Há alguns dias, no Brasil, no camarote presidencial do estádio onde decorria a final do campeonato do mundo de futebol, Dilma Rousseff estava acompanhada de vários líderes mundiais: a chanceler alemã Angela Merkel, o príncipe Albert do Mónaco, o presidente russo Vladimir Putin… e Teodoro Obiang. O presidente da Guiné Equatorial, segundo a revista Forbes, encabeça a lista dos piores cinco líderes africanos, da qual também faz parte o nome de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola.
Durante muito tempo, principalmente enquanto decorreu a primavera árabe, falou-se sobre os grandes ditadores de África como Muammar Khadafi ou Robert Mugabe, entre outros. O nome de Teodoro Obiang Nguema passou muitas vezes despercebido. Porém, este é o ditador há mais tempo no poder em África. Porquê ditador? De acordo com vários relatórios de associações de direitos humanos, o governo de Obiang inclui “mortes ilegais pelas forças de segurança; tortura sistemática de prisioneiros e detidos pelas forças de segurança; impunidade; detenções arbitrárias.” Também estão em curso processos internacionais que acusam Obiang e o seu filho mais velho, Teodorin, de corrupção.
Na próxima semana, Obiang vai estar em Díli para a décima cimeira da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), e se tudo correr conforme o esperado a Guiné Equatorial vai juntar-se à CPLP. Vai lá para assinar os papéis e com certeza irá encontrar-se com Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho.
Somado a isto, Macías já tinha proibido o uso de sapatos, os médicos, o cultivo de cacau, os professores, o pronunciar da palavra “intelectual” e da palavras Jesus Cristo, que devia ser referido como “El Hijo Bastardo De Una Puta Blanca Barata Con Un Coño Pestilente”, na Guiné Equatorial.
O presidente da Guiné Equatorial, no poder há 35 anos, é dos mais reservados. Sabe-se pouco da pessoa, mas muito da sua governação e percurso político. Desde 1979, quando através de um golpe de estado derrubou o próprio tio, Obiang gere com punho de ferro aquele pequeno país, escapando a golpes de estado e a processos de corrupção internacionais. Mas o tamanho não conta: a Guiné Equatorial é o terceiro maior produtor de petróleo de África e tem um dos PIB per Capita mais altos do mundo. Esta história não é particularmente nova dentro da CPLP.
Porém, a abundância de recursos naturais não se traduz na prosperidade da população. A Guiné Equatorial é um dos países com a maior taxa de mortalidade infantil do mundo: cerca de 20% das crianças morrem antes dos cinco anos. As restantes, não tem acesso serviços de educação e saúde. A grande maioria da população não tem acesso a água potável. Sabe-se que Obiang é um entusiasta do ténis, fez a academia militar em Saragoça, em Espanha, quando o seu país ainda era uma colónia. Entre Janeiro de 2011 e Janeiro de 2012, foi o presidente da União Africana. Desloca-se regularmente aos Estados Unidos da América, onde é seguido por problemas de saúde na próstata.
O reinado de Obiang começou há 35 anos, mas a má sina da Guiné Equatorial é a mesma desde a independência (1968) e a presidência de Francisco Macías Nguema.
“Auschwitz de África”
Com o início dos movimentos independentistas em África, a Guiné Equatorial reclamou a sua soberania a Espanha. Esta cedeu o poder sem conflitos e convocando eleições livres. Foi assim que Francisco Macías Nguema, tio de Obiang, assumiu a presidência do país em Outubro de 1968.
Membro da etnia Fang, a maioritária no país, Macías começou a governar de forma automática, com uma hostilidade brutal e ordenando o assassínio de cidadãos da etnia Bubi. Isto fez com que cerca de 10.000 colonos espanhóis abandonassem logo de seguida o país.
Passados dois anos de ter sido eleito, em julho de 1970, Macías criou um estado unipartidário.
Ao todo, durante 11 anos, foram assassinadas cerca de 80.000 pessoas e um terço da população do país foi exilada. Devido a isto, na comunidade internacional, a Guiné Equatorial ficou a ser conhecida como “Auschwitz de África”. Obiang, durante o governo de Macías, era o chefe supremo das prisões na Guiné Equatorial, “cumprindo entusiasticamente as matanças em consonância com as ideias e metodologias do tio”, escreve uma investigação da associação Alerta 360.
