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Denis Doyle

Denis Doyle

O que pode fazer 'Podemos'?

Depois de ter ficado em quarto lugar nas europeias de maio de 2014, o novo movimento espanhol Podemos terá de responder à pergunta que todos fazem. Poderá repetir a proeza nas eleições de 2015?

“Freaks”. Foi assim que Pedro Arriola, o principal assessor do primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy, se referiu ao grupo Podemos, a formação política que nas eleições para o Parlamento Europeu do dia 25 de maio conseguiu 1,2 milhões de votos, elegeu cinco deputados e se tornou na quarta força política em Espanha. Em Madrid, ficou em terceiro lugar, só atrás do PP e do PSOE.

Nas horas e nos dias seguintes a serem conhecidos os resultados da noite eleitoral, tal como Arriola, outros políticos, jornalistas e comentadores tentaram reagir ao terramoto provocado pelo recém-criado grupo – o registo oficial do Podemos foi feito no dia 11 de março de 2014 -, que rejeita a designação de partido e não quer ser conotado com a direita nem com a esquerda. “O que é o Podemos?”, “O que querem eles?”, “Poderá Podemos?”, “Como chegaram até aqui?”, “Quem votou neles?”, “Quais foram os partidos que prejudicou?”.

Mas no discurso da noite de 25 de maio, Pablo Iglesias, um cientista político de 35 anos com um longo cabelo castanho apanhado num rabo de cavalo e uma camisa branca larga de mangas arregaçadas (cujo nome homenageia o fundador do socialismo espanhol), não mostrava grande surpresa. Era possível ouvir a serenidade na sua voz quando apelou à “calma” e à continuação da “luta”, uma vez que os bons resultados não tinham sido suficientes. Não para o seu objetivo: ultrapassar o PP e PSOE.

As explicações para o que aconteceu nas eleições europeias remontam ao dia 15 de maio de 2011, data do início dos protestos do movimento dos Indignados, que se iniciaram com um acampamento na Porta do Sol, em Madrid, acabando por se estender a toda a Espanha, com os manifestantes a gritarem contra o bipartidarismo do PPSOE (junção das siglas dos dois principais partidos), o domínio dos bancos e das empresas e a pedirem uma democracia mais participativa.

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Em 2010, Pablo Iglesias começou a participar nos programas de televisão “La Tuerka” e “Fort Apache”, que contam com a colaboração de professores e alunos da Faculdade de Ciência Política da Universidade Complutense de Madrid (UCM) e são difundidos através da internet.

AFP/Getty Images

Nesses debates, Iglesias e Juan Carlos Monedero, também professor de Ciência Política na UCM, teceram duras críticas às políticas de austeridade e à troika, à corrupção e às fraudes bancárias que se espalharam nos jornais espanhóis. E gritaram contra a desigualdade social e a crise do mercado imobiliário. As opiniões radicais de Iglesias e a sua figura – veste normalmente camisas axadrezadas e coletes e fala num tom de voz calmo, sem perder a compostura e sem atacar os adversários – chamou a atenção de alguns diretores de programas de televisão, que viram nele um contraponto ao estilo habitual das tertúlias e dos debates políticos televisivos, nos quais o cientista político começou a participar.

Podemos aproveitou o terreno preparado pelo 15-M e a “sensação de que não havia expressão” desse movimento de indignação “no âmbito da política eleitoral”, disse ao Observador Carolina Bescansa Hernandez, professora de Ciência Política na UCM e uma das fundadores da nova formação política.

Mas aproveitou também o mediatismo que Iglesias ganhou com as suas participações televisivas. José Manuel Ruano, professor na Faculdade de Ciência Política da UCM, pensa que Podemos beneficiou da “campanha gratuita e mediática” proporcionada pelos “programas de política-espetáculo onde participa Pablo Iglesias”.

Ruano chega a dizer que há elementos de ligação com o sucesso eleitoral de Marinho e Pinto nas eleições europeias devido à presença televisiva de ambos.

Foi no meio académico da Complutense, uma universidade muito politizada e tradicionalmente associada à esquerda, que nasceu o Podemos. A partir da ideia de um grupo de professores ligados aos movimentos sociais e com treino em marketing e comunicação política. Em janeiro de 2014, Pablo Iglesias e Juan Carlos Monedero apresentaram o movimento, juntamente com outras figuras do mundo intelectual, da cultura, do jornalismo e do ativismo político.

