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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O que há de bom neste Orçamento do Governo? E o que pode correr muito mal?

Ensaio de Abel Mateus sobre a política orçamental do Governo e o Orçamento para 2020 conclui que as Contas Públicas Portuguesas continuam a registar um elevado grau de fragilidade.

A discussão do orçamento e da política orçamental entre nós tem sido dominada pelo “sound bite” e da última décima que o défice registou, sem uma análise aprofundada das políticas públicas que o governo prossegue e deveria prosseguir. Vamos procurar contribuir neste ensaio, ainda que curto, para uma análise mais aprofundada destes temas (para uma análise mais profunda consulte-se este ensaio da FFMS).

As principais funções da Política Orçamental são:

  1. Assegurar a estabilidade macroeconómica, como, por exemplo, estimulando a economia quando está em recessão;
  2. Contribuir para o crescimento económico assegurando a eficiência na produção de bens públicos e o estímulo ao crescimento;
  3. Redistribuir o rendimento de forma que haja maior equidade e combater a exclusão e pobreza das classes de menor rendimento. Mais ainda, estas funções devem ser providas assegurando a sustentabilidade financeira no curto e longo prazos. Vamos, pois, proceder à análise da Política Orçamental dos últimos quatro anos, com especial incidência no Orçamento para 2020 (OE 2020), cuja proposta foi recentemente apresentada à Assembleia da República.

O Orçamento do Estado foi entregue a 15 de dezembro

TIAGO PETINGA/LUSA

Enquadramento macroeconómico

O Orçamento assenta na projeção do PIB a crescer 1,9% em 2020, depois de ter crescido 1,9% em 2019. Esta projeção está acima das projeções dos organismos internacionais, que apontam crescimentos entre 1,6 e 1,8% do FMI e OCDE, com a Comissão Europeia (CE) a projetar 1,7%. Estas projeções pressupõem uma ligeira recuperação na zona Euro, que cresceria 1,2% em 2020 contra 1,1 em 2019, assente numa substancial recuperação da Alemanha. Mas os indicadores mais recentes apontam para uma desaceleração do crescimento na zona Euro e da EU-28, ao longo de todo o ano de 2019 – por exemplo, o Índice de Sentimento Económico do Eurostat para a UE baixou de 110 para 101 entre janeiro e dezembro de 2019, em médias de 6 meses – o que levanta dúvidas sobre uma taxa de crescimento da zona Euro, e da Alemanha, acima da de 2019. Também nas simulações do Conselho de Finanças Públicas (CFP) de dezembro de 2019, os riscos em relação ao crescimento do PIB em Portugal são muito mais negativos do que positivos, com um intervalo de confiança (de 60%) entre 1,4 e 1,9%, apesar de aquele organismo corroborar as projeções do PIB subjacentes ao OE 2020, e não a projeção central, que seria de 1,7%, conforme as projeções do próprio Conselho de outubro.

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O maior dinamismo do PIB previsto no OE 2020 deve-se ao investimento público e exportações, quando comparado com as projeções dos organismos internacionais. Quanto ao investimento público vai depender da sua realização pelo Estado, que tem sido abaixo do programado no passado, e quanto às exportações dependem da procura externa, que está claramente em desaceleração.

Seria fundamental conhecer qual o impacto macroeconómico da política orçamental proposta no OE 2020. Propõe-se uma série de medidas de política fiscal e da despesa pública, mas não sabemos qual o seu impacto macroeconómico. É uma ausência significativa: os modelos do Ministério das Finanças e do CfP deveriam identificá-los para conhecimento dos cidadãos.

Mas existe uma certa confusão nestas projeções. Normalmente, as projeções dos organismos internacionais são com políticas económicas inalteradas. Ora, não é claro que a projeção tanto do OE como do CfP seja com as políticas económicas de 2019 que continuariam em 2020, ou se já incorpora as políticas propostas pelo OE 2020. De facto, seria fundamental conhecer qual o impacto macroeconómico da política orçamental proposta no OE 2020. Propõe-se uma série de medidas de política fiscal e da despesa pública, mas não sabemos qual o seu impacto macroeconómico. É uma ausência significativa: os modelos do Ministério das Finanças e do CfP deveriam identificá-los para conhecimento dos cidadãos.