“A determinação da Guiné Equatorial em aderir à CPLP pode ser aferida pelo facto de o seu presidente ter contratado um professor para diariamente lhe ministrar aulas de língua portuguesa”.
Nas suas responsabilidades, Obiang tinha a gestão da prisão de Black Beach, “uma das piores do mundo.” Existem inclusive relatos de pessoas que foram torturadas pelo próprio atual presidente da Guiné Equatorial. “Obiang era uma figura grande do regime do Macías, é preciso não esquecer”, diz Ana Lúcia Sá, investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE/IUL. E a tortura não é uma moda do passado. “Conheci pessoas que foram torturadas já durante o regime do Obiang”, conta a investigadora, que esteve no país em 2010, ao abrigo de um projeto dos Centros Culturais Espanhóis.
Após Macías ter ordenado a morte de vários membros da sua própria família, incluindo um irmão de Obiang, muitos dos que se encontravam à sua volta temeram que este tivesse ficado louco. Somado a isto, Mácias já tinha proibido o uso de sapatos, os médicos, o cultivo de cacau, os professores, o pronunciar da palavra “intelectual” ou Jesus Cristo, que devia ser referido como “El Hijo Bastardo De Una Puta Blanca Barata Con Un Coño Pestilente”, na Guiné Equatorial.
Para comemorar os seus aniversários, Macías mandava fuzilar prisioneiros, no estádio de Malabo, enquanto as colunas tocavam a sua música favorita: ”Those were the days.” Mácias admirava Gandhi, Franco e Mao Tse-Tung, porém o seu bem mais valioso era um exemplar do Mein Kampf, de que nunca se separava. Chegou a adulterar bíblias para dizerem: “Deus não existe, Macías é o único Deus.”
Em 1979, quando se deu o golpe de estado, Mácias ainda conseguiu fugir para as florestas na zona de Mongono, onde foi encontrado e feito prisioneiro. Um pelotão de soldados marroquinos foi trazido para a Guiné Equatorial de propósito para fuzilar o tirano, pois nenhum guineense tinha coragem de o fazer: temiam que o fantasma de Macías os perseguisse. Muitos dos cidadãos do país foram ao cemitério contemplar o cadáver do ditador cantando canções alegres nas línguas das duas etnias principais do país, Bubi e Fang.
Tudo o que viesse a seguir a Macías, seria melhor, pensavam os cidadãos da Guiné Equatorial.
Vencer com 103% dos votos
Em 2002, Obiang ganhou as eleições presidenciais como representante do Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE), com 103% dos votos. Sim, 103% dos votos. Anos antes, em 1996, realizaram-se as primeira eleições em que Obiang não foi o único candidato, alcançando 98% dos votos, numas eleições consideradas fraudulentas pelos observadores internacionais. Já em 2009, foi reeleito para o seu “suposto” último mandado, envolvido novamente em acusações de fraude e intimidação, angariou 97% dos votos.
O PDGE “funciona como partido único”, apesar de existirem outros partidos satélites como é obrigatório pelo direito internacional, explica a investigadora Ana Lúcia Sá. Malabo é a única capital do mundo que não tem nenhum jornal diário, nenhum quiosque de jornais ou sequer uma única livraria. “O Obiang não precisa de muito para ter as pessoas controladas”, afirma a investigadora Ana Lúcia Sá, lembrando que o medo que o regime de Macías instaurou ainda se faz sentir. A opressão e corrupção de Obiang é mais fácil de gerir para a população do que os assassínios em massa de Macías.
Quando questionado sobre a corrupção no país, em 2012, pela jornalista Christiane Amanpour da CNN, Obiang afirmou: “Na realidade, o governo estabeleceu leis que proíbem a corrupção e acredito que na Guiné Equatorial nós estamos a levar muito a sério o processar qualquer pessoa envolvida na corrupção. Então, não, não é um problema na Guiné Equatorial.”
Com uma oposição pouco representativa, em 2004 um britânico tentou, através de um golpe de estado falhado, afastar o ditador do poder.
