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Nasceu em janeiro de 2015 pela mão de Sacha Michaud e de Oscar Pierre e quatro anos depois está presente em 124 cidades de 21 países, emprega mais de mil pessoas no mundo e conta com uma rede de 35 mil estafetas. A Glovo — app que permite aos utilizadores comprar, receber e enviar várias coisas através de um serviço de estafeta — convenceu vários investidores internacionais a financiarem a expansão da startup espanhola em cerca de 300 milhões de euros. Em entrevista exclusiva ao Observador, o cofundador Sacha Michaud diz que o negócio já é positivo no sul da Europa, ou seja, que os serviços que prestam já fazem mais dinheiro do que o que custam, mas não avança valores. Num mercado que tem como principal concorrente no segmento de restauração a Uber (com o serviço UberEats), explica que isso tem feito com que cresçam mais “com muito menos dinheiro”. O objetivo, agora, é continuar a crescer, consolidar o negócio, para daqui a dois ou três anos, ter lucro — mas isto se não mudarem de ideias antes.
Com mais de 20 anos de experiência em empresas tecnológicas, o empreendedor explica que teve “sorte”, porque quando olha para trás vê “mais fracassos do que sucessos”. Ainda assim, depois de ter estado durante nove anos na Betfair, lançou a Glovo em Barcelona, cidade onde hoje emprega mais de 400 pessoas, e conta atualmente com 5,5 milhões de utilizadores ativos na aplicação e conta com 16 mil parceiros. Para Portugal — país no qual opera desde 2017 –, não descarta possibilidades de futuro, quer seja para instalar as mais recentes novidades da empresa — os dark supermarkets e as cook rooms –, quer seja para um novo hub tecnológico. “O que Portugal fez com o ecossistema tecnológico é um caso de estudo muito bom para a Europa”, afirmou. Apesar do crescimento, admite que tem aprendido “muito mais com os erros do que com as coisas que correm bem”.
“Provavelmente tive mais falhanços do que sucessos”
Tem mais de 15 anos de experiência em startups. Teve, inclusive, um projeto que vendeu à StarMedia. Quantas empresas já lançou?
Provavelmente fundei cinco ou seis, mas também estive envolvido noutros projetos como investidor ou consultor desde muito cedo. Comecei em 1996, há mais de 20 anos, quando a internet ainda estava a arrancar.
Mudaram muitas coisas nestes 20 anos.
Sim, mudaram. Foi maravilhoso porque os negócios que surgiam em 1996 ou 1997 nasciam antes do tempo. Já havia uma Glovo — uma plataforma de entregas — no final dos anos 1990 em Nova Iorque, nessa altura, mas era muito cedo para ela: não havia muitos telemóveis. Acabou por falir, mas porque tinha nascido antes de tempo. A grande diferença [para a Glovo], o que acho que mudou, foi a mobilidade e o facto de estarmos sempre online. Agora, estamos ligados 24 horas por dia durante sete dias por semana. Também havia uma mercearia [online] no final dos anos 1990, nos EUA, que recebeu muito investimento mas faliu, muito antes de a Amazon ter tentado fazer o mesmo. E agora é a altura certa.
Comecei a trabalhar em tecnologia, era programador e montei uma empresa que prestava consultadoria a outras empresas que queriam olhar para a internet, que também fazia alojamento de sites. Chamava-se Servidores.com, que é um bom domínio. Depois lancei a Latinred, que correu muito bem, era um portal diferente, uma grande comunidade, muito semelhante ao que era a Yahoo! há muitos anos. E crescemos muito depressa na América Latina, apesar de estarmos sediados em Barcelona. A maioria dos nossos utilizadores estava na América Latina. Vendemos a empresa ao nosso concorrente, a StarMedia, que era cotada no Nasdaq, e integrámo-nos nela. A StarMedia foi depois vendida à Orange, subsidiária da France Telecom. E depois ajudei a lançar a Betfair, uma empresa online de jogos de azar.
Hoje, a Betfair opera em Portugal, mas a sua origem é espanhola. Depois foram para Portugal e para a América Latina. De facto, tivemos um negócio muito grande em Portugal antes da regulação. Comprámos uma empresa tecnológica no Porto [a Blip], que era muito pequena na altura e que hoje deve ter uns 800 funcionários no Porto. Por isso, a minha relação com Portugal já começou há muito tempo.