Política orçamental e conjuntura económica

O efeito conjuntural da Política Orçamental, assim como as regras comunitárias do Pacto de Estabilidade, depende do saldo do orçamento. Mas que saldo? O conceito tradicionalmente utilizado é o do saldo contabilístico, ou saldo nominal: segundo esta medida, de um défice de 4,4% do PIB em 2015, passamos para um défice de 0,1% em 2019, enquanto o OE 2020 prevê um excedente de 0,2% do PIB.

Porém, para os economistas, este saldo não nos permite avaliar nem a postura da política nem a sua sustentabilidade. O conceito mais relevante é o Saldo Primário Estrutural, que corrige aquele saldo com os efeitos cíclicos e as medidas de caráter temporário, para além de retirar os juros. De facto, devemos retirar do saldo nominal o pagamento de juros, que depende da política monetária do BCE e da evolução do risco do país, e que pouco tem a ver com as decisões do governo. Sendo o período de 2015 a 2020 um período de recuperação da queda do PIB, o efeito do ciclo faz reduzir o défice endogenamente, efeito que se inverte quando o ciclo se torna negativo. Os impostos sobem porque o rendimento sobe, reduzem-se os subsídios ao desemprego, entre outros efeitos. O gráfico 1 dá-nos a evolução deste saldo. Fruto do Programa de Ajustamento, em 2014 houve um excedente de 3,3% do PIB, que se reduziu para 2,4 em 2015, em resultado da reposição de alguns dos cortes que tinham sido efetuados naquele programa. Entre 2016 e 2020, houve uma ligeira recuperação do excedente, que se espera atingir 2,9% do PIB em 2020, um valor ainda inferior ao de 2014. Porém, vários estudos que têm sido feitos sobre sustentabilidade indicam que a política orçamental deve visar um excedente primário de cerca de 3% do PIB de forma sustentada.

As correções que são feitas para obter o saldo estrutural, seja pela Comissão Europeia ou organismos estatísticos, não consideram todos os efeitos temporários ou extraordinários nas receitas e despesas. Esta posição minimalista é compreensível quando se trata de negociar a nível internacional estes conceitos. Mas a análise mais aprofundada revela nos últimos anos alguns fatores que será difícil considerar como sustentáveis.

O primeiro refere-se às receitas do Estado obtidas pelo acréscimo de dividendos pagos pelo Banco de Portugal que é devido aos rendimentos obtidos por este, resultantes dos enormes volumes de obrigações do Estado Português comprados no mercado, seguindo a política de redução dos juros nos mercados monetários do BCE (ver mais adiante). Neste caso, o excedente reduz-se para cerca de 2,5% do PIB. Mas mais relevante têm sido os cortes nas despesas de capital, que têm comprimido o investimento público de forma insustentável. Caso as despesas de capital tivessem permanecido ao nível de 2015 [poderá considerar-se arbitrário o valor de 2015. Mas, a conclusão não se altera se considerarmos outras comparações. O total da despesa de capital em 2015 foi de 4,3% do PIB. A média dos anos 2000-2012 dos países do Euro foi de 4,6, a da EU-29 4,5, e a média de Portugal para 1995-2015 foi de 4,6% do PIB], o excedente primário para 2020 seria apenas de 1,5% do PIB, menos de metade do conseguido em 2014. Estes cálculos mostram a fragilidade que ainda subsiste nas contas públicas, situação com maior gravidade dado o nível recorde que a carga fiscal atinge em 2020.

