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A espanhola Ana Botella, diretora adjunta do CAM, e o francês Benjamin Weil, o diretor da instituição, fotografados durante a apresentação à imprensa, dias antes da inauguração, que está marcada para 20 de setembro

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A espanhola Ana Botella, diretora adjunta do CAM, e o francês Benjamin Weil, o diretor da instituição, fotografados durante a apresentação à imprensa, dias antes da inauguração, que está marcada para 20 de setembro

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O que querem Benjamin Weil e Ana Botella, diretores do novo Centro de Arte Moderna: "Temos de revolucionar o modelo institucional"

Quais os objetivos do renovado CAM da Gulbenkian? Que política de exposições vai ser seguida? Como será trabalhada a coleção? E os novos artistas? Entrevista com os diretores, antes da inauguração.

A Fundação Gulbenkian tem um novo edifício e uma nova forma de encarar a arte na sua relação com a sociedade. Chama-se na mesma Centro de Arte Moderna (CAM), mas abre dia 21 com intenções diferentes e uma mudança de paradigma em perspetiva. Falámos com a direção da instituição, o francês Benjamin Weil, diretor, e a espanhola Ana Botella, diretora-adjunta, sobre o que aí vem: uma nova voz, muitas encomendas, coproduções, aquisições, mais histórias da arte, mais artes e mais artistas, outros públicos, diferentes relações, experimentação e muitas emoções.

O CAM que agora se apresenta como novo é, ao mesmo tempo, símbolo de uma memória coletiva de um espaço muito importante para a arte contemporânea em Portugal e que veio abanar tudo o que se fazia em Lisboa. Nos anos 80 foi a grande esperança dos artistas portugueses e foi o caminho que seguiram, através das bolsas que a instituição foi concedendo, que no fundo permitiu que o país tivesse outra linguagem em termos artísticos. Como encaram essa herança, talvez pesada?
BENJAMIN WEIL (BW)
Sabemos ambos a responsabilidade que temos. A história não deve ser ignorada. Uma colega nossa aqui na casa disse um dia que o CAM era uma nova instituição com 40 anos de história. E é verdade. Queremos ter uma instituição nova, mas sabemos que há uma história, e valorizamo-la muito também. Mas não é uma história que nos pesa, é antes uma história que nos inspira.

ANA BOTELLA (AB) — Estamos muito conscientes disso. No início do mês, fizemos a visita ao novo espaço com os artistas da coleção e estávamos muito nervosos por isso mesmo. Todos gostaram muito e, de repente, o tema de conversa era o restaurante e todas as histórias que tinham à volta da comida e dos pratos de que mais gostavam. Toda a experiência do CAM conta, todas as lembranças e as memórias contam. Certamente haverá um pequeno período de adaptação. Estamos a honrar toda esta história que nos inspira, mas também estamos cá para introduzir mudanças.

Haverá dois públicos, um o dos artistas, curadores, diretores de museu, que viveram mais intensamente este CAM do passado e que de alguma forma dependeram dele, e o público que quer ver arte e apreciar, desfrutar de uma dinâmica diferente. Como é que os podem conjugar?
BW —
Eu diria que os públicos novos são os públicos do futuro. E isto não significa que não vamos respeitar o público que conhecia o antigo CAM. Foi muito interessante, quando falei com Julião Sarmento [1948-2021], de quem era amigo há bastante tempo, da minha candidatura à direção do CAM, ouvi-lo dizer que eu tinha que ter a consciência que, para os artistas portugueses, o CAM, e especialmente o ACARTE, foram algo extraordinário. “Temos todos memórias desses momentos nos anos 80”, dizia-me ele. Era a oportunidade de se aproximarem de muitas coisas que não chegavam cá. Era como se o mundo tivesse chegado a Lisboa. Para nós é evidente que, entretanto, toda a cena artística também mudou em Portugal. Já não estamos sozinhos a levar isto para a frente. O desafio mais importante agora não é tanto ter uma relação dinâmica com a história, mas sim inventar ou criar um posicionamento que dê continuidade a esta energia que o CAM teve e, ao mesmo tempo, ter outra relevância na Lisboa de hoje.

