Foi a segunda revisão em alta no espaço de uma semana — e, nos dois casos, de forma expressiva. Depois do Fundo Monetário Internacional (FMI), esta segunda-feira foi a vez da Comissão Europeia melhorar as projeções de crescimento da economia portuguesa para 2023. Para Bruxelas, Portugal não vai, afinal, crescer 1% como previa em fevereiro, mas 2,4%. Uma revisão motivada pelos números positivos do PIB do primeiro trimestre e que reflete um turismo que “continua a suportar o crescimento”.
Já se sabia que 2023 não será ano de aumento do PIB à escala do que aconteceu em 2022 (6,7%), um ano ainda de recuperação das quebras da pandemia. Mas os dados que vão sendo conhecidos têm feito as instituições internacionais rever projeções. Os dados do INE sobre o primeiro trimestre — que revelaram um crescimento em cadeia de 1,6% e homólogo de 2,5% —, conhecidos no final de abril, levaram a Comissão Europeia a rever em alta o crescimento do ano, para 2,4%, mais do dobro do que aponta para a zona euro (1,1%) e para a UE (1%).
“Boas notícias” para Portugal, reagiu o ministro das Finanças, Fernando Medina, que “permitem enfrentar o atual contexto adverso, com uma inflação mais alta do que desejaríamos”. Nas projeções de Bruxelas, a inflação poderá baixar para 5,1%, fruto numa primeira fase da diminuição dos preços da energia e, noutra, dos preços dos alimentos e bens não industriais — com a Comissão a acreditar que o IVA zero no cabaz de bens essenciais vai mesmo ajudar a moderar os preços.
Bruxelas está, assim, mais otimista do que o Governo no que à evolução da economia diz respeito (no Programa de Estabilidade apresentado em abril falava num crescimento de 1,8%), do que o Banco de Portugal (numa revisão em alta para 1,8%, mas em março, alavancada pelo turismo) e o Conselho das Finanças Públicas (1,2%, em março), mas continua a ser o FMI a instituição mais confiante: 2,6% (a OCDE aponta para 1%, mas as últimas projeções já têm seis meses). Há uma semana, a entidade liderada por Kristalina Georgieva fez uma forte revisão em alta face ao que tinha projetado cerca de um mês antes (1%).
Bruxelas prevê crescimento de 2,4% da economia portuguesa em 2023, mais do que o dobro da zona euro
Para Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, um crescimento de 2,4%, como prevê Bruxelas, é realista. “Perante os dados do primeiro trimestre, a projeção de crescimento de 2,4% da Comissão Europeia parece, atualmente, confortavelmente realista“, refere, ao Observador.
Mas avisa: “a economia é dinâmica e muitas surpresas existirão até ao final do ano, tendo em conta o crescente aumento das taxas de juro pelo BCE, deteriorando constantemente o rendimento disponível das famílias e desincentivando o investimento das empresas, bem como uma eventual recessão nos EUA”.
FMI prevê crescimento de 2,6% da economia portuguesa e inflação de 5,6% em 2023
Turismo “continua a suportar crescimento”, mas pode não ajudar tanto quanto no passado
A Comissão Europeia antecipa que, depois de um crescimento acentuado no arranque do ano, o crescimento económico vai abrandar no segundo trimestre, acelerando depois, num contexto de recuperação gradual do rendimento disponível das famílias e do consumo privado. Até aqui, no primeiro trimestre, a procura interna continuou a mostrar sinais de enfraquecimento, com o consumo privado constrangido pela quebra do poder de compra das famílias que já vinha dos trimestres anteriores — impulsionada pela inflação e a subida das taxas de juro.
Bruxelas acredita que é o turismo que vai puxar pela economia e fala numa “performance forte” do setor. “Em termos nominais, o balanço externo de Portugal deverá beneficiar substancialmente da queda dos preços da energia em 2023 e preços mais elevados no turismo, levando a uma melhoria acentuada na balança corrente”.
E, de facto, no primeiro trimestre do ano, o principal “motor de crescimento” foi o setor externo, “beneficiando da recuperação nas cadeias de abastecimento globais e um aumento muito forte nas visitas de turismo, em particular da América do Norte“. Já o INE tinha indicado, quando revelou os dados do trimestre, que se verificou uma “aceleração das exportações de bens e serviços e um abrandamento das importações de bens e serviços”, pelo que o “contributo positivo da procura externa líquida foi superior ao do trimestre anterior”.
