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“Se a Letónia continuar a tratar a população russa que vive lá de forma porca, então o governo deles vai sofrer o mesmo comportamento porco.” O aviso partia do Presidente russo, Vladimir Putin, esta segunda-feira, num paralelismo com as ameaças realizadas à Ucrânia antes da anexação da Crimeia e da primeira invasão ao Donbass em 2014. Mas com uma grande diferença: desta vez, a advertência é dirigida aos líderes de um país que faz parte da NATO e da União Europeia.
Fazendo parte da aliança transatlântica, uma invasão à Letónia ativaria o artigo 5.º do tratado da Aliança Atlântica e levaria a uma guerra entre o Ocidente e a Rússia. Esta hipótese tem sido admitida por vários dirigentes e propagandistas do Kremlin, principalmente em programas da televisão estatal. Além disso, são recorrentes as ameaças aos países ocidentais nas redes sociais por parte, por exemplo, do vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia e ex-Presidente, Dmitry Medvedev.
Esta atitude provocatória relativamente ao Ocidente será apenas retórica? Por um lado, este tipo de declarações mobiliza o povo russo, dado que transmite a ideia de que haverá um conflito com a NATO e de que a própria existência da Rússia enquanto nação está em risco. Por outro, estes discursos — alguns com ameaças nucleares — acabam por lembrar que Moscovo tem capacidade por fazer frente à Aliança Atlântica num eventual conflito.
Putin threatens Latvia
The bunker dictator said that if the #Latvian authorities continue this policy towards the #Russian-speaking population, they will face a response within their country. pic.twitter.com/WGRbtg3gmF
— NEXTA (@nexta_tv) December 4, 2023
Algumas análises recentes mostram, no entanto, que um ataque a um Estado-membro da NATO não é apenas retórica — poderá mesmo materializar-se num futuro não muito longínquo. Com “ambições imperialistas” e procurando recuperar “esferas de influências” da época da União Soviética, a Rússia de Vladimir Putin pode passar ao ataque, principalmente se a Ucrânia perder a guerra ou for obrigada a negociar.
Tendo como base um estudo alemão, o diretor do gabinete nacional de segurança da presidência da Polónia, Jacek Siewiera, veio recentemente a público admitir que os “países no flanco leste da NATO” — ou seja, os países Bálticos e a Polónia — têm apenas “três anos” para se preparar para um “confronto”, lembrando que o complexo militar-industrial russo tem capacidade para se “revitalizar e crescer nos próximos três anos”. A Letónia, alvo de ameaças, também não descarta um ataque russo.
O estudo alemão: a Rússia como “ameaça” e a “corrida contra o tempo”
Elaborado pelo diretor de segurança e defesa da Sociedade Alemã de Política Externa, Christian Mölling, e por outro membro daquele think tank, Torben Schütz, a análise, publicada em novembro, não deixa margem para dúvidas sobre as intenções do Kremlin: “A questão para a NATO e para a Alemanha não é se serão capaz de lutar uma guerra contra outro país, mas sim quando” é que haverá esse conflito.
Os dois especialistas argumentam que a “Rússia tem mostrado consistentemente a sua motivação agressiva nas duas últimas décadas”: “O Presidente Vladimir Putin, as elites do Kremlin e a intelligentsia abraçam a ambição de restaurar o poderoso império russo e obrigar a influência da NATO e da União Europeia a recuar”. O documento indica que o Kremlin tem em prática um processo de revisionismo histórico, usando para o efeito “analogias com o império czarista e a União Soviética”.
Este processo é motivado igualmente pela “interpretação da História” por parte de Vladimir Putin, o que já motivou guerras na Chechénia, na Geórgia e mais recentemente na Ucrânia. Neste revisionismo histórico em que o líder russo acredita, é provável que estejam igualmente os países Bálticos, que fizeram parte, realça a análise do think tank alemão, “do Império Russo e da União Soviética”.
Para colocar em prática as suas ideias, Vladimir Putin tem de mobilizar o complexo industrial-militar e a sociedade russa. Mesmo com as perdas resultantes da guerra da Ucrânia, Christian Mölling e Torben Schütz defendem que o poderio militar da Rússia é “maior” do que se pensa. E os efeitos do conflito em território ucraniano não foram transversais a todos os ramos das Forças Armadas — a Marinha e a Força Aérea, ainda que afetadas, foram mais poupadas face ao Exército.
Os dois autores alemães sublinham também que a Rússia possui uma economia que é capaz de “transformar a sua indústria militar numa indústria de guerra” por conta da venda de petróleo e gás natural a outros países que não os do Ocidente. E realçam que a sociedade russa também seria mobilizada para um esforço de guerra, devido “à supressão da sociedade civil” e de toda a oposição por parte do regime de Vladimir Putin.
Por todos estes fatores, os dois especialistas, que escrevem que existem “serviços de informações e outros analistas” que comprovam o seu ponto de vista, reforçam que “levará seis a dez anos para a Rússia reconstruir o seu exército” — e chegar a um “ponto em que é capaz de atacar a NATO”. “O relógio vai começar a contar a partir do momento em que os combates intensos na Ucrânia terminarem.”