Esteve ligado a muitas empresas. Quantas foram sucessos e quantas foram falhanços?
Sim, tentei várias iniciativas que foram falhanços, provavelmente tive mais falhanços do que sucessos. Tive muita sorte. Vendi a minha primeira empresa, que era tecnológica, e que teve muito sucesso. E a Betfair, apesar de não ser minha, estava lá no início do negócio. Era uma empresa pequena, que cresceu e agora é pública. É provavelmente a maior empresa de jogos de azar do mundo cotada em bolsa, atualmente. E foi um sucesso, mas não a fundei. Fui contratado para construir o negócio, estive lá no início. Foi uma experiência muito boa, aprendi muito, conheci muitas pessoas talentosas. O nosso chairman hoje é uma pessoa que contratei na Betfair e que depois foi liderar o negócio internacional da Uber. E agora é o nosso presidente.
Qual é o segredo para permanecer durante 20 anos na área? Porque tem estes sucessos mas também tem falhanços.
Acho que se trata de gostares do que fazes. Acho que se tiveres oportunidade — e nem toda a gente a tem –, deves fazer coisas que gostas e apaixonares-te por isso. Por isso, não importa se são sucessos ou falhanços. Acho que a coisa mais importante é que aprendas e te divirtas. Estive durante nove anos na indústria dos jogos de azar, que é uma indústria muito interessante, é muito fácil ficares por lá, mas senti que precisava mesmo muito de um novo desafio. Saí no verão de 2014 e queria construir… A minha ideia era criar um Uber para coisas. A Uber estava a mudar o serviço on demand nos EUA e no mundo todo. O que disse há pouco… Tens aí o teu smartphone e consegues pedir o que quiseres a partir dele. Achei que seria incrível conseguir fazer isso.
Foi um grande desafio para mim, porque estava muito longe de qualquer outra coisa que tivesse feito antes. Antes de qualquer outra coisa, a grande diferença era que a Glovo era uma empresa citadina, não apenas digital. Quando tens uma empresa como a Latinred, para teres mais pedidos adicionas mais servidores. E aqui não é assim tão simples. Precisas da distribuição na cidade, de parceiros, é muito local, muito do retalho. Primeiro, foi preciso entender como o negócio funcionava e misturá-lo com o online, o que é super, super atrativo. Porque é uma nova fase que estamos a viver agora, onde os retalhistas, as lojas de comércio local saem da internet mas agora têm a oportunidade, penso eu, porque agora as pessoas querem coisas o mais rápido possível, a rapidez torna-se mais importante do que a localização.
Lembra-se do exato momento em que teve a ideia da Glovo?
Não, lembro-me que estava a sair da Betfair, estávamos a mudar a estrutura da equipa e anunciei que estava de saída. Queria sair e ter tempo para pensar no que queria fazer. Demorei uns cinco ou seis meses a conhecer o Oscar [Oscar Pierre, o CEO da Glovo], no final do ano. E não sei… Primeiro tens a ideia, depois investigas um pouco e percebes que não faz sentido, que não vai funcionar. Acho que foi esse o momento em que me senti com alguns amigos, tínhamos um investidor, e começámos a materializar a ideia. Primeiro, queríamos levar nas motos não apenas coisas mas também pessoas, como se fosse um serviço de táxi, mas percebemos que não fazia sentido na Europa, com todas as regulações. E começámo-nos a focar nas coisas. No final do verão de 2014 comecei a perceber que seria uma realidade e então comecei a tentar encontrar alguns parceiros e investidores.
Em quatro anos, a Glovo está presente em 124 cidades, 21 países e tem mais de 5,5 milhões de utilizadores únicos. Esperava isto em quatro anos? Eram estas as suas ambições?
As ambições eram elevadas. O Oscar é meu sócio e CEO e é muito ambicioso. Ele vê o cenário todo e eu também, já estive em negócios que cresceram muito. Por isso, era muito claro para nós que isto não seria um projeto espanhol, nem um projeto do sul da Europa, mas fomos fazendo as coisas passo a passo. Lançámos em Barcelona, as coisas correram muito bem muito depressa, não tínhamos dinheiro para gastar em marketing mas as pessoas começaram a falar sobre o serviço. Os media adoraram a ideia, isso ajudou-nos a crescer e aí sabes que tens alguma coisa. Depressa lançámo-nos em Madrid e muito rapidamente chegámos a outras cidades europeias. Tivemos sempre esta visão de que queríamos expandir o negócio e depois fomos para França, Portugal, outras cidades, e depois tivemos a oportunidade de ir para a América Latina. Acho que nunca dissemos que queríamos isto, que este era o mapa, e acho que isso teria sido um grande erro.