Depois de cerca de duas décadas com um défice médio de cerca de 5% do PIB, e devido ao elevado nível de endividamento, o País entra no Programa de Ajustamento de 2011-2014. Mas este resume-se, no essencial, ao corte nos salários e pensões e à introdução de várias sobretaxas de impostos. A partir de 2015, dá-se a inversão gradual daquelas medidas. Desta maneira, os desequilíbrios macroeconómicos e orçamentais de longo prazo voltam a restabelecer-se. Não houve nenhum milagre. É só devido à compressão que existe ainda no investimento, juros e salários que o défice não regressa aos níveis da pré-crise [é fácil ao leitor fazer uma simulação mental. Suponha que as despesas de capital, que compreende o investimento, sobem 2 pontos percentuais do PIB, que o peso dos juros sobe também 2 pontos percentuais e que os salários passam a subir à taxa de inflação, mais 1 ponto percentual, pelo menos. Tudo isto soma 5 pontos percentuais do PIB, o que adicionado ao défice zero de 2020 nos dá novamente o défice de 5% do PIB].

Pergunta: será a Política Orçamental adequada para a conjuntura económica? Para responder, temos de considerar o contexto em que a Política Orçamental está a atuar. Primeiro, teremos de considerar qual o Hiato do Produto, ou seja, se existe ou não sobreaquecimento da economia. O Gráfico 2 mostra que o Hiato do Produto, calculado pela Comissão Europeia, virou de negativo até 2016 para positivo em 2017, o que significa que o PIB observado já estava acima do PIB potencial, devido à forte subida da procura externa e em parte também da interna. Ora, a postura da Política Orçamental para 2016 e 2017 era de redução do déficit estrutural, o que estava de acordo com a conjuntura. Contudo, a situação em 2017 já aconselharia um ligeiro excedente orçamental, situação que se manteve até 2020.

Segundo, importa ter em conta qual a Política Monetária implementada pelo BCE. Como é sabido, desde 2008 com o eclodir da crise global, o BCE começou a implementar o chamado Quantitative Easing, para sustentar o nível de atividade económica da zona Euro, baixando os juros para níveis recorde, tornando-os mesmo negativos nos prazos mais curtos. Apesar de algumas flutuações, verifica-se desde 2015 uma nova fase de relaxamento da política. Houve um ligeiro abrandamento desse relaxamento nos finais de 2017, mas voltou a intensificar o relaxamento em finais de 2018. Por conseguinte, qualquer restritividade da Política Orçamental é largamente compensada pela Política Monetária fortemente expansionista do BCE.
Terceiro, a Política de Crédito dos bancos ao setor privado continua a registar uma expansão bastante moderada: a taxa de crescimento do crédito subiu de 0,5% para 1% de 2018 para 2019. Em conclusão, a Política Orçamental, que é o principal instrumento do Governo para gerir a situação conjuntural, embora apropriada de uma forma genérica, deveria já estar em excedente estrutural desde 2018.

A situação macroeconómica, a política monetária expansionista e a necessidade de reduzir a dívida externa aconselhariam um excedente orçamental estrutural de cerca de 0,5% do PIB já desde 2018, e não apenas em 2020. Este aliás era próximo do objetivo de médio prazo (0,25%) indicado para Portugal em 2017-2019, e que agora foi abandonado.

Numa pequena economia sem política cambial, e tendo em vista o elevado nível de endividamento externo, a Política Orçamental tem também de levar em conta o défice da balança de pagamentos. Ora, o saldo da Balança Corrente passou de um excedente de 1% em 2017 para um défice previsto próximo de 1% do PIB, em 2020. Ora, para haver uma redução significativa da dívida externa, uma das principais causas da nossa crise de 2011-2014, deveria estar a verificar-se um excedente de cerca de 3% do PIB, o que mais uma vez requer um excedente estrutural mais elevado do que o programado no OE 2020.

Em conclusão, a situação macroeconómica, a política monetária expansionista e a necessidade de reduzir a dívida externa aconselhariam um excedente orçamental estrutural de cerca de 0,5% do PIB já desde 2018, e não apenas em 2020. Este aliás era próximo do objetivo de médio prazo (0,25%) indicado para Portugal em 2017-2019, e que agora foi abandonado.

Portugal respeita as regras orçamentais europeias?

