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NBCUniversal via Getty Images

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Os Globos de Ouro vistos do sofá (perdão, na festa com internet): também gosto de Queen, mas viva Roma

Tiago R. Santos foi a uma festa para ver os Globos de Ouro. Quase não viu, foi preciso dar a volta à internet e, no fim, o melhor filme não foi aquele que esperava. Crónica de uma longa noite.

“Estou preocupado”, diz o Rui.

Ainda não é meia-noite e os Blur cantam “Parklife” e ninguém está a dançar, apesar dos esforços do DJ. Mas não é isso que o faz ficar nervoso. Este ano, não há um único canal em Portugal que transmita os Globos de Ouro e há a hipótese real desta festa — esta mesma onde agora me encontro a escrever — mergulhar numa profunda crise existencial. “Mas assinei dois canais de streaming. Algum vai ter de funcionar.” Olhando para a tela gigante onde Claire Foy responde a perguntas que não consigo ouvir porque qualquer diálogo é abafado pela banda sonora que entretanto recorda os filmes do James Bond, acredito que vai correr bem.

Falta 1h15m para o início da cerimónia. Estamos no Hotel Vila Galé, Palácio dos Arcos. Há gin e petiscos e quadros de condes, reis e duquesas chamadas Maria José de Cardia Ferrão Castelo Branco nas paredes. Somos um grupo de adultos que decidiu enfrentar a noite de Domingo para ver profissionais de cinema a receber prémios pelo seu trabalho. O cabelo de Lady Gaga está azul. Os primeiros Globos de Ouro foram entregues em 1944 e foram criados por uma razão muito simples: os jornalistas estrangeiros achavam que tinham pouco acesso às estrelas de cinema e aos realizadores americanos. Nada como oferecer comida, bebida e pequenas estátuas douradas para resolver a questão. Resultou. Resulta sempre. Antes e agora. Tudo faz sentido e não há qualquer razão para o Rui estar preocupado. Isto é sobre cinema americano e o final só pode ser feliz.

Sabiam que a Hollywood Foreign Press Association (HFPA) só aceita o máximo de cinco novos membros por ano? E que são apenas 90 associados que decidem os vencedores desta cerimónia que começa daqui a 48 minutos? Incluindo um bodybuilder Russo e Margaret Gardiner, a jornalista da África do Sul que ganhou o título de Miss Universo em 1978? Estou a falar a sério, podem confirmar no Google. Ainda temos tempo e assim aproveito para pedir mais um gin.

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Faltam 27 minutos para começar a cerimónia e, citando Danny Glover em “Arma Mortífera”, estou a ficar velho para esta merda. Ainda por cima, já não vejo um filme de jeito desde “Corbett and Courtney Before the Kinetograph”, realizado por William K.L. Dickson e William Heise em 1894 e produzido por Thomas Edison Company.  As sequelas é que já não foram tão boas. William K.L. Dickson também realizou, em 1893,  “Cena num Ferreiro”, com os inesquecíveis Charles Kayser e John Ott como dois dos três homens que malham no ferro enquanto ele está quente – e bebem cerveja durante o processo. Isso é que era cinema, não esta coisa dos super-heróis.

O Rui continua preocupado. O streaming está a falhar. Há downloads feitos em puro pânico, programas desconhecidos que se instalam. Tanta festa e o perigo de nada celebrar. Se vivêssemos no equilíbrio de uma estrutura dramática, esta seria a crise do segundo acto, o momento em que tudo parece perdido. Ainda por cima, deixei de fumar, uma daquelas decisões precipitadas de ano novo pelas quais sou castigado diariamente. Cantam os Garbage. “Love me, love me, say that you love me, fool me, fool me, go on and fool me”, cantam os Cardigans. As pessoas já dançam. Agora é Paul Simon. “Call me Al. Sure, Paul. You’re Al”. E Freddie Mercury, “traveling at the speed of light” e de repente é uma discoteca numa sala de hotel onde todos se divertem com a excepção de um único cretino que está em frente ao computador, o mesmo que percebe que as pessoas nem sequer se importam muito se a Regina King ganha Melhor Actriz Secundária. O que querem é dançar. O que só faz delas melhores pessoas.

