa”. “As pessoas não têm a noção da extensão das cicatrizes que teria [esta situação]”.

Reestruturações de dívida a grandes devedores? São situações que se passam a “um nível muito micro”

Outra ocasião em que Carlos Costa se eximiu de grandes responsabilidades nos problemas do Novo Banco foi quando foi confrontado por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, sobre as reestruturações de dívida que só adiaram o registo de perdas em casos de grandes devedores, como Luís Filipe Vieira e Bernardo Moniz da Maia – uma prática que decorreu até 2015, sublinha a deputada do BE.

“Não lhe posso responder a isso porque não estava no Novo Banco, obviamente. A única coisa que posso dizer é que há regras muito precisas em termos de supervisão para evitar o chamado ‘evergreening’”, diz Carlos Costa. Mas qual foi a posição que o supervisor quanto a isso? Carlos Costa sublinha que isso foi em 2015 e desde novembro de 2014 que a supervisão era do Mecanismo Único de Supervisão, o SSM. “Haverá uma explicação mas não serei que a posso propiciar”, diz Carlos Costa.

Mas e se o banco tivesse tido que assumir 300, 400, 500 milhões de euros em perdas destes clientes, como é que tinha sido? Carlos Costa lembra que não tinha “responsabilidade direta sobre a supervisão” e estas situações “passam-se a um nível “muito micro”. Mas sabia destas práticas? “Uma coisa é saber delas, outra coisa é saber o tratamento que foi dado em termos prudenciais e o tratamento que foi dado em termos contabilísticos. Não posso responder porque se respondesse estaria a fazê-lo na base de uma presunção, que é a presunção das regras aplicadas – deixo essa questão para quem acompanhou diretamente o assunto”.

Também na questão do sistema de controlo sobre os negócios do Novo Banco, Carlos Costa disse que a solução autorizada por Bruxelas não foi a ideal, mas elogiou o trabalho da comissão que acompanhamento. “O ótimo – em termos de sistema de controlo – seria que a Comissão Europeia tivesse autorizado o Fundo de Resolução a ter assento no Conselho de Administração [do Novo Banco], porque, embora a comissão de acompanhamento esteja dentro, não tem a mesma autoridade sobre a recolha de informação do que alguém que está dentro do conselho de administração”, defendeu.

Mas a Comissão Europeia não autorizou, salienta Carlos Costa. “Como é óbvio, a dificuldade da tarefa da comissão de acompanhamento é tanto maior quanto maior for a história do crédito, das histórias de cada um daqueles processos. É muito mais difícil de perceber do que aquilo que está nos números, não tenhamos dúvidas”.

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