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A cidade de Rafah foi alvo de bombardeamentos esta terça-feira

Anadolu via Getty Images

A cidade de Rafah foi alvo de bombardeamentos esta terça-feira

Anadolu via Getty Images

Ofensiva em Rafah. Uma "espécie de Estalinegrado" ou uma operação limitada para pressionar as negociações?

A um acordo anunciado e depois retirado, seguiu-se uma invasão que leva a uma catástrofe humanitária quase certa. Tomar Rafah será o objetivo final de Israel — ou apenas uma forma de pressão?

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É a quarta vez que sou deslocado. De Nuseirat para Khan Yunis, depois para Rafah e agora outra vez. Nem sei para onde estou a ir.” Isto dizia um palestiniano à equipa norte-americana da CNN no sul da Faixa de Gaza, na tarde da passada segunda-feira. Foi nesse mesmo dia que choveram panfletos dos aviões israelitas a aconselhar a evacuação daquela cidade — onde se estima que estejam, neste momento, cerca de 1,4 milhões de pessoas. Em breve, diziam os avisos, Israel iria atacar Rafah.

Os que conseguiram tentaram partir, alguns já esta terça-feira, debaixo de bombardeamentos que terão matado pelo menos 27 pessoas e ferido mais de 150, segundo equipas médicas em Rafah, avançaram ao New York Times. A recomendação de Israel é que os civis se dirijam à vila de Al-Mawasi, junto do Mediterrâneo, onde já existe neste momento um campo de refugiados. É, garante Telavive, uma “zona segura”.

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Palestinianos abandonam a cidade de Rafah após a ordem de evacuação das tropas israelitas

Anadolu via Getty Images

Não é exatamente verdade. Por um lado, a zona já foi alvo de bombardeamentos nos últimos meses, como denunciaram os Médicos Sem Fronteiras no local. Por outro, o risco de desastre humanitário é elevado. “Ainda antes da ordem de evacuação, Al-Mawasi já era inabitável”, decretou uma das diretoras da ONG Mercy Corps, em comunicado. “A nossa equipa relata filas intermináveis de tendas sob o sol abrasador, sem alívio à vista, e sem eletricidade, água ou ajuda humanitária.”

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Rafah era, até este momento, o local mais seguro para os palestinianos da Faixa de Gaza. E, mesmo ali, as condições eram penosas, como relatou o porta-voz da Unicef James Elder, falando em rácios de uma casa-de-banho para 850 pessoas e um chuveiro para cada 3.500. Em Al-Mawasi, garantiu num briefing, “é ainda pior”.

Miguel Feraso Cabral

Vários líderes estrangeiros alertaram ao longo das últimas horas para o mesmo — razão pela qual têm condenado ativamente a incursão militar de Israel em Rafah. “A ofensiva terrestre começou, apesar de todos os pedidos da comunidade internacional”, lamentou Josep Borrell, representante diplomático da União Europeia. “Há 600 mil crianças em Gaza. Vão ser empurradas para as chamadas ‘zonas seguras’. Não há zonas seguras em Gaza.

A ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, subscreveu as declarações de Borrell e lembrou que uma crise humanitária ainda maior se avizinha: “Um milhão de pessoas não pode simplesmente desaparecer no ar. Precisam de proteção”, escreveu no X. “As passagens de Rafah e Kerem Shalom devem ser imediatamente reabertas.”

O encerramento dos únicos pontos por onde entra ajuda humanitária pode agravar uma “fome catastrófica”

Rafah e Kerem Shalom eram, até esta segunda-feira, os únicos pontos de contacto de Gaza com o exterior. Era por ali — em Rafah, na fronteira sul com o Egipto, e em Kerem Shalom, no sudoeste, na fronteira não apenas com o Egipto mas também com Israel — que passavam até agora os poucos camiões de ajuda humanitária autorizados a entrar no enclave.

As duas entradas foram, contudo, encerradas pelas Forças de Defesa de Israel. Após os bombardeamentos sobre Rafah, as tropas israelitas avançaram até ao posto fronteiriço da cidade e passaram a controlá-lo, encerrando-o. Já Kerem Shalom foi alvo de uma salva de rockets, disparados pelo Hamas na manhã desta terça-feira, em direção ao lado israelita da fronteira — o que fez Telavive responder com o encerramento dessa passagem.