É relativamente desconhecido entre nós o Conselho Europeu Fiscal (European Fiscal Board), que foi criado depois do conhecido Relatório dos 5 Presidentes. Constituído por quatro professores universitários, é um órgão independente, que tem como função aconselhar a Comissão Europeia na aplicação das regras orçamentais aos países membros. Já produziu 3 relatórios anuais, que podem ser consultados aqui.

Portugal encontra-se desde 2014 no “braço preventivo” do Pacto de Estabilidade e Crescimento, estando obrigado a satisfazer duas regras. A primeira é o Equilíbrio Estrutural, pelo qual deve respeitar o saldo estrutural fixado como Objetivo de Médio Prazo (OMP), ou estar numa trajetória para o alcançar. Para o período de 2017-2019, estabelecia-se um excedente de 0,25% do PIB, que depois foi reduzido para 0% para o período 2020-2022. A segunda é a Regra da Despesa, em que a despesa primária estrutural, com alguns ajustamentos, não pode crescer acima de um nível definido pela trajetória de convergência para o OMP. Para os países com dívida pública superior a 60% do PIB, existe uma terceira regra em que o rácio da dívida tem de baixar anualmente pelo menos um vigésimo, em média de 3 anos, da diferença entre o nível observado da dívida e os 60%.

Ora o Relatório de 2019 do Conselho Europeu Fiscal refere que deveria ser declarada uma situação de desvio significativo a Portugal, enquanto a Comissão absolve o País ao considerar outros elementos (pág. 6). E já na altura da entrega dos planos orçamentais, a Comissão notava o risco de haver desvio significativo. Também em relação à regra da despesa, o Conselho diz que a Comissão não respeitou na sua análise a regra do Pacto. Desde 2017 que o Governo utiliza estes desvios “permitidos” nos planos do OE, e que o relatório estima em 0,6% do PIB para o saldo estrutural e 1,1% do PIB para a regra da despesa (quadro 2.7).

António Costa e a nova presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen

PAULO VAZ HENRIQUES/GABINETE DO PRIMEIRO MINISTRO/LUSA

O Governo afirma, na secção sobre regras orçamentais, que o OE 2020 está de acordo com o OMP de 0% agora definido e que a despesa vai crescer 1,5% acima do permitido pela regra do Pacto de Estabilidade. Mas como prevê atingir o OMP, espera leniência da Comissão. Finalmente, sobre a regra da dívida pública, informa que o valor programado de 116,2% do PIB é o limite permitido pela regra.

Em conclusão, Portugal tem beneficiado com a aplicação do Pacto de Estabilidade pela Comissão, e não existe qualquer margem de segurança para o cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade em 2020. E não devíamos continuar a atuar “acima do limite”, pois a Comissão Europeia futura pode não ter uma interpretação benevolente do Pacto de Estabilidade.

Despesa pública em expansão suportada pelo aumento da carga fiscal

A despesa corrente primária cresce 14,8% entre 2015 e 2020, atingindo 37,3% do PIB em 2020, percentagem que se mantém de uma forma genérica desde 2017. O OE 2020 reporta um crescimento acima da média destes anos (3,4% contra 2,8%). A massa salarial mais as transferências representam cerca de 70% da despesa corrente primária. O número de funcionários públicos subiu 43,6 mil, para 703 mil em finais de 2019, concentrando-se a expansão nos dois últimos anos. Como a massa salarial cresceu 11,6% entre 2015 e 2019, e o número de funcionários subiu 6,6%, a remuneração por funcionário subiu apenas 4,6% no total do período. Ou seja, a estratégia tem sido no sentido de dar prioridade à expansão do emprego e conter fortemente as remunerações. Para 2020, o OE prevê um aumento da massa salarial de 3,6%. Supondo um acréscimo do número de funcionários de 12 mil (foram anunciados 8 mil para o SNS), o crescimento é de 1,7%, restando 1,9% para as remunerações médias, o que é inferior ao anunciado.