Cooper e Gaga a apresentar Melhor Actor numa série musical ou comédia. Michael Douglas. Michael Douglas? Michael Douglas. OK, porque não? É o Michael Douglas, nem dá para ficar chateado e o Donald Glover já venceu no ano passado e o Jim Carrey - segundo o próprio afirmou - nem sequer existe por isso imagino que também não tenha prateleiras para guardar o prémio que não ganhou mesmo se o merecia.

Os streamings falharam. A culpa é da SIC, que gastou o orçamento todo em Cristinas e este ano não faz a transmissão. Não, esperem, afinal há esperança. Não abandonem ainda este texto, a Internet e a pirataria ganharam, mais uma vez. Apanhamos o monólogo a meio. Estão a gozar com o Jim Carrey mas a piada – o diferente estatuto entre cinema e televisão – parece ter sido escrita no século passado. Talvez a transmissão esteja com “delay”. Mas agora estão a falar de diversidade, o que me faz pensar que já apanhámos 2019.

Cooper e Gaga a apresentar Melhor Actor numa série musical ou comédia. Michael Douglas. Michael Douglas? Michael Douglas. OK, porque não? É o Michael Douglas, nem dá para ficar chateado e o Donald Glover já venceu no ano passado e o Jim Carrey — segundo o próprio afirmou — nem sequer existe por isso imagino que também não tenha prateleiras para guardar o prémio que não ganhou mesmo se o merecia. Entretanto, o streaming saltou para a vitória do Homem Aranha nos filmes de animação e a minha reacção é nula porque já há muito aprendi que não vale a pena ter cavalos em todas as corridas.

O elenco do “The Favorite” apresenta o seu próprio filme, que eu ainda não vi, o que me parece profundamente injusto porque eu – todos nós – precisamos de Lathimos nas nossas vidas. E porque a existência é uma brincadeira entre o yin e o yang, logo a seguir aparece o elenco do “Big Bang Theory” que oferece o prémio de melhor actor em drama/séries para o Richard Madden, em “The Bodyguard”. Matthew Rhys tinha direito a levar esse Globo para casa. Para compensar, o “The Americans” ganha melhor série. Obrigado pelo rasgo de bom senso, Margaret Gardiner.

De zero a Gaga: as certinhas, as erradas e o azul na passadeira vermelha dos Globos de Ouro

A presidente da HFPA está a defender a liberdade de imprensa. O que é apropriado e também irónico: a HFPA é conhecida pelo secretismo e os seus membros não podem dar entrevistas a jornalistas externos sem estarem autorizados pela direcção. Ben Whishaw ganha melhor Actor Secundário numa mini-série pelo óptimo “A Very English Scandal” e Actriz é a Patricia Arquette, que tem muito para dizer e piada enquanto o faz. E esta parte acaba com vacinas para a gripe. A propósito dos milagres da medicina, o “The Handmaid’s Tale” e a Margaret Atwood mereciam um prémio por criarem uma personagem fictícia (a Aunt Lydia) que se transformou numa mulher real: Damares Alves, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do Governo de Bolsonaro a quem um Jesus Cristo Louro apareceu num Pé de Goiaba. O meu Jesus preferido é mexicano, veste cor-de-rosa, lambe bolas de bowling e apareceu num filme dos irmãos Coen. Cada um tem os mitos que merece.

Por falar em mitos, Carol Burnett ganha o primeiro prémio Carol Burnett, o que é uma enorme surpresa. Alguém aqui grita “é a Ana Bola deles”, o que só fica bem a ambas. O discurso dela crashou a Internet, que volta com a vitória de Shallow e Lady Gaga para melhor canção original, surpreendendo exactamente pessoa nenhuma em todo este pequeno planeta azul.

A apresentação de “The Green Book” foi interrompida por uma conferência de imprensa de Mourinho enquanto treinador do Benfica a criticar Sabry. O que aconteceu há mais de uma década, mas já há algum tempo que estamos na 5ª Dimensão. Regina King ganha melhor actriz secundária — o que adivinhei sem sequer tentar num qualquer parágrafo anterior — e a emissão passa para um jogo de hóquei em gelo Americano antes de voltar para os agradecimentos de King agora dobrados em Espanhol. Esta é a melhor festa de Globos de Ouro de sempre. As linhas temporais estão trocadas, as traduções são simultâneas e o absurdo é recebido de braços abertos. Mas faz todo o sentido que Sandra Oh ganhe pouco depois como Melhor Actriz por “Killing Eve” — a série adaptada por Phoebe Waller-Bridge, é brilhante e Jodie Comer, a sua co-protagonista, também devia estar em cima do palco.

