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MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

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Os discursos, a Cristina e os outros: vi os Globos de Ouro na TV e fui do espanto ao sono

Hugo van der Ding esteve atento a tudo: os vestidos, os apresentadores, os nomeados, quem ganhou, quem perdeu. Afinal, são os Óscares à portuguesa: com batatas e um ovo a cavalo.

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Chegámos finalmente à noite mais esperada do ano!

Estou a brincar. É a noite dos Globos de Ouro na SIC. Que é a noite mais esperada do ano, de certa forma. Essas coisas estão sempre nos olhos de quem vê.

E aqui estou eu, com a minha lupa, para analisar tudo: os vestidos, os apresentadores, os nomeados, quem ganha, quem não ganha.

Vou ser bastante meigo no meu juízo, porque espero bem que esta seja o último ano em que não sou nomeado para uma categoria, seja ela qual for. A verdade é que se o Rui Sinel de Cordes está nomeado na categoria de personalidade de humor, não vejo razão para eu não poder estar nomeado na categoria de melhor atriz de cinema, desportista do ano ou até mesmo melhor espetáculo de teatro. Fica aqui o registo.

Resolvi também, neste caso particular, usar o novo Acordo Ortográfico, porque vou escrever imensas vezes “ator”, “atriz” e “espetadores” e “espetáculo” e eles ficam piursos e isso dá-me imensa vontade de rir.

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A grande novidade destes Globos de Ouro 2019 é, naturalmente, a apresentação a cargo de Cristina Ferreira, a nova mega estrela da estação de Paço de Arcos, ex-estação de Carnaxide. Só isso já é um enorme salto qualitativo. Não a Cristina Ferreira, mas a mudança de Carnaxide para Paço de Arcos. Estou a brincar, não faço ideia do que/onde seja Carnaxide. Mas tem um nome sinistro, concordarão.

A grande inovação que espero de Cristina é, desde logo, na maneira como a plateia do Coliseu baterá palmas. As habituais palmas do mundo do espetáculo — que dizem sem dizer: “Como é que ganhou aquela cabra?” ou “Mais cinquenta centímetros de tecido e aquilo era quase um vestido” ou “Aquele é tão ator como eu sou torneiro mecânico” — serão substituídas pelas palmas a que Cristina nos habituou nos programas da manhã. Nomeadamente: com as mãos ao nível da cara, os dedos completamente esticados, sem qualquer noção das propriedades sonoras de uma cavidade, batendo uma na outra como se se estivesse a matar uma mosca que nos pousasse no nariz. Acho muita graça a esta descrição, como acho a quase tudo o que digo. Mas bom, não estou aqui para fazer psicanálise.

Vamos aos Globos de Ouro! Vamos aos Óscares à portuguesa!

Ou seja, os Óscares com batatas fritas e ovo a cavalo.

Da geometria do decote à tese do branco. As lições da passadeira vermelha dos Globos de Ouro

O espetáculo abre com uma coreografia, o que não sendo particularmente original também não é completamente original. Mas estas coisas são mesmo assim, abrem com uma coreografia. A deste ano, enchia o olho. E estas noites pretendem ser, acima de tudo, um bom espetáculo de televisão. Acho eu.

Num palco escuro, dançam bailarinos. Na silhueta de uma figura esguia parada no meio do palco são projetadas imagens, numa tecnologia a que se chama vídeo mapping.

O vídeo mapping costuma deixar os espetadores de boca aberta. Veremos se o resto da cerimónia faz o mesmo, e se é de espanto ou de sono.

Eis que entra a criatura mais ansiada, mais nervosamente aguardada, mais inquietantemente esperada: um polvo.

Mas… não é um polvo! Não é um pássaro! Não é um avião! Nem sequer é o Super-Homem! É Cristina Ferreira! Uau! AHAHAHAHA! (ler com a voz da Cristina Ferreira). Pode vir vestida de polvo, mas é Cristina Ferreira!

Cristina explica o polvo: é um vestido de Micaela Oliveira feito de lixo.

Algas, plumas e cortiça. Mas o que é que Cristina Ferreira não vestiu nos Globos de Ouro?