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A passagem de Rafah era um dos últimos pontos por onde entrava ajuda humanitária em Gaza

Getty Images

Sem a entrada de alimentos, água e medicamentos, a situação humanitária em Gaza deverá degredar-se ainda mais ao longo dos próximos dias — com as Nações Unidas a avisarem que “a fome catastrófica que já é sentida no norte de Gaza vai piorar ainda mais”.

Tudo dependerá dos objetivos do Exército israelita. Por enquanto, Telavive garante que esta se trata apenas de uma operação para estabelecer o “controlo” em Rafah, a fim de destruir quatro batalhões do Hamas que se mantêm na cidade, bem como os principais líderes do grupo — algo a que os Estados Unidos não se têm oposto, conquanto que seja uma operação limitada que não resulte numa ocupação plena. Mas o governo de Benjamin Netanyahu concordará? E quantos poderão morrer entretanto?

O acordo de três fases que parecia fechado, mas não estava. Hamas e Israel não se entendem sobre quando deverá ser o fim da guerra

As ameaças de que Israel tencionava entrar em Rafah pairavam há muito. Mas concretizaram-se num período muito concreto: dias depois de o Hamas ter anunciado que havia sido alcançado um acordo para cessar-fogo na Faixa de Gaza. Telavive apressou-se a negar o entendimento e, pouco depois, avançou para o sul do enclave.

Para compreender tudo o que se passou, é preciso recuar. Depois de meses de impasse nas negociações, a 26 de abril foi alcançado um avanço: as duas partes entenderam-se quanto à maioria dos princípios de um acordo em três fases. A primeira envolveria um cessar-fogo de 42 dias para permitir a libertação de centenas de prisioneiros palestinianos em território israelita, ao mesmo tempo que o Hamas libertaria 33 dos reféns que ainda mantém em Gaza.

Em concreto, um ponto essencial dividia as duas partes: quando é que deveria ser aplicado um cessar-fogo definitivo — ou seja, na prática, quando chegaria a guerra ao fim. O Hamas exigia que o acordo impusesse o fim de todas as hostilidades militares em Gaza logo na segunda fase; Telavive recusava, querendo manter a possibilidade de levar a cabo operações militares no futuro.

O grande problema é que as duas fases seguintes, que se referiam à reconstrução de Gaza e ao futuro da região, ainda tinham aspectos por limar. Em concreto, um ponto essencial dividia as duas partes: quando é que deveria ser aplicado um cessar-fogo definitivo — ou seja, na prática, quando chegaria a guerra ao fim. O Hamas exigia que o acordo impusesse o fim de todas as hostilidades militares em Gaza logo na segunda fase; Telavive recusava, querendo manter a possibilidade de levar a cabo operações militares no futuro.

Perante isto, o Hamas apressou-se a anunciar publicamente um acordo — na esperança de que, pressionado pelo apoio popular e internacional, Netanyahu aceitasse discutir os detalhes futuros mais tarde. Mas Israel puxou-lhe o tapete e garantiu que ainda não havia entendimento: “A ideia de que iremos parar esta guerra antes de atingirmos todos os nossos objetivos está fora de questão”, afirmara o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu dias antes. Na segunda-feira, confirmou isso mesmo, ao partir para a incursão em Rafah.

Se esta operação é temporária ou se se tornará numa ocupação permanente, ninguém sabe ao certo. Tal depende, provavelmente, de uma série de fatores. A jogada de Telavive pode ser a de tentar condicionar o Hamas e levá-lo a ceder nas negociações através da atuação militar. Isto porque as negociações continuam a par e passo com a guerra. Responsáveis do Hamas e do governo israelita chegaram ao Cairo esta terça-feira para continuar a afinar um possível acordo. O diretor norte-americano da CIA, William Burns, também se juntará para tentar mediar, noticia o Wall Street Journal.

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O líder do Hamas, Yahya Al-Sinwar, tem interesse em conseguir um acordo que inclua um cessar-fogo definitivo, para garantir a sobrevivência do Hamas

SOPA Images/LightRocket via Gett

Até porque, na verdade, as duas partes têm interesse em conseguir pelo menos um cessar-fogo — mas a duração do mesmo continua a ser um entrave. Como resume o jornalista israelita Anshel Pfeffer, do lado do Hamas o líder Yahya Sinwar quer, acima de tudo, “fazer uma volta de vitória fora do bunker, como lhe resumiu uma fonte dos serviços secretos de Telavive. Se obtiver garantias de que o cessar-fogo se tornará permanente, Sinwar acredita que conseguirá manter algum tipo de presença do Hamas em Gaza (quem sabe até reclamar para si louros sobre o acordo) e, com isso, assegurar a sobrevivência do grupo.

