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Daily Life Amid Coronavirus Pandemic In India
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Se todos estivessem vacinados, os hospitais estariam quase vazios, defende um médico virologista italiano

Hindustan Times via Getty Images

Se todos estivessem vacinados, os hospitais estariam quase vazios, defende um médico virologista italiano

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O que dizem os especialistas internacionais? O fim não está perto, a endemia é uma miragem e nada impede uma nova variante mais letal

Já estamos em endemia? Já podemos tratar o vírus como a gripe? Uma variante mais letal pode surgir de repente? Especialistas de todo o mundo traçam o futuro de uma pandemia, que está para durar.

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Em grego, Ómicron quer dizer literalmente “ó pequeno”, em oposição a ómega, o “ó grande”. Ómega significa o fim de alguma coisa, o “grande final”, a conclusão de um evento de larga escala (como uma pandemia, por exemplo), enquanto Ómicron, a 15.ª letra do alfabeto grego, e o nome da variante mais transmissível do coronavírus que conhecemos até agora, não esconde em si nenhum segundo significado. Se tivesse, mesmo sem evidência científica, poderia levar alguns a pensar que o fim da era Covid-19 — que em 2022 atravessa o seu quarto ano de existência — está perto. Não está. Pelo menos, na opinião de vários especialistas internacionais, ouvidos pelo Observador, e na dos peritos da OMS e do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC). E mesmo a endemia, fase desejada até pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, não está ao virar da esquina.

OMS. Narrativa de que Ómicron é leve “custa vidas” e ninguém está fora de perigo

Se, durante meses, a pergunta que virologistas e epidemiologistas mais ouviam era se a pandemia ia acabar, agora o equivalente ao “já chegámos” numa viagem de carro com crianças, é sobre a endemia. Já estamos em endemia? Já podemos tratar este vírus com a trivialidade do vírus da gripe? Pedro Sánchez e o governo espanhol acham que sim e querem dar o exemplo mundial, pelo menos na forma como lidam com os dados. O próprio ECDC, numa resposta ao El País nesta segunda-feira, aplaudiu a decisão do primeiro-ministro espanhol e sugeriu que mais países revejam a forma como olham para os números — “fazer a transição de um sistema de vigilância de emergência para outros mais sustentáveis ​​e orientados para objetivos”. Em Portugal, por exemplo, isso significaria o fim dos boletins diários da Direção-Geral da Saúde (DGS). Em Espanha, vai significar também menos testagem.

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Contactado pelo Observador, fonte oficial do ECDC explica que, apesar de incentivar a mudança no tipo de monitorização, sabe “que os atuais sistemas de vigilância da gripe não são suficientemente sensíveis e representativos para permitir a vigilância conjunta da Covid-19”. Um dos conselhos é que o países se preparem hoje para as ameaças pandémicas de amanhã “investindo na preparação, vigilância e infraestrutura de longo prazo para gerir esse tipo de evento no futuro”.

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“Não se enganem, a Ómicron está a causar hospitalizações e mortes, e mesmo os casos menos graves estão a inundar as unidades de saúde. O vírus está a circular muito intensamente com muitas pessoas ainda vulneráveis.”
Tedros Adhanom, diretor geral da Organização Mundial de Saúde

Pandemia longe de terminar

Na terça-feira, Tedros Adhanom, parecia responder diretamente a esta ideia de mudar a forma como se olha a pandemia. Na conferência de imprensa da Organização Mundial de Saúde, tanto o diretor-geral como os restantes peritos frisaram que a endemia ainda é uma miragem. “Esta pandemia está longe de terminar e, com o incrível crescimento global da Ómicron, é provável que surjam novas variantes, e é por isso que o rastreamento e a avaliação permanecem críticos”, afirmou o diretor geral da OMS.

