Ninguém podia prever que, em menos de quatro meses, a velocidade de contaminação da Covid-19 atropelasse a Europa e a tornasse no novo epicentro da pandemia. E é certo que a estratégia para prevenir e controlar o novo coronavírus não foi uma linha reta, teve avanços e recuos que podem ter custado tempo e milhares de vidas. Mas, em alguns aspetos, avisos não faltaram — nomeadamente no que diz respeito à necessidade de preparar os hospitais para o cenário mais grave.
A Organização Mundial de Saúde pode ter hesitado em declarar a Covid-19 uma pandemia, segundo alguns académicos, mas falou de forma muito clara quando chamou a atenção dos governos para a “escassez crónica” de materiais médicos e equipamentos de proteção individual. Nesse capítulo, nunca hesitou. Foram, pelo menos, quatro os discursos que não deixaram margem para qualquer dúvida: entre 7 de fevereiro e 3 de março, Tedros Ghebreyesus, diretor-geral do organismo mundial, falou em materiais “insuficientes para atender todas as necessidades”, numa “janela de oportunidade” para salvar vidas que se estava a fechar ou em reservas a esgotar-se rapidamente.
Num desses discursos, o responsável da OMS não podia ter sido mais claro no aviso a todos os países: “Os hospitais têm oxigénio ou ventiladores suficientes? Os profissionais de saúde estão equipados com o precisam para trabalharem protegidos? Se a resposta a uma dessas perguntas for ‘não’, o vírus vai explorar essa lacuna“. Foi ainda em fevereiro, mas as grandes compras em Portugal — como na maioria dos outros países da Europa — só começaram em março.
Tedros Ghebreyesus insistia que ou os países se antecipavam e começavam a reservar stock de luvas, máscaras, batas cirúrgicas, óculos de proteção e, em especial, ventiladores, ou falta desses equipamentos iria colocar em risco os profissionais de saúde que cuidam de doentes infetados pelo novo coronavírus. A questão que se coloca é por que se esperou tanto tempo para ver os países e governos a reservarem equipamentos médicos para uma situação de emergência? O Observador colocou essas questões ao Ministério da Saúde e à Direção-Geral de Saúde, mas, apesar de ter insistido várias vezes, nunca obteve resposta.
Depois de um mês de inação, em que os apelos de Ghebreyesus parecem ter sido desvalorizados, com o crescimento exponencial de infetados e vítimas mortais começou a corrida ao equipamento médico para o combate à Covid-19. Na “guerra das máscaras” vale tudo: os Estados Unidos confiscam material destinado ao Canadá e à Alemanha, França tenta ficar com máscaras que iam a caminho de Espanha e até os serviços secretos israelitas se servem de contactos privilegiados para fechar negócios. Por cá, sobretudo numa primeira fase, as instituições socorreram-se de ofertas e donativos.
OMS alertou para escassez de equipamentos. Ninguém ouviu.
Em, pelo menos, quatro discursos ou conferências de imprensa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou para a escassez crónica de equipamento de proteção para os profissionais de saúde, como máscaras, luvas ou batas.
Dia 7 de fevereiro. “A procura é, agora, 100 vezes superior ao normal e os preços estão 20 vezes mais altos”, lamentou Tedros Ghebreyesus, diretor-geral OMS. “Os stocks globais de máscaras e ventiladores são insuficientes para atender todas necessidades. Há equipamentos esgotados ou com atrasos na produção entre 4 a 6 meses.”
Esse discurso foi lido na sede da organização, em Genebra.
Para inverter a situação, pediu medidas concretas aos responsáveis pela distribuição de artigos médicos, de forma a evitar o “afunilamento” da produção — o que poderia comprometer o combate ao novo coronavírus.
Dois dias antes, a OMS já tinha aplicado 10 milhões de euros do Fundo de Contingência para Emergências na distribuição de 500 mil máscaras, 350 mil luvas, 40 mil ventiladores e 18 mil peças de vestuário por 20 países. A agência enviou, ainda, 250 mil testes a 70 laboratórios de referência de forma a agilizar a deteção precoce da doença.