As transferências sociais representam 44% da despesa corrente primária, tendo mantido esta participação de 2015 a 2020, apesar da queda dos subsídios de desemprego. Cerca de metade das transferências destinam-se ao pagamento de pensões de velhice. Estas tiveram o maior crescimento de todas as principais componentes da despesa corrente, crescendo 23% entre 2015 e 2020, e 4,2% programado no OE 2020. Como as estatísticas da segurança social mostram que o número de beneficiários se manteve quase constante até 2019, em torno dos 2,9 milhões, registou-se um aumento na pensão média paga daquela magnitude. Assim, estes números mostram a prioridade acordada às prestações sociais nos últimos anos. Para o incremento da despesa com prestações sociais contribuem, ainda, no OE2020, os acréscimos previstos com a prestação social para a inclusão (18,9%), o complemento solidário para idosos (8,8%), o abono de família (4,6%), os programas e prestações de ação social (7,2%), as prestações de parentalidade (11,5%) e o subsídio de doença (5%).

Existe um baixo nível de clareza e de controle democrático nos orçamentos em Portugal, como é evidenciado em Mateus (2018). De facto, é difícil encontrar claramente especificado nos documentos elaborados pelo Governo quais são as principais medidas de política propostas. Onde estão especificados os cortes do investimento público em orçamentos anteriores? Os aumentos de pessoal? As medidas redistributivas e o seu impacto?
O Quadro 3.3. do Relatório do OE 2020 resume as principais medidas de Política Orçamental. Estas medidas somam do lado da receita 0% em 2019 e -0,02% do PIB em 2020, ou seja, são quase insignificantes – não há nenhum alívio fiscal significativo. E medidas que têm todo o seu mérito, como o incentivo à redução das emissões de carbono (28 milhões de Euros), ou de incentivo à natalidade (aumento da dedução em sede de IRS para os filhos com menos de 3 anos), são claramente insuficientes para ter um impacto significativo sobre os objetivos formulados.

Do lado da despesa programa-se um aumento de 0,49% do PIB em 2020, no seguimento de 0,58% em 2019. Cerca de metade destas medidas é o descongelamento das carreiras, e as restantes são medidas redistributivas, cuja eficiência de política pública não foi testada.

A carga fiscal aumenta de 0,2 pontos percentuais do PIB, segundo o quadro retificado 3.2 do Relatório. O gráfico 5 apresenta a evolução da carga fiscal, segundo a definição do Eurostat, com a imputação das contribuições para a segurança social. Esta carga está 4,2 pontos percentuais do PIB acima do nível da pré-crise, de 2009, e a nível recorde.

Continuamos com um sistema de impostos sobre o rendimento com uma das maiores progressividades na UE, e não há alívio no IRS. Na medida em que os escalões são atualizados de apenas 0,3% e que a inflação se espera que seja de 1,5% (com os salários a subirem 2,7% no privado), haverá um agravamento deste imposto.

Continuamos com um sistema de impostos sobre o rendimento com uma das maiores progressividades na UE, e não há alívio no IRS. Na medida em que os escalões são atualizados de apenas 0,3% e que a inflação se espera que seja de 1,5% (com os salários a subirem 2,7% no privado), haverá um agravamento deste imposto.

A taxa de imposto sobre os lucros das empresas mantém-se, apesar de estas serem cerca do dobro da dos países da Europa de Leste, com quem competimos mais diretamente, e dos aumentos impostos pelo Governo no salário mínimo. As medidas de redução na fiscalidade das empresas para os lucros reinvestidos e para as PMEs do interior somam apenas 0,02% do PIB (quadro 3.3), o que nos dá a dimensão do baixo impacto sobre as empresas e a economia.

Política redistributiva

Os programas de Governo, do anterior e atual governos, atribuem a maior prioridade à redistribuição do rendimento via Política Orçamental. Como se compara esta política no contexto da UE? E qual tem sido a sua eficácia social?