Ao Observador, o ECDC diz que há sempre hipótese de que uma nova variante surja, mas se acontecer em determinadas condições específicas, é encarada pelo organismo europeu como uma nova pandemia e não como uma continuação da atual. “Se outra variante surgisse e escapasse às vacinas atuais, então basicamente estaríamos a falar de uma nova pandemia, porque isso significaria que a variante escaparia à vacinação, mas também escaparia à imunidade conferida pela infeção anterior.”

Se isso acontecesse, “seria o início de uma nova pandemia”, reforça o ECDC, embora suavize o cenário em seguida. “Não há sinais de que isso aconteça agora e o que temos de aprender é que, após o fim da pandemia de Covid vamos estar a viver sob uma constante ameaça pandémica”, daí a necessidade de os países se prepararem para o futuro.

Olhando para o momento atual, e embora sugerindo que alguns países possam já ter atingido o pico desta vaga, Tedros Adhanom sublinha que ninguém está seguro com uma pandemia global. “A Ómicron continua a varrer o mundo”, disse o biólogo etíope, recordando os mais de 18 milhões de casos da semana anterior. “O número de mortes permanece estável”, mas mantém-se o impacto nos sistemas de saúde sobrecarregados. Tedros Adhanom foi taxativo: “A Ómicron pode ser menos grave, em média, mas a narrativa de que é uma doença leve é ​​enganosa, prejudica a resposta global e custa mais vidas.” A variante, afirmou, está a causar internamentos e mortes e até os casos menos graves inundam as unidades de saúde.

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Falando sobre a Europa, também o ECDC responde ao Observador que tudo indica que estamos a aproximar-nos do pico da onda. “Mas é difícil dar uma resposta precisa sobre quando a pandemia terminará devido às grandes incertezas, bem como ao facto de que será diferente entre os estados membros da UE/UEE. Um palpite seria que o pico chegará nas próximas semanas, mas será diferente de país para país o momento exato em que esse pico será alcançado.”

Ómicron não será a última variante

Olhando para o futuro, há mais perguntas para as quais gostaríamos de ter resposta. Depois da Ómicron, as próximas variantes serão menos letais? Ou a qualquer momento pode surgir uma nova variante, gerada num país de baixos rendimentos e reduzida taxa de vacinação, que deixe saudades das características da variante que hoje domina o mundo?

"Não temos evidências nem razões para supor que a Ómicron será a última variante do SARS-CoV-2 nem que a imunidade da população adquirida por meio de infeção e vacinação será suficiente para proteger contra a ampla transmissão de uma possível nova variante que evade a imunidade contra variantes dominantes anteriores." 
ECDC

“Esse tipo de perguntas deve ser respondido por adivinhos e não por médicos e cientistas.” A resposta vem de Itália, com a crueza habitual de Roberto Burioni, uma presença habitual do talk show da Rai 3 “Che tempo che fa”, onde não poupa nas palavras ásperas quando faz as suas análises sobre a pandemia. Sobre evidências concretas não teme falar e recusa a ideia de que a Ómicron está a ficar fraca. “Não podemos dizer isso. O que podemos dizer, com certeza, é que, além de ser muito contagiosa, dói muito menos aos vacinados. Se todos estivessem vacinados, os hospitais estariam quase vazios.”

Sobre variantes futuras não arrisca e, de novo, ironiza que as suas boas ou más características só podem ser previstas porque quem lê o futuro nas estrelas. A ciência garante-nos outras coisas, disse na televisão italiana: que o conhecimento é atualizado em tempo real graças aos avanços científicos, situação bem diferente do que teria acontecido no anos 1990. “Não teríamos visto nenhuma variante, nem nenhuma vacina: contávamos apenas os mortos.”

O ECDC diz o mesmo, com palavras mais elegantes: “Muitas perguntas são muito difíceis de responder num momento em que há muita incerteza. Portanto, uma resposta seria simplesmente especulação e nós, como agência da UE, não podemos fazer tais especulações injustificadas por dados científicos sólidos.”