Dia 11 de fevereiro. A OMS falava na existência de uma “janela de oportunidade” para os governos atuarem rapidamente e adotarem “medidas para salvar vidas”, o que incluía reforçar os stocks de equipamentos de proteção individual — máscaras, luvas, óculos de proteção, ventiladores, batas cirúrgicas entre outros — e enfrentar um possível contágio em massa.
Dia 27 de fevereiro. Já depois da OMS alertar o mundo para uma “eventual pandemia“, Tedros voltaria a apelar aos governos para prepararem os serviços de saúde para o surto: “Os hospitais têm oxigénio ou ventiladores suficientes? Os profissionais de saúde estão equipados com o precisam para trabalharem protegidos? Se a resposta a uma dessas perguntas for ‘não’, o vírus vai explorar essa lacuna”.
Dia 3 de março. Foi a vez de os números falarem mais alto do que as palavras. Segundo a OMS, o combate mundial ao novo coronavírus só se faria com 89 milhões de máscaras cirúrgicas, 76 milhões de luvas e 1,6 milhões de óculos de proteção – por mês. A falta destes equipamentos, explicava Ghebreyesus, colocaria em risco os profissionais que cuidassem de doentes infetados pelo novo coronavírus. Na conferência de imprensa, revelou ainda que a OMS tinha enviado mais de meio milhão de artigos de proteção individual a 27 países, mas as reservas estavam a “esgotar-se rapidamente”. A especulação também já comprometia a capacidade de resposta. Nesta fase, os preços das máscaras cirúrgicas aumentaram seis vezes e os ventiladores triplicaram.
“Há uma desorganização grave e crescente da oferta mundial de equipamentos de proteção individual, provocada pelo aumento da procura, a acumulação e o mau uso”, criticou Tedros Ghebreyesus
As contas também já vinham feitas. Só um aumento de 40% na produção de material de proteção estaria à altura da pandemia. Sem meias palavras, o diretor-geral da OMS admitiu que a indústria e os governos “deviam agir rapidamente para aumentar a oferta, aliviar as restrições às exportações e adotar medidas para deter a especulação”.
O tom foi de ultimato. E uma semana depois, a 11 de março, preocupada tanto com os níveis de propagação, como pelos níveis “alarmantes de inação”, a OMS classificou a Covid-19 como uma pandemia (um surto de doença com distribuição geográfica internacional muito alargada e simultânea).
O anúncio surgiu quando havia 118 mil infetados em 114 países e 4.291 mortes, depois de semanas de “resistência à crescente pressão exercida por cientistas, políticos” e outras entidades, depois dos elevados números de casos na Coreia do Sul, Irão e Itália, escreveu a revista Nature. Certo é que só aí é que resultou.
Momentos-chave no surto de Covid-19: da "prevenção" à "pandemia"
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31 de dezembro de 2019
- Organização Mundial de Saúde (OMS) reporta 27 casos de pneumonia de origem desconhecida detetados na cidade chinesa de Wuhan, província de Hubei. Todos os casos estavam ligados a um mercado de e animais vivos (peixe, mariscos e aves).
9 de janeiro de 2020
- Uma investigação identifica uma doença respiratória que infetou 59 pessoas na cidade de Wuhan como sendo um novo coronavírus. Possíveis casos da mesma doença relatados em Hong Kong e na Coreia do Sul, envolvendo pessoas que viajaram até Wuhan.
14 de janeiro
- A OMS assegura que os hospitais do mundo estão a ser preparados para lidar com o novo vírus, não afastando um cenário de contágio em massa. Com os casos na China a subir todos os dias, a OMS não estabelece um comité de emergência, tendo optado por tomar medidas de prevenção e controlo de infeções
- Maria Van Kerkhove, diretora do departamento de doenças emergentes da OMS, confirma que o genoma do novo vírus sequenciado por laboratórios chineses é da família da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave). A especialista admite a possibilidade de casos de contágio entre humanos
27 e 28 de janeiro
- A OMS corrige a avaliação do coronavírus para “risco de propagação mundial” depois de inicialmente ter sido descrito como “moderado”. A mudança foi assumida como “um erro” na redação do relatório.
