Reportagem em New Bedford, Massachusetts, nos EUA
À primeira vista, Carlos Rafael é uma espécie de Donald Trump de New Bedford. Vestido com calças de ganga e uma camisola polar cinzenta e com o auricular do telemóvel sempre na orelha direita, este milionário do setor das pescas fala a um volume próprio de uma desgarrada. Sobrepondo-se ao barulho das gaivotas que ainda resistem aos 10 graus e ao vento que aqui faz, a sua voz espalha-se pelo porto desta cidade costeira do estado do Massachusetts onde há uma forte presença de portugueses, a maior parte vindos dos Açores. Como este homem que, de cigarro na mão, comenta política. De palavrão em palavrão, diz tudo o que lhe ocorre. “Eu sou como o Donald Trump, digo tudo o que me vem à cabeça”, avisa. “Por isso é que às vezes estou a falar e quando dou por mim parece que estou num ringue de boxe.”
“Eles que se fodam!”, frase que repete amiúde tanto em português ou em inglês, parece ser o seu lema.
“Eles” são os democratas e em particular Hillary Clinton. “Aquela mulher quer que os mais ricos paguem a sua quota-parte de impostos. Eu pago 49% de impostos e ela ainda acha que é pouco?”, diz, agitando as mãos calejadas. “Quem é que tem tesão de trabalhar assim?”, pergunta, para depois abrir muito os olhos e encolher os ombros. Que é como quem diz “ninguém”. Por essas e por outras, garante, vai votar em Donald Trump — e não admite que na sua casa haja quem vote em Hillary Clinton. “A minha mulher disse que está a pensar votar nela. Eu disse-lhe logo: ‘Eu parto-te a mão!’”, diz, com uma gargalhada que usa como salvaguarda para dizer que está “apenas” a brincar. “Então eu ando aqui a dar o litro e ela vai votar numa gaja que nos quer tirar tudo? Quando for para ir votar, eu vou para a cabine de voto com ela, quero ver como é.”
“Eu gosto da filosofia do Trump. Mesmo que ele seja um bocado fucked up. Isto é como fazer negócios: eu posso não gostar do filho de puta, mas eu faço negócios com ele desde que ele pague. A Hillary Clinton é uma mentirosa. Por isso, eu prefiro arriscar e votar nele”, resume, para explicar o seu voto.
O Codfather, ou o Padrinho do Bacalhau
Carlos Rafael emigrou da pequena ilha do Corvo em 1968 e foi para New Bedford. Tinha 15 anos. Os pais atravessaram o oceano Atlântico para trabalhar numa fábrica de peixe e o filho juntou-se a eles pouco depois. Carlos Rafael começou por baixo: a descarregar peixe dos barcos. Depois foi aprender a cortar peixe para ganhar o triplo. Os patrões repararam no seu trabalho, rápido e eficaz, e convidaram-no para ser gerente da secção de filetagem. Carlos Rafael aceitou, mas só lá ficou 10 meses. “A partir daqui quero trabalhar pela minha própria conta”, disse aos seus superiores. Começou um negócio com um “filha de puta de um italiano e outro português” que lhe passaram a perna e fugiram com dinheiro e camiões, que mais tarde conseguiu recuperar. “Fiquei liso. Só tinha 27 cêntimos no bolso”, recorda. Nessa altura, um português de Ílhavo emprestou-lhe 5 mil dólares. Era março de 1980. Desde essa altura, criou um negócio que atualmente conta com mais de 40 embarcações e dá emprego a quase 300 pessoas. Ao Observador, diz que o seu volume de negócios chega aos 40 milhões de dólares.
Mas, à segunda vista, Carlos Rafael deixa de ser um milionário desbocado, como Donald Trump, e começa a ganhar outros contornos. Ou seja, aqueles que lhe valeram a alcunha de Codfather — um trocadilho entre Godfather (Padrinho, como o filme) e Cod (bacalhau em inglês). Isto porque Carlos Rafael não chegou onde está sem tropeções nem transgressões. Em 1988, esteve preso quase cinco meses por ter fugido aos impostos. Em 1994, foi acusado pelas autoridades de ter violado a lei da concorrência por ter combinado os preços de venda do peixe com outros dois empresários. Acabou por ser considerado inocente. No final do julgamento, disse a um dos procuradores: “Tu és um fucking asshole, tu e os outros fucking motherfuckers. Por isso, vai-te foder, motherfucker. Lê os meus lábios: vai-te foder”. Depois disso, chegou a ser condenado a dois anos de pena suspensa por prestar falso testemunho; foi multado em 52 mil dólares por ter propositadamente afundado um navio em mau estado numa zona que ele já sabia que ia ser limpa pelas autoridades; teve outra coima de 46 mil dólares depois de um trabalhador ter morrido a bordo de um dos seus barcos por excesso de monóxido de carbono.