Ainda assim, tem pouca confiança na ideia de que a Ómicron será a última mutação do vírus a deixar o mundo em alerta. “Não temos evidências nem razões para supor que a Ómicron será a última variante do SARS-CoV-2 nem que a imunidade da população adquirida por meio de infeção e vacinação será suficiente para proteger contra a ampla transmissão de uma possível nova variante que evade a imunidade contra variantes dominantes anteriores.” Isso, como já referimos antes, seria para o ECDC uma nova pandemia. “Embora a imunidade adquirida anteriormente pareça conferir proteção contra doenças graves, é altamente incerto se isso será válido contra futuras variantes altamente transmissíveis.”

“A pandemia não acaba, transforma-se em doença endémica. Pessoas vulneráveis serão protegidas por vacinas, e as restantes serão infetadas, talvez várias vezes, sendo expectável que os vírus em circulação causem doença cada vez menos severa à medida que a imunidade da população aumenta e mais pessoas são repetidamente infetadas.”
Eyal Leshem, diretor do Centro de Medicina de Viagem e Doenças Tropicais, Sheba Medical Center, e professor na Universidade de Tel Aviv, em Israel

Voltando à conferência de imprensa da OMS, Maria Van Kerkhove desfez a ideia — que segundo a epidemiologista norte-americana tem vindo a crescer — de que a Ómicron é o fim da pandemia. “Esta não vai ser a última variante de preocupação, vamos continuar a ver surgir outras variantes.” O seu colega irlandês Michael Ryan concordou: “Há ainda muitas oportunidades para o vírus se espalhar e gerar novas variantes”, garantiu o diretor-executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS. Essas oportunidades estão à vista de todos, entre os não vacinados, especialmente nos países em desenvolvimento.

Na conferência anterior, a 12 de janeiro, o diretor regional da organização para a Europa, Hans Kluge, foi esclarecedor: com o atual ritmo de transmissão “mais de 50% da população” europeia será infetada com Ómicron nas próximas seis a oito semanas. Numa mesa de quatro, dois terão de fazer quarentena, segundo a probabilidade matemática.

Ainda é demasiado cedo para pensar na Covid-19 como uma gripe, avisa a OMS

A importância das vacinas

Eyal Leshem é diretor do Centro de Medicina de Viagem e Doenças Tropicais Sheba Medical Center, e professor na Universidade de Tel Aviv, em Israel. A algumas perguntas do Observador, como quantas vagas de pandemia poderemos ainda ter de enfrentar antes da final, diz simplesmente que não sabe responder. O que é certo para o consultor do CDC norte-americano e da OMS, é que as vacinas fazem parte da solução — ou não tivesse Eyal Leshem trabalhado boa parte da sua vida em doenças evitáveis ​​por vacinas.

“A maioria dos vírus muda e evolui, e as novas variantes tornam-se predominantes e globais. A nossa esperança é que as novas variantes sejam menos virulentas e causem doença mais leve como parece ser o caso da Ómicron”, explica o professor catedrático. Mas só de esperança não vive o homem. “Alguns vírus mutam para tipos mais agressivos. O mais importante é termos uma vacina eficaz que nos proteja da doença severa.”

Neste ponto, a opinião de Eyal Leshem coincide com o que foi dito na conferência de imprensa da OMS. Vacinar tem de ser a prioridade a nível mundial.

Drive To Vaccinate Americans Continues As New Omicron Variant Looms

O mais importante é termos uma vacina eficaz que nos proteja da doença severa, diz professor da Universidade de Tel Aviv

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“A comunidade global deve tornar prioritário vacinar populações vulneráveis ao redor do mundo, já que a vacinação primária nessas populações salva vidas”, diz o médico israelita, que tem sido crítico de sucessivos reforços de vacinação. Em dezembro, Israel começou a administrar uma quarta dose da vacina aos grupos mais vulneráveis e de alto risco.

“As doses de reforço podem ser usadas ​para aumentar a proteção em declínio em idosos e imunocomprometidos. Mas são precisos mais dados sobre a proteção adicional fornecida por sucessivos reforços antes que estes sejam recomendados à população geral”, explicou ao Observador.