Mas, como estamos em noite de homenagear o que de melhor se faz em Portugal, também o lixo é português, neste caso aparas de rolha de cortiça. E estava muito bem, para aparas de cortiça. Caso para dizer a Micaela Oliveira: “Hás-de mostrar-me o teu caixote do lixo”.

Cristina explica o simbolismo do vestido, qualquer coisa a ver com a proteção do ambiente, mas ninguém presta atenção, porque está toda a gente ainda maravilhada com as coisas que eles agora fazem com o raio das rolhas. Disto não têm eles lá em Hollywood.

Cristina faz uma piada sobre o facto de ter 42 anos e estar a apresentar a 24.ª gala, mas a piada devia ter mais graça na língua original e perdeu-se um pouco na tradução.

Mas está irrepreensível, que é sempre o grande trunfo da apresentadora: quem ama nunca diz mal e quem odeia nunca sabe por onde é que há-de começar. Não é para quem quer, é para quem pode.

O primeiro momento musical da noite é da inteira responsabilidade dos partidos intervenientes. Brinco, era uma gracinha com os tempos de antena. Uma gracinha quase tão boa como aquela de Cristina.

Bom, entra Sérgio Praia cantando Variações. Ainda na linha ambientalista, vem com um fato feito de desperdício de ligaduras hospitalares.

Sérgio Praia como António Variações

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Se eu fosse mau, comentava: Ó filhos, isto é a única noite no ano em que podem usar umas coisinhas melhores e vocês vêm para aqui tapados com lixo? Mas, como não sou, não digo. Porém, temi ver aparecer pelo palco adentro a Luciana Abreu dentro de um saco de sarapilheira. Ou a Catarina Furtado embrulhada em sacos do LIDL. Ou a estilista Fátima Lopes com uma das suas criações.

Devo dizer que a gala deste ano é, desde o início, muito despachadinha. Não há cá momentos mortos (haverá mais à frente com o in memoriam, mas isso é o que pertence). Creio ser já uma marca da nova apresentação de Cristina Ferreira, dona de um famoso jeito despachado no seu programa matinal. Só faltou pedir-nos que ligássemos para o 760 não sei quê não sei quê e que “baixássemos o som do nosso televisor”.

Quer isto dizer que, sem perder tempo, se passou logo ao primeiro prémio da noite.

Melhor Ator de Cinema

O cinema português tem estado em alta nos últimos anos, e ainda bem. O público enche as salas, aparecem novos realizadores, novos atores, novas histórias. E a era de ouro do cinema nacional deixa de ser os anos 40. Se isto continuar assim, qualquer dia vou ver um filme português ao cinema. Estou a brincar, vejo quase todos. Estou a brincar.

Apresentam o prémio: Dânia Neto e Ricardo Pereira.

Estas apresentações, que às vezes se tornam trágicas e constrangedoras, começam francamente bem. Houve apenas um pequeno momento trágico e constrangedor em que Herman, da plateia, corrige os apresentadores, dizendo que não ganhou seis mas doze globos de ouro. Mas eles aguentaram-se bem, com um gesto de cabeça que parecia dizer: “Sim, se contarmos com os outros seis, são de facto doze”. E a coisa morreu ali.

Nomeados: António Mortágua (Ramiro), Carloto Cotta (Diamantino), Francisco Froes (Parque Mayer), Hugo Bentes (Raiva), Igor Regalla (Gabriel)

Vencedor: Carloto Cotta

Discurso: Rápido e eficaz, Carloto agradeceu à SIC e mandou as pessoas irem ao cinema. Há sítios bem piores para onde mandar as pessoas, pensei eu.

Melhor Atriz de Cinema

Apresentam o prémio: Mariana Monteiro e João Catarré

Estiveram um pouco a fazer publicidade à mais recente novela da SIC, “Terra Brava”, de que são os protagonistas. Ia jurar que já houve sete novelas chamadas “Terra Brava”, mas se calhar estou a fazer confusão. Entre tanta gente que é precisa para fazer uma novela, alguém ia reparar nestas coisas, não é? Bom, depois lá se lembram que estavam a apresentar um prémio e a cerimónia continua.