Teria sido um erro?
Planear tão a longo prazo? Sem dúvida.
“Estamos a crescer mais rápido e com muito menos dinheiro do que os nossos concorrentes”
Escalar de forma tão rápida foi mais difícil? A Glovo emprega mais de 1.000 pessoas no mundo.
Acho que sim. Aprendes muito quando as coisas correm bem, mas também cometes muitos erros. É preciso identificá-los e criar um guia de regras, para que seja possível replicá-lo. E depois falámos com um dos elementos chave da nossa equipa, que estava connosco desde o início, em Barcelona, e que é uma pessoa muito inteligente. Dissemos-lhe que a América Latina é um mercado muito distante e que era preciso ele ir para lá e lançá-lo. Porque às vezes, geograficamente, torna-se um problema transmitir todo o conhecimento que tens de um sítio para o outro. E acho que foi ótimo termos optado por isto, podíamos confiar nele, porque ele tinha visto tudo o que resultou e o que não resultou. Por isso, o importante é identificar as pessoas, para que possas realmente delegar e porque sabes que essa pessoa vai fazer um bom trabalho, se calhar melhor do que tu.
A Glovo fez duas rondas de investimento duas vezes no mesmo ano, a última foi de 150 milhões. Li que é uma das startups que cresce mais rápido na Europa.
Sim, mas não sei… Estamos a crescer muito depressa. Crescemos 500% no ano passado e este ano já crescemos 250%. Temos ambições e sim, somos uma startup muito bem financiada tendo em conta que somos uma startup do sul da Europa. Acho que se somarmos as rondas dá cerca de 300 milhões de euros e, pondo as coisas em perspetiva, ainda agora começámos. E porquê? Porque se olhares para aqueles que são os nossos concorrentes, somos muito pequenos. A Uber tem uma avaliação multimilionária e estamos a competir contra players massivos da indústria, que têm muito mais dinheiro do que nós. Por isso, sim, estamos felizes com o ponto a que chegámos, estamos a crescer mais rápido com muito menos dinheiro do que os nossos concorrentes. Estamos muito bem financiados, mas a nossa ambição é crescer e competir e, para isso, precisamos de investimento. E somos pequenos em comparação [com a Uber].
Qual é o objetivo desta última ronda de financiamento?
Obviamente, os recursos humanos são super importantes, queremos mesmo muito crescer a nossa equipa tecnológica, temos atualmente uma equipa relativamente pequena de 75 / 80 engenheiros. E queremos ter 300. É uma equipa muito pequena para a dimensão do nosso negócio.
Esses engenheiros vão estar onde?
Por agora, o plano é contratar para a sede de Barcelona, mas para o futuro não descartamos abrir um hub algures e ter dois centros [tecnológicos], mas ainda não decidimos. E depois, obviamente, continuar a expansão. Por isso, o negócio da Europa do Sul já é operacionalmente positivo e isso significa que os serviços que nos pedem já fazem mais dinheiro do que aquilo que nos custam e isso é bom. Por isso, estamos a aprovar o modelo de negócio em mercados maduros, queremos continuar a expandir na América Latina, Europa de Leste, África e Turquia. Queremos expandir, mas também queremos que esses mercados sejam lucrativos. E, depois, continuar a identificar novos países e, sobretudo, cidades nas quais sentimos que temos oportunidade de liderar, e criar serviços novos como supermercados.
Li que vão criar dark supermarkets (supermercados da Glovo em parceria com retalhistas só para entrega ao domicílio).