Bibi está a caminho de um cerco militar total ou acordo ainda é possível?

Do lado de Israel, contudo, Netanyahu enfrenta uma situação politicamente mais complicada. Os aliados dos partidos de extrema-direita que sustentam o seu governo têm sido claros na vontade de entrar em Rafah e controlar por completo a Faixa de Gaza. Um dos seus líderes, Itamar Ben-Gvir, ameaçou mesmo Netanyahu este sábado: “Ele sabe muito qual será o preço” a pagar por não cumprir “os seus compromissos”, disse, insinuando uma possível queda do governo.

O primeiro-ministro israelita tem também repetido que o objetivo desta guerra é “a destruição total do Hamas” e, com o acordo nos termos que o Hamas deseja, Netanyahu teria de admitir uma derrota pelo menos parcial. “O Hamas quer um cessar-fogo permanente que lhe permita manter algumas capacidades militares. Bibi quer apenas uma pausa temporária no caminho até à ‘vitória total’”, resumiu Frank Lowenstein, antigo enviado da Casa Branca para o Médio Oriente.

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Netanyahu com Itamar Ben-Gvir (à direita), um dos seus aliados de extrema-direita que pressiona para a ocupação efetiva de Rafah

AFP via Getty Images

A pressão sobre Netanyahu para aceitar o acordo, porém, também é muita. Na noite de segunda-feira, as famílias dos reféns que ainda estão em Gaza participaram em manifestações a pedir isso mesmo. E não estão sozinhos: uma sondagem feita nos últimos dias revela que 62% dos israelitas inquiridos preferem um acordo que leve à libertação dos reféns em vez de uma ação militar em Rafah.

Para além da pressão interna, há também a pressão internacional, personificada no aliado Estados Unidos. As divergências entre Joe Biden e Benjamin Netanyahu são cada vez mais notórias e Washington desespera por não haver vontade do lado israelita em aceitar o seu plano a longo-prazo para Gaza, com a reabilitação da Autoridade Palestiniana, preferindo antes manter uma guerra sem fim claro à vista.

Quando as bombas pararem, que Gaza vai emergir dos escombros? Biden e Netanyahu divergem nos planos para “o dia seguinte”

A crise humanitária em Rafah pode agravar ainda mais as tensões diplomáticas, sobretudo com o vizinho Egipto. Ao controlar a passagem fronteiriça daquela cidade, Telavive está a violar o acordo que assinou com o Cairo em 2004, que prevê o controlo do corredor Philadelphi (toda a faixa da fronteira sul de Gaza) pelos egípcios. E alimenta os fantasmas do regime do Cairo, que desconfia há anos de um possível plano israelita para enviar milhares de palestinianos para a península do Sinai. “Aquele corredor é muito mais importante de que os quatro batalhões que o Hamas tem em Rafah”, resumiu ao Wall Street Journalist o especialista militar Ofer Shelah. “O Hamas recebe mantimentos e reforça-se sobretudo graças ao deserto do Sinai.”

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Yoav Gallant, ministro da Defesa israelita, visitou as IDF em Rafah esta terça-feira

Anadolu via Getty Images

Um sinal de que Israel poderá querer ocupar Rafah de forma mais definitiva? Ou será esta ofensiva militar apenas uma forma de pressão negocial pela força das armas? A resposta está apenas na cabeça dos líderes israelitas. Alon Pinkas, antigo cônsul israelita nos Estados Unidos, afirmou taxativamente ao New York Times que Netanyahu está “sem opções” e que embarcou numa missão quase suicida, “transformando Rafah numa espécie de Estalinengrado”.

Mas o gabinete de guerra israelita não é composto apenas por Bibi. E, esta terça-feira, o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, visitou as tropas do país em Rafah, onde garantiu que a operação irá continuar até à destruição da última brigada do Hamas — “ou até eles entregarem o primeiro refém a Israel”. Um sinal de que, independentemente da retórica pública, o caminho das negociações pode continuar aberto.

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