Nomeadas: Ana Padrão (Cabaret Maxime), Beatriz Batarda (Colo), Inês Castel-Branco (Snu), Isabel Ruth (Raiva), Victoria Guerra (Aparição)

Vencedora: Isabel Ruth

Isabel Ruth

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Discurso: Isabel Ruth, a mais veterana das atrizes nomeadas, fez um discurso bonito. E teve o cuidado de falar apenas durante duas horas. Antigamente era assim. A partir de agora, classificarei a duração dos discursos numa escala de Carloto Cotta a Isabel Ruth.

Mas foi um momento comovente, sobretudo quando a atriz agradeceu ao público, lembrando que se não fosse ele, não havia cá estas palhaçadas. Tem razão, sim senhora.

Melhor Filme

Apresentam o prémio: Cláudia Vieira e José Fidalgo

Cláudia Vieira, que está à espera de bebé, vinha ótima. José Fidalgo, que não está à espera de bebé, ou pelo menos não me pareceu, veio, esteve e foi-se embora, sempre de mão no bolso. Que é uma coisa que fica sempre bem numa gala. Dá um ar descontraído e parece que não se está numa gala. O que talvez não seja bem a ideia, José.

Nomeados: “Cabaret Maxime” (Bruno de Almeida), “Diamantino” (Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt), “Parque Mayer” (António-Pedro Vasconcelos), “Raiva” (Sérgio Tréfaut), “Ramiro” (Manuel Mozos)

Vencedor: Raiva

Discurso: Sérgio Tréfaut não pode vir e mandou em seu lugar um tipo que estava bastante zangado. Creio ter sido um trocadilho com o nome do filme, mas também pode não ser. Os artistas às vezes fazem estas coisas cheias de mensagens e depois nós não percebemos nada. Mas o filme é, de facto, maravilhoso. Não vi, mas de certeza que não iam dar um Globo de Ouro a um filme que não fosse maravilhoso.

Com o cinema já despachado, volta ao palco Cristina, desta vez já não em polvo, mas em Evita. Cristina faz uma boa Evita. E Evita, se não tivesse morrido tão nova, coitada, talvez também fizesse uma boa Cristina Ferreira. Nunca o saberemos.

Se o primeiro vestido era feito de lixo, já este, faço ideia do dinheiro que ali está empatado. Pela minha saúde. Mas ainda é cedo para dizer que qualquer vestido lhe fica bem, que a noite ainda só está a começar, e o mundo dá muitas voltas.

Cristina agradece aos diretores dos três canais generalistas de televisão. Apresenta também as novas categorias destes Globos de Ouro. Cumprimenta os jornalistas nomeados.

E depois, põe-se um pouco à conversa com Maria Flor Pedroso. “A gente nunca conversou, pois não?”, pergunta à jornalista da RTP. “Não”, parece dizer o aceno de cabeça de Flor Pedroso. Cristina manda-lhe beijinhos e, visto de fora, parecem combinar ir um dia destes à bica. Provavelmente pagará Cristina, que foi ela que convidou. Mas isto, hoje em dia, já não digo nada.

O segundo momento musical da noite traz-nos Gavin James. É irlandês, diz-me a Wikipedia. Se calhar é conhecidíssimo, mas eu confesso que não conheço. Hoje em dia há muita coisa, não se consegue acompanhar tudo. Mas não cantou mal.

No final, Cristina mandou-lhe um grande beijinho e desejou-lhe um bom regresso a casa.

Quem acha isto demasiado informal para uma gala, fique sabendo que também acontece muito nos Óscares. Quantas e quantas vezes os apresentadores se despedem dos cantores convidados com um “Depois manda mensagem para saber que chegaste bem”, ou um “Não te esqueças que ficaste com o meu carregador”, ou um “Manda beijinhos à tua mãe”.

Seguimos então para outra categoria.

Personalidade de Moda

Apresentam o prémio: João Manzarra e Dona Elisa.

Vive-se um dos momentos altos da noite. Quem é afinal a Dona Elisa? Manzarra explica que é a costureira que fez o vestido de Cristina. Achei o momento enternecedor. Tinham seguido em frente e teria sido bonito. Mas não. Aparece Cristina, que isto afinal é a noite de Cristina, não é a noite de Dona Elisa. A apresentadora, trazendo o próprio do vestido cosido por Dona Elisa, vem agradecer a todas as costureiras, que sem elas ninguém estava ali. Bom, pelo menos, ninguém estava ali vestido, digo eu. O que nuns casos seria mais interessante que noutros, não desfazendo. Já sobre os motoristas de UBER, sem os quais ninguém estaria ali mesmo, nem uma palavra.