- Corrida às máscaras de proteção respiratória nas farmácias portuguesas. A Associação Nacional das Farmácias confirma contactos com fornecedores para responder ao aumento da procura.
- A ministra da Saúde, Marta Temido, assegura que os hospitais portugueses estão preparados para lidar com a eventual epidemia de coronavírus e que a situação está a ser tratada de forma “tranquila, mas rigorosa”.
- O Centro Europeu de Controlo das Doenças pede aos estados-membros da União Europeia que adotem “medidas rigorosas e oportunas” para controlo do novo coronavírus.
30 e 31 de janeiro
- Após três reuniões no espaço de uma semana, a OMS declara “emergência global de saúde pública”, devido ao novo coronavírus mas opõe-se a restrições de viagens e trocas comerciais. O diretor-geral da OMS, explica que a maior preocupação é o vírus se espalhar nos países com “sistemas de saúde mais fracos”. Sublinha que a decisão “não é um voto de desconfiança em relação à China”
- A comissária europeia da Saúde garante que a maioria dos Estados-membros da União Europeia está “muito bem preparado” para lidar com o novo coronavírus, mas admitiu “financiamento de emergência” para os países darem resposta se necessário
- DGS emite documento com orientações para a prevenção e controlo da infeção pelo novo coronavírus. Graça Freitas confirma que Portugal tem “todos os meios e dispositivos preparados”.
3, 4 e 5 de fevereiro
- OMS considera que a epidemia do novo coronavírus que surgiu na China não é uma pandemia, termo que se aplica a uma situação de disseminação global de uma doença.
- China admite “deficiências e dificuldades na resposta à epidemia” e o governo anuncia que o país precisa urgentemente de máscaras de proteção, luvas, óculos e outros equipamentos para enfrentar a epidemia.
- Andrea Ammon, diretora do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, assegurou que a situação do novo coronavírus na Europa está “controlada” e assim continuará se os Estados-membros continuem a “confinar os casos e evitar a sua propagação”
- DGS esclarece que em Portugal não é necessário o uso de máscaras para proteção contra o novo coronavírus, com exceção dos cuidadores de eventuais infetados com a doença. Graças Freitas repete a mensagem de que os rastreios são “pouco eficazes” e que o método mais adequado para despistar possíveis casos de infeção por vírus é a divulgação de informação.
7 e 11 de fevereiro
- OMS alerta para a escassez de máscaras e outros equipamentos de proteção contra o novo coronavírus. Tedros Ghebreyesus acrescenta que vai tentar, junto dos responsáveis pelas cadeias de produção, resolver os “afunilamentos” registados.
- Dias depois, Tedros insiste na “janela de oportunidade” para combater a doença. Pede aos governos que invistam na compra de equipamentos – máscaras, luvas, óculos de proteção, ventiladores, batas cirúrgicas, entre outros – de forma a enfrentar um possível contágio em massa.
23 e 24 de fevereiro
- OMS alerta para o mundo se preparar para uma “eventual pandemia”. Aumenta para “muito elevado” o nível de ameaça do novo coronavírus.
- O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirma que os países devem fazer tudo que estiver a seu alcance para responderem à ameaça do novo coronavírus, o Covid-19.
27 de fevereiro
- OMS volta a falar na “janela de oportunidade” para os países atuarem rapidamente. Ghebreyesus sublinhou que o momento não é de medo, mas sim de “tomar medidas para prevenir novas infeções e salvar vidas”. Enfatiza ainda para os países prepararem os seus sistemas de saúde para o surto.