Como sabemos, a redistribuição do rendimento opera-se, do lado das receitas, através da progressividade dos impostos, em especial através dos impostos sobre rendimento e riqueza, e pelo lado da despesa, das transferências sociais. O gráfico 6 mostra a dimensão da redistribuição operada através da Política Orçamental para os países da UE. Esta mede-se pela diferença do Coeficiente de Gini antes e depois dos impostos e transferências. O Coeficiente de Gini mede o grau de desigualdade da distribuição de rendimento, um coeficiente de zero corresponde a uma desigualdade zero e um coeficiente de 1 a uma desigualdade total. Assim, no eixo vertical do Gráfico temos as diferenças do Coeficiente com e sem intervenção da Política Orçamental, ou seja, um elevado grau de redistribuição corresponde a uma elevada diferença entre os dois coeficientes de Gini.

No eixo horizontal estão os níveis de rendimento per capita em paridade de poder de compra, com a UE28=100. Todos os dados se referem a 2018. Dos países com menor rendimento, o maior grau de redistribuição é da Grécia (26 pontos percentuais), Portugal (25,6) e Roménia (23,7), o que contrasta com a Eslováquia (6,3). Os níveis de Portugal só são alcançados por países com um nível de vida muito superior, no caso da Suécia e Alemanha.

O gráfico 7 mostra, no eixo horizontal, o nível de redistribuição em 2018 e, no eixo vertical, a variação entre 2009 e 2018. Mais uma vez, Portugal, Grécia e Bulgária são não só os países com o maior nível de redistribuição atual, mas os países em que este esforço mais subiu desde 2009. Em Portugal, o esforço de redistribuição aumentou 5,5 pontos, contra 7,3 na Grécia e 8,1 na Bulgária. Houve países, como a Dinamarca, em que aquele esforço baixou substancialmente (10,1 pontos).

Foram os países da crise do Euro, em que intervieram governos socialistas, que registaram o maior acréscimo de redistribuição, em relação a níveis já elevados no início da crise.

Não é possível identificar o impacto destas políticas nos níveis de pobreza, pois estes são também influenciados pela evolução macroeconómica. Porém, é de presumir que estes tenham descido em parte por efeito das políticas sociais a partir de 2014. O gráfico 8 mostra o grau de risco de pobreza, medido pelo Eurostat. Este mostra um grau de risco 4 pontos inferior a 2008-2009, anos da pré-crise, e em que o nível de rendimento per capita era semelhante. Na Polónia, país onde houve um elevado crescimento económico, o risco de pobreza desceu 12 pontos. Já a Espanha ainda não conseguiu reduzir o risco de pobreza para os níveis da pré-crise, e um dos países bálticos (a Lituânia), que tem tido um elevado sucesso económico, ainda continua com níveis elevados de pobreza.

Ou seja, apesar do esforço de redistribuição que o país tem feito, e num contexto de baixo crescimento, ainda falta fazer muito para aperfeiçoar as políticas públicas de combate à exclusão e redução dos níveis de pobreza no nosso país. O estudo de José Tavares, incluído em Mateus (2018) acima citado, mostra ainda uma elevada ineficiência nas políticas redistributivas, quando comparado com outros países da UE.

Eficiência do setor público e programas estratégicos

Como os recursos são escassos, é fundamental para o crescimento do País ter políticas públicas eficientes. No estudo sobre a eficiência da despesa em Mateus (2018) mostra-se que em geral os níveis de produtividade são 40% inferiores à média da UE, o que está em linha com a produtividade média da economia, e inferiores em 60% aos países com melhor performances. Mas não é possível melhorar os níveis de crescimento da nossa economia sem haver um forte esforço de melhoria da produtividade também no Estado. Falta fazer a introdução, em pleno, dos novos métodos de gestão financeira e administrativa previstos na Lei de Enquadramento Orçamental de 2015! Falta uma maior descentralização e responsabilização dos serviços, com avaliações continuas e formação dos quadros. E muito mais.

Em termos de saúde é necessário que todos os cidadãos tenham acesso aos meios modernos de prevenção da doença, ou aos cuidados primários e hospitalares, mas ao menor custo. Não basta mais uns milhões de euros ou dezenas de milhar de profissionais, mas é essencial o aumento do número de consultas de medicina preventiva por família, da progressão do número de intervenções cirúrgicas por paciente, reduzindo as filas de espera.