Essa foi a posição defendida pelo chefe do grupo para as vacinas na Agência Europeia do Medicamento (EMA). Para além disso, para Marco Cavaleri repetir a vacinação em curtos espaços de tempo não é sustentável. “Se tivermos de dar reforços todos os quatro meses, aproximadamente, acabaremos potencialmente, por ter problemas na resposta imunitária”, afirmou na conferência de imprensa da EMA da passada semana. “É preciso ter o cuidado de não sobrecarregar o sistema imunitário com imunização repetida”, para além da fadiga que se pode criar na população com repetidos reforços.

Entre os peritos da OMS, coube à cientista chefe deixar claro que há meios para travar a perda de vidas. “As vacinas funcionam”, disse a indiana Soumya Swaminathan, frisando que o mundo tem as ferramentas para lidar com a pandemia de Covid-19 e com as suas diferentes variantes. “Não estamos à espera de vacinas específicas para a Ómicron”, reforçou, frisando que as que existem no mercado protegem da doença grave.

“Se tivesse de apostar, diria que a fase pandémica da Covid-19 acaba depois da vaga global de Ómicron, uma vez que tantas pessoas vão contactar com esta variante extremamente transmissível e o grau de imunidade da população será alto. Nunca conseguiremos erradicar a Covid-19 por causa dos seus reservatórios animais, por ter um longo período infeccioso, e porque as vacinas não conferem imunidade esterilizante.”
Monica Gandhi, física e professora de medicina na Universidade da Califórnia

Erradicar o SARS-Cov-2? Impossível

Por um segundo, vamos esquecer a evidência científica. O que diz o instinto a Monica Gandhi, física e professora de medicina na Universidade da Califórnia?

“Se tivesse de apostar, diria que a fase pandémica da Covid-19 acaba depois da vaga global de Ómicron, uma vez que tantas pessoas vão contactar com esta variante extremamente transmissível e o grau de imunidade da população será alto”, defende a norte-americana, filha de dois cientistas indianos. Mas isso, explica ao Observador, não significa que o vírus vá desaparecer. “Nunca conseguiremos erradicar a Covid-19 por causa dos seus reservatórios animais, por ter um longo período infeccioso, e porque as vacinas não conferem imunidade esterilizante.”

Há uma diferença entre prevenir doenças e prevenir infeções e as vacinas não são todas iguais. Algumas evitam que a doença se desenvolva, mas não impedem a infeção. Com outras, as de imunidade esterilizante, o vírus não consegue entrar no corpo e causar a infeção porque o sistema imunitário não o permite.

O palpite de Eyal Leshem sobre o futuro é semelhante, mas a Ómicron não pesa como variante para imaginar o final. “A pandemia não acaba, transforma-se em doença endémica. Pessoas vulneráveis serão protegidas por vacinas, e as restantes serão infetadas, talvez várias vezes, sendo expectável que os vírus em circulação causem doença cada vez menos severa à medida que a imunidade da população aumenta e mais pessoas são repetidamente infetadas.”

A fase endémica, argumenta, por seu turno, Monica Ghandi, significa que o vírus não ditará o nosso dia a dia, será controlado.

“Alguns vírus infetam mais os humanos durante a infância e as infeções subsequentes são mais leves. A Covid pode ser um desses vírus”, acrescenta o diretor do Centro de Medicina de Viagem e Doenças Tropicais de Israel. E recorda um pormenor importante: o vírus da Covid circula entre animais e terá sido através de um salto zoonótico (de animal para humano) que chegou até nós. “A Covid não desaparecerá completamente porque as vacinas não são efetivas na prevenção da doença e porque é uma infeção zoonótica (circula em animais). A maioria das infeções zoonóticas são difíceis de erradicar”, argumenta Eyal Leshem.

Copo meio cheio ou meio vazio. Ter Ómicron é bom?

