Este sábado houve tempo mais do que suficiente para os sócios, enquanto esperavam nas longas filas para exercerem o seu direito de voto, discutirem as virtudes e os defeitos de Bruno de Carvalho enquanto presidente do Sporting. Uns para um lado, uns para o outro, o normal que acabou por ser refletido na votação que foi anunciada esta madrugada — 71,36% dos sócios votaram a favor da saída do Conselho Diretivo e 28,64% votou pela continuidade da direção. Mas há um dado que poucos, ou mesmo nenhuns, colocam em causa: ao longo dos muitos anos em que se preparou para chegar onde esteve e deixa agora de estar, soube perceber o funcionamento do clube em termos internos: aqueles que iam às Assembleia Gerais, aqueles que iam ao Pavilhão, aqueles que votavam. Partindo desse pressuposto, olhar para o Facebook do líder verde e branco ao longo da tarde era a mesma coisa do que fixar um espelho do que se passava. E que se confirmou.
Bruno de Carvalho fez tudo aquilo que há bem pouco tempo criticou e prometeu não fazer. Disse em fevereiro, por exemplo, que Jaime Marta Soares tinha estado mal na condição de líder da Mesa na Assembleia Geral de 3 de fevereiro ao deixar que um associado fizesse um filme com o telefone do que se estava a passar; este sábado, foi publicando vários vídeos do que se passava dentro do Altice Arena, quase como se estivesse a fazer um liveblog do que ia acontecendo. Disse em abril que tinha a completa noção de que os sócios não gostavam nem percebiam o facto de usar as redes sociais, pelo que iria deixar de ter as suas páginas; este sábado, colocou um total de 25 posts em pouco mais de 12 horas. Disse recentemente que o clube teria de estar acima de tudo; este sábado, preocupou-se sobretudo com a sua posição, tendo consciência que tudo o que ia publicando ia alcançar um impacto (maior ou menor) na forma como estavam a decorrer os trabalhos. Sexta-feira, em entrevista à RTP3, esteve o Bruno de Carvalho presidente; este sábado, à tarde, voltou o Bruno de Carvalho candidato sem o ser. De tal forma que não aguentou e deslocou-se ao Altice Arena às 19 horas.
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Entrando pela garagem e subindo à zona do palco para conversar com Marta Soares, queria discursar. E foi proibido. Ato contínuo, olhou para as centenas de apoiantes que estavam na sala e, com as mãos, fez o gesto de que não o deixavam falar. Depois, acabou por ir para o fim da fila e votou. Algo que, em condições normais, não poderia fazer por estar suspenso da condição de sócio. Algo que, em condições normais, nunca teria feito, tal como disse variadas vezes ao longo da semana, inclusive quando tentou, numa última manobra para inverter o tabuleiro, acabar com processos e providências cautelares. Algo que só fez porque as condições “normais” que esperava, ou desejava, não estavam reunidas: apesar do apoio que ia recebendo dentro da Assembleia Geral, chegavam-lhe informações do número de sócios que votavam e iam embora. Esses eram quase todos contra si. Esses começavam a ser demasiados. Daí que, de madrugada, ainda estivesse dentro da sala.
Bruno de Carvalho tinha sido muito direto em relação aos resultados. “Se a Assembleia decorrer dentro da normalidade e for destituído, nunca mais ponho os pés no Sporting, nunca mais me recandidato ao Sporting”, garantiu. E até poderá cumprir agora, pela derrota expressiva que acabou por sofrer e que nem quem votou favoravelmente à destituição poderia prever. Mas o cenário de recandidatura nunca deixará de estar presente, até porque dificilmente irá sofrer uma grande alteração num sufrágio futuro o número de votos que teve este sábado (não percentagem, porque isso depende do universo eleitoral que exerce o seu voto). Bruno de Carvalho teve o apoio de 5.138 votantes, correspondentes a 21.475 votos; e teve contra si 9.477 votantes, correspondentes a 53.517 votos. O agora ex-líder vai sair de cena mas ainda trouxe consigo algum capital que pode jogar no momento certo.
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Como será o Sporting amanhã?