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Isso com mais ligações a outras instituições e a outras vertentes artísticas do que em 1983?
BW —
 Claro. Sem dúvida. Por exemplo, se quisermos ter um programa de Live Arts, temos que ter em consideração o que está a fazer o Teatro do Bairro, o CCB, a Culturgest, o Iminente, o Alkantara, para citar alguns com quem já colaborámos. Mas, no final, temos que encontrar a nossa voz. E encontrar essa voz inspirados pelas ideias vanguardistas do ACARTE, que valorizamos muito e, ao mesmo tempo, com uma outra voz. Já não estamos sozinhos, há esta riqueza ao nosso lado. Temos que acrescentar algo que seja relevante e que permita ter uma oferta mais rica em Lisboa. A Temporada Japonesa [que decorreu no último ano] foi muito importante. Até agora ainda ninguém tinha feito este trabalho de trazer um grupo de artistas japoneses e de dar a conhecer uma cena artística tão pouco conhecida na Europa. De facto, muitas obras de muitos artistas foram apresentadas pela primeira vez na Europa. Lisboa foi o primeiro local de apresentação de alguns destes artistas japoneses. É esta voz certa que temos que encontrar.

AB — Também existe agora uma camada de artistas de uma nova geração que são muito, muito bons. São artistas que têm vivido muitos anos fora, que estão a voltar, que têm presença numa multitude de territórios. Acho que estes artistas também precisam de ter espaços e plataformas. O CAM vai servir muitos tipos de artistas, uns com todas estas lembranças do passado, outros que não as têm mas que estão desejosos que apareça uma instituição com vontade de fazer estas pontes entre o local onde estão situados e o global. E que estão, desde já, muito entusiasmados. Vamos abrir o leque de artistas e de públicos.

Ana Botella: "O CAM é um elemento dentro de uma paisagem que existe e está a acontecer agora em Lisboa. Se conseguirmos constituir-nos todos juntos, teremos uma força muito maior"

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Estão todos com muitas expectativas. Continua no ar a noção da capacidade que a Gulbenkian enquanto instituição teve sempre para os ajudar. Portugal não tem tido capacidade financeira para comprar, fazer e mostrar a arte dos seus. Quais serão as vossas margens de manobra em termos financeiros?
BW — Sim, isso é verdade.

AB — Mas lá está, já não estamos sozinhos e a responsabilidade não pode continuar a cair em cima da Fundação Gulbenkian da maneira que caía no passado. Já esta semana nos reunimos com todas as instituições de Lisboa que trabalham com artes visuais no âmbito contemporâneo. Somos 14, sensivelmente. Foi uma iniciativa nossa e do CCB. A ideia foi perceber como nos vamos complementar uns aos outros, como criar simbioses, precisamente para desenvolver as potencialidades dos artistas, criar a sua internacionalização, para não continuarmos todos a fazer o mesmo sozinhos, mas sim através de uma rede articulada e com estratégias para servir a cidade e o setor criativo. Acho que a mudança também tem muito a ver com isto: sim a Gulbenkian, sim o CAM, mas o CAM é um elemento dentro de uma paisagem que existe e está a acontecer agora em Lisboa. Se conseguirmos constituir-nos todos juntos, teremos uma força muito maior.

BW — Não só estamos conscientes de um ecossistema que é hoje muito mais rico do que era há 40 anos, como também nos interessa muito, desde há três anos, uma relação muito mais dinâmica com o resto da Fundação Gulbenkian. Coproduzimos projetos com outras unidades orgânicas da fundação, nomeadamente com aquelas que distribuem bolsas. Esta dinâmica de ligação e de conexão existe dentro da Gulbenkian, às vezes até falamos de um Campus Gulbenkian, apesar de não o sermos porque não somos uma Universidade. A ideia do campus surge do facto de haver muitas atividades dentro do mesmo território. Quando apresentámos Révolutions Xenakis [2022] juntámo-nos à Gulbenkian Música, este sábado apresentamos Sons de uma Revolução também coproduzido com a Gulbenkian Música. Estamos a falar com a Gulbenkian Sustentabilidade, com a Gulbenkian Equidade, Gulbenkian Cultura. O objetivo é encontrar maneiras de criar redes para ter mais força e mais capacidade para ajudar os artistas, apoiá-los, apresentar o trabalho deles aqui e dá-los a conhecer lá fora. Essa foi sempre a missão da Fundação, não é novidade, evidentemente.

AB — Esta mudança agora está bem alicerçada na nova relação com a cidade e com o jardim. Agora já não há uma parede, uma separação ou um muro. E isto é muito significativo das novas maneiras de trabalhar e de construir práticas culturais no século XXI.