Cristina Ferreira, Dona Elisa e João Manzarra

O holofote volta de novo para Dona Elisa, que vai ler o nome do vencedor. Mas alguém muito invejoso resolve prejudicar Dona Elisa, tentando sabotar os seus cinco minutos de fama, e dando-lhe o envelope do prémio anterior. Dona Elisa não se desmancha e voltar a dar um Globo de Ouro ao filme Raiva. Voltamos também a saber que Sérgio Tréfaut não está cá. Continuamos é sem saber onde está.

Nomeados: Gonçalo Peixoto, Luís Carvalho, Maria Miguel, Marques ‘ Almeida (Marta Marques e Paulo Almeida), Sara Sampaio

Vencedora: Sara Sampaio

Discurso: Sara Sampaio também não está no Coliseu. Não quero insinuar que esteja com Sérgio Tréfaut, mas que é estranho, é. Sara gravou um vídeo em Nova Iorque, agradecendo o prémio. O vídeo estava bastante bem realizado, parecia ter sido feito por um profissional. Assim, por um realizador. Sei lá, por exemplo, pelo Sérgio Tréfaut. Estou a brincar. O vídeo era péssimo, feito com um telefone. Mas é sempre um prazer ouvir o sotaque nova-iorquino de Sara Sampaio.

Adiante. Agora vem a música.

Melhor Espetáculo de Música/Atuação ao Vivo

Gosto mesmo de ver tanto talento nesta categoria. E também acho comovente esta insistência imorredoura na cantora mais sobrevalorizada da História de Portugal. Estou a brincar, adoro a Mariza. Estou a brincar. Agora é que estou a brincar.

Apresentam o prémio: Luciana Abreu e Pedro Mourinho.

Luciana vem vestida de Cleópatra. E digo isto com todo o respeito que me merece a civilização egípcia clássica. Que, pelos vistos, é maior do que o da Luciana Abreu. Já Pedro Mourinho vinha vestido de Pedro Mourinho.

Nomeados: Agir, António Zambujo, Mariza, Miguel Araújo, Tiago Bettencourt

Vencedora: Mariza.

Mariza

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Eu não digo? Isto é uma fixação qualquer que vocês têm com ela.

Discurso: Diz Mariza que todos os nomeados podiam estar ali. E acho que estavam, Mariza. Ou escapou-me alguma coisa?

Melhor Intérprete de Música

Isto acho que quer dizer cantor. Parece os agentes da GNR, que dizem sempre que houve “um sinistro na faixa de rodagem que de acordo com as informações que conseguiram recolher não causou vítimas entre os passageiros”, em vez de dizerem que houve um desastre no meio da estrada mas que, graças a Deus, foi só chapa.

Apresentam o prémio: Afonso Pimentel e José Mata.

E apresentam muito bem. O que, como apresentadores, significa que não fazem mais do que a sua obrigação.

Nomeados: Capitão Fausto, Carminho, Carolina Deslandes, Conan Osíris, Gisela João

Vencedor: Capitão Fausto

Capitão Fausto

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Discurso: Eles são imensos, mas só falou um. E foi para isto que andámos nós a fazer o 25 de Abril…

Melhor Música

Juro que pensei: “Querem ver que ainda vai ganhar a Mariza outra vez?”

Apresentam o prémio: Sara Matos e César Mourão.

Nestas coisas das galas se há coisa que não falta é champagne. Ou vá, um espumante. E as coisas nem sempre correm bem. A partir deste prémio, por exemplo, vamos assistindo à bebedeira do operador do teleponto. Falha uma vez, falha duas. Mas Mourão não é homem para ser apanhado em falso e safa a coisa sem ninguém perceber. Quer dizer, agora que penso nisso, toda a gente percebeu. Mas no bom sentido.

Nomeados: “A Vida Toda” (Carolina Deslandes), “A Dança” (Tiago Nacarato), “Amor, a Nossa Vida” (Capitão Fausto), “Quem me Dera” (Mariza), “Tempestade” (Márcia)

Vencedora: Carolina Deslandes.