3 de março
- O diretor-geral da OMS alerta para a interrupção no fornecimento de equipamentos de proteção individual. A escassez de itens de proteção individual, como máscaras, “está a deixar os profissionais de saúde da linha de frente mal equipados para cuidar dos pacientes com Covid-19″. Segundo ainda Tedros, “os preços das máscaras cirúrgicas aumentaram seis vezes, os ventiladores mais do que triplicaram e as batas de proteção custam agora o dobro”.
- Confirmados dois primeiros casos de Covid-19 em Portugal, a 2 de Março. Em entrevista à SIC, Graça Freitas considera que Portugal está na “fase inicial de uma possível epidemia” e para já, não é possível perceber se o número de casos “vai aumentar ou estagnar”.
11 e 13 março
- Mais de três meses depois de terem aparecido os primeiros casos em Wuhan, na China, a Covid-19 deixa de ser considerada uma epidemia e foi, pela primeira vez, declarada pela OMS como pandemia — um dia depois de a OMS ter já dito que a ameaça de uma pandemia por coronavírus se tinha tornado “muito real”.
- A Europa é o novo epicentro da pandemia do Covid-19. É um “marco histórico”, lamentou Tedros
Portugal: Primeiras grandes encomendas só em Março
Apesar de todos os avisos da OMS ao longo do mês de fevereiro, a pedir para os países e governos se preparassem para o surto, mantendo stock de material médico, também em Portugal as recomendações de Tedros Ghebreyesus parecem ter sido desvalorizadas.
De acordo com as informações disponibilizadas pelo Base, o Portal dos Contratos Públicos, é possível verificar que as primeiras encomendas feitas com o carimbo “coronavírus” foram registadas com a data de 2 de março, relativas a contratos assinados a 24 de fevereiro. Não chegam a 200 mil euros de batas, máscaras e luvas — e têm todos prazos de execução por volta dos 300 dias.
E só uma semana depois, a 11 de março, mais de um mês depois dos primeiros avisos da OMS, foi publicado o despacho do Ministério da Saúde a determinar o “reforço imediato” do “stock dos medicamentos, dispositivos médicos e equipamentos de proteção individual” em 20% (relativamente ao consumo do ano anterior).
Mas a primeira grande encomenda só chegaria a 18 de março, em nome da própria DGS: mais de 5 milhões de euros em máscaras e fatos de proteção.
Através do Portal de Contrato Públicos é também possível concluir que o volume de encomendas cresce à medida que a pandemia a ganha fôlego em Itália e Espanha.
Veja-se este exemplo: depois da OMS justificar a declaração de pandemia, a 11 de março, com os «níveis alarmantes de propagação e inação» — e de Itália ter apertado as medidas de confinamento —, a DGS celebra, a 17 de março, um contrato no valor de mais de 7 milhões de euros para a aquisição de “equipamento médico” com “urgência imperiosa”. Um dia depois, foi feita uma compra superior a 5 milhões de euros a uma empresa que só se dedica à produção de vestuário médico e hospitalar descartável.
Só se voltariam a ver valores dessa ordem de grandeza no final de Março. Sendo que há uma encomenda (contratualizada a 26 de Março) que salta à vista: mais de 11 milhões de euros adjudicados a um fornecedor só de luvas descartáveis. Também aqui foi solicitada “urgência imperiosa”.
Somadas as “encomendas Covid-19”, feitas entre os dias 6 e 31 de Março, a DGS investiu mais de 30 milhões de euros equipamento médico para ser entregue a “diversas entidades”.
Coincidência, ou não, a OMS, a 27 de março, reconhecia (novamente) que a mais urgente ameaça global era a falta de equipamentos de proteção individual. A agência enviou cerca de 2 milhões de artigos e equipamentos de proteção a 74 países. Um número “insuficiente”, admite Ghebreyesus, e pede que o problema seja resolvido com a “cooperação e solidariedade” de todos os países.
