Foi há mais de 25 anos que o produtor Nuno Carvalho ligou ao apresentador Carlos Ribeiro pedindo-lhe que se encontrasse com ele “num rés-do-chão em Mem Martins” para lhe apresentar um grupo de cinco rapazes que, acreditava ele, seriam o próximo grande sucesso musical em Portugal. “Vais ouvir falar destes jovens”, garantiu. A premonição veio a concretizar-se. Os Excesso tornaram-se rapidamente num dos maiores fenómenos musicais nacionais e num dos grupos pop mais bem sucedidos da história da música portuguesa. Ribeiro passou-os várias vezes no “Made in Portugal”, o programa musical onde os deu a conhecer em 1997, na Comercial e noutras rádios onde então trabalhava. Quando o grupo passava pelo estúdio, a rua em frente enchia-se de dezenas de fãs.
Problemas internos levaram ao fim precoce da boyband portuguesa. Em 2002, com dois álbuns editados e dois membros a menos, os Excesso colocaram um ponto final na carreira. Durante anos, especulou-se sobre um eventual regresso. A vontade existia, mas o desejo demorou a concretizar-se. Foi preciso esperar até 2023 para que o tão esperado anúncio fosse feito: os Excesso iam voltar para um concerto único em Lisboa, a 19 de maio. À data lisboeta veio entretanto juntar-se uma outra, no Porto, em resposta aos pedidos insistentes dos fãs no norte do país (a 17 de junho na Super Bock Arena).
O segundo concerto foi anunciado esta quarta-feira ao final da tarde, durante a apresentação para a imprensa do novo vídeo de “Eu Sou Aquele”, um dos maiores sucessos dos Excesso. A canção foi retrabalhada, para ser “mais moderna e mais ritmada”, um sinal dos tempos e da vontade do grupo, que sentiu a necessidade de dar uma “nova energia” aos temas antigos. O evento contou com uma atuação do grupo, a primeira em mais de duas décadas. O nervosismo era evidente e as vozes tremeram um pouco: “Só nós é que percebemos, o que passámos, o que vivemos na altura”, disse Gonzo ao Observador. “Aquilo que vivemos foi muito forte. E estamos a revivê-lo agora.”
[O novo videoclip de “Eu Sou Aquele”, lançado esta quarta-feira:]
“Foi o mais perto que Portugal esteve dos Beatles, porque atraiam multidões”
O projeto ainda ia no início quando Nuno Carvalho contactou Carlos Ribeiro. Os nomes Carlos, Duck, Gonzo, João Portugal e Melão não eram ainda conhecidos do grande público. Mas o apresentador de rádio e televisão, que se lembra perfeitamente da primeira vez que ouviu o grupo no tal rés-do-chão em Mem Martins, percebeu logo que os Excesso eram o que faltava no panorama musical nacional. “É isto”, pensou na altura.
Mais de duas décadas depois, Ribeiro não tem dúvidas em afirmar que os Excesso fizeram a mudança. “Era diferente, era o que havia lá fora”, declarou ao Observador. Bandas como as Spice Girls e os Backstreet Boys, criadas em meados da década de 1990, arrastavam multidões por onde passavam. Em Portugal, não existia nada do género. “Sou da geração dos Ministars e dos Onda Choc. A minha filha pertenceu aos Onda Choc. Naquela altura, virava-se para mim e perguntava: ‘Ó pai, isto pode cantar-se em português?’. O Marco Paulo era o único que fazia versões. Os grandes sucessos do Marco Paulo eram covers de canções alemãs, nomeadamente. Acho que foi isso que aconteceu com os Excesso”, considerou. “Era muito europeu. Muito fresco, muito moderno. E depois eles eram bonitos, bem parecidos e com bom ar. Isso também conta.”
Foi o apresentador — que tinha desde 1995 um programa na RTP 1 dedicado exclusivamente à música nacional, “sem preconceitos e com total abertura”, chamado “Made in Portugal” — que mostrou os Excesso pela primeira vez. O sucesso foi quase imediato. Na rádio, o grupo passava todos os dias, “de manhã, de tarde e à noite”. Quando eram convidados para algum programa, a rua enchia-se de dezenas fãs, algo que não acontecia desde os anos 60, quando surgiram em Portugal artistas como Simone de Oliveira, Madalena Iglésias ou António Calvário. A banda tinha de se fazer acompanhar por seguranças, lembrou Paulo Sardinha, da Universal Music, que esteve na apresentação desta quarta-feira para entregar os discos de dupla platina referentes às vendas do segundo e último álbum dos Excesso, Até ao Fim. “Foi o mais perto que Portugal esteve dos Beatles, porque atraíam multidões”, declarou.
Ribeiro era recorrentemente abordado na rua por fãs que lhe pediam o número de telefone dos membros do grupo pop. “Era o tipo de manifestações a que não estava habituado. Era muito engraçado.” O apresentador lamentou que o projeto tivesse terminado tão rapidamente. “Durou muito pouco. É pena, porque acho que tinha pernas para andar”, disse. Sobre os novos concertos, admitiu ter “alguma expectativa” e que espera ver na Altice Arena, em Lisboa, “pais com os filhos e alguns avós”. “Já prometi à minha neta que vou levá-la a ver os Excesso. Vamos ver se ela gosta.”
“Se tentarmos explicar o que foram os anos como Excesso, na estrada, e o excesso de emoções que vivemos, ninguém vai perceber”
A vontade de voltar a reunir os Excesso existia “há alguns anos”, mas, apesar das insistências, não foi possível concretizá-la antes. “Éramos para o ter feito há dois anos. Não o fizemos por causa da Covid”, revelou Duck, numa breve entrevista com todos os membros do grupo. “Sem dúvida alguma que agora tínhamos de o fazer. Agora é uma realidade. Vamos em frente.”