E há essa leitura. O investimento que a Fundação faz num espaço arquitetónico tem que significar uma aposta renovada na arte. Na apresentação do CAM à Imprensa o presidente António Feijó falava de um CAM que foi pensado como o braço da Gulbenkian que podia mexer na arte contemporânea, uma vez que o Museu estava limitado a uma cronologia e a uma coleção. Como vai atuar o CAM em termos de programação e ao nível da sua Coleção?
BW —
 O CAM foi construído para fazer duas coisas. Ter uma casa permanente para a Coleção era uma delas. Devo dizer, nesse aspeto, que a coleção está sempre a viajar e que há empréstimos feitos por todo o país, talvez tenhamos mais obras emprestadas atualmente do que aqui. Estão no Porto, em Coimbra, noutros espaços de Lisboa, no Centro Pompidou, em Paris. Mas, agora, a Coleção vai ter uma presença nova no edifício. Até ao encerramento do CAM para obras, em 2020, a coleção estava apresentada de forma muito clássica e à maneira de um museu do século XX, com uma cronologia muito estabelecida. É uma coleção incrível que tem que ser encarada como um ativo, mas temos que apresentá-la de outra maneira, temos que encontrar uma forma mais dinâmica e mais contemporânea. Porque não, por exemplo, chamar os artistas, como fizemos agora com Leonor Antunes, a selecionar obras da coleção que os inspiram a eles? Que escolham artistas que foram fonte de inspiração como Leonor Antunes escolheu Ana Hatherly, mas também artistas que estão a trabalhar agora como Grada Kilomba, Rosa Barba, etc. Assim temos uma perspetiva da coleção completamente diferente. Com a seleção feita pelas curadoras do CAM, Helena Freitas, Leonor Nazaré e Ana Vasconcelos, em Linha de Maré, também já temos outra proposta que não é a de celebramos os ícones. Temos os ícones, estão de viagem, Amadeo no Centro Pompidou, Paula Rego no Porto, e depois em Basileia, onde vai abrir uma grande exposição dedicada a ela. Aqui preferimos surpreender as pessoas. “Ah!, mas onde está a Sarah Afonso?” Talvez não esteja cá, ou esteja na reserva visitável. Mas talvez se encontre uma obra sonora de Luísa Cunha na Sala de Som, talvez encontremos vídeos monocanal na H Box. A coleção vai estar presente mas com uma nova presença. A experiência que fizemos com a Biblioteca de Alcântara, em 2022, por exemplo, pode ser um caminho. Trabalhámos com um grupo de utilizadores da biblioteca que fizeram um workshop de quase um ano, durante o qual aprenderam a perceber como funciona um museu, como se pode preparar uma exposição e como se pode levar a cabo esse projeto. Apresentámos na Biblioteca de Alcântara uma seleção de obras da nossa coleção e eles fizeram tudo, dos textos às visitas guiadas. Descobrimos que a relação dinâmica que esta gente teve com a coleção criou uma relação com a arte completamente diferente do que é entrar numa exposição e olhar para as obras como se se entrasse numa igreja. E estamos agora a perceber que poderíamos ter este nível de engagement com mais gente. Talvez possamos vir a ter obras da coleção apresentadas nas reservas selecionadas pelo público, que as quer ver porque nunca as viu antes ou porque descobriu num livro, ou no site da fundação na Internet. Esse também vai ser um modo de dinamizar o funcionamento da instituição. O público e o artista vão ser duas ferramentas para revolucionar o modelo institucional que temos e queremos revolucionar.

"A nossa política de aquisições estará também orientada nesse sentido, faremos aquisições mais diversificadas nesse sentido. Não vamos comprar sempre os mesmos e o mesmo. Vamos comprar a artistas mais jovens, a artistas mulheres, a mais artistas afrodescendentes. Não que isto seja um objetivo fechado. Estamos a captar e a assimilar o que se está a passar à nossa volta."
Benjamin Weil

Esse tipo de participação será essencial? Vai haver uma aproximação à instituição?
AB —
 Sim. Tradicionalmente, os museus e as instituições têm tido muito controlo sobre as histórias que foram criadas e legitimadas a partir de dentro. É importante permitir aos públicos também produzirem conhecimento. É uma mudança muito forte.