Bruxelas atribui ainda responsabilidades à “recuperação acentuada” das reservas de água, que apoiou o saldo externo dado que a retoma da produção nacional de energia hidroelétrica reduziu as importações de eletricidade e gás natural.
Paulo Rosa, do Banco Carregosa, entende que são a “dinâmica positiva do setor do turismo” e o “aumento da população empregada, já muito perto dos 5 milhões de trabalhadores”, que “mantêm a resiliência da economia” e têm permitido as revisões em alta do crescimento do PIB real para 2023, pelo Governo e pelas instituições nacionais e internacionais. O economista salienta que a população empregada aumentou mais de 20% na última década e foi um dos “principais impulsionadores da economia nacional”. No primeiro trimestre do ano, segundo o INE, a população empregada, de 4,924 milhões de pessoas, aumentou 0,4% em cadeia e 0,5% face ao trimestre homólogo, não impedindo, porém, uma subida da taxa de desemprego.
Em 2023, Bruxelas vê o emprego a crescer “moderadamente”, mas vê a taxa de atividade a subir mais. Com um forte crescimento da procura de emprego, essa diferença faz com que as perspetivas para a taxa de desemprego sejam mais pessimistas (6,5%) do que o valor de 2022 (6%). Num comunicado divulgado esta segunda-feira, a associação empresarial Business Roundtable Portugal indica que os seus associados esperam “um crescimento moderado e a recuperação do investimento e emprego nos seus negócios, pese embora para a economia nacional as expectativas sejam de ligeira desaceleração”.
João Borges de Assunção, economista e professor da Católica School of Business, concorda que o indicador “que parece mais forte” é o turismo, mas avisa que pode não ajudar tanto quanto em anos anteriores. “As perspetivas para a economia mundial para este ano continuam frágeis, pelo que a procura externa líquida poderá ajudar menos que nos anos anteriores“, indica, ao Observador.
Segundo a Comissão Europeia, as exportações de bens e serviços (onde se inclui, por exemplo, o turismo) vão crescer 5,4%, acima das importações (3,3%), mas ainda assim muito longe dos valores de 2022 (16,7% e 11,1%, respetivamente). Também a descida dos preços dos bens energéticos poderá ajudar as economias como a portuguesa, prevê o economista da Católica.
Na leitura de João Borges de Assunção, Bruxelas parece fazer uma “correção quase mecânica do crescimento para este ano” usando para isso informação sobre o “bom desempenho” da economia no primeiro trimestre. Nesse sentido é “realista“. Mas admite que haja “efeitos pontuais a beneficiar os dados do primeiro trimestre e que se dissipam no resto do ano”.
“O que me parece mais importante é que as perspetivas de crescimento tendencial continuam abaixo da média histórica devido aos efeitos das taxas de juro mais elevadas bem como as perdas de poder de compra do rendimento disponível resultante da inflação muito elevada”, analisa.
Economia dá “sinais contraditórios”. E há investimento ao virar da esquina?
O economista também sublinha que a “leitura da conjuntura está envolta em sinais contraditórios e nebulosos”. Por exemplo, a subida do desemprego no primeiro trimestre “não é consistente com o forte crescimento do produto no mesmo período”. Há outros indicadores que “normalmente se movimentam de forma parecida” e que “estão a exibir padrões quase erráticos” — como o indicador diário de atividade económica do Banco de Portugal, os dados de pagamentos via multibanco, dos combustíveis ou das vendas de veículos, exemplifica.
“A previsão da Comissão Europeia é a mais fresca, por incorporar as surpresas (maioritariamente positivas) dos dados até março. Os poucos dados de abril e maio disponíveis continuam a dar sinais contraditórios“, defende.
Outro dos ingredientes para a evolução da economia projetada por Bruxelas é o investimento, que deverá “melhorar” com a redução dos preços das matérias-primas e a recuperação das cadeias de abastecimento globais. Juntamente com a chegada de fundos europeus, incluindo através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), esses efeitos “vão compensar o impacto negativo da subida das taxas de juro“.