No entanto, o responsável da presidência polaca é mais pessimista e acredita que a Rússia pode levar a cabo um ataque em apenas três anos. Por isso, Jacek Siewiera frisou que esta é a altura que se deve fortalecer a defesa dos países da Aliança com um objetivo em mente: “Seria um sinal que dissuadiria uma agressão”.
Os alertas da Letónia, da Ucrânia e da República Checa
Além dos avisos dos especialistas alemães e da Polónia, há também outros países a prepararem-se para uma invasão russa. Recentemente ameaçada por Vladimir Putin, a Letónia é um deles. Os serviços secretos letões elaboraram um documento a expor que Moscovo quer regressar “às políticas das esferas de influência” da época da Guerra Fria.
O documento dos serviços de informações da Letónia, que chegou às mãos do governo do país, coincide em vários pontos com o do think tank alemão. Ressalvando as “grandes perdas das Forças Armadas russas na Ucrânia”, o “potencial militar continua elevado”. “A Rússia tem meios financeiros suficientes e reservas militares para continuar a guerra [em território ucraniano]. E a Rússia tem armas nucleares para continuar o confronto com o Ocidente. Por isso, Moscovo vai continuar a ameaçar os países vizinhos.”
No que concerne aos países Bálticos, os serviços de informações letões sinalizam que é provável que a Rússia “continue as suas tentativas para desestabilizar a situação” na Estónia, Letónia e Lituânia. Se Moscovo conseguir ganhar “forças adicionais” — principalmente se vencer o conflito na Ucrânia —, vai tentar expandir a sua influência naqueles três países. A conclusão é clara: “A Rússia vai continuar a usar métodos híbridos ou operações militares para espalhar a sua influência”.
Pela parte do Presidente ucraniano, os alertas vão na mesma direção. Volodymyr Zelensky tem realçado a ideia de que uma vitória da Rússia representaria um perigo para os seus vizinhos, alertando para os riscos que esse cenário causaria para o Ocidente. Dizendo que a Rússia “está a equacionar várias hipóteses”, o líder da Ucrânia, citando informações dos serviços secretos ucranianos, enfatizou que, se há uma “pausa na agressão contra a Ucrânia ou se o conflito fica congelado, haverá um novo momento crítico”.
O ano de 2028 é o novo “momento crítico”, segundo dados dos serviços de informações que Volodymyr Zelensky partilhou. Será nessa altura que o Kremlin será capaz de “reformar o potencial militar destruído pela Ucrânia”, ganhando poder suficiente para atacar novos países. O Presidente ucraniano disse que os alvos russos serão “precisamente os países bálticos e países em que estão presentes contingentes russos”, como a Geórgia e a Moldávia.
“São informações claras dos nossos serviços de inteligência”, assegurou Volodymyr Zelensky, que recordou que os erros cometidos pelas tropas russas na Ucrânia ajudarão a Rússia a preparar-se para uma nova invasão. “Por favor, lembrem-se que o inimigo mais perigoso é aquele que tirou conclusões e que se preparou para um novo ataque tendo em conta essas conclusões.”
Por sua vez, o Presidente da Chéquia, Petr Pavel, também assinalou que a Rússia demorará cinco a sete anos para recuperar as suas forças de combate. O chefe de Estado é, ainda assim, menos categórico do que Volodymyr Zelensky, reconhecendo que há “muitas variáveis que podem alterar a situação”. “Vai realmente depender do desfecho da guerra na Ucrânia.”
Analistas acreditam que NATO deve preparar-se, mais que não seja para dissuadir a Rússia
Independentemente do decorrer da guerra na Ucrânia, os especialistas acreditam que a NATO tem de preparar-se para uma eventual agressão russa, fortalecendo a defesa dos Estados-membros, principalmente aqueles que são vizinhos da Rússia. O objetivo é o seguinte: mesmo que Moscovo tenha capacidade para fortalecer a sua indústria militar, deve ser dissuadido de atacar outro país por conta da força militar do adversário.
“A Rússia deve reconhecer que um conflito com a NATO não tem qualquer hipótese de sucesso”, escrevem Christian Mölling e Torben Schütz, que apontam que para isso a “NATO deve aumentar rapidamente as suas capacidades militares”. “Isto é ainda mais importante porque não há qualquer esperança de mudar as motivações do regime russo ou tentar ativar a sociedade contra o regime.”
Neste sentido, os dois especialistas alemães apresentam um plano: “A NATO deve reforçar as suas capacidades militares pelo menos um ano antes de que a Rússia atinja a sua capacidade máxima de guerra”. Assim, o Kremin não “subestimaria a prontidão de combate” da Aliança Atlântica e não começaria, por arrasto, um conflito.
Há vários sinais e pistas que apontam que a Rússia poderá atacar os países da NATO num futuro próximo, o que encaixa com as declarações russas mais inflamadas. Mas essa possibilidade, como referiu o Presidente checo, estará sempre dependente do seu sucesso (ou fracasso) na guerra da Ucrânia.