Um golpe de estado com sangue azul
Simon Mann, mercenário descendente de famílias burguesas britânicas, foi o responsável pela tentativa mais recente de um golpe de estado na Guiné Equatorial. Mann foi comandante na força área especial (SAS) britânica e esteve destacado em vários países. Mas, em 1981, abandonou a carreia militar. “Acho que ele queria um novo desafio, e depois de algum tempo, as pessoas acham a vida militar um pouco mundana”, afirmou ao Guardian um ex-colega.
Após a saída, Mann começou a sua carreira de “freelancer” supostamente a vender software de segurança para computadores. Porém, não tardou muito até passar para os negócios de segurança físicos, treinando guarda-costas para árabes ricos. Depois de uma breve passagem pelo exército, combatendo na primeira guerra do golfo, Simon Mann, em 1993, criou uma “empresa de mercenários” chamada Executive Outcomes (EO), com o empreendedor Tony Buckingham. A EO “fez uma fortuna ao proteger instalações petrolíferas dos rebeldes durante a guerra civil angolana”, escreve o Guardian. Em 1995, Mann criou uma “sucursal” da empresa e enviou armas para a guerra civil na Serra Leoa.
Mas mesmo com saída do poder prevista para 2016, nada impediu Obiang de afirmar, em 2012, numa entrevista à jornalista Christiane Amanpour: “Aqueles que praticam a lei saberão se eu devo continuar para uma nova fase ou não”, não negando a possibilidade de voltar a recandidatar-se. “Não sou eu. São as pessoas. As pessoas decidem”, justificou.
O mercenário, pai de seis crianças e casado duas vezes, mudou-se para Cape Town, na África do Sul, onde se tornou vizinho de Mark Thatcher, filho da ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher. Em março de 2004, juntamente com mais 60 mercenários, Mann foi preso no seu jato privado no aeroporto de Harare, no Zimbabué. Os mercenários negaram ter conspirado para derrubar Obiang, dizendo que estavam a voar para o Congo para fornecer segurança a uma empresa da indústria de extração de diamantes.
Mark Thatcher, filho da ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher, foi incluído no julgamento e confessou-se culpado por ter comprado uma aeronave ligada aos mercenários. Mann foi condenado a 34 anos de prisão em Black Beach, pela tentativa de golpe de estado, tendo sido libertado em 2009, depois de uma série de pressões internacionais, que levaram Obiang a perdoá-lo “por motivos humanitários”.
Quando vale a palavra de Obiang?
Em fevereiro deste ano, o ministro dos negócios estrangeiros português, Rui Machete, afirmou ao jornal Público “não haver razões para duvidar” da palavra da Guiné Equatorial quanto à abolição da pena de morte. “Está prevista uma disposição que limitará o exercício do cargo de Presidente da República a dois mandatos, estando ainda previstas a criação de um Senado e a instituição de um Tribunal de Contas”, lê-se num documento do processo de adesão à CPLP de 2011, a que o Observador teve acesso. As medidas previstas viriam a ser concretizadas no mesmo ano.
Mas mesmo com saída do poder prevista para 2016, nada impediu Obiang de afirmar, em 2012, numa entrevista à jornalista Christiane Amanpour: “Aqueles que praticam a lei saberão se eu devo continuar para uma nova fase ou não”, não negando a possibilidade de voltar a recandidatar-se. “Não sou eu. São as pessoas. As pessoas decidem”, justificou. O presidente da Guiné Equatorial explicou ainda que as “as democracias ocidentais não podem compreender as circunstâncias em que alguém fica no poder durante muito tempo.” Mas em África há o que ele chama de “pessoas carismáticas”, devido à situação em que estava o país, quando estas tomaram o poder.
Ainda no mesmo documento a que o Observador teve acesso lê-se: “A determinação da Guiné Equatorial em aderir à CPLP pode ser aferida pelo facto de o seu presidente ter contratado um professor para diariamente lhe ministrar aulas de língua portuguesa”. Na próxima semana, Cavaco Silva e Pedro Passo Coelho vão estar presentes na Cimeira em Díli, Timor. Vamos ver em que língua se vão cumprimentar.
(Primeiro artigo de uma série sobre a adesão da Guiné Equatorial à Comunidade de Países de Língua Portuguesa.)