João Borges de Assunção admite que as verbas do PRR venham “ajudar à recuperação do investimento”, mas acrescenta que “os sinais nos dados agregados da economia não são óbvios”. Os atrasos na implementação e execução do PRR são “um entrave a um maior crescimento económico”, aponta, por sua vez, Paulo Rosa.
Crescimento mais tímido no segundo trimestre para recuperar ritmo depois, diz Bruxelas
Mesmo que a riqueza produzida nos próximos trimestres se reduza, o economista Paulo Rosa calcula que com o aumento em cadeia de 1,6% nos primeiros três meses do ano, “uma alta do PIB de pelo menos 1% em 2023 já estaria garantida”. “As contas externas melhoram gradualmente, impulsionadas pelas exportações, sobretudo pelo maior contributo do turismo, esperando-se que as importações abrandem à medida que o rendimento disponível se deteriora, penalizado pela elevada inflação e pela subida das taxas de juro”, antecipa.
No segundo trimestre do ano, o crescimento económico deverá manter-se “resiliente”, “impulsionado novamente pelo turismo, tendo o verão à porta, e pelo crescente aumento da população empregada”.
João Borges de Assunção salienta que ainda há poucos dados para avaliar o comportamento da economia no segundo trimestre, mas admite que haja uma “correção em baixa devido ao crescimento muito elevado do primeiro trimestre”.
Bruxelas vê um crescimento mais lento no segundo trimestre, recuperando nos trimestres seguintes “num contexto de recuperação gradual do rendimento disponível das famílias e do consumo privado”. Depois de uma subida de 5,8% no consumo privado no ano passado, 2023 verá um travão no indicador, para 0,5%, segundo prevê a Comissão.
Certo é que o crescimento revelado pelo INE para o primeiro trimestre ficou acima do antecipado até pelo Governo. Em abril, uma semana antes de serem conhecidos os números da estimativa rápida do INE, Fernando Medina falava num crescimento em cadeia de 0,6%. O Millenium bcp, mais otimista, apenas se ficava pelos 0,8%, antecipando, na altura, que será “expectável” que a economia registe, nos próximos trimestres, “taxas de crescimento em cadeia muito próximas de zero”, depois do salto do arranque do ano, “dado o atual quadro de fortes riscos de abrandamento da economia mundial, decorrentes da elevada restritividade da política monetária global”.
Medina estima que economia cresceu 0,6% em cadeia no primeiro trimestre do ano
As várias entidades continuam a ver muitos riscos no horizonte. Em março, o CFP alertava para riscos e incertezas, como a evolução de preços e os sinais verificados então de “alguns riscos no sistema financeiro” (as projeções tinham sido feitas antes dos desenvolvimentos na banca nos EUA e no Credit Suisse). A “continuação da guerra na Ucrânia, o aumento do preço das matérias-primas devido ao processo de reabertura da China, a possível desancoragem das expectativas de inflação no médio-prazo e a transmissão da dinâmica inflacionista às componentes menos voláteis do IPC (índice de preços ao consumidor)” também acrescem ao rol de preocupações. Toda essa incerteza e a inflação vão ter efeitos no consumo privado.
Além disso, as exportações de serviços, “em particular aquelas ligadas às atividades turísticas, após já terem recuperado, em 2022, para níveis superiores aos observados no período pré-pandemia”, deverão abrandar em 2023, “apesar de ainda prevalecer a expectativa de algum dinamismo neste setor, com a antecipação de eventos como a Jornada Mundial da Juventude no terceiro trimestre”.
Para o economista Paulo Rosa, a crescente deterioração do rendimento disponível, quer pela elevada inflação quer pela subida dos juros, poderá colocar em causa as atuais perspetivas otimistas para o crescimento do PIB português este ano”.
Também a Associação Business Roundtable Portugal antecipa riscos. Apesar de 2023 trazer crescimentos “mais lentos” do que os de 2022, não parece haver sinais de “inversão ou mesmo uma queda significativa do ciclo económico”, refere, em comunicado, pelo que o próximo semestre deverá ser de “estabilidade”. Mas avisam que a “perspetiva a seis meses revela ainda alguma cautela face ao futuro”.