Primeira dúvida que terá inevitavelmente de encontrar uma resposta: e agora? Com a destituição de Bruno de Carvalho, a gerência do clube ficará entregue à Comissão de Gestão liderada por Artur Torres Pereira, sendo que terá ainda de proceder-se à formalização da destituição do presidente cessante do clube de líder da SAD. Nos outros órgãos, a Mesa da Assembleia Geral demissionária ficará até haver eleições, tal como a Comissão de Fiscalização ficará encarregue dos pelouros destinados ao Conselho Fiscal e Disciplinar até esse momento. E existem muitos problemas por resolver, sobretudo em relação ao futebol que já se encontra em exames médicos.
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De acordo com informações recolhida pelo Observador, deverá haver um reforço em torno da área desportiva, mais concretamente do futebol, no sentido de planificar a nova temporada até que existam novas eleições, que serão marcadas para 8 de setembro. E a razão é simples: entre os 11 elementos que fazem parte da Comissão de Gestão, não há ninguém que esteja especialmente habilitado para a matéria, pelo que a “solução” terá de vir de fora (e ainda há Inácio, que foi nomeado diretor geral do futebol e tem estado envolvido em todas as negociações mas que ninguém sabe ao certo se fica ou não). A prioridade, essa, está definida: tentar que alguns dos jogadores que rescindiram contrato possam voltar atrás na decisão.
Depois, há outra questão paralela: o que vai acontecer com a figura de Bruno de Carvalho sócio? De acordo com o próprio, a medida aplicada antes da Assembleia Geral iria suspender de funções o Conselho Diretivo apenas até segunda-feira, dia 25, mas ainda poderá estar em cima da mesa o cenário de expulsão. Uma coisa é certa: a partir de agora, o antigo líder não terá nada a perder, podendo ir até às últimas consequências na luta em termos internos e sobretudo através dos tribunais. E é isso que vai acontecer, em relação aos processos disciplinares, às providências cautelares e a tudo mais que possa entretanto aparecer. Nota ainda para outros assuntos que poderão parecer menores mas que são obrigatórios pelos estatutos, nomeadamente a aprovação do orçamento para o exercício 2018/19 que a Comissão de Fiscalização tinha reprovado esta semana.
Como será o Sporting depois de amanhã?
No final da noite, e já depois de ameaças, a fúria dos adeptos presentes no Altice Arena voltou a centrar-se nos jornalistas, sendo que até os meios do clube chegaram a ser confrontados por alguns associados. Quando Bruno de Carvalho saiu, nem quem estava cá fora desde a tarde conseguiu captar imagens do líder destituído nesse momento por solicitação da polícia, provavelmente por recear que pudesse haver algum desacato. Tal como em 2011, o Sporting volta a estar partido e à procura de rumo. Muda o tempo, não as vontades. A de Bruno de Carvalho por agora sim; a do universo leonino, nem por isso. Pelo contrário.
Os nomes, as listas e os contactos já tinham começado a ser feitos antes. Frederico Varandas, mais uma vez na tarde de sábado, voltou a assumir a intenção de avançar com uma lista, restando apenas saber se esse mesmo elenco alberga ou não também outro putativo candidato que foi perdendo força nas últimas semanas enquanto possível número 1, Rogério Alves. Depois, há sempre a hipótese de João Benedito liderar uma alternativa, não havendo nesta altura hipótese de poder desfazer o que foi preparando com o tempo a nível de projeto e de lista em detrimento de outro nome. Mas está longe de ficar por aqui: à parte de um eventual avanço de alguém que esteja na Comissão de Gestão (e que não tem de ser necessariamente Artur Torres Pereira), vários grupos de associados têm reunido nas últimas semanas na tentativa de encontrar uma figura que seja mais próxima do espaço eleitoral do líder destituído, mas com uma postura de mais consensos e equilíbrio “político”. Grupos que já tiveram ligação aos órgãos sociais do clube ou que querem pela primeira vez aparecer como, aconteceu, quase com sucesso, em 2011. Todos, sem exceção, esperam também o posicionamento de um novo “fantasma” que irá sempre pesar: Bruno de Carvalho.