Sim, já estamos a fazer isso. Começámos em Espanha, em Madrid e em Barcelona, e a ideia é levar isto a um nível internacional. O que é que isto significa? Como sabes, a Glovo é uma empresa que faz parcerias com retalhistas locais, a maioria das operações vem de pessoas que querem uma coisa de uma loja. Por isso, o que pensámos foi em criar um dark supermarket, que não está aberto ao público, e onde integramos a nossa tecnologia para identificarmos o stock e os artigos que os utilizadores querem. E também para termos o pedido preparado para quando o glover chega não ter de esperar e levar produtos frescos e orgânicos. Depois, vemos uma possibilidade de fazer isto melhor. A nossa ideia ainda é a de trabalhar com parceiros locais, mas, em vez de irmos às lojas, trabalhamos para construir este supermercado, porque são elas que nos dão os produtos.
Nesse supermercado têm então produtos de diferentes vendedores?
Sim, isso pode acontecer, termos lojas virtuais. Fizemos algumas coisas com a Unilever — a empresa podia criar uma loja com a sua marca dentro da nossa dark store, sem funcionários, porque somos nós que gerimos isso. E também sem tecnologia, apenas têm de nos mandar os produtos. O primeiro exemplo que tivemos disto foi uma loja de gelados em Barcelona, a Ben & Jerry’s, o que nos permitiu lançar a loja Ben & Jerry’s e eles podem ter acesso aos dados, o que é fantástico. É o que estas marcas estão a tentar fazer. Em vez de venderem através de um supermercado podem ficar eles próprios com os dados, porque são eles que estão a gerir a loja.
E os dados são o novo petróleo.
Sim, isso é a chave. Vemos aqui um potencial enorme. Isto já está a acontecer em Espanha.
Vamos ter estes supermercados em breve em Lisboa?
Vai acontecer em Portugal… Estamos em 12 cidades no país, Lisboa é a maior. Por isso, sem dúvida, essa é a chave. Acho que temos um potencial enorme aqui.
Mas tem ideia de quando será?
Não, não tenho uma data.
Mas está nos objetivos?
Sim, a nível pessoal os dark supermarkets são um dos meus projetos favoritos e vejo benefícios. Também vejo a forma como os consumidores estão a usar os supermercados e não é a mesma com que lidam com os supermercados online, que é muito conveniente, muito millennial. São compras de cinco ou seis produtos de última hora, pessoas que estão a ir para casa, não têm nada para cozinhar e precisam daqueles ingredientes. E é assim que eles nos utilizam. Por isso, podemos identificar [as necessidades] e em vez de termos 10 mil produtos num grande supermercado temos mil ou 2 mil produtos chave para conseguirmos dar resposta às necessidades dos nossos consumidores. Somos perfeitos para aquelas compras de última hora.
Esse é o caminho que a Glovo quer fazer?
Sim, este é um dos caminhos. Somos uma plataforma tecnológica, mas servimos o consumidor final e por isso é muito importante que ele tenha uma boa experiência de utilizador. E isto não tem a ver apenas com o design da app, trata-se de garantir também que o serviço chega a tempo, que tem o produto que quer e que não houve enganos. Voltando às dark stores, isso na verdade acontece: é mais rápido para fazer a entrega, não há tempos de espera, garantimos que há stock e isso permite-nos cometer menos erros e fazer entregas mais rápidas, que é precisamente o que o cliente quer. Se calhar em breve o glover vai ter uma experiência melhor e levar duas ou três encomendas ao mesmo tempo para o mesmo bairro: vai fazer mais dinheiro por menos tempo e, por isso, trabalha melhor. E porque trabalhamos com parceiros, também aumentamos as vendas deles.
“Talvez em dois ou três anos sejamos uma empresa enorme, lucrativa e à procura de fazer outras coisas”
Saíram uns dados que diziam que os negócios associados à Glovo tinham aumentado as receitas em 33 milhões de euros em 2018, três vezes mais do que o valor de 2017.
Isso aconteceu em Espanha, sim. Não tenho esses números para Portugal, mas Espanha é um bom exemplo. Não é muito diferente do modelo de Portugal. Portugal é mais pequeno e é um mercado mais recente. Destes 33 milhões, cerca de 12 mil euros correspondem às receitas adicionais que cada parceiro teve. Isto em Espanha é significativo e pode fazer a diferença entre estar a fazer lucro ou a cobrir custos. Por isso, sim, é aí que nos vemos — a encaixar no comércio local de nicho, a dar-lhes força. Temos utilizadores todos os dias e garantimos que se precisares de qualquer coisa em 30 minutos, nós entregamos. Muitas vezes acontece estar em casa e precisar de ir à minha queijaria preferida, mas ela fica no outro lado da cidade e acabo por não ir, prefiro ir a uma mais perto de minha casa. Isso com a Glovo já não acontece.