“A Ómicron, com o seu extraordinário e sem precedentes grau de eficiência de transmissibilidade, vai acabar por apanhar quase toda a gente.” A previsão é de Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) e um dos mais importantes especialistas da área dos Estados Unidos. Foi dita a 12 janeiro, um dia depois de aquele país ter batido o seu número máximo de internamentos: 142.388 pessoas foram hospitalizadas em 24 horas, valor que supera o pico de 14 de janeiro do ano passado (142.315).

Ao contrário de Portugal, onde a taxa de vacinação é das mais altas do mundo, nos Estados Unidos a população completamente vacinada está nos 62%, enquanto que a dose de reforço chegou a 23% dos americanos. “Quem foi vacinado, e fez o reforço, vai estar exposto. Alguns, talvez muitos, serão infetados, mas muito provavelmente, com algumas exceções, vão sair-se razoavelmente bem no sentido de não serem internados ou morrer”. Já os não vacinados, previu Fauci, “vão sofrer o impacto do lado grave” desta vaga.

Hospitals Suffer From Staff Shortages Due To Omicron Covid Variant

Memorial das vítimas de Covid-19 em Londres

Getty Images

A opinião de Monica Ghandi é semelhante. “Com uma variante tão transmissível como a Ómicron, parece que praticamente toda a gente terá Covid-19.” Em seguida, explica por que motivo pode haver uma forma de ver o copo meio cheio se for um dos infetados — o que não é o mesmo que dizer que se deva procurar deliberadamente ficar infetado com Ómicron, ideia altamente desaconselhada pela comunidade médica internacional.

“Como a infeção por Ómicron causa ampla imunidade de anticorpos neutralizantes e células T para as outras variantes, qualquer pessoa que tenha tido infeção por Ómicron além da vacinação (ou sem vacinação) irá ficar protegida de outras variantes no futuro (uma vez que se desenvolve imunidade complexa em todo o vírus)”, argumenta a professora da Universidade da Califórnia. Isso, acredita a especialista em HIV, levará a um aumento da imunidade na população, o que ajudará a combater outras variantes no futuro.

Apesar de desejar a endemia depois da Ómicron, Monica Gandhi não põe totalmente de lado a hipótese de surgir outra variante, já que a população mundial está longe de estar totalmente vacinada e existem reservatórios animais. “Para aqueles que não apanharam Ómicron durante este último surto (e muitos não o terão), temos vacinas de vírus inativados inteiros (como a Covaxin) que devem ser usadas como reforços para a população para nos ajudar a ganhar imunidade a todo o vírus.”

Nas chamadas vacinas vivas, o microrganismo enfraquecido é injetado no corpo humano, induzindo uma resposta imunitária e deixando memória do que deve ser feito se uma infeção semelhante ocorrer. A vacina indiana Covaxin, desenvolvida pela Bharat Biotech em parceria com o Conselho Indiano para Investigação Médica, o órgão máximo de pesquisa do governo, é formulada com o vírus SARS-CoV-2 inativado. A OMS deu-lhe luz verde em novembro e são recomendadas duas doses.

“Concordo que mais cedo ou mais tarde todos seremos expostos, mas mais tarde é melhor”, defendeu, na passada semana em entrevista à Reuters, o especialista em vírus Michel Nussenzweig da Universidade Rockefeller. “Porquê? Porque mais tarde teremos melhores e mais medicamentos e melhores vacinas disponíveis”, afirmou o médico brasileiro.

Endemia em 2022? Não parece possível

A virologista norte-americana Angela Rasmussen, presença frequente na imprensa, diz estar cansada de ouvir a mesma pergunta. “Continuam a perguntar-me se o SARS-CoV-2 já é endémico. Número de casos que batem recordes não é endemia”, escreveu a investigadora da Universidade de Saskatchewan, financiada pelo governo do Canadá, na sua conta oficial de Twitter, referindo-se à situação nos Estados Unidos.