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No primeiro comentário após terem sido conhecidos os resultados, o agora ex-presidente confidenciou que estava a viver “o dia mais calmo de todos”. No entanto, acusou a derrota e foi isso que se percebeu na conversa que foi mantendo com os associados já fora do recinto: assumiu que não se vai recandidatar, nem sequer impugnar a Assembleia Geral (algo que poderia ser diferente com uma margem de derrota mais curta); voltou a reforçar o discurso das elites muitas vezes omnipresentes que mandam no Sporting e vão pondo e dispondo dos líderes como, quando e onde querem; reforçou a ideia de um clube que esteve durante cinco anos nas mãos dos sócios mas que foi novamente resgatado por quem tem interesses paralelos. Tudo numa intervenção serena, de quando em vez a acalmar os próprios associados mais exaltados, com um sentido de Estado que em muitas ocasiões lhe falhou e funcionou como fraqueza num conjunto de ações que tiveram esta noite a sua fatura.
Olhando para o quadro de resultados, foi uma surpresa ver que nem nos sócios com menos votos — que por norma são mais jovens — Bruno de Carvalho ganhou sequer numa urna. E foi uma confirmação saber que os sócios com maior antiguidade não perdoaram nas votações tudo o que se passou nos últimos tempos. Mas foi a meio, na franja entre os oito e os 11 votos, que esteve a resposta do líder cessante em termos futuros: afastar-se de tudo e todos para poder segurar o pouco que não perdeu. O tempo de Bruno de Carvalho presidente acabou e, segundo confidenciou a algumas pessoas que estavam nas imediações do Altice Arena, o de Bruno de Carvalho sócio também pode parar. Mas, por mais desgostoso que possa estar com o resultado e com um desaire perante aquilo que chegou a descrever como “ato terrorista”, também o faz para que, a breve ou médio prazo, mediante as soluções que o clube de Alvalade consiga encontrar, o Bruno de Carvalho candidato tenha algum espaço para voltar.
Como será Bruno de Carvalho amanhã e depois de amanhã?
A altas horas da madrugada, Bruno de Carvalho escreveu um longo post no Facebook onde dava conta do seu estado de espírito. Aliás, bastava ver a alteração de imagens no seu perfil, trocando um festejo na tribuna do Pavilhão João Rocha por uma imagem com a família, para se perceber o alcance desta última publicação na altura de abandonar o Sporting.
Falou numa “das maiores golpadas” a que já assistiu, deixou a acusação de que os resultados estavam viciados, lamentou mais uma série de situações que ocorreram na reunião magna — mas colocou um ponto final no seu percurso em Alvalade. “Afinal nunca deixou de ser um clube de Viscondes sempre com os mesmos a dominar (…). Um clube de ilustres inúteis mas que realmente mandam. E esqueçam os associados pois nunca vão mandar neste clube… Vão ser sempre fantoches desta elite que só permite entrar quem se render aos seus interesses”, destacou. E acrescentou: “Para mim acabou. Podia impugnar esta AG por todas as ilegalidades cometidas: sim. Mas não o vou fazer. Era só o adiar o ter de devolver o clube a quem nele mesmo manda”.
“Não sou mais do Sporting Clube de Portugal porque fui enganado (…) Hoje deixei de ser para sempre sócio e adepto deste clube (…) Não, não vou regressar para as bancadas. Não, não vou mais vibrar com as vitórias. Foram 46 anos de um amor intenso mas que vim a descobrir que não era o que eu pensava, que não me identifico minimamente com os seus falsos princípios e falsos valores e que me andava a trair (…) A minha carta de suspensão vitalícia de sócio segue segunda feira e nunca mais seguirei sequer os eventos desportivos do clube”, defende, numa reação a quente após uma noite de destituição, a primeira na história do Sporting. Mas, como dizia um presidente de um clube português, o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira. E ainda existe pelo menos aquela franja de 30% que acredita que, um dia, lhe dará a volta.
Aqui fica a publicação na íntegra, feita a altas horas de madrugada na sua página do Facebook:
Hoje foi uma das maiores golpadas que assisti ao vivo na minha vida.
Um conjunto de cretinos viciaram os resultados de uma AG. Desrespeitaram os associados, dois associados foram agredidos por seguranças dos agora todos poderosos do clube, recusaram requerimentos, cortaram a palavra às pessoas, não nos deixaram falar como prometido…
Quem esteve na AG percebeu que os resultados estão ao contrário… mas chega!