Disse que na Europa o negócio já estava no positivo, ou seja as receitas são superiores aos custos. Mas tem números?
Não dizemos valores nem volumes, mas explicamos o modelo de negócio.
Como funciona o modelo de negócio?
Temos duas fontes de receitas: a comissão que cobramos aos nossos parceiros por cada venda. Essa comissão varia consoante o segmento e depende das margens. Por exemplo, os restaurantes têm margens muito altas, por isso a comissão é mais elevada, pode ser entre 20 e 30%. Mas outras lojas, como as mercearias, é inferior. Depois, temos a comissão que cobramos ao utilizador e essa pode ir de 1,90 euros a 3,90 euros, depende da distância, se está bom ou mau tempo, etc. Vou dar um exemplo: temos um pedido a um restaurante que custa 20 euros, cobramos 25% ao restaurante (5 euros), o utilizador paga 1,90 euros e se o glover, para fazer isto, cobrar 5,50 euros, pegamos na diferença e nesse caso há mais 1,50 euros que ficam na Glovo. É este o modelo de negócio. Nos novos mercados começamos com menos parceiros, muitos dos pedidos seguem sem comissão porque senão os glovers não se juntam à plataforma. Precisamos de cerca de um ano, dependendo da cidade, para termos um saldo positivo. Por isso, começas por investir, constróis a rede de parcerias, cobras menos e depois começas a ter volume de negócio.
Quais são as condições em que os glovers trabalham? Não são empregados da empresa.
Não são. São todos trabalhadores independentes, freelancers, temos alguns requisitos básicos, muito poucos. Primeiro, verificamos se têm licença de trabalho, se têm um meio de transporte, seja bicicleta, mota ou trotinete, um smartphone e depois têm um dia de formação sobre a plataforma. Explicamos como trabalha, passam a uma fase seguinte e depois em 24h ou 48h começam a trabalhar. As barreiras à entrada são muito baixas. Não tens sequer de enviar um CV. Como é que fazem dinheiro? Ao aceitarem um pedido, têm uma comissão garantida — é muito semelhante ao táxi — depois pagamos por quilómetro e quando têm de esperar na loja e a culpa não é deles também cobram uma comissão. Se houver muita procura, há um extra. Isto é a forma como o conceito funciona.
Os preços são iguais em todos os mercados?
Não, são diferentes por mercado porque o preço médio por pedido é diferente, o preço das coisas também. Depende de várias coisas.
Como é em Portugal?
Não dizemos, mas o que fazemos é muito semelhante a Espanha. Um bocadinho mais baixo porque as cidades são mais pequenas aqui.
Sabem durante quantas horas é que eles trabalham?
Basicamente, temos pessoas que trabalham durante cinco horas por semana, outros trabalham quarenta. No geral, acontece o mesmo em Portugal: 60% trabalha menos de 20 horas por semana e a maioria destes trabalham menos de 10 horas. A maioria combina isto com outra coisa, usa a plataforma para ganhar um extra, para complementar o seu salário. Também temos muitos estudantes. São pessoas que querem flexibilidade ou trabalho temporais, que estão entre empregos. Outro segmento muito importante é o dos imigrantes, porque as barreiras à entrada são muito baixas. Muitos dos nossos imigrantes são altamente qualificados mas inicialmente não conseguem arranjar emprego na área. Estamos a preencher um vazio que existe em muitos mercados. Quem quiser um emprego a tempo inteiro, provavelmente não se juntam à plataforma.
Recentemente, foi notícia a morte de um glover em Espanha, que pôs a descoberto todo um mercado negro de pessoas que utilizavam a app sem licença. O El Mundo fala de 7 mil pessoas nesta situação. Como é que uma coisa destas acontece e o que estão a fazer para evitar que se repita?