Isto assim não vale. Também gosto de Queen (quem não gosta?) mas um filme que acaba com 15 minutos de recriação de um concerto, como se a tela de cinema fosse apenas o pano de fundo para uma sessão de karaoke, não pode ser o melhor coisa nenhuma.

Mahershala Ali, melhor actor secundário por “Green Book” que vence também melhor argumento. As interrupções tornam-se cada vez mais frequentes. É como se voltássemos a um passado analógico onde recebemos os resultados por telegrama:

— Melhor Actriz Secundária Série. Patricia Clarkson. “Sharp Objects”.
— Christian Bale. “Vice”: “Thank you to Satan, for giving me inspiration”. Algures num bunker, Dick Cheney sorriu, orgulhoso.

“Roma”, que de acordo com as regras da HFPA não pode ser nomeado para melhor drama – não é falado em Inglês – ganha melhor filme estrangeiro. Claro. Daqui a pouco, Alfonso Cuarón ganhará também melhor realizador. Depois, os Globos de Ouro irão abandonar todo a lógica e sentido critico, por isso nada como aproveitar o momento para desabafar e apontar o dedo a alguns injustiças:

Claro que Rachel Brosnahan é maravilhosa como a Mrs. Maisel, mas Tony Shalhoub não ter sido sequer nomeado é uma desgraça imperdoável que retira qualquer legitimidade a esta edição dos Globos de Ouro. E “The Kominsky Method”, que é melhor do que “Atlanta”, nem sequer está na lista? Falta também “Glow” e “Better Call Saul” nos dramas de televisão. Toni Collette em “Hereditário”, Ethan Hawke em “First Reformed” – tal como o guião de Paul Schrader ou o próprio filme. “Paddington 2” para Melhor Comédia. “Eight Grade” é incrível, porque raio é que não foi nomeado? Jim Cummings é uma revelação extraordinária com “Thunder Road” e o homem nem sequer foi convidado para um copo. “Bohemian Rapsody” para melhor drama é como “O Turista” ter sido nomeado para Melhor Comédia, Actor e Actriz há uns anos – foi realizado por Florian Henckel von Donnersmarck, que só voltou a filmar com “Nunca Deixes de Olhar”, indicado agora para melhor filme estrangeiro. O nome completo dele é Florian Maria Georg Christian Graf Henckel Von Donnersmarck (a sério) e foi vencedor do Yoga Awards para Pior Realizador Estrangeiro em 2011 pelo — como já devem ter adivinhado — “O Turista”. A realidade é um circulo perfeito, como escrevem aqueles que ganham fortunas com os livros de auto-ajuda.

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De regresso aos telegramas mais importantes:

— Olivia Coleman. Rainha em Comédia. Fuck yeah.
— “Green Book”. Melhor Comédia. Fuck no.
— Gleen Close. Melhor actriz Drama. Cool.
— Rami Malek, Melhor Actor Drama. OK…
— “Bohemian Rapsody”, Melhor Drama. WTF?

A Hollywood Foreign Press Association (HFPA) só aceita o máximo de cinco novos membros por ano e são apenas 90 os associados que decidem os vencedores dos Globos de Ouro, incluindo um bodybuilder Russo e Margaret Gardiner, a jornalista da África do Sul que ganhou o título de Miss Universo em 1978. Sinto que é importante sublinhar que nada tenho contra bodybuilders ou Miss Universos que escrevem sobre cinema. Mas isto assim não vale. Também gosto de Queen (quem não gosta?) mas um filme que acaba com 15 minutos de recriação de um concerto, como se a tela de cinema fosse apenas o pano de fundo para uma sessão de karaoke, não pode ser o melhor coisa nenhuma.

Mas é. Enfim. Festa é festa. Siga para os Óscares. Viva Roma.

Tiago R. Santos é argumentista

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