Essa visão de que as instituições subalternizaram determinados artistas já está patente na exposição de Leonor Antunes, por exemplo, em relação às mulheres.
AB —
 Certo, porque não há uma única história da arte e a coleção é um recurso fabuloso para contar novas histórias, para fazer novos relatos e para desafiar as histórias do passado, que achávamos ser as únicas. Esta é agora a função e a responsabilidade das nossas instituições que trabalham com arte. É esta vontade de desafiar as histórias construindo novos relatos que permitam também influenciar a nossa forma de entender a realidade.

BW — Apresentámos em 2021 Tudo o Que Eu Quero – Artistas Portuguesas de 1900 a 2020, que foi uma perspetiva verdadeiramente nova sobre a história da arte, porque realmente não há só uma história da arte.

AB — E vamos apresentar o livro The History of Art Told Without Men em português, cuja tradução apoiámos, e vamos fazê-lo no âmbito da exposição de Leonor Antunes.

BW — Depois das “Mulheres”, as curadoras do CAM apresentaram a mostra Histórias de uma Coleção, que fala também da subjetividade da construção de uma coleção. Damo-nos conta de que a história também é subjetiva e se é subjetiva não pode haver só uma. Há várias maneiras de olhar para hoje, como para ontem ou para amanhã. O nosso papel também é o de usar a coleção para continuar com este nível de consciência.

Falam na construção da coleção, o que é que está pensado em termos de políticas de aquisição?
BW —
 Vamos olhar para complexidade da cena local, que é o ponto de enfoque mais importante da nossa coleção, e vamos apresentar exposições dentro do CAM. Nesta mostra da coleção que agora inaugura, encomendámos a Gabriel Abrantes um projeto. No próximo ano, por exemplo, vamos apresentar um trabalho de Diana Policarpo, com quem colaborámos para a produção de uma obra no espaço Ocean Space, em Veneza, da Fundação Thyssen-Bornemisza, e que é uma coprodução. Através desta ideia de encomenda vamos apoiar os artistas, ficando com um testemunho dessa colaboração.

AB — Há imensas maneiras de encomendar e de produzir trabalhos.

BW — Quando confiamos nos artistas, como fizemos com Diana Policarpo e Gabriel Abrantes, recebemos obras ainda mais importantes e interessantes. Quando olho para o resultado dessa confiança depositada nos artistas, vejo que eles têm um nível de generosidade extraordinário. Assim, vamos sempre ter acesso a melhores obras. Vamos continuar a comprar obras também, evidentemente. Vamos tentar completar o que temos e vamos olhar para as novas gerações, vamos comprar obras das exposições que organizamos. A nossa programação assentará nesta consciência da criação de histórias e a nossa política de aquisições estará também orientada nesse sentido, faremos aquisições mais diversificadas nesse sentido. Não vamos comprar sempre os mesmos e o mesmo. Vamos comprar a artistas mais jovens, a artistas mulheres, a mais artistas afrodescendentes. Não que isto seja um objetivo fechado. Estamos a captar e a assimilar o que se está a passar à nossa volta.

AB — O comité de aquisições também está muito comprometido com esta ideia de contar múltiplas histórias e de multiplicar os relatos. Não o podemos fazer a partir de dentro. Temos que permitir aos artistas curarem exposições, trabalhar com curadores de fora. Temos que ser uma instituição polifónica. Só se incorporarmos todas estas vozes é que vamos ser capazes de diversificar estes discursos hegemónicos que existiram até agora.

"Não temos medo de falar às emoções das pessoas dentro deste espaço que tradicionalmente era só do cérebro, mas que agora também está conectado com as emoções", diz a diretora adjunta do CAM

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

E também refletir este mundo cada vez mais global e diferente, em que todas as diferenças têm que ser mais aceites e interiorizadas na sociedade.
BW —
 Vou contar uma história. Quando trabalhava em São Francisco [no SFMOMA — San Francisco Museum of Modern Art], demo-nos conta de que a comunidade asiática não tinha nenhum interesse no museu, não ia ver exposições, não tínhamos mecenas de origem asiática, nada. O diretor de então percebeu e disse: “Claro, nunca apresentámos nenhuma exposição de artistas asiáticos! Porque é que nos haviam de vir ver se não vamos apresentar-lhes nada que lhes permita relacionar-se com o museu e com a ideia de um certo nível de familiaridade.” A partir desse momento, mudou tudo. Quando o programa Gulbenkian Cultura começou a fazer o Jardim de Verão [celebração de várias culturas através da música] vimos um tipo de público completamente diferente a chegar à Fundação. Queremos sinceramente que o público se dê conta de que este espaço é para ele e que, é o nosso maior voto, considere que este espaço é para voltar, voltar dez minutos num dia, meia hora noutro.