Os estafetas são profissionais independentes, sobre os quais a Glovo não tem qualquer controlo sobre a forma como organizam a sua atividade. O registo dos estafetas na plataforma é feito através de uma conta pessoal, cuja cedência, sem a prévia autorização da Glovo, é ilegal. Enquanto plataforma digital, a Glovo encara a segurança como um dos seus pilares fundamentais e disponibiliza, por isso, a todos os utilizadores e parceiros informação suficiente sobre as medidas de segurança que devem ser observadas, quer na utilização da plataforma, quer do ponto de vista da prevenção rodoviária. E, para evitar a utilização das contas por terceiros não autorizados, desenvolvemos um conjunto de ferramentas que permitem aos utilizadores e parceiros reportarem qualquer situação que considerem anómala, informação essa que permitirá à Glovo analisar a situação em função dos termos e condições de utilização da plataforma e, com base nas conclusões obtidas, poderá tomar as medidas que considerar necessárias.
No que diz respeito ao acidente de Barcelona, a Glovo prestou todo o apoio à família e apesar de se tratar de um utilizador não autorizado, acionámos a apólice da empresa e cobrimos todos os custos. Em relação à ilegalidade na utilização de contas de utilizador, as autoridades competentes estão a fazer o seu trabalho de investigação e a Glovo está, naturalmente, a prestar toda a colaboração necessária.
Como é ter de competir com a Uber?
É ótimo, porque, primeiro, de forma geral, eles fazem tudo muito bem enquanto empresa. Quer dizer… Fizeram muitos erros em termos de imagem pública, de domínio global e tudo isto. Mas, de forma geral, acho que é bom vermos grandes empresas a fazerem isto bem, porque isso permite-nos ser ainda melhores, faz-nos competir e temos de o fazer bem. Somos o underdog. Nos 21 mercados em que estamos presentes somos líderes em 17 e em todos estes mercados competimos contra unicórnios [empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares]. Por isso, acho que só nos torna melhores, somos super humildes, tentamos inovar e fazer as coisas de forma diferente, acho que a nossa diferenciação é que fazemos tudo, somos uma empresa que faz qualquer coisa. Queremos dar força às cidades e não nos focarmos apenas na comida. Óbvio que a comida é a maior categoria, porque as pessoas comem três vezes por dia, as pessoas estão habituadas a encomendar comida para casa, mesmo antes da internet, portanto… Acho que no longo prazo, em cinco ou seis anos, todo o comércio das cidades vai ser muito parecido com o da comida hoje. Vai haver alguém a trazer-te tudo a casa por 1,90 euros ou então nem isso vai cobrar.
Falando em unicórnios, qual é a sua opinião? Acha que estamos a viver numa bolha? A Glovo quer ser um unicórnio?
A nossa avaliação… Não olhamos para isso como importante. Achamos mesmo que temos uma oportunidade para construir algo grande, consolidado, que dá lucro e o nosso foco está nisso: em construir a empresa. Para ser justo, vamos precisar de investimento para fazer isso, para ir ao encontro das nossas ambições e sabendo que os nossos investidores estão alinhados connosco e com a nossa visão de sermos um projeto grande, ambicioso e global. Por isso, estão a financiar-nos e temos também investidores novos nesta ronda, desde que consigamos convencê-los de que conseguimos crescer e fazer as coisas de forma correta, acho que vamos continuar a receber investimento e não se trata de avaliações, trata-se de construir um negócio sólido. E talvez em dois ou três anos sejamos uma empresa enorme, lucrativa e à procura de fazer outras coisas.
O objetivo é ter lucro em dois ou três anos?
Agora, sim, mas isso muda. Se decidirmos que ainda há uma oportunidade para crescermos… Olhe o caso da Amazon: foi uma empresa em bolsa durante 20 anos e nem sequer estava nas suas preocupações ter lucro, porque queriam continuar a investir. Isso é um grande exemplo. Tudo depende de como estamos a executar e de como estamos a crescer. Um dia vamos dizer que não se trata tanto de expansão mas de consolidação, de melhorarmos e sermos mais eficientes, mas sim, acho que é uma ótima oportunidade e, de momento, estamos a executar muito bem.
Além dos dark supermarkets, também estão a apostar nas cook rooms, não é?