Carolina Deslandes

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Discurso: Foi bonito, muito à roda de trocadilhos com o nome da música. E foi curto, que Carolina sabe que a gente não tem a vida toda. Viram o que eu fiz aqui?

Tinha sido engraçado haver um novo momento musical com o vencedor, mas foi ainda mais engraçado não haver.

O palco enche-se novamente de Cristina, que vem de vestido azul, qual princesa da Disney. Não sei bem dizer é qual. Já sei! A Cinderella! Mas uma Cinderella que é mais um pato depois de cair dentro de uma ceifeira-debulhadora, aquelas máquinas que arrancam o trigo de um lado e cospem sementes do outro. Uma amiga maldosa manda-me a seguinte mensagem: “Se o tema da Met Gala do próximo ano for ‘Casamento na Rinchoa’, a Cristina Ferreira já tem vestido para ir”. Começo a rir muito, mas logo sou consumido pelos remorsos: é que Cristina explica que o vestido — de João Rolo — demorou 870 horas a fazer. Sem mais considerações sobre o vestido, tenho aqui de registar esta obsessão portuguesa com o tempo e o trabalho que os vestidos levam a fazer. Não há festa, nem programa, nem gala, nem concurso em que não tenham de dizer: “Ai, nem vocês sabem a trabalheira que isto deu a coser!” ou “E olhem que isto não pode levar ferro!” ou “Foi feito especialmente para mim!”.

Sim, filhas. Chama-se alta-costura e nós temos mais ou menos noção do que é.

Caraças, pá!

Revelação do Ano

Chegamos agora ao prémio que distingue o novo talento português. Gente nova, cheia de garra, que está a dar os primeiros passos em várias áreas. São as promessas, o futuro. Ou isso, ou jogadores de futebol multimilionários.

Apresenta o prémio: Bento Rodrigues.

Mas não vai apresentar sozinho. Chama ao palco Bárbara Guimarães que, recordo, apresentou esta mesma gala durante cerca de cinquenta anos. Foi o momento mais comovente da noite. Bárbara Guimarães e a terrível odisseia por que tem tão publicamente passado merece bem o respeito de toda a gente e a homenagem que lhe foi feita. O que ela disse no palco foi não só comovente como muito importante. Bravo, Bárbara.

Bárbara Guimarães e Bento Rodrigues

Nomeados: Alba Baptista, Conan Osiris, Isabela Valadeiro, João Félix, Pedro Teixeira da Mota.

Vencedor: João Félix.

Não estava nada à espera desta!

Discurso: É bem feita, que ele não foi. Mandou uma mensagem gravada não percebi bem onde, mas num sítio com paredes de contraplacado. Estes miúdos hoje em dia não sabem aproveitar o dinheiro, credo.

Personalidade de Humor

Apresentam o prémio: Rui Unas e Marco Horácio.

Eles próprios muito engraçados, diga-se. Trocaram uns quantos enxovalhos cheios de graça, que não percebi bem porque não acompanho as revistas, mas, pela reação do público, devem ter sido na mouche.

Nomeados: Bruno Nogueira, César Mourão, Herman José, Ricardo Araújo Pereira, Rui Sinel de Cordes

Vencedor: Ricardo Araújo Pereira

Discurso: RAP, como lhe chamam as pessoas por economia de letras, não estava no Coliseu. Mas, no vídeo de agradecimento que fez, mostrou porque é que merece este prémio e mais dez iguais. Entrará seguramente para a antologia dos melhores agradecimentos dos Globos de Ouro. Algumas pessoas soem dizer, geralmente por maldade, que ninguém é genial todos os dias. Ricardo Araújo Pereira samba na cara dessas pessoas.

Personalidade de Jornalismo

Apresentam o prémio: Diana Chaves e Rogério Samora

Estavam bem, cada um dentro do seu género. Que é aquela coisa que as senhoras de idade dizem quando não têm mais nada para dizer. Mas isto também é apresentar um Globo de Ouro, não é mandar uma nave tripulada para Marte, não é?