A integração do espaço e da arte no quotidiano…
AB —
 Sim, claro. E para isso, os públicos têm que ver-se representados no que encontram cá dentro.

BW — Lembro-me de uma sondagem que o Guggenheim de Bilbao fez sobre como o público local utilizava o museu. Era muito pouco o público basco e não fazia ideia que podia ir visitar o museu mais do que uma vez, achava que tinha que visitar uma exposição inteira. Uma exposição inteira demora tempo a visitar. Podemos não ter uma hora para dedicar à exposição, mas dez minutos talvez. Entro no Jardim Gulbenkian com uma amiga, com a minha mãe, com o meu filho e vou ver um vídeo na H Box ou sentar-me na Sala de Som e saio e vou caminhar ou vou-me embora. Isso faz parte da minha experiência com a Fundação Gulbenkian.

Isso são tudo novidades, coisas que o público ainda não experimentou. É preciso que a noção de que isso é possível seja partilhada.
BW —
 Tenho essa experiência de oferecer visitas de dez minutos de Santander, em Espanha, [onde foi diretor do Centro Botín]. Percebi que as pessoas voltavam cada vez mais. Funcionou de uma maneira extraordinária. Sei que é possível romper esta barreira e esta ideia de que o museu é um sítio onde se entra como se fosse um mausoléu e onde vou ter que ficar pelo menos uma hora em admiração total. Não é assim. Tem que ser algo espontâneo.

AB — Muitas vezes essa barreira é criada pela forma como nos sentimos lá dentro. Às vezes os museus são espaços frios, muito académicos, onde tudo é muito cerebral, muito branco. Não são espaços onde o corpo se sente confortável. Kengo Kuma [o arquiteto que projetou o novo CAM] mudou isso de forma extraordinária, introduzindo novas texturas, com a luz que fez entrar. E as cenografias de Diogo Passarinho nas exposições de Leonor Antunes e em Linha de Maré, e de Rita Albergaria na de Fernando Lemos, também vão nessa direção, a de tornar o museu um espaço mais sensorial, e que se constitui numa nova experiência para nós. Não é preciso ativar todo o cérebro e ler tudo e mais alguma coisa, pode-se desfrutar com o corpo. Não temos medo de falar às emoções das pessoas dentro deste espaço que tradicionalmente era só do cérebro, mas que agora também está conectado com as emoções. Isso vai ajudar a trazer pessoas e a que elas não se sintam tão ameaçadas.

"Quantos visitantes estão a voltar uma outra vez. Quantos visitantes estão a vir pela primeira vez, quantos visitantes não têm o hábito de ir a museus e estão cá para a festa da Filho Único e que ficam curiosos e depois voltam? Estas são as perguntas que vamos fazer aos visitantes e que depois vão possibilitar a construção do público."
Ana Botella

Em relação ao público, há metas previstas, números de visitantes que se ambicionam?
AB —
Falamos muito sobre isso, queremos realmente perceber e avaliar é a qualidade dessas visitas.

BW — Há uma mudança de perceção. Se queremos conseguir que venha mais gente ver as exposições ou desfrutar de uma performance ou mesmo só sentar-se na entrada com um livro, temos que mudar esta sensação de que há uma barreira. Vejamos, por exemplo, o peso físico das portas de entrada no edifício antigo. São portas pesadas. Aqui, quando nos aproximamos da entrada, através do alpendre, a porta abre-se automaticamente.

Já não é preciso mostrar passaporte.
AB —
 Isso. Agora a entrada faz-se pelo jardim. No edifício sede, existem as portas e depois da instituição é que está o jardim. Aqui é ao contrário. O jardim chama as pessoas e depois está o museu.

Não há, pois, a ideia de contabilizar os visitantes?
BW —
 Vamos contar, sim, mas sem um alvo ou objetivo. O que nos interessa realmente é criar novos hábitos.