Sim, com os cook rooms voltamos ao mesmo foco, que, para mim, é chave: a experiência do utilizador. Nenhum de nós vem da indústria dos restaurantes ou do retalho, mas aprendemos que os restaurantes mais populares na plataforma são, regra geral, os mais populares cá fora. Por isso, à quinta, sexta ou sábado estes restaurantes enchem e as cozinhas foram desenhadas para a quantidade de mesas que têm. Por isso, quando lhes trazemos mais de 30% de pedidos, eles ficam assoberbados e não conseguem cumprir com as encomendas que são feitas. Com estas salas, a Glovo constrói a infraestrutura, tem a tecnologia, eles só têm de pôr lá as pessoas, os chefes, os produtos, os materiais, a marca e o know-how, mas produzem apenas para os pedidos da plataforma e não para o público.
Já abrimos estas dark kitchen na América Latina, em Itália e olhamos para a Ucrânia. Estamos a expandir e, regra geral, são espaços entre 6 a 12 cozinhas separadas, cada uma com o seu espaço, mas numa área comum. Acho que isto é ótimo, porque vão começar a usar-nos não só para tirar a saturação dos restaurantes, mas também para mudar a localização. Por exemplo, pode haver um restaurante popular numa zona da cidade e isto permite que alcancem outra zona sem terem de investir mesmo num restaurante, sem o risco. Isto permite-lhes expandir geograficamente, temos restaurantes que se estão a lançar em cidades onde nem sequer estão presentes.
E quando podemos ter isto em Portugal?
Estamos a olhar para isso agora, mas ainda não tenho datas.
“O que Portugal fez com o ecossistema tecnológico é um caso de estudo muito bom para a Europa”
E há mais planos para Portugal?
Portugal representa uma oportunidade enorme em termos de recursos e os recursos humanos são bons. Está muito perto de Espanha e o custo de vida é mais baixo. Por isso, Portugal tem uma grande oportunidade… Estamos em 12 cidades, fizemos uma grande aposta em Portugal. Há muitas oportunidades aqui e até pode surgir algo único, que só fazemos em Portugal, porque temos o parceiro certo. Estamos muito dependentes dos parceiros locais e de como exploramos isso juntos.
Equacionam abrir um hub tecnológico em Portugal ou contratar talento tecnológico português?
A minha experiência pessoal diz-me que já fiz isso no passado e teve sucesso. Por isso, sim, mas não sou o responsável pela engenharia. Sei que o plano original é expandir a equipa tecnológica em Barcelona, achamos que ainda temos muito por onde crescer lá, mas a dada altura teremos de abrir outro centro tecnológico e claro que poderá ser em Portugal.
Qual é a sua opinião sobre o ecossistema de startups de Lisboa? Há quem diga que compete diretamente com o de Barcelona.
Antes de qualquer outra coisa, acho que, provavelmente, o que Portugal fez com o ecossistema tecnológico é um caso de estudo muito bom para a Europa. A sensação que há sobre Portugal lá fora é muito positiva agora. E nós sabemos disso porque saímos e falamos com várias pessoas quando estamos a negociar rondas de investimento e a sensação é a de que há uma grande oportunidade em Portugal. Acho que em alguns anos vão conseguir transmitir esta ideia de Portugal ser um país muito amigo da tecnologia e não apenas porque incentiva as empresas tecnológicas, mas por causa das infraestruturas — têm trotinetes, partilha de motas, aceitaram serviços de partilha de carro [como a Uber, Bolt, Cabify e Kapten]. Tenho a certeza que ainda há coisas que precisam de regulação, mas, regra geral, a filosofia é a de que Portugal está muito aberto à tecnologia e que quando deteta um problema, olha para ele e isso é muito positivo.
A comparação com Barcelona tem mais a ver com o facto de Lisboa estar a atrair muitas empresas tecnológicas e Barcelona também. Mas atraem por razões diferentes. Barcelona é uma cidade geralmente tida como muito boa para a diversão. As pessoas vão para lá porque gostam do estilo de vida, mas Espanha não tem sido muito amiga das empresas tecnológicas. Há muita burocracia, os processos de regulação têm sido muito negativos, como aconteceu com as plataformas de transporte e a taxa à Google. Foi o primeiro país europeu que teve a iniciativa de taxar as grandes empresas… A iniciativa na verdade é da União Europeia, mas Espanha foi o único país que avançou, o que teve muitas implicações negativas e não apenas para as grandes empresas, para as pequenas também. Por isso, acho que Espanha não fez um trabalho muito bom, não é muito amiga da tecnologia. Foram grande erros porque estamos a viver uma revolução tecnológica. Porque é que não haveríamos de abraçar isto?