Foram cinco anos de intensa dedicação e o sentimento que tenho é que me foi tempo roubado.
Não consigo sentir orgulho na obra feita. Servi o melhor que pude o Sporting e sei que fizemos coisas que vão perdurar no tempo.
Mas orgulho… perdi todo quanto vejo que afinal o clube que amava, que quis transformar num clube popular, de e para o povo, de e para os adeptos, de e para os sócios… afinal nunca deixou de ser um clube de Viscondes sempre com os mesmos a dominar: os Stromps, os Leões de Portugal, os Cinquentenários, os Ricciardis, os Casquilhos, as Isabeis Trigo Miras, as Margaridas Caldeiras da Silva, os Abrantes Mendes, os Barbosas da Cruz, os José Pedro Rodrigues, os Sobrinhos, os Dias Ferreiras, os Barrosos, os Sampaios, os Zé Eduardos, os Seixas, os Severinos, os Vascos Lourencos, os Roquettes, os Godinhos, os Dias da Cunha, os Rogério Alves, os Jaime Marta Soares… Enfim… um clube de ilustres inúteis mas que realmente mandam.
E esqueçam os associados pois nunca vão mandar neste clube… Vão ser sempre fantoches desta elite que só permite entrar quem se render aos seus interesses.
Nunca me irei esquecer dos meus colegas de Direção resistentes! Nunca me irei esquecer dos meus atletas, equipas técnicas e staffs. Todos eles foram a minha família estes cinco anos.
Mas para mim acabou. Podia impugnar esta AG por todas as ilegalidades cometidas: sim. Mas não o vou fazer. Era só o adiar o ter de devolver o clube a quem nele mesmo manda.
Lutei tanto que secou. Não consigo mais sentir este clube… Não sou mais do Sporting Clube de Portugal porque fui enganado… Não quero fazer parte de um conjunto de cretinos que não valem o ar que respiram. Não me quero mais aproximar de uma elite bafienta e mal cheirosa que sempre dominou o Sporting Clube de Portugal! Hoje deixei de ser para sempre sócio e adepto deste clube. A tristeza é tremenda mas a desilusão matou tudo!
Afinal o sportingado era eu, pois era um sportinguista enganado…
Que tamanha ingratidão e injustiça… Mas que fiquem com o clube que eu fico com a minha dignidade e princípios que nunca deixei cair apenas para me manter no poder.
Aos sportinguistas as minhas desculpas por mesmo nesta hora não conseguir ser hipócrita e vos mentir. Vocês não contam para nada neste SCP que é de Viscondes….
Desculpem não ter tido mais força para os expurgar, mas é impossível, pois eles são o SCP!
O meu obrigado a vocês todos pelo carinho que me deram nestes cinco anos! Vocês mereciam muito mais e afinal querem-vos é daqui para fora. Vocês incomodam os Viscondes….
Mas desejo-vos a todos do fundo do coração tudo de bom, para vocês e para o Sporting.
Não, não vou regressar para as bancadas. Não, não vou mais vibrar com as vitórias. Foram 46 anos de um amor intenso mas que vim a descobrir que não era o que eu pensava, que não me identifico minimamente com os seus falsos princípios e falsos valores e que me andava a trair.
Mas também quero dar uma palavra para aqueles que são “bipolares”, pois se não ganhamos ainda mais a culpa é vossa, pois são os primeiros a “dançar” a música dos ilustres.
A minha carta de suspensão vitalícia de sócio segue segunda-feira e nunca mais seguirei sequer os eventos desportivos do clube.
Foi uma honra servir os sportinguistas, mas não sinto qualquer honra de ter servido uma instituição que me fez sair com o rótulo de criminoso e de mandante de ataques terroristas. Tristes e fracos de espírito todos aqueles, muitos ou poucos, que puseram um cruz no sim à destituição da única Direção que teve um mandato, no clube e na SAD, positivo, que fez um Pavilhão, que devolveu a honra de ser do Sporting a milhões de sportinguistas, que conquistou em cinco anos sete títulos europeus e que colocou o Sporting novamente como a maior potência desportiva nacional!