Ainda assim, o maior encontro de Carlos Rafael com a justiça norte-americana ainda está para vir. Em 26 de fevereiro deste ano, foi detido e mais tarde acusado de um total de 27 crimes, incluindo conspiração, violação das quotas pesqueiras e fuga ao fisco. De acordo com a acusação, Carlos Rafael pescou entre 2012 e o início deste ano 37 mil toneladas de espécies protegidas ao mesmo tempo que as declarava como sendo de peixes que têm quotas pouco apertadas. Depois, com uma empresa em nome da sua mulher, Conceição, comprava a mercadoria que mais tarde era vendida a preços avultados a um comprador de Nova Iorque. Além disso, o português milionário terá enviado mais de meio de milhão de euros em malas para Portugal, através do aeroporto de Boston. Para isso, contou com a ajuda de um xerife local, também ele de ascendência portuguesa, que foi igualmente constituído arguido no caso. A detenção foi feita depois de dois agentes do IRS se disfarçarem de mafiosos russos interessados em comprar o negócio de Carlos Rafael, que, por achar que estava perante dois criminosos, ter-se-á sentido à vontade para falar.
O julgamento está agendado para 19 de janeiro. “Mas a gente está a tentar chegar a um acordo”, diz o empresário ao Observador, escusando comentar mais o caso até ele estar fechado.
Carlos Rafael esteve detido entre 26 de fevereiro e 3 de março. Por isso, não pôde votar nas eleições primárias do Partido Republicano, a 1 de março. “Não tive tempo”, diz a rir. Nessa altura, ainda não tinha as certezas que hoje tem em relação a Donald Trump — preferia o texano Ted Cruz, que descreve com um “one smart motherfucker”. Porém, já tinha a certeza de que não gostava de Hillary Clinton.
“Eu sempre quis que ela fosse ao fundo”
“Ela acha que está acima da lei, nada a afeta, pode fazer tudo o que quer e entende”, diz, referindo-se ao caso dos emails, em que muitos acusam Hillary Clinton de ter colocado a segurança nacional em causa quando usou uma conta alojada num servidor privado quando era Secretária de Estado. Na véspera da conversa com o Observador, o diretor do FBI, James Comey, revelou que tinham sido encontrados emails num computador usado por Huma Abedin, uma das pessoas mais próximas de Hillary Clinton. Segundo James Comey, os emails trocados podem ser “pertinentes” para a investigação. Feito a apenas 11 dias das eleições, o aviso deixou a campanha de Hillary Clinton em pânico— sobretudo depois de o assunto parecer arrumado desde julho deste ano, quando James Comey recomendou que o caso fosse arquivado.
Há muito tempo que uma notícia não deixava Carlos Rafael tão contente. “Eu sempre quis que ela fosse ao fundo, que ela fosse presa e a gente nunca mais a visse”, explicou. “Agora, isso parece estar mais perto do que nunca.”
Sobre Donald Trump, Carlos Rafael diz que o único defeito é “a boca dele”. “Mas eu também sou assim, por isso não posso falar muito”, adianta. Ainda assim, confia nele. “Ele não é suicida, ele não é louco, porra”, diz. “Se o homem chegou onde chegou como empresário, de certeza que se teve de rodear de gente muito bem qualificada. Um gajo hoje em dia chega a Presidente e tem gente ao lado dele que o ajuda em tudo. Não é o Presidente que manda no carago do país.”
Um dos temas mais sensíveis destas eleições entre a comunidade portuguesa que vive em New Bedford é o da imigração. Ao viver numa comunidade onde cerca de um terço das pessoas são de origem portuguesa, em que muitas delas foram criadas a falar português em casa e a festejar o 10 de junho como os americanos celebram o 4 de julho, muito dificilmente dá para esquecer que, um dia, também eles chegaram a este país em busca de trabalho.