Quanto a grandes compras internacionais, o Ministério da Saúde, questionado pelo Observador, confirma que concorreu aos quatro concursos que a Comissão Europeia lançou, entre os dias 24 e 30 de março, para a aquisição de equipamentos médicos (máscaras, óculos de proteção e viseiras), ventiladores, testes laboratoriais e medicamentos. Segundo a mesma resposta do gabinete de Marta Temido, os países interessados “reportaram as suas necessidades” e aguardam agora que a Comissão valide essas propostas.
Ursula von der Leyen, em entrevista ao jornal espanhol El País, explicou que com essa compra conjunta de material para profissionais de saúde foi possível cobrir as necessidades de 25 Estados-membros. Confrontada com o facto de o equipamento médico enviado pela China ter chegado mais depressa a Itália do que a ajuda da União Europeia, a presidente da Comissão Europeia disse tratar-se de uma “troca de favores”, já que, quando o território chinês foi atingido pelo coronavíurs, em janeiro, a “União Europeia enviou 56 toneladas de material”.
Entretanto, e apesar das garantias dadas pelo Governo de que o stock de material de “combate à Covid-19” está a ser reforçado, avolumam-se as queixas de falta de equipamento de proteção em todas as áreas — dos profissionais de saúde, aos bombeiros, passando pelas forças de segurança, sem esquecer as IPSS ou os lares.
O Observador colocou essas questões ao Ministério da Saúde e à Direção-Geral de Saúde, mas, apesar de todos os esforços, não conseguiu obter uma declaração das duas entidades com responsabilidades na aquisição de material médico.
“Solidariedade” aterrou no aeroporto de Lisboa
Com o Serviço Nacional de Saúde a atravessar um momento crítico, várias entidades com responsabilidades na área da saúde têm vindo a apelar à solidariedade de todos. Particulares e empresas. Os donativos e as ofertas têm servido para compensar algumas das carências dos hospitais.
Esta semana, a gigante tecnológica Tencent ofereceu a Portugal equipamento médico e de proteção contra a Covid-19. O donativo da fornecedora de serviços de internet, que equivale a um milhão de euros, surgiu na sequência de um pedido da empresária chinesa da área do imobiliário, Ming Chu Hsu, que reside em Portugal. No total, a empresa está a oferecer 120 mil máscaras do tipo N19, 250 mil máscaras cirúrgicas, 30 mil fatos de proteção, 500 mil pares de luvas, dez mil óculos de proteção e 120 mil máscaras de proteção para o rosto.
A empresária chinesa Ming Chu Hsu, que em Portugal detém a promotora Reformosa, apoiou, com um investimento a rondar os 4,6 milhões de euros, a aquisição de 80 ventiladores, 1 milhão de máscaras, 22 mil fatos de proteção, 100 mil pares de luvas, 100 mil óculos de proteção e 10 mil toucas cirúrgicas. A carga, na ordem das 20 toneladas, aterrou em Lisboa num avião da TAP fretado pelo Estado português, e incluiu o equipamento médico doado pela EDP (e o seu acionista chinês, a estatal China Three Gorges), as doações dos “gigantes” chineses da Internet, Tencent e Alibaba, para além de aquisições feitas pelo Estado português. Ao todo, o avião transportou 144 ventiladores e outro material médico, que será agora distribuído pelas unidades de saúde espalhadas pelo País.
Há duas semanas, Ming Chu Hsu já tinha oferecido um conjunto de equipamentos de proteção médica ao Hospital de Santa Maria, e organizou um consórcio de empresas luso-chinesas que já reuniram mais de 200 mil euros para entregar a entidades oficiais portuguesas.