Nomeados: Ana Leal (TVI), Conceição Lino (SIC), Jacinto Godinho (RTP), Maria Flor Pedroso (RTP), Miriam Alves (SIC)

Vencedora: Conceição Lino

Conceição Lino

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Discurso: Como se impunha num prémio de jornalismo, falou sobre o papel da comunicação social e, mais importante ainda, na responsabilidade de cada um de nós no combate à desinformação. É a terceira vez que Conceição Lino recebe este prémio.

Mentira! Este é o primeiro ano em que existe esta categoria! Estão a ver? Vocês acreditam em tudo o que leem!

Volta Cristina, desta vez para nos dizer que Amália não precisa de apelido. Curiosamente, nem Cristina. E anuncia uma homenagem à maior fadista de sempre.

Achei original. Nunca ninguém se tinha lembrado de uma destas! Mas logo engoli o meu sarcasmo: esta homenagem foi mesmo original. Amália foi lembrada em vários registos. Começou com cante alentejano, passou pelo fado, pelo rap, pela ópera, e até teve Marco Paulo a cantar Camões.

De facto, Amália dá para tudo. Até para isto.

Personalidade Digital

Apresentam o prémio: Júlia Pinheiro e Hernâni Carvalho

A Júlia Pinheiro toda a gente sabe quem é. O Hernâni Carvalho, para os leitores menos a par destas coisas, é uma espécie de porteira que comenta crimes na televisão, mas sem bata e sem esfregona. Quer dizer, não vejo sempre, não posso jurar que nunca tenha ido de bata e esfregona. Nesta gala não foi.

Nomeados: Cristina Fonseca (Indico Capital Partners), José Neves (Farfetch), Luís Rodrigues (Insónias em Carvão), Mariana Cabral (Bumba na Fofinha), Paulo Rosado (OutSystems)

Vencedor:  Mariana Cabral.

Discurso: Também não estava no Coliseu. Pois se o prémio é digital, não fazia sentido nenhum lá estar, não é? Estava na net. Mas mandou uma mensagem. E bem divertida, como de costume.

Posto isto, Maria João Abreu e José Raposo fizeram uma homenagem aos atores e bateram palmas, a eles próprios e aos outros atores na plateia que, por sua vez, bateram palmas a Maria João Abreu, a José Raposo e a eles próprios.

Melhor Atriz de Teatro

Apresentam o prémio: Inês Castel-Branco e Diogo Amaral

Diogo Amaral estava ótimo, mas confesso que, se eu mandasse, punha Inês Castel-Branco a apresentar todas as categorias. E a ganhar todas as categorias, e a apresentar a gala, e a fazer os números musicais todos.

E é provavelmente por isso que eu não mando. Concedo que uma gala de três horas sempre com a mesma pessoa a entregar prémios a si mesma é capaz de se tornar um pouco repetitiva ao fim de algum tempo. Mas penso que percebem o que quero dizer.

Nomeadas: Bárbara Branco (“As You Like It – Como Vos Aprouver”), Beatriz Batarda (“Teatro”), Luísa Cruz (“A Criada Zerlina”), Maria Duarte (“Frei Luís de Sousa”), Natália Luísa (“Carmen”)

Vencedora: Luísa Cruz.

Luísa Cruz

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Discurso: gostei muito do discurso de Luísa Cruz. Podemos sempre contar com os prémios de teatro para os momentos de consciência social. Que é uma coisa que na moda ou na música, por exemplo, não há. Brinco. Luísa dedicou o prémio a todas as pessoas sem voz. Penso que no sentido figurado. Mas se foi no sentido literal, também acaba por ser importante. Não há nada pior que aquelas pontadas de ar que se apanham no fim do Verão e que nos lixam a garganta toda. E é quando aparece sempre aquela amiga chata que sabe muito bem que estamos afónicos, mas não faz outra coisa que não seja perguntar: “Estás melhor?” ou “Precisas de alguma coisa?” ou “Queres que te faça um chá de cebola?”. Enfim, só à chapada.

Melhor Ator de Teatro

Apresentam o prémio: Isabela Valadeiro e João Baião.

Temos em João Baião outro veterano na apresentação dos Globos. Fê-lo por quatro vezes, com Catarina Furtado e Ana Malhoa. Fazem boas piadas com a tenra idade de Isabela e com Ana Malhoa, mas há ali qualquer coisa que sai ao lado e assim que as piadas saem, pegam numa caçadeira de canos serrados e matam-na. Mas, ainda assim, são queridíssimos. Atrevo-me a dizer que são a melhor dupla de apresentadores até agora. Não sei se já disse isto mais acima de outra dupla, mas fica essa então sem efeito.