Talvez por isso, Carlos Rafael parece ter uma posição relativamente à imigração mais moderada do que Donald Trump, que recentemente tem repetido que quer numa primeira fase deportar os imigrantes ilegais que tenham cadastro criminal e numa fase posterior expulsar todos os que não têm documentos para viver e trabalhar nos EUA. Ao todo, são cerca de 12 millhões de pessoas. “Os criminosos têm de ser postos a andar daqui para fora, porque essa gente não faz falta a ninguém”, começa por dizer. Mas faz uma ressalva: “Tem de haver imigrantes neste país, porque foram os imigrantes que construíram a porra deste país. Portanto, quem já cá está deve poder ficar, mesmo que seja sem a cidadania”.
Ou seja, Carlos Rafael tem a mesma opinião do que Hillary. “Até pode ser, mas o que ela diz é só música.”
Jacarés para os mexicanos, uma mira na testa para Hillary Clinton
Paul Hipolito não concorda. Sentado numa das cadeiras do seu bar-restaurante, o Blue Lantern, este homem de 58 anos que é neto de um imigrante açoriano conta o seu plano anti-imigração, enquanto o barbecue que prepara lá fora — uma especialidade de todos os sábados, all you can eat por 12 dólares — não está pronto. Por “plano” entenda-se “piada”. Mas Paul não se ri muito quando o explica.
“Conhece o estado do Louisiana?”, diz, referindo-se ao vizinho que fica a leste do Texas e é conhecido pela cidade de Nova Orleães. “Bom, o Louisiana é abaixo do nível do mar. Por isso é que ficou completamente debaixo de água no furação Katrina [em 2005]. Então, a minha ideia é a gente cavar uma trincheira desde a Califórnia até ao Lousiana, pegar em toda a terra levantada e levá-la até ao Louisiana, para conseguirmos isolar aquilo. Depois, é deixar as águas do Louisiana entrarem para a trincheira. Como se sabe, aquele estado tem muito jacarés, que desta maneira iam para as águas que iam ficar entre o México e os EUA.” Paul Hipolito abre os olhos, abana a cabeça em sinal de aprovação. “Depois quero ver como é que eles vêm para os EUA.”
Paul Hipolito não gosta nada de Hillary Clinton. Um pouco por todo o bar, podem ser lidas mensagens irónicas, muitas delas a desafiar o humor politicamente correto. “Não deite beatas para o chão, as baratas estão a morrer de cancro”, é um deles. “Bebe a tua cerveja até ao fim. Há meninos sóbrios na Índia”, lê-se noutro. Porém, há uma imagem que se destaca mais do que qualquer outra. Mesmo por cima do balcão, está uma fotografia de Hillary Clinton. No meio da testa, num truque de photoshop de alguém que claramente não estava preocupado em executá-lo de forma sofisticada, está uma mira.
“Eu não suporto aquela mulher. Quem não quiser lidar com isso, pode sair”, diz, perante a hipótese de alguns dos seus clientes — a maior parte pessoas da terra, mas também alguns motoqueiros — não gostar do que ali vê. “Não é que eu a queira morta, atenção. Isto é só uma piada”, sublinha. “Foi um cliente que trouxe esta fotografia dela noutro dia e que me perguntou se eu a queria pendurar. Eu achei piada e disse que sim.” Entretanto, a candidata do Partido Democrata ganhou vizinhança: uma caveira verde fluorescente com um boné com as letras “TRUMP” bordadas a dourado. Não muito longe, uma das várias televisões do bar está sintonizada na Fox News, que está em direto da casa de Phil Robertson, caçador e estrela do reality-show Duck Dynasty.
“É certo como tudo que nunca vou votar naquela mulher, eu não quero ter mais quatro anos de Obama”, diz bem alto. Desde que o atual Presidente tomou posse, em 2009, acredita que o país nunca mais foi o mesmo. “Perdemos as nossas liberdades, tão simples quanto isso”, resume. O exemplo mais forte para ele é o do sistema de saúde que ficou conhecido como Obamacare. Se por um lado este programa permitiu que mais gente tivesse acesso a um seguro de saúde, também é verdade que os preços de alguns seguros aumentaram e passou a haver a obrigatoriedade de ter um plano. Quem não o tiver, recebe um multa do Governo. Paul Hipolito ainda está à espera que venham bater-lhe à porta.