Chegaram hoje os primeiros ventiladores para reforçar o SNS, incluindo 78 doados por uma empresária chinesa em articulação com a CML e a Embaixada de Portugal na China. Uma encomenda que vem ajudar o trabalho dos nossos profissionais e de quem mais precisa do apoio de todos. pic.twitter.com/KvT8w7Xfzn
— Fernando Medina (@F__Medina) April 5, 2020
Um conjunto de oito empresas, onde se inclui o Banco Santander, a Galp ou a Boutique dos Relógios já anunciou que vai doar 126 ventiladores ao SNS para reforçar a capacidade dos vários serviços de cuidados intensivos do país. Também a Unicef vai oferecer 80 mil máscaras de proteção para as unidades de saúde nacionais e anunciou o lançamento de uma campanha de recolha de fundos para fazer face à pandemia de Covid-19. É a primeira vez que a agência direciona este tipo de campanhas para os países desenvolvidos.
Na área do desporto, o plantel profissional do Benfica juntou uma verba que permitiu a compra, esta semana, de 51 mil máscaras, 540 mil pares de luvas, 750 óculos de proteção e fatos térmicos, entre outros materiais para o SNS, indicou o Benfica, no site oficial, sem especificar o valor angariado. Também o treinador Nuno Espírito Santo juntou-se ao Vitória de Guimarães, a Cristiano Ronaldo e ao empresário Jorge Mendes para doar uma central de monitorização à Unidade de Cuidados Intensivos, bem como equipamento de proteção individual para os profissionais do Hospital da Senhora da Oliveira.
Ronaldo e Jorge Mendes já tinham feito doações para equipar totalmente duas unidades de cuidados intensivos no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que integra os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente. E ainda uma unidade de cuidados intensivos ao Hospital de Santo António, no Porto. Jorge Mendes também ofereceu mil câmaras expansoras e 200 mil batas de proteção individual ao Hospital de São João, no Porto. Já a sua empresa de representação de jogadores a Gestifute, uniu-se à Fundação Fosun, em Xangai (cidade chinesa geminada com o Porto) e fez uma doação ao município portuense de 53 mil máscaras, 5 mil testes, 200 óculos e 200 fatos de proteção.
E há ainda as empresas que mudaram as suas produções para poderem fazer materiais de proteção, como máscaras, viseiras ou gel desinfetante, e particulares que se juntaram em grupos para fazer o mesmo.
A Direção-Geral da Saúde tem já disponível um registo online no seu site para quem pretende fazer doações ao Serviço Nacional de Saúde, com a indicação também das normas que os equipamentos devem cumprir para serem seguros.
O mundo está em “guerra” e a culpa é das “máscaras”
A ida tardia ao mercado, por parte da maioria dos países, transformou os equipamentos de proteção e dispositivos médicos em bens preciosos e muito desejados — lançando uma guerra entre quem os quer disputar. Só esta semana, os Estados Unidos foram acusados de desviar um carregamento com 200 mil máscaras de proteção da multinacional 3M que estava destinado à polícia de Berlim, uma ação que o responsável pela segurança interna na capital da Alemanha classificou como “pirataria moderna”. Donald Trump não ficou por aqui e ordenou à 3M que dê prioridade aos estados norte-americanos na venda de equipamento de proteção. “Precisamos deste material com urgência para uso no nosso país”, disse o presidente dos Estados Unidos, admitindo só abrir exceções para pedidos de Itália e Espanha. Uma decisão que terá “graves implicações humanitárias” nos serviços de saúde do Canadá e da América Latina, segundo antecipa a OMS.
A chamada “guerra das máscaras”, como foi batizada pela imprensa internacional (por se tratar de um dos produtos mais do novo coronavírus) tem criado tensões entre países aliados, incluindo no interior da União Europeia. Antes mesmo da OMS considerar a Covid-19 uma pandemia, o governo da Alemanha proibiu as exportações de fatos de proteção integral e reteve carregamentos com destino a países vizinhos. Medidas que originaram fortes críticas na Suíça e na Áustria.
Também a França tomou medidas drásticas. Emmanuel Macron ordenou a requisição de todos os stocks disponíveis em território francês, o que originou um conflito diplomático. As máscaras da empresa sueca Molnlycke deviam seguir de Espanha para a Suécia, mas o carregamento de quatro milhões de unidades foi confiscado pelo governo francês quando seguiam o seu caminho pela Europa. A operação foi contada pela revista francesa L’Express que, entretanto, revelou que as máscaras chegaram ao país de destino depois de semanas de negociações.