Desde que o anúncio foi feito que os Excesso têm vindo a ensaiar, mas “o primeiro grande ensaio” só aconteceu esta quarta-feira de manhã, em antecipação da apresentação que decorreu ao final da tarde e que juntou, pela primeira vez em mais de duas décadas, os cinco elementos da banda em palco. Questionados sobre como correu, os Excesso explicaram que chegaram à conclusão que “a idade veio beneficiar um pouco a maturidade vocal”. “Chegámos à conclusão de que as vozes estão lá, que encaixam perfeitamente. E está com um power…”, afirmou Carlos, considerando que isso se refletiu na atuação desta quarta-feira, que serviu para apresentar a nova versão de “Eu Sou Aquele”.
“Acho que estamos numa altura em que as pessoas estão saudosistas e querem ouvir não só coisas novas, mas também coisas do passado. As novas gerações começam a gostar disso. A minha sobrinha adora coisas antigas, mas disse assim: ‘Tio, façam lá um arranjo como deve ser. Isto é bom, mas quero assim uma coisa mais ritmada.’ E aconteceu”, disse João Portugal sobre a nova versão, admitindo que estão “todos muito satisfeitos” com o resultado.
Os restantes temas dos Excesso também serão alterados antes dos concertos de 19 de maio e 17 de junho, que estão ainda a ser preparados. “Ainda estamos no início”, disse Gonzo. “Já estabelecemos mais ou menos como vai ser o espetáculo e há certas coisas que não estão inseridas que não sabemos se o serão mais tarde, se fizer sentido. Sabemos quais serão as canções, como será o palco, a componente de vídeo… Sabemos essas coisas todas.” O que falta também estabelecer é a questão da coreografia. Os Excesso sabem que o público espera que dancem, mas também sabem que não poderão oferecer um espetáculo igual aos que costumavam dar em termos de coreografia.
[O videoclip original de “Eu Sou Aquele”, um dos grandes sucessos dos Excesso:]
“Apesar de sermos uma boyband, temos noção da idade que temos e do que podemos fazer e do que devemos fazer”, começou por dizer Gonzo. “Vamos dançar porque as pessoas também querem isso. Também queremos, mas sabemos que não temos 25 anos. Quando fizemos o [novo] videoclipe do ‘Eu Sou Aquele’, muitas pessoas que lá estavam perguntaram se íamos dançar e dissemos que não. Cantámos umas 50 vezes para fazermos o videoclip e não senti necessidade de dançar. Falámos uns com os outros e não sentimos isso. Sabemos que temos de dançar, mas também achamos que conseguimos fazer um bom serviço e um bom trabalho sem isso. Acho que temos energia suficiente”, defendeu, garantindo que os Excesso farão tudo para dar o melhor espetáculo da carreira.
Carlos admitiu ao Observador que sentiu “aquele nervosinho” antes de subir ao palco esta quarta-feira. Ao olhar para os colegas, percebeu que não era o único. “Vi que estávamos todos com aquele bichinho, como se estivéssemos a subir ao palco pela primeira vez.” Os Excesso lembram-se perfeitamente desse concerto, há mais de 25 anos, na discoteca Dock’s, em Alcântara. “Foi uma apresentação para uma revista que já não existe, a Ragazza. Era uma revista de teens, como a Bravo ou a Super Pop”, explicou Gonzo. “O nosso manager chamou as revistas todas para nos irem ver. Cantámos duas canções, ‘Eu Sou Aquele’ e ‘Não Sei Viver Sem Ti’. Foi a primeira vez que subimos ao palco.”
Essa primeira vez foi a etapa inicial de uma trajetória de sucesso. “Foi o primeiro dia em que pisámos o palco juntos ao fim de 25 anos. Há um lado emotivo”, disse Melão, que admitiu estar “muito feliz, muito satisfeito e cheio de vontade” de voltar aos concertos. “Não há nada melhor do que nos estarmos a divertir e ter o público a divertir-se connosco. Não há dinheiro nenhum que pague isso. Não há emoção nenhuma superior a isto que sentimos quando estamos os cinco juntos, em cima do palco, a divertimo-nos. A magia é tão grande que parece que só existe aquele momento. O que senti [esta quarta-feira] foi que não queria que acabasse tão depressa. O motor nem chegou a aquecer. Quero mais. Sinto necessidade de mais. Desejo mais. Então quero dar isso ao público e receber essa vibe do público. Está a ser verdadeiramente uma loucura em excesso”, concluiu.
Apesar da “fome de palco”, os Excesso parecem estar decididos a não continuar com o projeto. Os dois concertos agendados são a despedida que não chegaram a fazer e que sentem que devem aos fãs. “A nossa intenção é fazer um ponto final. É fazer o que realmente faz sentido”, esclareceu Gonzo. “Vamos ter prazer em construir isto tudo, mas é um ponto final. É aquele final que nunca fizemos e que as pessoas que gostavam de nós queriam que tivéssemos feito na altura. Vamos fazê-lo este ano.”
É um processo emotivo. Melão garante que vai chorar antes, durante e depois do concerto em Lisboa. “Quem estiver lá a vender lenços, vai safar-se, porque vou fartar-me de chorar”, disse. “Hoje vi a mãe do João e desatei a chorar. Emocionei-me. É tão forte, tão intenso…” “Se tentarmos explicar o que foram os anos como Excesso, na estrada, e o excesso de emoções que vivemos, ninguém vai perceber”, acrescentou Gonzo. “Só nós é que percebemos, o que passámos, o que vivemos na altura. Aquilo que vivemos foi muito forte. E estamos a vivê-lo agora. E não é fácil.”