Nomeados: João Vicente (“Sweet Home Europa”), Miguel Guilherme (“A Verdade” e “A Mentira”), Miguel Loureiro (“Timão de Atenas”), Nuno Lopes (“Actores”), Paulo Pinto (“Tio Vânia”)

Vencedor: Paulo Pinto.

Paulo Pinto

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Discurso: Enchi-me de medo quando vi que Paulo Pinto trazia o discurso de agradecimento numa folha A4 escrita de um lado e de outro. Mas, afinal, demorou só duas horas a ler. Disse os nomes de toda a gente envolvida na peça que lhe valeu o prémio. Creio que terá dito até o nome de todos os espetadores. É outra marca que distingue os Globos de Ouro portugueses das cerimónias americanas. Lá fora, os atores que fazem gracinhas destas, de agradecer a mais do que três pessoas, nunca mais voltam sequer a trabalhar, quanto mais a receber um prémio. Mas Paulo Pinto esticou-se até para padrões portugueses e acabou por ser varrido do palco pela música.

Melhor Espetáculo de Teatro

Num país em que quase ninguém vai ao teatro, são muito importantes estes prémios, para criar uma ligação afetiva entre o público e as peças que não vão ver. E também para o público ir à casa-de-banho, que a gala este ano teve pouquíssimos intervalos. É o país que temos…

Apresentam o prémio: Vera Holtz e Marcos Caruso.

Para entregar o prémio à melhor peça de teatro chamaram estes dois maravilhosos atores brasileiros que, como já estavam cá a fazer um espetáculo, aproveitaram e foram.

Nomeados: “À Volta o Mar, No Meio o Inferno” (Maria do Céu Guerra), “Credores” (Paulo Pinto), “O Mundo é Redondo” (António Pires), “Provisional Figures Great Yarmouth” (Marco Martins), “Tio Vânia” (Bruno Bravo)

Vencedor: Tio Vânia

"Tio Vânia"

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Discurso: Confesso, falha minha, que não consegui prestar atenção a tudo o que disse Bruno Bravo, que estava a mascar pastilha elástica. Sei que agradeceu a Chekhov. Que, se não sabem, é o autor da peça. Também foi varrido do palco pelo maestro. O Bruno Bravo, não o Chekhov.

Mais uma voltinha, mais uma viagem: Cristina aparece agora com uma coisa na cabeça. Quase dá para dizer que não tem nada na cabeça. Só que tem. Parecem talvez varetas de chapéu-de-chuva. Mas, desta vez, não diz quantas horas aquilo levou a fazer. Dois minutos já teria sido demasiado, pensei eu. O que Cristina disse foi que a vida é uma sala de espera para a morte. Credo!

Mas afinal, fazia sentido: seguia-se o momento in memoriam, ou seja, lembrar as pessoas que este ano já não viram os Globos de Ouro. Lembrou-se Agustina, Júlio Pomar, Laura Soveral, Maria Alberta Menéres e outras figuras queridas que — usando ainda a analogia da sala de espera de Cristina — já entraram no consultório.

Personalidade de Entretenimento

Chegamos agora à categoria que traz consigo a possibilidade de um embaraço. Cristina, a apresentadora é também Cristina, a nomeada. Não é propriamente inédito. Mas esta nomeação lembra-me um pouco aquela cena de “A Canção de Lisboa” em que António Silva dá o prémio de Miss Costureira a Beatriz Costa que, como ele mesmo diz, “me faz o favor e me dá a honra de ser minha filha”. E a reação daquelas duas senhoras que se levantam e dizem: “Vamos embora que isto é uma grande intrujice!”.

Apresentam o prémio: Clara de Sousa e Rodrigo Guedes de Carvalho. Têm mesmo graça. Fizeram uma piada com Diogo Amaral e o teleponto. Depois, karma is a bitch, ficaram por instantes sem teleponto. Mas despacharam a coisa com imensa pinta. Clara de Sousa ainda aproveitou para dar um recado de Marques Mendes a Filomena Cautela, no auge do suspense. Por isso é que as televisões têm um departamento de Informação e outro de Entretenimento, não é?