E isso é uma vantagem para Portugal?
Sem dúvida. Toda a gente fala de Portugal na Europa, sobre o que fizeram e é um país pequeno. O que se passou em Berlim, que é provavelmente até agora o segundo maior hub da Europa, não aconteceu da noite para o dia. Por isso, numa década vão ver os resultados de tudo o que estão a investir agora. Lisboa é uma cidade incrível e isso também é importante.
Qual é que acha que foram os principais erros da Glovo?
Provavelmente não ter investido na equipa tecnológica, gostava que ela fosse maior e isso não é fácil, não podes simplesmente dizer “venham daí mais 100 engenheiros”. Somos muito rigorosos, não faz sentido trazermos alguém apenas para preencher um buraco. Depois, o Brasil. O Brasil foi um mercado no qual apostámos num número de cidades muito depressa para tentarmos liderar o mercado e depois percebemos que o custo de ganharmos o Brasil seria incrivelmente elevado. E tomámos a decisão de investir esse dinheiro noutro sítio, porque vamos ter melhores retornos. Por isso, foi bom e mau ao mesmo tempo. Acho que a velocidade com que tomámos a decisão foi muito boa e mostra que estamos a tornar-nos numa empresa madura. A velocidade com que lançámos o Brasil podia ter sido utilizada para lançar numa cidade, aprender, perceber que não está a funcionar e isso é bom. Aprendes muito mais com os erros do que com as coisas que correm bem.
A Uber foi admitida em bolsa recentemente. Também é um objetivo da Glovo? Seria a saída perfeita (exit)?
Não está no nosso mapa, nem sequer pensamos nisso. Temos coisas para amanhã e para os próximos meses que queremos executar. O que envolve um IPO, regra geral, é o facto de estares num negócio que está consolidado, que tem bons números e está numa posição muito madura e isso é bom para a nossa visão. Queremos ser independentes. E isso é justo, mas também tem as suas coisas negativas como teres de prestar contas, a imagem pública é super importante porque se fazes alguma coisa errada vês logo as ações a cair. As pessoas ficaram muito cientes da flutuação das ações e isso não é muito positivo. Essa é a minha opinião dobre os IPO e não a da empresa.
O que é mais importante na cultura da Glovo?
Temos valores organizacionais, o meu preferido é a humildade. A humildade é super importante, as pessoas humildes regra geral aprendem muito mais porque não acham que sabem tudo. Na Glovo todas as pessoas podem dizer qualquer coisa, tentamos manter a estrutura muito na horizontal. Quando crescemos isto torna-se provavelmente mais difícil, mas acho que é super importante.
Quais são os grandes desafios hoje?
Temos muitos desafios. Estamos a competir com empresas muito maiores do que nós e sentimos que temos de fazer mais com menos. Temos no total cerca de 300 milhões de investimento, parece muito, mas todas as rondas foram muito difíceis e vão continuar a ser. Tenho a certeza, estamos muito felizes, porque conseguimos assegurar rondas muito grandes para uma empresa sul europeia. E acho que também temos o desafio de sermos eficientes: decidir que serviços devemos estar a lançar e quando. Se estás a expandir e a lançar novos serviços, talvez priorizar e decidir muito rapidamente aqueles em que nos devemos ficar.
Que conselho dá aos empreendedores portugueses?
Força, têm muito pouco a perder. Regra geral, as pessoas que começaram o seu negócio próprio ou fizeram parte de um negócio muito no início… a velocidade e a quantidade de coisas que estão a fazer é multiplicada por dez quando comparado com uma empresa maior. Se o teu lifestyle permite então vais ganhar muito mais em menos tempo. Dois ou três anos numa startup e tornas-te numa versão melhor [de ti próprio] do que se tivesses estado esses anos noutro tipo de empresa. Não sei se alguma vez falei com alguém que tivesse lançado a sua startup, falhado e dissesse depois que tivesse sido uma má decisão. Acho que as pessoas devem correr atrás do que querem. Têm uma ótima cultura tecnológica a começar, estão num bom sítio, estamos longe de Silicon Valley ou Londres, mas há mais investimento agora em Espanha e acho que isso também vai acontecer cá. Têm algumas startups de sucesso e talento aqui inspira mais talento. Vão e não pensem mais nisso.