Agora que está reformado, teria de pagar 650 dólares mensais para ter o mesmo seguro de saúde que tinha quando era maquinista. Mas não gastou nem um cêntimo desde então. E não é porque não os tem: é por princípio. “Não é o Governo que me vai dizer o que é que eu devo comprar ou não, não são eles que me vão obrigar a comprar uma coisa de que eu não preciso”, responde. Feitas as contas de cabeça, Paul Hipolito diz que se andasse a pagar um seguro desde que se reformou já teria “deitado fora” mais de 18 mil euros. E se tiver de ir ao médico, o que faz? “Vou lá. E se tiver de pagar 10 mil dólares, então pago. Ao menos fico a saber que poupei 8 mil dólares.”
“A Hillary Clinton está muito mais próxima dos nossos valores”
Na comunidade portuguesa de New Bedford não há só apoiantes de Donald Trump. Segundo Paulo Santos, assistente de bordo de 40 anos que veio de São Miguel para os EUA com seis anos, a maioria dos imigrantes portugueses está do lado de Hillary Clinton. “Ela está muito mais próxima dos nossos valores”, diz, sentado a uma mesa do Portuguese Sports Club, do qual é tesoureiro. “Ela sabe que os mais ricos deste país têm de ajudar os mais pobres, que é assim que se constrói uma sociedade mais justa”, garante. “Eu vou votar nela de certeza.” Até porque do outro lado está Donald Trump. “Ele é um homem de negócios que andou a usar as leis para não pagar impostos, ele já foi à bancarrota não sei quantas vezes… E está sempre a dizer que não paga às pessoas se elas não fizeram exatamente o que ele quer. Então não vai pagar pelo trabalho das pessoas?”, pergunta, com ar escandalizado. “É um caloteiro!”
Mas a lista de razões para Paulo Santos não votar em Donald Trump não fica por aqui. “Ele quer tirar o direito às mulheres de abortarem, o que para mim é grave. Ninguém pode dizer a uma mulher o que pode ou não fazer com o seu corpo”, diz. “Ele também quer tirar os direitos à comunidade LGBT, quer mandar os imigrantes ilegais todos para fora do país sem distinção…”, vai dizendo, enquanto puxa pela cabeça para se lembrar da sua lista de “defeitos de Donald Trump”. Até que se lembra da gravação de 2005 em que o candidato republicano se gabava de tocar nas partes íntimas de mulheres e de beijá-las sem consentimento. “Se eu tivesse uma filha e aquele homem fosse Presidente, nem sabia o que fazer à minha vida.”
Ora, Milena Rodrigues tem duas filhas e garante que a gravação polémica de Donald Trump não a afetou. “Nem um pouco”, garante esta mulher que nasceu em New Bedford, depois de os pais terem emigrado da Figueira da Foz. “Há muitos homens assim, falam assim a toda a hora entre eles. O meu marido jogou futebol a vida toda e eu perguntei-lhe se havia gente a falar assim no balneário e noutros sítios. Ele disse que sim”, explica. “Eu sei que o meu marido não fala assim, atenção, ele não é desses. Mas os homens falam assim e não há muito que a gente possa fazer para mudar isso.”
Milena Rodrigues está indecisa. Na altura das eleições primárias, gostava de Donald Trump. “Ele diz as coisas como elas são, o que é sempre bom. E ao princípio também dava valor ao facto de ele ser um empresário, porque é uma pessoa que sabe de negócios. Não é um político e às vezes é preciso uma pessoa de fora para arranjar as coisas”, explica, recordando o que sentia na altura. Mas, com o avançar do tempo e com o acumular de controvérsias em torno de Donald Trump, acabou por mudar de ideias em relação ao candidato republicano. “Percebi que ele não é presidenciável. É impossível ver aquele homem a conseguir o respeito dos outros países do mundo, da maneira como ele é.”
Agora, diz que está mais inclinada para votar em Hillary Clinton. Gostava muito de ter uma mulher como Presidente dos EUA. “Só é pena que esta seja mentirosa”, diz, a rir. “Mas também é a mais qualificada para o cargo.” Na sua casa, costuma ter trocas de ideias com o marido, também ele português, que é um apoiante “ferrenho” de Donald Trump. “Ele é maluco pelo Donald Trump, é completamente a favor dele”, explica. “Ele é que percebe mais destas coisas de política”, adianta. “Vai seguindo a política toda, presta atenção àquilo tudo… Eu tenho pouca paciência para esta confusão toda.”