Nomeados: Cristina Ferreira, Daniela Ruah, Diana Chaves, Filomena Cautela, Vasco Palmeirim

Vencedora: Cristina Ferreira

Cristina Ferreira

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Discurso: Cristina, que estava escondida atrás de uma cortina, vem à frente. Traz na cabeça uma coroa e pelos ombros um manto. Percebo finalmente que o que traz na cabeça não são varetas de chapéu-de-chuva. São as famosas estacas de que Cristina, aqui há tempos, disse ainda saber o lugar. Começa por admitir que a situação podia ser incómoda, isto de apresentar a gala e de receber o prémio. Confessa mesmo que chegou a não querer ser nomeada. Mas depressa se corrigiu. Quer. Quer ser nomeada e quer ganhar. Porque é justo, disse. Que é uma coisa, provavelmente verdadeira, que teria ficado bonita na boca de outra pessoa qualquer, menos na de Cristina. Disse também que aquele prémio já o tinha recebido das pessoas que todos os dias veem o seu programa. Que é uma coisa que teria ficado bonita na boca de outra pessoa qualquer, menos na de Cristina. E depois, sem a gentileza protocolar de se referir aos outros nomeados, foi-se embora, com um retrato de Nossa Senhora de Fátima no rabo. Que é uma coisa que teria ficado bonita no rabo da irmã Lúcia.

Não sei o que acharam as pessoas na plateia, não sei o que acharam as pessoas em casa, mas eu fiquei desiludido com Cristina Ferreira. Preciso até de separar a Cristina-Apresentadora-da-Gala da Cristina-Vencedora-do-Prémio, como naquela rábula da Ivone Silva. A primeira conseguiu apresentar uma gala. A segunda, parece ter-se esquecido de tomar a pastilha de humildade que é a marca das pessoas grandes. Mas todos temos momentos menos bons. Quem sou eu para atirar pedras: por exemplo, uma vez roubei cinco contos da carteira da minha Mãe para fazer uma aposta com um amigo de que conseguia comer o meu próprio peso em gomas.

Mas estamos sempre a aprender.

Desporto

Bom, para desanuviar, vamos mas é dar um prémio ao Cristiano Ronaldo.

Apresentação: Andreia Rodrigues e João Paulo Rodrigues

Nomeados: Cristiano Ronaldo

Vencedor: Cristiano Ronaldo

Como Cristiano Ronaldo não estava, ficou a cargo de Áurea e Marisa Liz darem tempo a Cristina para mudar de roupa pela última vez.

Estamos mesmo a chegar ao fim, falta apenas um prémio. Que acaba sempre por ser o mais emocionante porque ninguém sabe quem vai ganhar, nem o próprio.

Prémio de Excelência

Já distinguiu personalidades como Mário Soares, David Mourão-Ferreira, Simone de Oliveira, Eusébio ou Manoel de Oliveira.

Como sempre, é apresentado por Francisco Balsemão, desta vez acompanhado por Cristina, vestida de corista de cabaret. Aqui, já aquela Cristina que a gente conhece, vai até contagiar Balsemão que, dando um salto da Quinta da Marinha até à Malveira, diz ao público: “Então? Estão muito calados! Como é que é? Quero-vos ouvir!”

Menos, Francisco. Menos.

Para juntar-se à galeria de distinguidos, sobe ao palco Maria do Céu Guerra.

Maria do Céu Guerra

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Um prémio mais do que merecido, e que conseguiu fechar com chave de ouro — que é uma expressão que odeio — a 24ª gala dos Globos de Ouro.

Agradece ao público, lembra que a maior riqueza de Portugal é a liberdade, fala destes 45 anos que vivemos sem censura e tem a gentileza de lembrar o papel de Balsemão.

E tem ainda tempo de lembrar o Brasil e os tempos negros que vive a cultura brasileira. Oferece metade do prémio à sua amiga Fernanda Montenegro que, aos 90 anos, tem vindo a ser enxovalhada no Brasil por pessoas com responsabilidades governativas.

Isto sim, é que é justo. E bonito.

E eu gosto de coisas justas e bonitas.

Como os vestidos da Diana Chaves, por exemplo.

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