Catherine Smallwood, uma das principais responsáveis da OMS para a Europa, fez o mesmo aviso. “Ainda temos uma grande quantidade de incerteza e um vírus que está a evoluir rapidamente, o que nos coloca novos desafios. Não estamos, certamente, no momento em que podemos chamar-lhe endémico. Poderá tornar-se endémico no devido tempo, mas apontar isso para 2022 é um pouco difícil.”

Ainda é demasiado cedo para pensar na Covid-19 como uma gripe, avisa a OMS

Quanto maiores são as taxas de infeção, maiores são as oportunidades de o vírus sofrer uma nova mutação. Para melhor ou para pior? Simplesmente não sabemos, defendeu David Ho, professor sino-americano de Microbiologia e Imunologia na Universidade de Colúmbia, numa entrevista à Reuters. “O SARS-CoV-2 tem-nos surpreendido de muitas formas diferentes nos últimos dois anos e não temos forma de prever a trajetória evolutiva deste vírus.”

“Concordo que mais cedo ou mais tarde todos seremos expostos, mas mais tarde é melhor. Porquê? Porque mais tarde teremos melhores e mais medicamentos e melhores vacinas disponíveis"
Michel Nussenzweig, da Universidade Rockefeller

Monica Gandhi tem uma visão mais otimista. Para começar acredita que com a imunidade crescente da população, e continuando a vacinar quem não foi inoculado, dificilmente aparecerá uma variante que cause doença severa. “As variantes de preocupação devem parar de evoluir nas populações humanas quanto todos ganharem imunidade”, defende. Mesmo que nos reservatórios animais possam surgir novas mutações do vírus, “se todos tivermos imunidade completa e as crianças estiverem vacinadas, nunca voltaremos à fase pandémica.”

Nessa altura, com a pandemia no ponto sem retorno, o que podemos esperar de uma endemia? “Significa que passamos a tratar este vírus como qualquer outro patógeno respiratório e aceitamos o mesmo número de internamentos e mortes que a influenza num ano típico”, diz Monica Ghandi ao Observador. “Significa que não faremos testes a assintomáticos nem rastreamento de contactos, as máscaras serão opcionais, a ventilação será incentivada e continuaremos a ser vacinados.”

A terapêutica — onde se deve apostar cada vez mais, na opinião da professora — como os antivirais, serão fundamentais para a fase endémica para os não vacinados e para os que correm risco de infeção grave.

Para o ECDC, poderemos considerar estar no fim da pandemia quando, “mesmo que haja alguma circulação de vírus na comunidade, não acarrete um excesso de mortalidade, altas taxas de hospitalização e aumento da pressão sobre os sistemas de saúde”. No entanto, essa meta não será alcançada por todos os países ao mesmo tempo e a agência europeia aponta para a importância da vacinação para chegar a esse ponto final.

“Não é possível que, muito rapidamente, todos os países alcancem o mesmo nível de vacinação.” Para os países menos vulneráveis, argumenta o ECDC, isso não será um problema mesmo que haja importação do vírus de outros países. “Esses países permanecem menos vulneráveis, pois a vulnerabilidade depende da cobertura e de quais segmentos da população não são vacinados.” Dito de outra forma, fonte oficial do ECDC explica que a percentagem de população vacinada, só por si, não corresponde ao mesmo valor de proteção.

“Por exemplo, se 80% da população for vacinada, mas se nos 20% de não vacinados estiverem pessoas vulneráveis, veremos um impacto significativo [com a importação do vírus]. É importante que os países entendam quais são as partes da população que ainda não foram vacinadas e quais são as razões pelas quais não são vacinadas”, argumenta o ECDC.

Eyal Leshem, o professor da universidade de Tel Aviv, garante ao Observador partilhar o ponto de vista de Monica Ghandi. “Muitas doenças infeciosas e vírus são endémicos e causam morbidade e mortalidade.” Para o vírus da influenza temos uma vacina, o que não impede que a gripe faça milhões de casos e centenas de milhar de mortes todos os anos, sublinha. “Apesar disso, vivemos com a influenza e eu espero que também possamos aprender a viver com a Covid endémica.”

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