Por exemplo, em termos de saúde é necessário que todos os cidadãos tenham acesso aos meios modernos de prevenção da doença, ou aos cuidados primários e hospitalares, mas ao menor custo. Não basta mais uns milhões de euros ou dezenas de milhar de profissionais, mas é essencial o aumento do número de consultas de medicina preventiva por família (médicos de família ou serviços de proximidade das famílias), da progressão do número de intervenções cirúrgicas por paciente, reduzindo as filas de espera, campanhas de redução da obesidade e de morbidade dirigidas a grupos específicos da população. Aos cidadãos interessa ter acesso a serviços que deem uma resposta rápida, eficiente e de qualidade. É preferível eliminar as taxas moderadoras, ou melhorar a cobertura do sistema de saúde primário? Ou promover uma melhor integração dos diferentes subsistemas? E melhorar a sua gestão?

Também na educação, não conseguimos progredir sem haver uma preocupação constante com a formação de jovens preparados para o mercado do trabalho. É fundamental seguir indicadores como o número de diplomados por docente no ensino secundário ou superior. Temos de nos preocupar com a quantidade e qualidade dos licenciados ou mestrandos por Euro gasto nas universidades públicas. Só pelo aumento da eficiência e maiores taxas de frequência conseguiremos vencer a batalha do défice educacional que continua a afetar o nosso País. É prioritário para melhorar o sistema de ensino obrigatório é prover mais meios pedagógicos para os jovens com dificuldades ou que se atrasam no ensino.

Ou seja, faltam Planos Estratégicos para as grandes áreas de intervenção do Estado. Não existe um Plano Estratégico a longo prazo para os Transportes, para a Saúde ou Educação. Formulado com as técnicas mais modernas de engenharia, e economia, com a metodologia do value for money ou de benefícios e custos sociais. Perderam-se estas técnicas de planeamento desde os anos 1980, que além disso são fundamentais para priorizar os investimentos e assim obter o maior impacto económico e social por euro gasto.

O sector da Saúde é um dos mais problemáticos para o Governo

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Sustentabilidade do financiamento da dívida pública

Como se tem financiado o Estado nos últimos anos? Esta é uma pergunta que não se tem posto, mas dela depende em grande parte a sustentabilidade da dívida. É um facto que os juros da dívida pública se têm reduzido para níveis dificilmente compatíveis com o seu volume e com o contexto macroeconómico europeu. Como sabemos esta redução é devida ao chamado Quantitative Easing do BCE, ou seja, aos excessos de liquidez que aquele tem injetado no mercado desde 2011. Mas a explicação é insuficiente, pois requer uma análise dos tomadores da dívida: qual é a procura de títulos do Estado que tem equilibrado o mercado a taxas próximas de zero para as novas emissões?

Da dívida total, de cerca de 247 mil milhões em setembro de 2019, 118 estavam em mãos oficiais (Quadro 1). Apenas 23,5% do total se podiam considerar como negociáveis no mercado. Pode, pois, afirmar-se que o mercado da dívida portuguesa é bastante estreito, podendo estar sujeito a fortes oscilações. O Quadro 1 revela ainda uma saída em massa dos investidores estrangeiros entre dezembro de 2015 e março de 2017, que revelou a quebra de confiança daqueles investidores, situação que se inverteu nos dois últimos anos. Mesmo assim, estamos ainda longe da situação de pré-crise em que aquele grupo de investidores detinham mais de 60% do total da dívida, contra 17% atualmente.