Neste momento, Milena Rodrigues está totalmente concentrada na edição de um livro de receitas portuguesas inspirado no seu blogue, “For The Love Of Portuguese Cooking”, que no Facebook tem mais de 35 mil seguidores. Um dos maiores desafios foi pegar nas medidas das receitas originais, que estão em gramas e em litros, e transferir tudo para as métricas americanas. “Deu muito trabalho, mas acho que valeu a pena”, diz. Neste momento, o livro está em fase de edição e deverá ser publicado algures em janeiro. Ou seja, não muito longe da tomada de posse de Hillary Clinton ou de Donald Trump.
Seja lá qual for o próximo a entrar pela porta da frente da Casa Branca, certamente não o fará com o voto de José Anastácio, mecânico e soldador e um dos quase 300 funcionários de Carlos Rafael, o Codfather. Aos 55 anos, este imigrante da Gafanha da Nazaré só votou duas vezes. Já não se lembra bem das datas — sabe apenas que foi em Portugal. “Votei no PSD numas eleições quaisquer para primeiro-ministro e depois quando foram as eleições para a junta votei no gajo do PCP porque achava que era a melhor pessoa para a terra”, recorda.
Nos 28 anos de vida que já leva nos EUA, nunca sentiu a necessidade de se registar para poder votar. “A gente vem para aqui para trabalhar, nem sobra tempo para além disso”, diz. Durante a semana, trabalha das 7h00 às 18h00, com uma hora de almoço. Aos sábados, a carga alivia mas ainda se faz sentir: entra às 7h00 mas sai às 14h00. Ao domingo, está livre para descansar, mas geralmente passa o dia em biscates. E garante que as coisas até têm estado mais calmas nos últimos tempos. “Antigamente fiz muitas semanas de 100 horas, era sem parar.”
“A minha política é o trabalho”
No meio disto tudo, sobra-lhe pouco tempo para seguir a situação política nos EUA. Ainda assim, só tem coisas más a dizer sobre Donald Trump. A palavra que mais usa é mesmo “vergonhoso”. “É incrível ver um gajo que quer ser Presidente dos EUA a atacar as mulheres daquela maneira, é vergonhoso”, diz. “E também é vergonhoso a maneira como ele quer tratar os imigrantes. Ele sabe lá o que é ser imigrante! As pessoas vêm para cá porque estão a passar mal, têm fome, querem vidas melhores. Não vêm para cá para matar e para estragar a vida aos outros, vêm para fazer a vida deles em paz.”
Sobre Hillary Clinton, diz que é uma “boa mulher”. “Falam dos emails dela, mas eu sinceramente não quero saber disso para nada”, atalha.
Seja como for, votar nestas eleições está fora de questão, mesmo que demonstre uma preferência clara por um dos lados. Muito mais do que tecer comentários sobre política, José Anastácio gosta mesmo é de falar de música. O sonho de ser músico ficou para trás quando tentou concorrer à banda da Marinha quando ainda estava em Portugal. “Não deu, pronto, não deu.” Conformou-se e veio para os EUA, depois de num verão ter conhecido uma portuguesa que voltou de New Bedford à Gafanha da Nazaré pelas férias. “Eu engatei-a a ela, ela engatou-me a mim e, pronto, cá estamos.”
Têm três filhos. Só um deles, que sofre de autismo, ainda está em casa. “Vivo uma vida boa”, garante. Os outros dois filhos foram à universidade e estão a trabalhar, é dono de cinco carros (um deles em Portugal), de uma casa em New Bedford e de outra na Gafanha da Nazaré. Mas é quando fala do seu regresso à música que mais se ouve o orgulho na voz. “Comprei duas guitarras como deve ser, umas Fender Stratocaster feitas à medida”, diz. “E depois mandei vir um amplificador da Alemanha.”
À noite, quando a mulher e o filho já estão a dormir, passa algum tempo a dedilhar a guitarra. Para não acordar ninguém, desliga o amplificador e toca a guitarra em acústico. “Não sou um grande guitarrista, mas ainda dou uns toques”, garante. A maior parte das vezes, tenta tocar as músicas da sua banda preferida, os The Shadows, formação britânica dos anos 1950.
“Não conhece?”, pergunta, para depois dizer um americaníssimo “eles são awesome“. E, numa guinada, volta à política: “Não tenho pachorra para aquilo, nem percebo nada”. E termina com um portuguesíssimo “a minha política é o trabalho”.