Já a Turquia, depois de ter doado cinco toneladas de máscaras, fatos e óculos de proteção e gel desinfetante a Espanha e Itália, bloqueou em Ancara um avião com centenas de ventiladores comprados e pagos pelas comunidades autónomas espanholas, de forma a reforçar o serviço nacional de saúde. Foi a própria ministra espanhola dos Negócios Estrangeiros, Arancha González, que revelou o caso, numa conferência de imprensa. A CNN, entretanto, divulgou que o material já estava em Espanha e ia ser distribuído pelos vários hospitais
Também os serviços secretos israelitas conseguiram fretar três carregamentos de material médico para o país, incluindo 27 ventiladores para os cuidados intensivos, e esperam a chegada de outros 160. A informação foi revelada por um agente da Mossad, responsável pela operação.“Estamos a usar todos os nossos contactos para vencer a batalha e fazer provavelmente o que todos fazem: conseguir produtos encomendados por outros”, admitiu o agente a um canal de televisão israelita. “Supervisionei muitas operações na minha vida e nunca geri uma operação tão complexa”, revelou. Nos próximos dias, a Mossad conta fechar a compra de 1,5 milhões de máscaras, dois milhões de luvas e material de proteção e mais 180 ventiladores.
Quando a corrida ao equipamento médico para combate à Covid-19 se transformou numa espécie de selva, a OMS voltou a apelar aos países membros do G20 para aumentarem a produção de equipamento médico para fazer frente à pandemia.
Espanha: ministro da saúde devia ter “antecipado a compra e ser humilde”
Já em Espanha, a 11 de março, o ministro da Saúde, Salvador Illa, anunciou que “não havia razão para tomar qualquer medida adicional de saúde pública”, como a aquisição de proteção individual. Os espanhóis desconfiaram da afirmação.
Segundo relatos dos sindicatos, os médicos e enfermeiros começaram a guardar luvas, máscaras ou gel desinfetante em cacifos fechados à chave. Os roubos nos hospitais multiplicaram-se. Familiares de pacientes saíam das visitas com máscaras ou luvas escondidas nos bolsos. Nas farmácias, a procura por álcool, luvas e máscaras disparou. Assim como os preços. O presidente da Federação de Distribuidores Farmacêuticos alertou para a limitação dos stocks, quando eram vendidas 80 mil unidades diariamente.
Três semanas depois, a 6 de abril, Espanha é o segundo país no mundo a ultrapassar a barreira dos 10 mil mortos, após a Itália. O número de casos confirmados já ultrapassou os 115 mil. Os hospitais estão saturados, sobretudo em Madrid, Barcelona ou na Região da Andaluzia.
A opinião pública acusa agora o governo de Pedro Sánchez de ter ignorado os alertas da OMS para reforçar o stock de artigos de proteção durante a fase inicial de uma epidemia. Isto apesar de todas essas recomendações constarem nos relatórios sobre a epidemia elaborados pelo executivo.
O jornal El Mundo escreveu que no palácio La Moncloa ninguém viu a necessidade de “fazer compras adicionais de equipamento médico” para garantir a proteção dos médicos e enfermeiros, conforme orientações da OMS. Ou de tirar partido da “janela de oportunidade” (anunciada a 11 de fevereiro) para a aquisição de artigos que permitisse enfrentar um possível contágio maciço pelo vírus. E que se veio a tornar realidade quatro semanas depois, no início de março.
O líder da oposição, Pablo Casado, em entrevista à estação de televisão Telecinco, não perdeu a oportunidade de acusar o ministro Salvador Illa de ter ignorado os avisos da OMS, quando o mais correto era ter “antecipado a compra e ser humilde”.
(Artigo corrigido no domingo, às 12h49, com a indicação das encomendas dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde celebradas a 24 de fevereiro)