A outra informação importante é a intervenção do BCE e Banco de Portugal na compra de dívida. A percentagem do stock da dívida nas suas carteiras subiu de 13% do total em dezembro de 2014 para 26% em dezembro de 2016, tendo estabilizado em 27% no último ano. Em particular, a carteira do Banco de Portugal subiu de 20 mil milhões em dezembro de 2015 para 52 mil milhões em setembro de 2019. O acréscimo da carteira do Banco de Portugal, no montante de 31,5 mil milhões, mais do que cobriu o acréscimo da dívida que foi de 26 mil milhões. Esta é uma situação perversa, pois o Banco de Portugal compra títulos da dívida do Estado, pela qual recebe juros, e depois devolve esses rendimentos sob a forma de dividendos ao Tesouro.

Não há dúvida que o aumento da posição dos investidores internacionais em cerca de 7 pontos percentuais da dívida total entre dezembro de 2017 e setembro de 2019 mostra uma subida da confiança destes nestes títulos, e que a subida dos ratings e compressão do diferencial das taxas de juro de Portugal em relação à Alemanha são sinais positivos. A média de 6 meses deste diferencial (medido pelos títulos a 10 anos) baixou no último ano de 49% para 78 pontos-base, comparado com 75 pontos-base para a Espanha. Esta compressão tem paralelo em todos os países do Euro que estiveram em crise, até para a Grécia aquela redução foi de 43% para 230 pontos-base. Mas esta situação tem de ser qualificada com a estreiteza do mercado e a intervenção maciça dos bancos centrais.

Conclusões

Estará a Política Orçamental a cumprir, de forma eficiente, os objetivos que tem numa economia moderna desenvolvida? A função de estabilização tem sido atingida, com o desvio acima indicado mas, como a economia tem estado desde 2014 em fase ascendente, ainda não foi testada ao longo do ciclo. É evidente que a função redistributiva tem sido a elevada prioridade deste governo e do anterior, que se encontra entre as mais redistributivas da EU, embora a eficiência para combater a exclusão e pobreza necessitem de ser bastante aperfeiçoadas. As maiores falhas encontram-se na função de contribuição para o crescimento económico e na incentivação da poupança, investimento e inovação, bem assim como na eficiência da despesa pública, para além do elevado esforço fiscal.

As Contas Públicas Portuguesas continuam a registar um elevado grau de fragilidade. Bastaria que as despesas de capital regressassem aos níveis de longo prazo, o que é essencial para o crescimento económico, e as taxas de juro do BCE de zero a 1%, para que o défice orçamental atingisse os 3% do PIB.

Também se conclui que as Contas Públicas Portuguesas continuam a registar um elevado grau de fragilidade. Bastaria que as despesas de capital regressassem aos níveis de longo prazo, o que é essencial para o crescimento económico, e as taxas de juro do BCE de zero a 1%, para que o défice orçamental atingisse os 3% do PIB. E mesmo continuando o PIB acima do PIB potencial, como é a situação presente. E o que é mais preocupante é que estas hipóteses não se referem a choques sobre a economia, mas referem-se pura e simplesmente ao retorno à evolução normal e esperada da economia!
O problema é que não houve nenhuma reforma estrutural das Finanças Públicas, e os grandes desafios permanecem. A carga fiscal bate recordes, e para além das distorções e desincentivos, limita o crescimento económico. O emprego público deve atingir em 2021 os níveis de pré-crise, e restabelecendo-se as progressões nas carreiras, promoções e revisões, para além da subida dos salários pelo menos igual à inflação, leva a que esta componente suba acima do PIB nominal, tal como se verificava nas décadas anteriores. As políticas sociais redistributivas (do anterior e do atual governo) irão contribuir para aumento do peso das despesas primárias correntes, uma vez que se esgotou a redução dos subsídios de desemprego.

Só há duas políticas, que permitiriam escapar a este cenário. Políticas de relançamento da produtividade e crescimento que façam subir a taxa de crescimento do PIB potencial para próximo dos 3%, e políticas que levem a um crescimento vigoroso e sustentado da eficiência do setor público. Nenhuma aparenta estar no horizonte das políticas públicas.

Professor Universitário de Economia. Doutorado pela Universidade de Pennsylvania, EUA. Foi economista sénior do Banco Mundial e administrador do Banco de Portugal. Presidiu à Autoridade da Concorrência.

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