As exposições blockbusters, que têm sido usadas como chamariz de público e contribuído para a sobrevivência dos museus, não vos atraem?
BW —
 Quando trabalhei no Centro Botín, em Santander, fez-se uma exposição com o Martin Creed [Reino Unido, 1968]. Ele organizou uma exposição com papel pintado nas galerias, mas a intervenção mais importante era uma performance que durava 20 minutos. Foi a exposição com maior sucesso de bilheteira, com o maior número de visitantes. Ainda hoje as pessoas se lembram deste momento em que visitar o museu era simplesmente assistir a uma performance completamente louca que durava só 20 minutos e acontecia num espaço aberto, com músicos que iam até ao elevador e subiam e desciam… Nada daquilo tinha a ver com um blockbuster, mas teve muito mais sucesso. Não sei se, por exemplo, o encontro com a obra de Leonor Antunes, que para mim é uma experiência completamente imersiva e extraordinária, não possa ser também tão surpreendente. Os paradigmas estão a mudar. Temos também de inventar que tipo de blockbuster queremos e para que tipo de público. Todos estes valores estão em perpétuo fluxo agora.

Não há nenhuma indicação da administração para esse número de visitantes?
BW —
 Para já não.

Os vossos sonhos serão as vossas responsabilidades…
BW —
 Há a responsabilidade de voltar à essência desta fundação que é a missão social de familiarizar muito mais pessoas com a cultura. É olhar para todas as carrinhas que foram por todo o país cheias de livros, ou para a política de fazer pequenas exposições em todo o país para dar a ver a arte contemporânea. É a mesma ideia agora, vamos tentar fazer o mesmo. Esta é a parte da história da fundação que considero mais inspiradora.

AB — Há maneiras diferentes de medir o sucesso. Há uma que é através do número de visitantes, que é importante, mas há outra, que também vamos usar, que é contar quantos visitantes estão a voltar uma outra vez. Quantos visitantes estão a vir pela primeira vez, quantos visitantes não têm o hábito de ir a museus e estão cá para a festa da Filho Único e que ficam curiosos e depois voltam? Estas são as perguntas que vamos fazer aos visitantes e que depois vão possibilitar a construção do público.

Ana Botella e Benjamin Weil querem "perceber de que forma podemos assegurar que vamos continuar a ter relevância para os públicos e para os artistas de amanhã"

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

E qual será o posicionamento do CAM em termos europeus, internacionais, mundiais?
BW —
 Há muitas colaborações com outras instituições para coproduzir obras, trabalhos, exposições, Barbican Center, em Londres, Thyssen-Bornemisza, em Madrid, CRAC, em Sète (França), IVAM, em Valência… e mais mil conversas cujos termos de colaboração ainda não estão assinados e dos quais não podemos falar. A exposição que a curadora Helena Freitas fez com Chafes e Giacometti vai viajar até à Holanda. Foi a instituição holandesa que veio falar connosco para fazer a exposição muito tempo depois, só vai acontecer em 2025 ou 2026 e vai ser uma versão nova da mostra… É este fluxo de informação que vai para fora e vem de dentro e ao contrário que temos que cultivar e que faz parte do nosso objetivo, retomando a missão da fundação de promover a arte portuguesa fora do país e que existe desde 1958, quando as aquisições tiveram início.

AB — Queremos colocar o ênfase nas coproduções que permitam partilhar recursos e partilhar know hows. Esta é a maneira de trabalhar hoje.

BW — E baixar a pegada de carbono.

AB — Não sei se reparou que não temos paredes. Não temos nenhuma parede construída dentro do CAM.

Só mesmo as exteriores.
BW — À parte da pequena parede, reentrância, que criámos para colocar a peça do Rui Chafes, na mostra Linha de Maré, trabalhámos só com material reciclável, ou material já usado. As caixas que a Rita Albergaria criou para a exposição de Fernando Lemos também não são paredes. A sustentabilidade e a diminuição da pegada de carbono é algo para que nos preparámos bem. É também um desafio para uma instituição que está enraizada neste pensamento de que tem a responsabilidade social de diminuir ao máximo a pegada de carbono.