Para poder concorrer às eleições europeias, o movimento precisava de 50 mil assinaturas, conseguindo esse número em menos de 24 horas, segundo Carolina Bescansa Hernandez. A lista do movimento foi escolhida através de primárias, abertas a não militantes – como aconteceu em Portugal com o Livre, cuja figura mais conhecida é Rui Tavares, colunista do Público. Segundo os organizadores, 33 mil pessoas participaram nessa eleição.

Antes do ato eleitoral, o grupo organizou-se em cerca de 400 círculos, formados nos bairros ou em locais como as associações de estudantes. A campanha do Podemos para as europeias fez-se através de uma forte presença nas redes sociais e de slogans apelativos como “Quando foi a última vez que votaste com tanto entusiasmo?”. O próprio nome corresponde à tradução do slogan da campanha de Obama em 2008 – “Yes, we can!”. Nos boletins de voto, o rosto de Pablo Iglesias foi o símbolo escolhido para identificar o movimento.

Da esquerda para a direita, os cinco eurodeputados de Podemos: Lola Sánchez, Carlos Jiménez Villarejo, Pablo Iglesias, Teresa Rodríguez e Pablo Echenique

AFP/Getty Images

Ruben Herrero, professor de Relações Internacionais na UCM, é um dos tertulianos no programa “Fort Apache”, onde Iglesias o apresenta como “o enfant terrible do tchatcherismo espanhol”. Herrero pensa que a campanha eleitoral de Podemos “é digna de ser explicada na universidade” e devia ser imitada “pelos liberais e conservadores”, com que ele próprio, próximo do PP, se identifica. O professor de Relações Internacionais, que vai participar num livro editado por Pablo Iglesias que pretende analisar a série televisiva Game of Thrones a partir de elementos da Ciência Política, diz ter “grande respeito intelectual” por Iglesias, apesar de ser seu “inimigo absoluto” em termos políticos. “As opiniões políticas dele parecem-me horrorosas”, diz.

Um programa político possível ou populista?

Segundo José Manuel Ruano, aos elementos da política espetáculo, Podemos junta “receitas do populismo de esquerda”, que se traduzem num “distanciamento da classe política” – a que o movimento chama de “casta” – e numa auto-apresentação que relaciona o grupo com “a voz do povo”.

Ao Observador, Jorge Verstrynge, um cientista político que foi professor de Pablo Iglesias – que considera o seu “melhor aluno” -, desvaloriza o adjetivo. “Em Ciência Política, populismo significa desejar uma democracia mais profunda, onde o povo é consultado. A palavra populismo já foi usada tantas vezes sem sentido que acusar um partido de ser populista não significa nada. Se por populismo se entender o máximo poder para o povo, então eu sou populista”.

Ruano pensa que Podemos é populista porque propõe "receitas fáceis para problemas complexos", que “dizem às pessoas o que elas querem ouvir”.

No programa político, disponível na página web deste movimento, os promotores defendem “o protagonismo popular e cidadão” e propõem, entre outras coisas, uma auditoria cidadã à dívida, a criação de uma “Agência Pública Europeia de Rating”, a “recuperação do controlo público de setores estratégicos da economia” como as telecomunicações, a energia, os transportes e a educação, por exemplo e de um rendimento mínimo atribuído a todos os cidadãos “pela simples razão de o serem”, de forma a “possibilitar-lhes um nível de vida digno”. Muitas delas são ideias que circulam pela Europa, também por Portugal, sobretudo como resposta à crise das dívidas soberanas.

No plano internacional, querem a revogação do Tratado de Lisboa, para que “os serviços públicos não estejam submetidos ao princípio da concorrência e não possam ser mercantilizados”, e defendem a suspensão do Tratado de Livre Comércio entre os EUA e a UE e a revisão dos Tratados de Livre Comércio com a América Latina. Querem, portanto, um mundo mais fechado.

Quando os jornalistas questionam o seu programa político, Pablo Iglesias e outros elementos do movimento respondem geralmente com a designação escolhida para a formação política. “Temos o nome Podemos porque todos os outros dizem que não se pode”, disse Iglesias ao El País em junho.

Jorge Verstrynge diz que “nunca se pode cumprir todo o programa de um partido político”, mas que ainda assim Podemos representa “uma mudança profunda de tendência”. Porquê? Por “devolver a palavra ao povo”.