AB — Ainda mais agora que já fazemos parte da rede Gallery Climate Coalition, que trabalha exatamente para a redução da pegada de carbono no sector das artes contemporâneas e onde há diferentes categorias, pertencendo o CAM à de active membership, onde só entram as instituições que se destaquem nas boas práticas ambientais. Somos a primeira e única instituição portuguesa a conseguir sê-lo e também queremos usar esse facto como um modelo a seguir aqui em Portugal e tentar constituir diferentes grupos com os nossos pares. E, lá está, para voltar ao princípio, já não estamos sozinhos…

Nem são o Ministério da Cultura como já foram…
AB —
 Não. Agora estamos em conjunto, somos este cruzamento de energias.

E relativamente ao que se passa na arte a nível global, o que é que o público pode esperar que chegue até cá?
BW —
 Começámos pela Temporada Japonesa, não só porque o arquiteto que veio redesenhar o CAM era japonês, mas também porque a relação entre os dois países era muito antiga. Estamos a pensar fazer outras temporadas com outros países.

Virão ao CAM grandes exposições que estejam a passar pela Europa?
BW —
 Porque não se forem relevantes. Mas não é algo que nos interesse muito. A ideia de termos um compromisso dentro do projeto inicial de produção é muito importante.

O que gostariam de destacar da programação do fim de semana inaugural, dias 21 e 22 de setembro?
BW —
Tanta coisa, coisas mais festivas, coisas mais vanguardistas, como, por exemplo, a performance da artista brasileira Jota Mombaça, ou o concerto de Éliane Radigue [pioneira da música eletrónica], no espaço da exposição de Leonor Antunes. A própria Leonor disse-me a dada altura que não queria fazer uma exposição normal. De resto, há outros artistas com quem estamos a trabalhar que me dizem que aceitam o convite mas que não querem fazer uma exposição e estão a pensar noutros formatos. Os artistas já não querem fazer exposições clássicas, querem fazer outra coisa.

"Há artistas com quem estamos a trabalhar que me dizem que aceitam o convite mas que não querem fazer uma exposição e estão a pensar noutros formatos. Os artistas já não querem fazer exposições clássicas, querem fazer outra coisa."
Benjamin Weil

Isso também reflete uma alteração na definição de arte…
BW —
 Temos que apreciar a arte não apenas através do cérebro, mas sim com todos os sentidos.

Até a comida, determinada dieta, a cozinha pode ser incluída no discurso artístico, o que anteriormente não acontecia.
AB —
 É interessantíssimo o que está a acontecer. A arte agora pode conectar-se com muitas outras disciplinas e colocar-se noutros espaços.

BW — Os artistas de hoje, muitos, têm todo o interesse em manter diálogos abertos com cientistas, com poetas, com compositores, com arquitetos. Não estão a trabalhar sozinhos no espaço do seu estúdio a fazer uma obra que não tem nenhum tipo de relação com o resto. Isso permite explorar vários tipos de formatos.

Também haverá mais diálogo com organizações cívicas e universidades?
AB —
 Sim, estamos a trabalhar com a Universidade Católica.

BW — Interessa-nos perceber de que forma podemos assegurar que vamos continuar a ter relevância para os públicos e para os artistas de amanhã. Experimentar é algo que vai ser absolutamente chave e onde é que se faz mais experimentação senão nas universidades? Esta relação vai concretizar-se através de várias colaborações, nomeadamente levando obras da coleção à Universidade e motivando os estudantes a fazer curadorias coletivas e a criar novos olhares sobre a coleção. Também estamos em conversações com a Faculdade de Belas Artes e temos o programa Bauhaus of the Seas [projetos que relacionam a arte à ciência, ao design e à gastronomia], financiado pela União Europeia e liderado pelo Instituto Superior Técnico. Tudo assente na interdisciplinaridade.

E o cruzamento com a natureza e o jardim?
AB — No futuro, o jardim tem que ser um lugar onde fazer programação, mas também um lugar que se possa converter num espaço de pesquisa. Toda a investigação que queremos fazer sobre arte e ciência e sustentabilidade terá o seu sítio no jardim. Já o arquiteto paisagista que fez o nosso jardim, Vladimir Djurovic, falava em querer construir um espaço para experimentar novas formas de coabitação entre humanos e não humanos… É de facto incrível o que a arte pode fazer quando sai do espaço em que antes estava encerrada. A nossa segunda temporada, que começa em fevereiro, fará muito mais eco de todas estas conexões. Não há melhor espaço do que a arte para experimentar e criar mudanças, todos os outros espaços estão circunscritos e fechados. Só a arte é aberta.

Esta mensagem de esperança e de otimismo também é para ficar?
AB — Absolutamente

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