Quem votou?

Uma das grandes questões colocadas com a ascensão deste movimento é precisamente a de saber se este movimento representa um momento de viragem ou se a sua vida se esgotou nas eleições europeias, tratando-se de um partido “flash”, que deslumbra no início, mas desaparece rapidamente, sem conseguir reunir uma base de apoio alargada.

No início de junho, o El País publicou uma sondagem que permitiu perceber quem votou no movimento. Aqueles que pensavam que se tratava de um voto essencialmente jovem terão ficado chocados quando perceberam que 66% dos eleitores de Podemos tem mais de 35 anos.

Há mais dados: metade dos 1,2 milhões de pessoas que votaram no grupo de Pablo Iglesias tem um emprego, a outra metade não; 21% apresenta formação superior. Segundo o El País, estes dados deitam por terra a caracterização habitualmente feita da base social de Podemos como sendo maioritariamente precária em termos laborais e afasta a ideia de que todos os simpatizantes serão freaks.

A matéria dará para várias e diferentes análises nos próximos meses. No ano de 2015, os espanhóis terão eleições autónomas e locais, em maio, e eleições legislativas no outono. Prevê-se que Podemos se saia bem nas primeiras, mas há mais dúvidas quanto às segundas. Ruben Herrero acredita que Podemos poderá tornar-se na segunda ou na terceira força política no Parlamento espanhol. José Manuel Ruano pensa que será difícil ao movimento conquistar um forte resultado nas eleições legislativas onde o nível de abstenção não é tão elevado como nas eleições europeias e também porque está convencido que o voto no Podemos prejudicou mais a Esquerda Unida (EU) do que o PSOE.

Segundo a mesma sondagem do El País, 56% dos eleitores de Podemos terá votado ou na EU ou no PSOE nas legislativas de 2011. 30% diz ter votado em Rubalcaba.

Nas últimas semanas, a imprensa espanhola tem escrito sobre alguns problemas dentro do movimento, dando a ideia de que há divergências entre a base e o grupo de Iglesias. Segundo o El País, o modelo do movimento continua por definir. Pablo Iglesias anunciou a intenção de realizar eleições internas através da internet para escolher uma equipa de 25 pessoas que serão responsáveis por elaborar a assembleia fundadora do movimento, onde as estruturas e as formas de funcionamento do Podemos ficarão definidas. Este anúncio gerou polémica porque a eleição seria fechada, sem listas abertas. Perante a indignação, a organização deu seis dias para que fosse apresentada uma lista alternativa.

A lista de Pablo Iglesias conquistou 86,6% dos votos e será ela a coordenar a assembleia constituinte a realizar durante o outono.

Apoios de Chávez?

No dia 17 de junho, o El País escreveu que o Centro de Estudos Políticos e Sociais (CEPS), cujo conselho executivo é liderado pelas três principais figuras de Podemos – Pablo Iglesias, Íñigo Errejón e Luis Alegre – recebeu, desde 2002, 3,7 milhões de euros do Governo de Hugo Chávez.

Segundo o jornal espanhol, as contas do CEPS revelam que Chávez foi o principal cliente da fundação e que a maior parte dos rendimentos desse centro provinham de serviços de assessoria ao antigo presidente venezuelano. Iglesias assegurou que todas as contas de Podemos estão publicadas e que o movimento não recebeu dinheiro de nenhum Governo ou fundação, sendo que todo o financiamento terá sido feito a partir de doações voluntárias de simpatizantes. O El País insiste que a notícia do financiamento não dizia respeito ao movimento, mas sim ao Centro de Estudos Políticos e Sociais.

De facto, alguns membros de Podemos prestaram funções de assessoria em vários países da América Latina, como aconteceu com outros elementos do PSOE ou da Esquerda Unida, escreve o El País.

Jorge Verstrynge conta ao Observador como Juan Carlos Monedero terá dito a Hugo Chávez ser má ideia praticar a “hiper liderança” e como este terá ficado incomodado com o conselho, acabando, mais tarde por lhe dar razão.

O antigo professor de Pablo Iglesias acha que se os elementos de Podemos fizeram assessoria a Governos da América Latina, “não devem ser tontos, mas sim bem formados”. Até porque, continua, “assessorar Chávez não era fácil”.

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